I


Conto de fadas Sinistro
RosanaAparecidaMande

A primeira vez que Chapeuzinho Vermelho entendeu que era diferente das outras meninas de sua idade foi aos dezesseis anos. Ela nunca fora uma garota malvada no sentido amplo da palavra, mas sabia ser dissimulada e conseguir o que quisesse com apenas uma palavra e um sorriso.
Chapeuzinho nunca entendeu bem de onde vinha esta sua capacidade de persuasão, mas era tão fácil manipular as pessoas que isso se tornou um hábito frequente. Não precisava fazer as tarefas da escola, pois sempre havia uma alma “boa” que se ofereceria para fazê-lo por ela.

Não precisava levar nenhum lanche para a escola, pois havia sempre uma amiga prestativa, que lhe dava todos os seus sanduíches e frutas para que ela não voltasse esfomeada para casa. Sem contar suas notas excelentes da escola, conseguidas antes mesmo de realizar as provas, porque as notas eram colocadas lá pelas professoras, tocadas por sua “simpatia” e “inocência infantil”.
Mas na primeira lua cheia, no seu aniversário de dezesseis anos, seus dois caninos apareceram e um desejo irresistível por sangue começou a atormentá-la. Sem entender o que estava acontecendo, Chapeuzinho correu até sua avó, uma senhora distinta, que nunca lhe contava sua idade, mas nunca aparentava ter mais de sessenta anos, e lhe mostrou suas duas presas recém-formadas.

Com muita paciência, a avó lhe revelou o segredo de sua família. Elas eram descendentes do Conde Vlad da Transilvânia, de quem também herdaram sua condição de vampiras. A mãe de Chapeuzinho fora a única que escapara daquela sina terrível, mas morrera no parto ao dar à luz a uma criatura, considerada das trevas.

Quando Chapeuzinho perguntou pelo pai, a avó lhe contou que ele tinha sido vítima há muito tempo da sede insaciável de sangue pela distinta velhinha, que acabara se revelando uma criatura ancestral, com um passado manchado de sangue.

Assim, Chapeuzinho se tornou uma pessoa com duas personalidades completamente distintas. De dia, graças aos seus conhecimentos de necromancia, dava-lhe poções mágicas que permitiam que caminhasse ao sol normalmente, mas durante a noite, a menina de capa e gorro vermelhos se tornava uma criatura tenebrosa, com um olhar assassino e mordidas fatais.
Conforme foi crescendo, Chapeuzinho se tornou cada vez mais insaciável, e sua natureza tranquila se transformou da noite para o dia. Ela passou a atacar qualquer ser vivo que cruzasse seu caminho, fosse ele humano ou não, deixando para trás um rastro de pobres vítimas, cujo único erro fora encontrá-la em um beco escuro.

Ela as atraía com sua cesta de belas maçãs, fingindo ser uma órfã, que morava nas ruas e que, para sobreviver, vendia frutas durante a noite, e assim que as tinha sob seu domínio, sugava seu sangue sem piedade. Após ter se alimentado fartamente, Chapeuzinho voltava para casa se sentindo poderosa e invencível.

Um dia, em uma noite de outono, quando as folhas das árvores começavam a mudar sua cor de um verde vivo para um vermelho parecido com a cor do sangue das vítimas de Chapeuzinho, ela caminhava tranquilamente pelo bosque, sentindo a sua fome sanguinária aumentar a cada segundo. Ela poderia se alimentar de animais silvestres que se escondiam nas árvores, mas os quais podia encontrar com facilidade. Contudo, naquela noite, ela tinha fome de algo diferente.

Assim, ela caminhou por algum tempo, sentindo o vento suave agitar-lhe os cabelos, mas sem sentir prazer naquele frescor, porque sua necessidade por sangue era maior que qualquer coisa. Os galhos das árvores tremulavam, como se entoassem um canto medieval, a lua estava imensa, brilhava em sua tonalidade prateada, assim como as estrelas que pareciam espectadoras encantadoras e pacíficas.

Os barulhos dos passos de Chapeuzinho pareciam imprecisos, enquanto ela pisava pelas folhas secas espalhadas pelo chão. O grito de uma coruja não muito longe dali atraiu sua atenção, assim como um aroma doce e irresistível chegava até ela, aguçando seus sentidos e aumentando sua fome de forma quase enlouquecedora.

Então, ela viu, a uma certa distância, uma garotinha que caminhava pelo bosque, alheia a qualquer perigo que pudesse rondá-la. Seus cabelos loiros e cacheados até a cintura tinham um brilho sobrenatural, que fez Chapeuzinho ansiar por alcançá-la, o que ela poderia facilmente fazer, se usasse a velocidade que sua condição de criatura lhe dava.

— Ei, você! —Chapeuzinho a chamou, fazendo-a se virar e permitindo que a vampira visse sua pele branca e olhos azuis quase violetas.

— Olá. — A garotinha disse com um sorriso, mas a cautela não abandonou sua expressão.

— Como você se chama? — Chapeuzinho perguntou, caminhando até a menina, usando todo seu autocontrole para não avançar em cima dela e sugar aquele sangue aromático e tentador que a estava deixando fora de si a cada segundo.

— Me chamo Sophie. E você? — A garotinha perguntou, parada no mesmo lugar.

— Me chamo Chapeuzinho Vermelho. Você sabe que caminhar por aqui a esta hora é perigoso, não é? — Chapeuzinho disse, tentando ganhar tempo até que estivesse perto o suficiente para hipnotizá-la e beber de seu sangue delicioso, cujo aroma ela nunca havia sentido antes.

— Sim, mas já estou indo para casa. — Sophie disse, sem fazer qualquer movimento para fugir dali.

— Não se preocupe, agora que nos encontramos, eu vou cuidar de você. — A vampira afirmou, caminhando para cada vez mais perto, seu olhar sendo atraído pela veia que pulsava no pescoço alvo e de pele macia da garotinha.

— Não precisa. Eu posso ir para casa sozinha. — Sophie disse, dando um passo para trás por instinto, pois sabia, lá no fundo, que não estava frente a uma pessoa de carne e isso, é sim, de uma criatura que podia lhe fazer mal a qualquer momento.

— Mas eu disse que posso cuidar de você. Basta que olhe nos meus olhos e verá que todo o medo irá desaparecer. — Chapeuzinho disse, lançando seu olhar hipnótico sobre a menina, antecipando o prazer que teria ao enterrar seus caninos na veia saltitante daquele pescoço frágil.

Mas algo tinha dado errado, porque a garotinha não parecia nem um pouco hipnotizada. Desnorteada pela fome e o cheiro da menina, Chapeuzinho esqueceu a cautela e se atirou sobre ela no momento em que Sophie começou a correr.

— Isso vai ser interessante. — A Vampira de capa vermelha disse para si mesma, e correu atrás de sua presa, dando a ela alguma vantagem apenas para tornar aquela caçada mais excitante.

Seus caninos estavam à mostra, prontos para atacar, e ela podia sentir o aroma viciante a puxando em direção a ela, mas quando se aproximou dela, quase a capturando em seus braços, um raio a atingiu, jogando-a no chão e neutralizando seus movimentos.

— Não toque em minha filha, sua aberração. — Chapeuzinho ouviu uma voz dizer, e assim que se recuperou o suficiente para abrir os olhos, viu diante de si uma mulher de grande beleza.

Seus cabelos ruivos esvoaçantes pareciam envolver toda sua cabeça em um halo de fogo, seus olhos verdes eram um mar intempestivo, e os traços de seu rosto possuíam uma simetria diferente, mas perfeita.

Ela usava um manto azul e ao redor de seu pescoço havia um medalhão em formato de uma meia-lua, de onde um aroma de alfazema se desprendia, envolvendo-a em pura magia.

Ao lado dela, além de Sophie, que estava cuidadosamente protegida por seus braços, havia um Lobo, que não se parecia com um animal comum. Ele se mantinha em pé, como se fosse uma pessoa e não um animal com uma história tão antiga quanto a da linhagem de Chapeuzinho. Ele usava um chapéu enorme na cabeça e nas mãos trazia uma arma enorme, que, naquele momento, Chapeuzinho não soube dizer com exatidão de que tipo era. Para sua surpresa maior, ele gritou:

— Vai pagar caro por ter se aproximado da filha de Shamira! Vou acabar com você, seu monstro horrendo.

Naquele instante, o instinto de sobrevivência de Chapeuzinho falou mais alto e, reunindo forças, ela se colocou de pé. Quando o Lobo atirou em sua direção, ela viu três estacas a ponto de atingi-la no coração. Com uma manobra fantástica, a vampira conseguiu se esquivar, fazendo com que a mira certeira do Lobo fosse perdida. Assim, Chapeuzinho correu a toda velocidade, usando as últimas gotas de energia para chegar até a casa de sua avó.

Quase desfalecendo, ela bateu na porta e, quando a avó a abriu, Chapeuzinho caiu aos pés dela, desmaiada. Horas depois, ela acordou e encontrou sua avó ao lado, sentada ao lado dela, esperando pacientemente que a caipira recuperasse suas forças. Ao vê-la desperta, ela disse:

— Agora você vai me contar o que aconteceu para chegar aqui neste estado.

Com dificuldade, Chapeuzinho contou tudo o que tinha se passado. Desde a hora em que encontrou Sophie até o momento em que escapou do Lobo. Ao ouvir o relato, a avó disse:

— Então, a garotinha termina com um aroma irresistível. Poderia me descrever exatamente com o que este cheiro se parecia?

— Parecia feito de mel, mas não exatamente isso. Era como um néctar divino, algo feito para ser provado até a última gota e nos sentir saciados. Nunca senti isso antes. — Chapeuzinho descreveu com dificuldade, pois as palavras lhe escapavam para falar sobre uma coisa que desconhecia totalmente.

— Como você disse que a bruxa se chamava? — A avó vampira perguntou, enquanto seus olhos pareciam pregados na parede à sua frente. Ela tinha milhares de anos e, em toda aquela sua longa vida, tinha encontrado um ser assim, mas precisava ter certeza para saber como agir.

— Shamira. — Chapeuzinho respondeu, pronunciando exatamente como o Lobo tinha dito aquele nome.

— Ela é uma bruxa poderosa e a garota, se é filha dela, só pode ser uma fada, por isso, você se sentiu atraída. O sangue dela é raro e pode nos dar um poder imortal. Se conseguirmos beber de seu sangue, nunca mais teremos que temer a morte.

— Acha que podemos capturá-la? - Chapeuzinho perguntou, ainda sem conseguir tirar seu pensamento da menina. Agora era um ponto de honra beber o sangue daquela garotinha, pois se vingaria da vergonha que passara e ainda se tornaria imortal.

— Vamos traçar um plano infalível e, depois, desfrutaremos de nossa liberdade eterna. — A avó vampira disse, com um sorriso maligno e os olhos escurecidos, cheios do vazio que ela tinha por dentro.

Em sua casa no meio da floresta, Shamira também tentava encontrar uma saída para aquela situação em que se encontrava. Sempre fora bem-sucedida em esconder a filha. Sophie tinha poderes especiais, e por isso era um chamariz para as criaturas da noite. Por ser muito jovem, ela ainda não tinha sido iniciada na aprendizagem de magia e aprimoramento de suas habilidades, mas Shamira não teria outro jeito senão ensiná-la tudo o que sabia para se proteger, pois previa tempos conturbados e intensos.

Nos dias que se seguiram, Shamira ensinou a Sophie a arte da magia e mostrou a ela como usar a luz que tinha dentro de si como fonte de energia e proteção. Apesar da pouca idade, a garotinha absorve com facilidade os ensinamentos da mãe, e ao final do quinto dia, ela já sabia como canalizar todo o seu poder.

Assim, Shamira se preparou para qualquer inconveniente, transformando sua casa em um grande santuário mágico, onde nenhuma criatura maligna conseguiria ultrapassar as barreiras de força com as quais ela cercara a construção.

Na casa de Chapeuzinho, ela e sua avó também se preparavam para levar a cabo o seu plano. Após estudarem bastante para saberem como atrairiam Sophie para uma armadilha, elas decidiram minar os alicerces de proteção que poderiam impedir de conseguirem ter sucesso em sua investida.

Dali a alguns dias, seria comemorado o Dia das Bruxas e ficou acertado que Chapeuzinho seria responsável por atrair a primeira isca, pois não podiam deixar passar aquela oportunidade. Naquela data em especial, todas as criaturas da escuridão saiam para se alimentar e fazer um tributo a Samahain, quando também suas forças e poderes se tornavam mais fortes.

Quando o grande dia chegou, logo na calada da noite, Chapeuzinho saiu e foi em busca do Lobo que vivia no bosque e que era um dos protetores da pequena fada Sophie.

Ela e sua avó tinham descoberto que ele era como um cão de guarda, pois fora criado para afugentar qualquer intruso que se atrevesse a se aproximar da casa de sua criadora.

Desta maneira, Chapeuzinho foi em direção ao bosque e logo encontrou o Lobo nas imediações da casa. Quando ele a viu, sua expressão zangada não deixou dúvidas de que ele não tinha gostado nem um pouco de ver a vampira por ali.

— Parece que não aprendeu a lição. Vou acabar com você de uma vez por todas para que aprenda a não desafiar a poderosa Shamira! — Ele gritou, apontando a arma para ela.
— Venha me pegar se for capaz. —. Chapeuzinho gritou e saiu correndo, com o Lobo em seu encalço.

Ele era tão rápido quanto a vampira, mas Chapeuzinho levou a melhor, atraindo o Lobo para um local que ela e a avó tinham preparado antes. O lugar era cheio de espelhos e o Lobo ficou preso lá dentro, sem conseguir sair, pois era um tipo de labirinto que impedia que qualquer um que entrasse ali conseguisse encontrar a saída facilmente. E, como Chapeuzinho não tinha reflexo, não foi difícil para ela camuflar seu desaparecimento dali.

Em seguida, a vampira de capa vermelha encontrou a avó e, juntas, foram em direção à casa de Shamira, mas logo que chegaram nas proximidades, a mulher mais velha, com toda a sua experiência, percebeu que não poderiam se aproximar por conta do enorme poder que havia em volta da casa.
Por esta razão, elas ficaram escondidas de tocaia, esperando uma oportunidade para sequestrar a menina e beber todo o seu sangue raro.

Por sorte, naquela noite, Sophie saiu da proteção que havia em volta de casa, em busca de Lobo, a quem deveria alimentar. Mas, sem o encontrar, ela decidiu entrar de novo, pois a mãe a alertara para não ficar muito tempo do lado de fora durante a noite.

Contudo, ela não teve tempo de entrar, pois foi cercada por Chapeuzinho e sua avó, que a olhavam com os olhos gulosos. A garotinha queria gritar, mas estava com tanto medo que ficou petrificada no mesmo lugar.

— Então, garotinha linda. Você achou que podia se esconder de nós? Pois saiba que somos tão poderosas quanto sua mãe, e vemos buscar o que nos pertence.

— A avó da Vampira disse, passando suas unhas enormes pelo pescoço da menina, sem de fato feri-la.

— Que aroma delicioso você tem. — Chapeuzinho disse, mostrando suas presas. — Vou engolir todo o seu sangue, gota por gota, e juro que você não vai sentir nadinha. — A vampira completou, aproximando suas presas do pescoço da menina, mas não a mordeu ainda, porque queria saborear o seu medo. Aquilo tornava a situação melhor, pois nada lhe dava mais prazer do que aterrorizar a sua vítima e ver a vida se esvaindo conforme ela sentia o doce sabor do sangue que era seu alimento diário.

A garotinha arregalou os olhos ao ver a expressão de seus algozes. Os olhos escuros, a expressão de monstro deformando seus rostos, antes atraentes, e as presas enormes que poderiam perfurar   seu pescoço sem piedade.

O terror se fez presente nas feições angelical da menina, aumentando o apetite e sadismo das duas vampiras que já comemoravam o seu jantar naquela noite.

Mas quando estavam a ponto de levarem a menina dali, um redemoinho pareceu circular as três e uma força imensa se fez presente. Shamira surgiu da força do vento e gritou para sua filha, que não conseguia se afastar das duas criaturas.

— Sophie, lembre-se de sua luz.

A garotinha fez um esforço sobre-humano, estendeu os braços e se concentrou nos ensinamentos que recebera da mãe nos últimos dias. Em uma língua estranha, que as duas abomináveis nunca tinham ouvido, Sophie conseguiu trazer para fora o seu poder e, junto com a energia que vinha da varinha da mãe, ela jogou sobre as vampiras, que, impotentes, foram transformadas em dois gatos pretos e dóceis.

Quando tudo acabou, Sophie sorriu aliviada para a mãe e disse, em sua voz suave e infantil:

— Eu posso ficar com eles, mamãe?

— É claro, meu amor.

E a partir daquele dia, elas viveram felizes para sempre, ao lado do Lobo caçador de vampiros, e dos dois gatinhos adoráveis, que sobreviveram por mais de mil longos anos.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top