Lábios Queimando
ESSE CONTO FOI INTEIRO ESCRITO POR DeboraSSilva E É CONTADO PELO PONTO DE VISTA DA PORTIA.
Ela tinha conseguido mais uma vez. Eu nem ligava muito para a competição de canto, mas para o Ben, sim, eu ligava demais.
Ben conversou comigo me explicando que nada realmente sério poderia surgir entre nós dois. Ele não precisava me explicar nos mínimos detalhes porque já via diante dos meus olhos todos os sentimentos dele fazia anos.
Elisa era o centro do universo para ele! Ela tinha toda sua atenção até quando ele estava comigo. Quando saíamos só nós dois para fazer algo que só nós dois gostávamos, mas lá estava ela, presente nos pensamentos dele 24 horas por dia.
Não era de uma forma obsessiva, e isso me deixava com mais tristeza ainda, porque era de uma forma maravilhosa que ele pensava nela. Era amor! Era como eu queria que ele pensasse em mim, como queria que pelo menos olhasse para mim.
Queria que ele olhasse para o meu sorriso, que dividíssemos algum segredo, que, quando viajassem, tivéssemos uma experiência maravilhosa que mais tarde ficaríamos relembrando e rindo e, o mais importante, queria que ele prestasse atenção onde eu estou a todo o momento.
Sabia que agora ele era seu guarda pessoal e fazia isso com prazer, porque já prestava atenção em tudo que ela fazia e dizia! Se Elisa tinha medo de fogo, então Ben era seu escudo para qualquer coisa que pudesse sequer queimá-la; se ela não sabia nadar, então Ben era seu salva vidas e isso servia para qualquer coisa.
E ela, tenho que admitir, o admirava muito. Nunca vou poder falar que Elisa não dava valor ao Ben, pois ela dava e muito. Elisa dava valor a qualquer amizade que possuía, seja por uma simples criada que ela gostava ou pelo cara mais popular, era uma boa amiga e disso nunca conseguiria reclamar.
Mas eu queria tanto, queria jogar para escanteio qualquer coisa que fosse bom nela e tentar convencer Ben de que nós dois tínhamos muito mais em comum do que ele e Elisa e que o relacionamento deles nunca daria realmente certo. Só que absolutamente nada do que eu dissesse conseguiria convencê-lo, porque, assim como eu mesma, ele sabia que o que eu falava da Elisa era mentira.
Me escorei na parede atrás de mim, me segurando com as mãos atrás das minhas costas e olhei para o final do corredor. Eu queria tanto que Ben saísse por aquela porta e viesse me acompanhar, sair daquela festa que comemorava os ganhadores da competição de canto e ficar bem aqui, comigo.
Fechei os olhos e nesse mesmo instante escutei a porta sendo aberta, abri os olhos com desespero, mas a única pessoa que vi saindo foi o campeão de canto, Patrick, eu acho, saindo da festa rindo e bagunçando o próprio cabelo que era de um branco que quase me fazia ter vontade de fechar os olhos.
Ele me avistou, e seu sorriso foi sumindo até não ter mais nenhuma diversão exibida em seu rosto. Voltei a cabeça para frente, olhando a parede bege que agora eu realmente gostaria que a Casa das Artes tivesse pichado para pelo menos ter o que admirar.
O vento invadia o corredor pela janela ao meu lado. Era muito reconfortante o frio que entrava e me deixava com o queixo tremendo, era algo diferente para se pensar, desviar minha atenção de todos os pensamentos envolvendo Ben.
- Vai terminar pegando uma hipotermia desse jeito, - escutei a leve voz do garoto, bem ao meu lado.
Eu o olhei de canto de olho e percebi que ele fechava a janela, assim impedindo que o ar frio me servisse de distração. Ele iria se arrepender disso nesse exato momento, porque se tinha uma coisa que eu fazia bem era arrumar outra distração.
- Você sabia que dói ser apaixonada por uma pessoa que ama outra? - Falei e senti seus olhos se cravando em mim.
- Eu não! - Ele exclamou como se tivesse culpa de algo - E estou muito impressionado, - ele botou a mão no peito - jurava que o povo da Casa das Ciências nem tinham sentimentos.
Não esbocei nenhuma emoção no meu rosto, aquilo não era engraçado, mas parecia que a Casa das Artes adorava zombar dos nossos sentimentos e escolhas de profissão. E eu reparei que a minha falta de reação não o abalou em nada. Parecia que não se importava se eu riria ou não, o importante era ele falar e isso já o satisfazia.
- Dói, na verdade, não apenas dói como machuca - eu esclareci.
- Você deve estar com uma ferida enorme, pelo jeito, - ele disse fazendo uma careta e ficando sério, cruzou os braços e se encostou a parede do outro lado da janela.
- E, sabe, a pessoa que ele gosta nem repara nele desse jeito. Do jeito que eu reparo – falei, sacudindo a cabeça com indignação.
- E você sabe ler mentes agora? - ele perguntou, e eu virei todo o meu rosto para ele.
- Dá pra reparar! - eu falei, afastando um pouco meu corpo da parede deixando apenas as minhas mãos ainda apoiadas.
- Você gosta dele faz tempo? - ele perguntou ainda com os braços cruzados e encostando a cabeça na parede.
Como não gostar dele há tempos? Ele era a pessoa perfeita, o sol de cada dia que realmente iluminava a vida, não apenas de uma pessoa, mas de qualquer uma que passasse ao seu lado. Ben gostava de fazer as pessoas se sentirem à vontade, de elas poderem conversar com facilidade e contarem com ele para o que der e vier.
- Faz anos - eu admiti, revirando os olhos e voltando a me encostar a parede.
- Engraçado, e ele não reparou que você gostava dele? - ele perguntou e eu engoli em seco, não consegui me virar para encará-lo e olhei para o chão.
É claro que ele nunca havia reparado, nem deveria reparar direito em como eu ficava feliz com ele por perto, em como tinha ficado animada quando ele passou um dos braços por cima do meu ombro e como fiquei louca com o simples fato de ele ter ficado ao meu lado a festa inteira.
- Eu nunca deixei visível que gostava dele – retruquei.
- E ela tem que deixar visível? - ele perguntou com indignação - É incrível como vocês agem, como se fossem os donos da verdade. Mas o real é que a verdade não é só de vocês, é nossa! Ela é um fato que muda de sociedade para sociedade e nesse caso de pessoa para pessoa.
- Não sabia que vocês trabalhavam com a cabeça - eu resmunguei e tive finalmente coragem de encará-lo, mas ele já estava bem à minha frente, me observando.
Os olhos azuis dele me penetravam como as unhas de uma águia em sua presa. Patrick deu um passo à frente e eu me colei mais ainda na parede.
- O que você acha que está fazendo? - perguntei com os olhos um pouco arregalados.
- Usamos a cabeça para pensar em qual desenho faremos, em quais cores usaremos e aonde iremos exibir nossa nova obra de arte - ele disse e se apoiou com a mão na parede, ao lado da minha cabeça - Mas gostamos mais de usar o coração, ser livre e ter a oportunidade de mostrar todos os nossos sentimentos e tudo em que acreditamos. Além de adorarmos a emoção, a adrenalina e, bem, ações não pensadas.
- Que emocionante - eu ironizei, e ele sorriu mostrando a sua única covinha do lado esquerdo de seu rosto. Seus olhos ficaram mais brilhantes e muito mais incríveis para mim.
- É disso que eu estou falando – exclamou, se aproximando mais um pouco de mim - Ironiza mesmo! Bota pra fora, se joga na emoção de viver - ele disse, e eu bufei.
- Não faz o meu tipo.
- Olha, isso já tá na cara, seu uniforme é azul petróleo! - ele riu de novo, e eu não sei como, mas ri junto. Soltando uma risada que fazia anos não escutava, eu mesma não sabia como era a minha risada! Minha garganta parecia estar sendo arranhada como se anos tivessem se passado sem ela ser devidamente usada em benefício de algo maior como uma simples risada.
Doía um pouquinho, mas era uma dor gostosa demais para eu deixar apenas em uma risada, eu soltei uma gargalhada. A coisa toda nem era tão engraçada, só que eu queria rir! Eu queria e sentia isso por todo o meu corpo.
E eu queria continuar rindo, me alegrando e me divertindo. Era diferente das risadas que soltava no meu dia a dia, essa era espontânea e extrovertida! Patrick também sorriu e completou com sua presença o restante do espaço entre nós que já era pouco.
E enquanto uma de suas mãos segurava minha nuca e a outra segurava com força a minha cintura, eu não conseguia parar de manter minhas mãos fechadas em punho atrás das minhas costas.
Aquilo não poderia acontecer, não era ele quem eu queria impressionar, não era ele quem eu queria conquistar e ter para mim. Patrick não tinha nada do que eu queria e isso estava na cara!
Ele tinha o cabelo pintado, era livre para trabalhar usando seu coração - como ele mesmo havia dito! - e não era possível que houvesse algo no qual fossemos compatíveis.
Mas mesmo assim ele prosseguiu com seu caminho até os meus lábios e eu não consegui impedir, eu não queria impedir.
Quando seus lábios tocaram nos meus, eu reparei no suspiro que soltei, porque queria experimentar aquilo tudo, o beijo dele que começava a me devastar de tão maravilhoso que se tornava a cada movimento. Eu demorei para me soltar, mas, quando fechei os olhos, o momento ficou mais calmo. E enquanto ele explorava meu cabelo com uma das mãos e a outra apertava meu corpo contra o dele, em mim ganhava início a vontade de tocar seu rosto, me permitir mexer em seu cabelo para saber se era tão macio quanto parecia, apoiar minhas mãos em seu ombro ou passar os braços pelo seu pescoço.
Mas eu não fiz! Continuei com as mãos fechadas apoiadas na parede e, quando ele separou nossos lábios, eu os queria de volta para esquentá-los do modo que ele tinha conseguido me esquentar. Meus lábios queimavam clamando por um pouco mais. Por muito mais!
- Seria bem mais fácil ter me apaixonado por você - terminei soltando antes que conseguisse me impedir. Ele riu em meu ouvido e fez um som com a boca de negação.
- E você lá sabe se é o meu tipo?! - Sussurrou em meu ouvido e, enquanto eu ainda estava ofegante, ele se afastou lentamente de mim até ficar na minha frente me encarando novamente.
- Para ser o meu tipo você teria que viver! - ele disse e voltou a caminhar pelo corredor.
Corri para frente da janela e a abri com pressa, o vento bateu em meu rosto, mas não parou a queimação em meus lábios, eles continuavam pegando fogo e gritando por mais beijos e eu sabia quais beijos queria.
Olhei para o final do corredor e Patrick ainda me observava, com a porta da festa aberta. E aquele olhar que eu sabia que refletia tudo que estava sentindo, a vontade de voltar atrás e aproveitar de mais alguns beijos. E assim como eu, ele se negou a isso e passou pela entrada. Bateu de frente com alguém que logo percebi que era Valentina me procurando.
- Estava te procurando, Portia - ela veio em minha direção correndo e parou ao meu lado sorrindo, mas reparou em algo e franziu a testa - Tudo bem?
- Tá, - eu falei, tocando devagar meus lábios - tá tudo bem!
Desviei o olhar uma última vez para a porta no final do corredor que agora estava fechada. Esquecer era tudo que eu precisava fazer, era só isso! Esquecer tudo que passei nesse momento e continuar a vida do meu modo, o modo que sempre funcionou.
- Você iria me dizer algo, Valentina?
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