Conto: Doença e Cura
Dionísio, que nome minha mãe foi botar em mim! Eu odeio esse nome! Além de ser feio e gozado, ainda me trás um azar danado. Dizem que eu tenho que ter orgulho dele pois é consagrado ao espírito das águas. Há... Ele deve estar me amaldiçoando então, já tentou por diversas vezes me afogar nas suas águas... Tenho que rir, não aguento. Ainda bem que quase ninguém sabe disso. Dione. Uso esse codinome. Todos me chamam assim.
Estou aqui no Rio, num condomínio de luxo, que conquistei com meu esforço e trabalho. Fiz muita coisa ilícita sim, mas esse bem, eu tenho orgulho de falar que é fruto do meu suor. Moro sozinho aqui. Minha filha e meu genro vieram para comemorarmos juntos a virada do ano. Ainda não eram nem sete horas e eu já estava num porre danado. Minha cabeça doía. Tenho que dormir um pouco, pelo menos tenho uma chance de estar de pé, quando os ponteiros se encontrarem, na expectativa de um novo ano, mesmo não tendo perspectiva para mais nada nessa droga de vida. Retiro a camisa e solto o corpo pesado na cama, caindo de bruços sobre ela.
__ Pai... - Ouço o ranger da porta que se abre, e Marina, minha filha me chamando. Prefiro ficar quieto.
__ Ele está dormindo? - Lucas, meu Genro pergunta.
__ Parece que sim. Vamos deixá-lo descansar; meu pai passou a beber muito e está depressivo desde que Lisa foi embora.
Marina explica o meu estado para o marido, antes de fechar cuidadosamente a porta e sair, deixando o quarto escuro do jeito que eu gosto.
Ainda me considero muito jovem com querenta anos, mas não tenho ânimo pra fazer mais nada, há não ser ir até o bar da esquina e beber até começar a enxergar dois caminhos pela frente. Já fazem três anos desde que ela partiu, levando minha filha no ventre. Minha Choon Hee. Era esse o nome que ela dizia que daria a nossa filha.
Três anos bebendo, sem fazer a barba e cabelo... Eu estava totalmente irreconhecível. Eu era um mulherengo. Sempre brinquei com os sentimentos das mulheres. Nunca fui de me apaixonar ou ter algo sério com elas. Eu só queria aventura. Tinha o coração duro feito pedra. Até que foi amolecido de um jeito e explicável, por uma Coreana linda que surgiu por um acaso na minha vida.
Ela foi a minha cura e ao mesmo tempo minha doença.
[...]
Inexplicavelmente me vejo descendo as escadas ouvindo o alvoroço vindo da mesa da copa. Tudo ao redor estava mais claro, como se tivesse uma luz diferente iluminando o hambiente. Olhei para mim mesmo e me vi em vestes brancas. Uma camisa de manga curta e uma calça larga, ambas de seda. Eu estava descalço. Risos e gargalhadas, vozes altas... Consegui ouvir até o barulho da rolha saindo da garrafa de champanhe e sendo alçada para o alto.
Cheguei e olhei meio assustado da porta. A mesa antes vazia, estava cheia. Marina e seu marido Lucas, meu amigo Clóvis, os tios da Lisa... Todos rindo e felizes. Passei cuidadosamente o olhar no rosto de cada um deles naquela mesa, meu semblante foi mudando até que avistei ela, Lisa; ela estava linda! De vestido branco e com o mesmo pingente dourado de flor de lótus no pescoço. Olhei e vi do seu lado nossa filha: Choon Hee. Com seus olhinhos pequenos e puxados, era a cara da mãe! Linda como ela.
__ Venha meu bem! Só está faltando você! - Lisa disse quando me viu, com aquele sorriso meigo que só ela tinha. Marina se virou para trás e também se alegrou.
__ Aonde o senhor estava?! Perdeu a queima de fogos!
Caminhei em passos lentos até puxar uma cadeira e me sentar ao lado de Lisa.
__ Feliz ano novo, querido! - Lisa disse me beijando em seguida.
__ Feliz ano novo pai! - Marina me desejava também, assim como todos ali naquela mesa. Clóvis um amigo que conquistei em algum momento da minha vida, encheu uma taça e me entregou.
__ Brinda com a gente, senhor Dione! - Falou ele sorrindo. Nós brindamos.
Lucas, meu Genro, brindou com água, pois era cristão. Nunca em toda minha vida, poderia imaginar que minha filha se casaria com um crente. Bom, pelo menos ela se casou, coisa que jurava que jamais iria fazer na vida; com véu e grinalda então...Ela se apaixonou perdidamente pelo rapaz, não era pra menos, o moço é realmente muito vistoso, se eu fosse mulher também casaria com ele. Marina se batizou nas águas e tudo mais, um verdadeiro milagre do São Lucas!
Choon Hee, queria um pouco daquilo que estávamos bebendo. Eu a peguei no colo e tenteia convencer que aquilo só adulto poderia beber e que era muito ruim. Ela não quis entender e se pôs a chorar. Marina, sua irmã, pegou um doce e lhe entregou. Lucas chamou a atenção de todos para fazer uma oração, antes de começarmos a comer. Ele era comunicativo e falava bem. Enquanto o moço orava, eu abri um dos olhos permanecendo com o outro fechado, coloquei um semblante de deboche na cara, olhei para Choon Hee e belisquei a comida. Lisa me deu um tapa mão e me olhou com reprovação, enquanto Choon Hee começava a rir.
Depois da oratória, Lisa com toda sua calma e paciência pegou Choon Hee no colo e foi até a cozinha preparar um suco de laranja natural para a menina. Nós ficamos ali papeando, bebendo e comendo.
Depois de um tempo olhei e vi Lisa vindo da cozinha, com Choon Hee no colo. A menina tomava satisfeita o suco no seu copinho rosa com desenhos coloridos. Lisa sorria para mim sem mostrar os dentes. Dava pra ver no seu olhar o quanto estava feliz. Começamos a ouvir o barulho de fogos vindo de algum lugar lá na rua. Olhei para Clóvis e ele estava preocupado.
__ Isso não são fogos. - Falou ele, mais preocupado ainda. __ São tiros! - Completou.
Me virei para Lisa que se aproximava da mesa e a vi arregalar os olhos, enquanto Choon Hee, deixava o copinho cair de suas mãos e amolecia o corpo. Corri e consegui segurar as duas antes que caíssem no chão. Senti um líquido a molhar uma das minhas mãos. Olhei e era sangue.
Uma bala perdida havia entrado pela janela e atravessado as duas.
Acordei assustado e suando frio! O coração descompasado e a respiração ofegante delatavam o quanto aquele sonho mexeu comigo. Apesar de ter sido muito ruim, agradeci aos céus por ter sido apenas um pesadelo. Percebi que a queima de fogos acontecia. Olhei no relógio digital sobre o criado mudo e eram meia noite e dois. Ainda sentia o mal estar que aquele maldito pesadelo me causou, a percorrer por todas as células do meu corpo.
Feliz ano novo pai! - Falou Marina assim que cheguei na sala. Além de Lucas, seu pai e irmão também estavam ali.
[...]
Quem diria, não podia acreditar que era eu que estava sentado numa cadeira no banheiro, me olhando no espelho, enquanto Lucas cortava o meu cabelo e fazia a minha barba. Eu acordei diferente. Algo havia me despertado. Lucas me disse que estava orando por mim e que Deus havia ouvido as suas preces.
Eu sou um ateu nato. Mesmo não acreditando em praticamente nada nessa minha vida, começava a dar crédito ao que o rapaz falava, afinal
ele já havia operado um milagre na vida da minha filha né. Dei um sorriso olhando pro espelho e Lucas correspondeu de igual forma, mesmo sem entender o motivo. Esse meu estado decadente só iria me atrair coisas ruins, más energias... E me levaria para um destino como aquele do sonho. Eu teria que estar preparado, no meu melhor estado, para quando o meu amor retornasse. Eu sei que um dia ela virá.
[...]
Cheguei na sala novamente depois do trato no visual, e todos ficaram admirados. Lucas sabia fazer uns penteados maneiros.__ Moço, você viu o senhor Dione por aí? - Jacó, o pai de Lucas brincou.
__ Papai... Você ficou uns dez anos mais novo! - Falou Marina admirada.
__ Ano novo, visual novo, vida nova! - Falei com alegria, me sentindo bem. Poderia ter tomado aquela iniciativa bem antes.
[...]
Estavam todos lá embaixo, e eu de novo sozinho, na cobertura, segurando uma garrafa de bebida em uma das mãos e um tabaco na outra. A mudança que havia impactado a todos só aconteceu por fora. Por dentro eu sentia o mesmo vazio e a mesma tristeza de antes.
Eu estava em pé sobre o meio fio da cobertura do trigésimo andar, olhando pro horizonte e para todas aquelas luzes e faróis de carros que transitavam por diversas ruas onde eu podia ouvir suas buzinas ao longe.
"Onde você está Lisa?"
Eu me perguntava, tentando imaginar. Eu já não acreditava mais que voltaria. A decisão já estava tomada. Não existiam mais razões para que eu continuasse vivo. Olhei para baixo e comecei a pender o corpo para frente na intenção de soltá-lo lentamente, enquanto olhava o tráfego dos veículos que se tornavam minúsculos devido a altura. Minha vida já não fazia sentido sem ela!
__ Papai! Cadê você?! Sei que está por aqui. É pra cá que sempre vem quando quer ficar sozinho. O senhor nem imagina quem está lá em baixo!
Sua voz soava com empolgação. Eu a ouvi terminar a frase dizendo que alguém estava lá embaixo, justamente quando me viu fazer o que eu não queria que visse. Eu a vi gritar vendo a cena, mas já era tarde demais, para mim e para ela.
[...]
Será que isso é mais um sonho?! Ou morri e estou do outro lado da vida?! Quando cheguei lá embaixo eu não acreditei no que meus olhos viam. Lisa estava lá na com Choon Hee no colo, e dessa vez não era um sonho! Disso eu tinha certeza, pois os cortes na palma da minha mão doía de verdade. Na hora Marina perguntou o que deu em mim para apertar e quebrar aquela garrafa com a mão daquela forma. Ela me chamou de doido.
__ Seu Dione! - Eu ouvi sua voz falando o meu nome. Era tão bom ouvir aquilo novamente! Me chamou com a mesma formalidade de sempre.
"Lisa!?" Pronunciei seu nome, emocionado.
__ Essa é sua filha, Choon Hee.
Ela me disse sorrindo e como era lindo o sorriso dela! Eu olhei encantado para a menina e a peguei no colo. lhe dei um abraço apertado, tendo cuidado para que minha mão enfaixada e meio suja de sangue, não encostasse no seu vestidinho branco.
__ Você está ferido, o que ouve?!
Lisa perguntou preocupada.
"Foi um pequeno acidente."
Falei trocando olhares com Marina. Marina pegou a irmã dos meus braços, e parecia mais empolgada que eu. Eu estava pronto para abraçar e ter Lisa de novo nos meus braços, sentir o seu frágil e pequeno corpo em contato com o meu e o cheiro de seu perfume de flor de maçãs que pude sentir de longe que ainda usava.
Quando dei o primeiro passo, eis que um rapaz vistoso e alto, muito bem vestido surgiu por detrás dela. Notei que também tinha descendência Coreana, e aparentava ter uns 30 anos, talvez menos. Meu sorriso se foi e engoli em seco. Marina me olhou sem graça, parecendo querer ver minha reação e em seguida trocou olhares com Lucas. Não vai me apresentar o rapaz? Perguntei cerrando os punhos, em um misto de alegria, decepção e ódio ao mesmo tempo.
Fim.
#concursovivalaescrita
#concusoVivaLaEscrita
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