Quando o não saber dói menos


Não nos vemos a cinco anos, terminamos o namoro quando ele viajou pra ir fazer faculdade, na verdade foi poucos meses depois, estávamos a mais de mil km de distância nas primeiras festas universitárias tanto dele quanto minhas vimos que isso não tinha como dar certo.

Nos formamos no ano retrasado, mas ele continuou lá fazendo mestrado, nos encontrávamos durante as férias, mas eu evitava ir para o mesmo lugar que ele, os amigos eram os mesmos, mas alguns entendiam e se dividiam pra evitar os constrangimentos. Hoje sem que eu soubesse cheguei ao barzinho e lá estava ele, tão lindo quanto me lembrava, agora usava óculos, o coração balançou, eu o cumprimentei e quis me sentar longe dele, mas adivinhem onde tinha a única cadeira vazia na mesa? Exatamente, ao lado direito dele, era exatamente assim que nosso grupo se sentava antes, quando ainda éramos adolescentes comendo lanche com coca cola.

Ele começou a conversar comigo, sobre minha vida, meu trabalho, eu tinha arrumado um emprego no banco aqui na cidade, ele sabia, acabava que sabíamos um da vida do outro por redes sociais ou pelos amigos. Eu tentei manter um diálogo mais na área profissional, sobre as pesquisas dele, meu trabalho, comentários sobre as famílias, eu não queria chegar na parte em que se pergunta e aí, tá namorando, solteiro ou enrolado? eu não tinha problemas em responder, saí com algumas pessoas sim, mas nunca consegui namorar nenhum, nas mãos dele nenhuma marca de aliança, nas redes sociais não tinha nada que indicasse isso, mas nunca se sabe né. Nesse aspecto prefiro me manter na ignorância

Ana, to indo embora com o Carlos, será que você não leva o Davi? É que a gente tá de moto e você mora perto

Tá bom, pode deixar – qual a probabilidade de isso dar merda? Eu creio que em torno de 40%

-Como assim? Sua casa sempre foi longe da minha

-A casa dos meus pais sim, mas eu comprei um apartamento pra mim, é perto da casa dos seus pais, fica mais fácil pra eu ir trabalhar

-Entendi... - o sorriso de canto que ele deu quer dizer o que exatamente?

Passo perto do meu prédio e aponto mostrando qual é, ele me pede pra conhecer – a probabilidade subiu pra em torno de uns 80%

Guardo meu carro na garagem, entramos no elevador, eu me prenso na parede do fundo, o coração ainda tá brincando de pular corda com a carótida, tá batendo na garganta, a boca tá seca e eu não sei mais o que estou fazendo, demorei a me conhecer sem ser a namorada dele, e agora ele aqui, tão bonito, tão cheiroso, tão perto... O elevador para, descemos e mostro meu apartamento pra ele, é pequeno, mas com a ajuda de uma amiga arquiteta que fez um projeto pros móveis ficou perfeito, caro pra caramba, financiado em várias parcelinhas no cartão, mas perfeito.

Ele anda por tudo, eu só fui com ele até o corredor mostrando onde era cada cômodo, pediu pra ir ao banheiro e eu fui pro sofá. Moro sozinha, até pensei em ter um gato, mas desisti, mal tenho tempo pra mim, deixar o coitado sozinho preso o dia todo? não me pareceu uma boa ideia.

Ouço o barulho da porta e ele vem em minha direção

-Ninha (ele era o único que me chamava assim), os olhos dele que eu evitei a noite toda me fizeram lembrar ainda mais de anos atrás, o mesmo brilho, o cabelo criou algumas entradas, a barba cresceu escondendo algumas marcas sutis de espinhas que ele teve na adolescência, eu também mudei, meus cabelos castanhos sempre longos hoje estão curtos e loiros, a menina que só usava rasteirinha hoje não sabe mais ficar sem salto alto e maquiagem.

Mudamos tanto

Ainda somos os mesmos

Me perco entre o presente e o passado, ele me beija e começo a chorar, ao sentir minhas lágrimas ele para

-Ninha, o que foi?

-Eu, eu não posso, como que eu vou ter você de novo se você vai embora, é impossível

-Ninha, me ouve, eu vou embora segunda feira, mas pela última vez, eu só tenho que ir mais duas vezes na faculdade e organizar a entrega do meu apartamento, estou voltando pra casa

-O que? Mas e o mestrado?

-Eu terminei

-E não vai fazer doutorado ou sei lá o que?

-Não

-Mas você sempre disse que queria

-Sim, mas minha experiencia com o mestrado me fez ver que não valia tanto a pena como eu imaginava, meu pai tá velho, cansado, preciso ajudar ele, do que adianta ele ter um filho agrônomo com mestrado se ele não está aqui ajudando ele a cuidar da fazenda. Eu tinha combinado com ele que viria agora pra ver o que eu iria precisar comprar, algumas coisas compensam trazer de lá, outras não. Até o fim do mês eu volto pra sempre

Aí que eu choro de verdade, eu não acredito que depois de tanto tempo ele voltou

-Eu senti tanto a sua falta, eu sei que procurava você em cada mulher que saí

-Eu fiz o mesmo

-Mas agora eu e você estamos aqui, me aceita de volta?

-Você nunca foi embora de dentro de mim

Com lágrimas, sorrisos, nariz entupido pelo choro, algumas risadas bobas voltamos a nos beijar, o meu Dê voltou, voltamos a ser o Dê e a Ninha, ele me levou para o meu quarto, sempre foi o romântico do casal, me abraçou e me aconchegou em seu peito. A carga emocional foi muito forte, adormeci.

Quando acordei estava sorrindo, as lágrimas vieram quando vi que a cama estava vazia, eu não posso acreditar que sonhei com isso, mas é real, tem que ser real. Ainda chorando entro no banheiro, preciso começar o dia, pode ser domingo, mas pra mim é dia de estudar, me encher de compromissos foi a maneira de esquecer tudo o que eu tinha medo de me lembrar.

Me sento em frente ao computador para começar a assistir mais uma aula da pós graduação e ouço o barulho da chave na porta, estranho, só meus pais tem a chave e eles nunca vem aqui a esse horário. Pra minha felicidade é o Dê com uma sacola enorme de comida, eu não sonhei, foi tudo real e ele foi apenas buscar comida pra mim

-Você agora acorda cedo aos domingos? Eu achava que daria tempo de pelo menos arrumar a mesa

-Acabei pegando o hábito, mas você está aqui, é o que importa

-Como assim?

-Eu já sonhei tantas vezes q você tinha voltado, achei que era mais uma delas

-Prometo que nunca mais vou embora, vem cá, trouxe o seu croissant de chocolate

Ao terminarmos de comer, ele me chama pra assistir um filme, nem me lembro a última vez que assisti um, isso sempre me lembrava dele, fomos pro quarto e ele escolheu um filme de suspense – como sempre - não assisti nem aos créditos iniciais, ele passou a fazer carinho nas minhas costas, eu deitada em seu peito, coloquei minha perna sobre as suas, sentindo seu cheiro e curtindo o domingo. 

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