CAPÍTULO TRÊS
3. Um Passageiros da Véspera
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A chuva caía incessantemente naquela véspera de Natal. As ruas estavam desertas, exceto pelo ônibus da linha 32, que seguia seu percurso habitual. Pedro, o motorista, segurava o volante com firmeza, embora seu coração estivesse longe dali. Queria estar em casa com a esposa e os filhos, mas alguém precisava dirigir o último ônibus da noite.
Atrás dele, André, o cobrador, contava moedas, distraidamente. Era jovem, recém-contratado e ainda nutria o sonho de um futuro melhor. Naquele momento, porém, tudo o que queria era que o turno terminasse logo.
Olhando pelo retrovisor, Pedro observava os poucos passageiros. Cada um parecia mergulhado em seus próprios pensamentos:
Dona Iracema, uma aposentada de 70 anos, carregava uma sacola com panetone e frutas. Voltava da casa de uma irmã, com quem passara a tarde.
Roberto, um professor de matemática, ajustava os óculos enquanto lia mais um capítulo do seu livro, tentando esquecer que passaria o Natal sozinho.
Raquel, uma prostituta, estava encolhida no assento, com o casaco molhado e o olhar perdido. Tinha acabado de terminar um dia difícil e queria apenas chegar em casa.
Luísa, uma jovem grávida, acariciava a barriga com cuidado. Estava no início do nono mês e voltava de um exame no hospital. Apesar da chuva, insistira em fazer a consulta para garantir que o bebê estava bem.
O ônibus balançava na estrada, embalando o silêncio. As gotas de chuva deslizavam pelas janelas, distorcendo as luzes natalinas da cidade. Foi então que Pedro ouviu a voz de Luísa:
— Moço, pode parar? Acho que... acho que está acontecendo.
Pedro olhou pelo retrovisor e viu o rosto pálido da jovem. Ela segurava o banco com força, o corpo tremendo. Antes que pudesse reagir, Raquel já estava ao lado dela.
— É o bebê, não é? Está chegando?
Luísa acenou com a cabeça, o rosto contorcido de dor.
— Ainda faltam alguns dias, eu acho, mas... não vai esperar — gemeu.
Pedro encostou o ônibus no acostamento. Não havia hospitais por perto, e a chuva impossibilitava chamar ajuda. Eles teriam que resolver aquilo juntos.
— Alguém tem experiência com isso? — perguntou Roberto, já se aproximando de Luísa.
— Não exatamente — respondeu Raquel, tirando o casaco. — Mas já vi coisa pior na vida. Acho que consigo ajudar.
Com cuidado, deitaram a jovem no corredor do veículo para facilitar o parto. Dona Iracema abriu a sacola, retirando as frutas e o panetone do interior, e improvisou um travesseiro, enquanto André segurava a lanterna do celular. Roberto tirou a gravata e a usou como suporte para Luísa morder durante as contrações. Pedro trouxe a jaqueta para cobri-la do frio, tentando disfarçar o nervosismo.
O tempo parecia se arrastar. Os gritos de Luísa preenchiam o ônibus, enquanto Raquel a incentivava.
— Respira, querida. Isso, força! Já está quase!
E então, quando deu meia-noite, um choro fino e vigoroso ecoou pelo ônibus. Raquel segurava o bebê com mãos trêmulas, mas firmes.
— É um menino! — disse, com a voz embargada.
— Um belo garotão! — falou o professor, emocionado.
A alegria tomou conta. Iracema chorava de emoção, enquanto Roberto limpava os óculos repetidamente. André, que nunca vira um parto, estava atônito. Pedro se afastou para buscar algo na mochila para aquecer o bebê e voltou com um pulôver.
— Como ele vai se chamar? — perguntou Iracema, ainda enxugando as lágrimas.
Luísa, exausta, olhou para o bebê nos braços de Raquel e sorriu.
— Emanuel. Significa "Deus conosco".
— Seja muito bem-vindo, Emanuel.
O ônibus parecia outro. Estranhos, unidos por um acaso, agora dividiam uma experiência transformadora.
— Feliz Natal, pessoal. — disse o jovem cobrador.
Todos se abraçaram, sem julgamentos ou posições sociais. Apenas seres humanos unidos por uma experiência única. Pedro retomou a direção, levando Luísa e Emanuel ao hospital mais próximo.
Naquela noite chuvosa, ninguém se importou com o atraso ou com os planos interrompidos. Ali, naquele ônibus velho, nasceu mais do que uma criança: nasceu um momento de solidariedade e união, lembrando que, mesmo nas situações mais improváveis, a humanidade ainda pode se encontrar.
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