CAPÍTULO DOIS

2. Noites de Luzes
.

。❅*⋆⍋*∞*。*∞*⍋⋆*❅。.


       A cidade estava enfeitada como sempre: luzes coloridas, vitrines decoradas e músicas natalinas ecoando pelas ruas. Mas, para Júlio, tudo aquilo era apenas um pano de fundo distante. Ele se sentava todas as noites no mesmo banco da praça, com um cobertor velho e uma caneca enferrujada para moedas. Os passantes raramente o notavam; eram rostos apressados, carregando sacolas cheias, enquanto ele segurava apenas o vazio.

Naquela véspera de Natal, o frio parecia mais cruel. Júlio observava as famílias que tiravam fotos em frente à enorme árvore no centro da praça. Risos, abraços, celebrações. Ele se perguntou como seria passar uma noite assim, cercado de pessoas.

Enquanto seus pensamentos vagavam, uma garotinha se aproximou. Ela tinha cabelos cacheados, um casaco vermelho e um olhar curioso.

— Oi, moço. Tá com frio? — perguntou, apontando para o cobertor.

Júlio sorriu de leve, sem saber bem como responder.

— Um pouco. Mas estou acostumado.

A menina franziu a testa, claramente insatisfeita com a resposta. Antes que Júlio pudesse dizer mais alguma coisa, uma mulher, provavelmente a mãe da menina, apareceu apressada.

— Maria Clara, não incomode o senhor! — disse ela, puxando a filha pelo braço.

Júlio baixou os olhos para evitar o olhar da mulher, mas, antes de ser arrastada, a menina deixou algo cair aos pés dele: um pequeno biscoito embrulhado em papel celofane. Ele olhou para o pacote e sorriu, um gesto que passou despercebido enquanto mãe e filha se afastavam.

Horas depois, a praça estava quase vazia. O frio aumentara, e Júlio já pensava em procurar um canto mais protegido para passar a noite. Foi quando um homem bem-vestido, com um casacão elegante, parou à sua frente. Ele segurava uma sacola de papel.

— Boa noite. — A voz do homem era firme, mas não dura. — Vi você aqui algumas vezes. Posso sentar?

Júlio assentiu, embora estivesse surpreso. Poucas pessoas falavam com ele, muito menos pediam permissão para sentar.

— Trouxe algo para você. — Ele colocou a sacola ao lado de Júlio. Dentro, havia um sanduíche, uma garrafa de água e um par de meias novas.

— Obrigado, senhor. — A voz de Júlio saiu mais baixa do que ele gostaria.

— Não precisa agradecer. Só queria ajudar de algum jeito. — O homem hesitou, como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas não soubesse como.

Depois de um silêncio constrangedor, ele finalmente falou:

— Sabe, há alguns anos eu estava onde você está agora. Perdi tudo... emprego, casa, família. Se não fosse alguém me estender a mão, eu talvez ainda estivesse perdido.

Júlio olhou para o homem, surpreso. Ele parecia tão bem de vida, tão distante daquela realidade. Mas as palavras não pareciam uma mentira.

— Como você conseguiu sair disso? — perguntou, com a voz entrecortada.

— Um dia, alguém me enxergou. Não como um problema, mas como uma pessoa. Isso fez toda a diferença — suspirou.

Júlio ficou em silêncio por um momento. Não sabia o que dizer, mas sentiu um calor estranho no peito — não esperança, mas algo mais próximo de entendimento. O homem se levantou, estendendo a mão para apertar a de Júlio.

— Espero que você encontre o que precisa. E, se um dia puder, passe isso adiante.

Ficou observando-o partir, segurando o pacote com cuidado. Não sabia se sua vida mudaria depois daquela noite, mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que alguém o tinha visto.

Naquele canto esquecido da cidade, com as luzes da majestosa árvore de Natal piscando como um lembrete distante de alegria, Júlio abriu o pacote de biscoitos deixado pela garotinha. Ao avistar outro morador de rua vagando sem rumo, ele não hesitou em dividir o pequeno presente. Não era muito, mas carregava consigo algo maior que o gesto: uma fagulha de humanidade.

Enquanto mastigava em silêncio, sentiu seus olhos marejarem, não de cansaço, mas de uma esperança inesperada. Talvez, naquele Natal, o pouco que tinha para oferecer pudesse ser o suficiente para transformar sua noite de Natal.

Total de palavras 653

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top