ALTAR DE NOSSA SENHORA

Ouro Preto

Algum dia chuvoso de Outubro

14:00

Ainda era começo da tarde e tinha tanto para se visitar. Patrício estava encantado com a beleza da cidade. Já havia ido a diferentes museus, visto diversos casarões e comido muita coisa gostosa. O Feijão Tropeiro daquele restaurante na praça era divino. E que vista teve ao chegar! O Mirante na frente da Igreja descendo a praça da rodoviária dava vista privilegiada da Praça Tiradentes. Era de fato tão lindo. A cidade ficava completamente encantadora quando estava nublado.

Ainda tinha muitos planos para aquele dia, e incluía tentar visitar algumas Igrejas, e mais alguns museus. Estava à pé, mas andava tão rápido quanto um veado corria de um onça. A panturrilha musculosa não se incomodava em subir os morros da cidade. No ano anterior havia ido com o namorado, e quase o largou para trás. Robson não conseguia caminhar da mesma forma. Depois de meia horinha, já caía a pressão. Sentia saudade do namorado ali consigo. Já faz duas semanas que ele estava internado em estado de como após um acidente de moto.

Robson estava voltando de uma sorveteria com um amigo quando um motorista bêbado jogou sua caminhonete em cima deles no anel rodoviário. Ricardo, o amigo de Robson, estava na garupa e foi arremessado para longe. Robson foi o visitar no hospital. Durante a visita, viu uma cena muito pesada para sua mente. Talvez um dos momentos mais tensos de sua vida. Durante a visita ao amigo de seu namorado, as máquinas apitaram a ausência de sinal vital. Uma equipe de médicos entrou e tentou com urgência fazer a ressuscitação, mas em vão.

Patrício viu a cena com as mãos tensas e apertadas. Seria muito difícil a conversa que precisaria ter com Robson assim que ele acordasse. Como iria reagir à morte do amigo que estava na garupa de sua moto? Como iriam ser as coisas depois que Robson acordasse do coma? É muito indefinido o futuro de quem acorda. Robson teve ferimentos na coluna vertebral, e seria necessário esperar que ele acordasse para saber a gravidade das lesões.

Patrício não dormia mais direito. Era difícil lidar com tudo aquilo. Mas a médica disse que ele certamente acordaria. Robson estava reagindo muito bem, e dava sinais de movimento das mãos mais de uma vez. Só fazia dois dias desde que a medicação foi reduzida quando Patrício decidiu que precisava espairecer.

E Ouro Preto foi afinal uma boa escolha. Não queria ter que gastar mais do que 100 reais com passagem, e poderia dormir no quarto do irmão mais novo que estudava ali e morava em uma República perto da Feira de Artesanato de pedra sabão.

Patrício tirava fotos do horizonte da frente de uma igreja muito majestosa. Não entrou, mesmo sendo católico, pois essa igreja era paga, e não estava a fim de gastar mais do que o estritamente necessário. Mas aproveitou muito a vista que obtinha das altas escadarias.

O horizonte estava escuro e carrancudo. Uma chuva já era muito visível a longe, e menos longe, e a uma certa distância, e perto, e mais perto, e muito perto. Rapidamente um vento úmido soprava e balançava os longos cabelos que se desfizeram do coque que os prendiam. Ricardo pensou que seria uma boa ideia pagar e entrar, pois não poderia ficar naquela chuva, afinal não trouxe guarda-chuva e sua câmera era muito preciosa para si. Era fotógrafo de casamentos, e além de hobbie, era também para o trabalho. Foi até a portaria e pediu que entrasse, pagaria o valor. Tirou uma nota de 20 reais, e estava entregando para a moça, quando um golpe de vento vindo de uma das janelas tirou a nota dos dedos da moça e a levou para fora.

– Um momento senhor, vou lá fora pegar. Foi descuido meu. Fique à vontade.

– Claro, já vou indo.

A moça foi pra fora, e antes de se virar para acabar de entrar, pôde ver os clarões e raios no horizonte pelo imenso portão da Igreja. A chuva finalmente chegou.

Patrício adentrou a Igreja e foi em direção ao corredor que dá para o altar. Era de fato uma igreja muito bonita. Patrício sentiu uma sensação completamente eletrizante à medida que caminhava em direção ao altar. Todos os fios de cabelo de seu corpo se eriçaram. Caminhava com delicadeza até ficar à frente do majestoso altar.

A Igreja era magnífica. Ouro e Prata davam acabamento nas esculturas e detalhes nas paredes. Azulejos portugueses reluziam nas laterais. Vitrais coloridos nas altas e pequenas janelas, que estavam abertas naquele dia, permitiam que uma brisa fria e úmida entrasse no ambiente. O teto tinha uma pintura grandiosa e belíssima. O altar contava com uma belíssima Nossa Senhora ao centro. A imagem deveria ter a altura de uma criança. Era realmente encantadora. A Igreja era clara e resplandecente.

Patrício caminhou mais um pouco e ficou encarando as imagens. Passou então a olhar para os desenhos de anjinhos na parede. Eles eram muito graciosos. Por algum motivo, estava tão quentinho ali. Patrício de algum modo se aquecia no calor da Igreja.

Ele não resistiu e ajoelhou-se em frente ao altar, e começou a rezar o ato de contrição. Duas, três, quatro, cinco, dezenove vezes. No vigésimo ato de contrição, sentiu uma mão tocar em seu ombro. Patrício olhou para trás e viu um homem de batina preta atrás de si.

– Não é comum ver os fiéis rezando ato de contrição aos pés da Virgem Maria. Se você estava confessando-se, fez bem em falar diretamente com o Senhor.

– Padre, quase me assustou. Entrei fugindo da chuva e achei que era um momento oportuno. Mas não era uma confissão, só estava rezando mesmo.

– O ato de contrição? Tem certeza que não tem nada o que confessar? – Patrício encarou melhor os olhos do Padre, e pareciam olhos diferentes. Eram muito escuros, a pupila quase se misturava com a pupila. – Rezar a oração da confissão sem se confessar, de tamanha espontânea vontade é uma forma do coração dizer que algo o aflige, e que existe alguma culpa se remoendo. Tem certeza que não deve se confessar meu filho?

– Na verdade, Padre. Acho que sim... – Patrício já ia se levantar, quando o Padre fez que não com a mão.

– Não há mais ninguém aqui. Olhe ao redor e veja a Igreja vazia. Se mantenha ajoelhado. Feche seus olhos e fique de frente para a imagem da virgem santíssima. E assim que se sentir à vontade, pode começar.

Patrício fechou seus olhos, se posicionou em rumo ao altar e se manteve de joelhos. Ficou por quase dois minutos em silêncio. Era necessário muita preparação. E então, quando se sentiu preparado, resolver abrir a boca:

– Senhor, me perdoe, pois eu pequei. Eu tenho um namorado. Mas não é sobre isso que se trata, sou quem sou, e não há erro em amar. Mas eu o traí, e foi com seu amigo, que morreu alguns dias atrás em uma cama de hospital após os dois sofrerem um acidente de moto. Eu sou um ser humano horrível.

– Por que você fez isso, meu filho? – Patrício continuou de olhos fechados, e ouviu a voz do Padre. Ela parecia um pouco mais grossa. Mas prosseguiu:

– Ele era muito bonito. Muito mesmo. Ele já ficou com todos os meus amigos solteiros. E às vezes, quando estamos sozinhos, eles falavam disso, e como ele era...

– Era bom a boca? – A voz grave do padre disse, e de algum modo, Patrício disse que sim, só concordou.

– Sim, e era mesmo. Todos se gabavam de terem feito um estrago nele, e perguntaram se meu namorado mesmo não teria nunca pegado o amigo dele. Eu ficava tão duro nessas conversas. Minha mente viajava para onde não deveria.

– E você comeu ele?

– Eu... eu comi. E foi muito mais gostoso do que o Robson. Eu nem liguei pra ele, eu só queria me esvaziar e então ir embora, e aí meter no Robson também. E ele resolveu que era algo errado, e deveria contar pra meu namorado. Eles foram tomar sorvete, e o Ricardo contou. Na volta, eles se acidentaram. O Robson está em coma e o Ricardo acabou não resistindo.

– MENTIRA! - A voz do padre estava muito mais grossa. – FALE A VERDADE, PECADOR DESGRAÇADO.

– Eu sufoquei ele com o travesseiro e então chamei a enfermeira. – Patricio disse com a voz trémula. Estava totalmente apavorado.

– Você quer que seu namorado acorde do coma? – Patrício fez menção em abri os olhos, mas recebeu um tapa na cara. Era uma mão grande, pesada, áspera e parecia ser também peluda, até na palma. – FIQUE DE OLHOS FECHADOS E RESPONDA!

– Não! Eu não quero. Eu quero que fique assim, para que ele nunca possa me cobrar pelo o que eu fiz, e para que não caiam suspeitas sobre mim por ter matado o Ricardo. Ele é o único que sabe que Ricardo contou tudo e destruiu meu namoro. Ele poderia desconfiar se soubesse que Ricardo morreu quando eu estava sozinho no quarto com ele.

– ABRA OS OLHOS!

Patricio abriu os olhos e focou diretamente na imagem de Nossa Senhora que chorava sangue. O rosto da virgem exibia duas linhas vermelhas abaixo dos olhos e em direção à bochecha. A Igreja, antes linda, agora era suja, caía aos pedaços. Era escura e empoeirada, exceto pela imagem limpa da virgem que chora sangue. As paredes estavam pichadas com as palavras "assassino" e "adúltero covarde".

Patrício sentiu um calor tão forte e repentino. O calor suave agora era insuportável. Era como se fizesse cinquenta graus na igreja. Ele tirou toda a roupa e ficou nu e suando no chão. Puxava o ar e não vinha. Sentia calor, mas ao tocar no próprio corpo, era gelado. Parecia o corpo de um cadáver.

Do nada ele ouviu o som ao fundo, vindo da porta aberta daquela igreja caída aos pedaços. Era um bode.

– MEEEEEEEEH!

Os olhos de Patrícios se prenderam nos olhos do bode, e ele por algum instinto, caminho de quatro em direção ao bode. E ao chegar perto, pôde ver os olhos negros do bode identicos aos do padre. O bode então começou a pegar fogo, assim como toda a igreja ao seu redor explodiu em chamas. O próprio corpo de Patrício ardia como se fosse entrar em combustão, mas não entrava.

Ele reuniu as poucas forças que tinha para sair dali e se levantou e correu em direção à saída para fugir. Patrício correu, e ao sair da igreja, viu que a bela cidade que antes visitava era agora um lago de lava, e a igreja velha e flamejante ficava em uma pequena ilha ao centro do lago.

De dentro do lago, saiu a figura de um ser humano. Ele tinha hematomas por todo o corpo, e mancava como se estivesse com ossos quebrados em ambas as pernas. O rosto tinha muitos machucados. Era Ricardo.

– Aqui você vai me foder pra sempre, Patrício. Não é o que você queria? E não se assuste com minha aparência, eu não fiquei um defunto muito bonito por causa do acidente. Mas você está pior.

Patrício então olhou para o próprio corpo, e viu uma série de queimaduras de terceiro grau. Estava tenebroso, parecia a pele de Freddy Krueger.

– Agora essa é sua eternidade. – Ricardo estendeu a mão quebrada para Patrício, que lhe entregou a mão carbonizada. Os dois andaram juntos e de mãos dadas até o lago de lava, e andaram no fog até afundar no magma.

16:00

– Estamos agora na frente de uma das igrejas mais famosas de Ouro Preto, que pega fogo há mais de uma hora. Os bombeiros até tiveram ajuda da chuva, mas o fogo, que iniciou após um raio atingir o teto da igreja e abrir um buraco no qual caiu parte do teto e da madeira que o forrava. Essa madeira atingiu um homem que entrou para se abrigar da e depois outro raio caiu no mesmo lugar e a madeira pegou, que se alastrou pela igreja. A cena foi vista pela recepcionista da igreja, que havia voltado após pegar uma nota de 20 reais que havia voado para a chuva com o vento.

FELIZ HALLOWEEN!

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