A velha casa ao lado dos trilhos

Essa história aconteceu com o irmão caçula de um amigo de minha mãe. Os eventos ocorreram há mais de 20 anos atrás.

Esse referido irmão (que vou chamar de M) começou a viver sozinho em uma casa alugada localizada perto dos trilhos de trem de sua cidade natal. A casa em si era pequena, antiga e de apenas um andar. Como a residência era tão próxima da linha de trem, sendo que apenas uma frágil cerca separava o quintal dos trilhos, o preço do aluguel era extremamente baixo.

Não era uma grande desvantagem morar naquela casa, afinal, havia poucos trens que passavam por ali, por se tratar de uma região interiorana e rural. Durante a noite era ainda mais raro passar um trem, de modo que o morador não deveria se preocupar em ser acordado por algum barulho.

De fato, barulho advindo de algum trem não eram ouvidos, mas outros tipos de sons, por outro lado...

Uma certa noite, apenas dias depois de ter se mudado, M acordou com o som de passos de alguém andando sobre o cascalho. Cascalho esse que recobria o quintal, logo era alguém que estava se movimentando do lado de fora da residência.

M chegou a pensar em se levantar, mas desistiu ao recordar que tinha trancado todas as portas e janelas. Estava seguro e quem quer que fosse que se esgueirava do lado de fora da casa (um ladrão ou algo do gênero) teria dificuldade de invadir sem ativar os alarmes. Além disso, ele estava muito cansado devido ao longo dia de trabalho que tivera, assim a exaustão sobrepôs a necessidade de investigar o barulho. M se virou em seu futon e caiu no sono.

Algumas noites depois, M ouviu o mesmo som. Ele iria ignorar como fizera antes, mas havia algo estranho. Ele havia se enganado! O som não era de alguém caminhando e sim se rastejando. Sim, podia escutar o arrastar de algo ou alguém sobre o cascalho. Aquilo era por demais esquisito para ignorar.

Resoluto em investigar a origem do som, M foi até a janela que dava para o seu quintal e espiou através das cortinas ainda fechadas. O som se repetiu e ele buscou pela a causa... Não demorou para encontrá-la. Logo ali, perto da cerca, havia um homem. Esse homem rastejava, puxando o seu corpo com as mãos. Corpo que não possuía pernas...Nem cintura...

O homem se movimentada no mesmo local, perto da cerca. Arrastando o seu tronco sobre as pedras, deixando uma trilha de um líquido negro e grosso. M não pode conter o grito de horror que escapou de seus lábios.

A criatura parece tê-lo ouvido, pois parou o seu grotesco movimento para virar o seu rosto em direção a casa. Mais precisamente, a janela aonde M o espiava.

M, em pânico, correu para o seu quarto e se enfiou por debaixo das cobertas. Ainda podia ouvir o arrastar no cascalho...Entretanto, tal som não perdurou por muito tempo.

Silêncio. Nada se movia em seu quintal. Nada.

M tentou rir, aliviado e meio assustado. Talvez tudo não passasse de um engano. Ele não vira um homem despedaçado! Deve ser algum animal...E na escuridão da noite, seu cérebro se confundiu e criou uma ilusão assustadora.

Plack!

Algo caiu na cozinha.

Creak...

Uma cadeira foi afastada.

Shhh...

Algo se arrastava sobre o piso de madeira.

Shh...

Se movia no corredor.

Shh...

Estava logo atrás da porta do seu quarto.

M tentava entender o que estava acontecendo. Como aquilo conseguiu entrar? Não ouvira nenhuma porta ser aberta, mas não podia negar os sons que ouvia em sua pequena casa.

M ainda tinha uma pequena esperança de tudo não passar de um mal-entendido. Não havia homem sem pernas. Os sons eram apenas isso...Sons! Nada paranormal. Tomado por uma tola coragem, M esgueirou sua cabeça para fora da "proteção" das cobertas. De início nada notou de diferente em seu escuro e simples quarto. Até que...

Lá estava ele. Um velho com uma sorridente expressão, cabelos brancos e quebradiços, olhos fixos e descoloridos. Ele rastejava, vindo em direção de M. Uma mão trêmula puxava o tronco por sobre o chão. Cada vez mais próximo...

Aterrorizado, M cobriu o seu rosto com as cobertas.

Shh...

Ainda podia ouvir a aproximação. Quase podia sentir a presença do velho sobre ele. M estava paralisado, esperando pelo seu eminente fim.

E a manhã veio. M acordou assustado. Retirou as cobertas e esperou vislumbrar a horrenda figura, mas nada estava ali. Seu quarto parecia normal.

— Foi tudo um sonho... — suspirou M, levando a mão ao rosto, só para notar que algo pegajoso escorria por sua face. Sua mão...Ela estava coberta de um líquido preto, grosso e fedorento. Algo podre.

M se levantou, bruscamente. Agora em pé podia ver melhor. Podia ver os rastros deixados pelo visitante noturno. Não fora um sonho.

~**~

O velho apareceu outras vezes, mas M acabou se acostumando com a presença da figura fantasmagórica. Afinal, se ele não importunasse o estranho ser, este só ficaria se rastejando no quintal, próximo da cerca. Ficaria ali o resto da noite e de manhã só os rastros escuros eram um indicativo da sua presença.

M viveu nessa casa por dois anos. Nesse período, ele buscou saber mais sobre aquele espírito. Pelo visto, um ancião morou próximo daquela casa no passado. Esse senhor sofria de demência. Infelizmente, certa ocasião, andando sem rumo...O velho atravessou os trilhos e foi atingindo por um trem. Ele foi cortado pela metade. Suas pernas foram esmagadas e destroçadas pelo veículo, mas o seu tronco foi lançado para as margens dos trilhos, sem muitos danos. Dizem que apesar do golpe, o velho ainda permaneceu vivo por alguns minutos. Nesse tempo, o ancião tentou arrastar o seu corpo moribundo rumo aos trilhos, tentando reaver suas pernas...

~**~

Eu visitei a região há alguns anos. Identifiquei a casa da história com facilidade. Contudo, ninguém vivia ali e a residência estava caindo aos pedaços.

Confesso que temi chegar mais perto para investigar. Se eu visse rastros escuros, como sangue coagulado podre, o que iria fazer? Preferi a ignorância à confirmação.


~~Palavras da Autora~~

Tradução de "Old House on the railway tracks" - Kowaban volume 1 - Tara A. Delvin.

E vocês? Teriam coragem de investigar?

Minha resposta: Sim! Ainda tiraria fotos! 

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