Twice Milligan
— Por favor, uma pergunta! Quais as medidas de segurança que vocês instalaram para o maníaco do campus?
— Vocês acham que o sanatório está preparado para receber esse criminoso?
— Como podem garantir a segurança dos outros pacientes?
— Afirmam poder curar a mente psicótica do assassino?
Da janela do segundo andar do hospital psiquiátrico de Daengo, [Nome] espiava pelas persianas de cor cinza os repórteres da imprensa que se aglomeravam nos degraus da entrada como abutres famintos sobre carniça. A presa da vez era o diretor do prédio, o homem aparentemente nada dizia, apenas secava o rosto inchado com um lenço enquanto aguardava os policiais aparecerem com o novo paciente. Mesmo a metros longe das câmeras, o piscar de luz branca alcançava seus olhos com moléstia.
Um bater de madeira e um clique a fez virar para porta onde uma enfermeira rapidamente entrava fechando a mesma atrás de si, andando com passos rápidos até onde estava para acompanhar também a comoção. Diferente da companhia, ela abriu um pedaço inteiro da janela para observar o que acontecia.
Ainda com os olhos sensíveis com todas as luzes, a psiquiatra se afastou, dando espaço para a amiga ter visão da cena por completo. Quem sabe assim poderia saciar seus anseios fofoqueiros.
— Cuidado para não cair lá embaixo — avisou se sentando em sua cadeira, alcançando um colírio na gaveta da mesa —, vai virar uma notícia maior que nosso paciente assassino.
— Tenho certeza que vale uma primeira página — rebateu, os cachos no topo de sua cabeça balançando enquanto se inclinava no parapeito — será que estamos realmente seguras? E se ele de repente resolver atacar qualquer uma de nós? Ele foi preso por matar e estuprar garotas, não foi?
— Precisa acontecer algo muito errado para se deixar levar por um caso desse — respondeu —, acredito que seja mais um senso comum de não dar sorte para o azar. Principalmente quando não temos uma avaliação completa.
— Me dá arrepios só de pensar — a Mila esfregou as mãos nos braços a fim de se livrar da sensação. Mas não deixando de curiar pela janela esperando a chegada do tal prisioneiro.
— Talvez você devesse fechar a janela, está frio hoje — rebateu, [Nome] não era particularmente fã da natureza curiosa da amiga. Achava que ela podia maneirar um pouco nas atitudes.
— Cale a boca — a amiga respondeu a dispensando com a mão logo em seguida. Ignorando por completo o fato de estar em seu escritório e não em qualquer outro lugar.
Mila já trabalhava no lugar quando ela começou e tendo uma personalidade animada e divertida, era como um pequeno sol que aquecia os corredores enlouquecidos e vazios. Demorou algumas semanas para se aproximarem, na verdade, até chegou a achar que a mulher de cabelos cacheados a odiava. Foi só quando apareceu com uma edição de uma revista de curiosidades estranhas que enfim conversaram, nunca achou que uma matéria sobre espécies de águas-vivas pudesse render tanto assunto.
Se tornaram inseparáveis desde então, combinavam saídas, almoçavam juntas e ainda se encontravam no horário de laser para fazer qualquer coisa que não envolvesse jalecos brancos.
[Nome] suspirou olhando para a própria mesa e os papeis nela espalhados. Ela não cuidaria do paciente, mas recebera um relatório completo de sua condição.
Jin Bubaigawara, fora preso pela polícia como um suspeito da série de sequestros e assassinatos realizados no campus da universidade de Tenrra. Após ter o material genético identificado do corpo de uma das vítimas, foi declarado culpado. Porém, algo havia de diferente, as mudanças rápidas de falas e alguns pequenos tiques levaram os defensores a alegar que ele não era uma pessoa mentalmente estável. Ao invés da prisão, foi condenado ao hospital psiquiátrico.
Transtorno dissociativo de identidade, com severo caso de possessão. Quando o indivíduo apresenta de maneira clara a mudança da personalidade, como se agentes externos assumissem o seu controle. Foi acompanhado por um psicólogo da defesa que listou algumas personalidades, com gêneros, gostos, vozes e até mesmo manias diferentes.
Sete estavam listadas nos relatórios, Dylan era um jovem incendiário. A personalidade assumiu alguns crimes ligados a queimadas, mas fora apenas isso. Antes de ser preso pelas mortes chegou a ser detido, mas o mágico Caleb havia se soltado inesperadamente. Além deles também havia uma mulher trans que amava óculos escuros, e uma colegial risonha.
Tinha também um empresário mais velho interessado em meios de transportes, parecia ser o mais inteligente deles, escrito em sua ficha tinha em destaque a palavra eloquente. Esse tinha uma certa briga com outra personalidade conspiracionista, que acreditava veementemente ser um reptiliano e lutava por causas humanitárias.
Vendo de fora parecia um caos, porém a última das sete impedia que a bagunça reinasse. Timothy, de acordo com as folhas, era o chefe. Tomava conta do corpo, e escolhia quando as outras personalidades poderiam falar ou não, era aquele que controlava o verdadeiro Jin o impedindo de acordar.
— Oh parece que ele chegou! — Mila comentou, [Nome] então se levantou se rendendo a curiosidade e também espiando pela janela.
Os repórteres bloqueavam o caminho, portanto a sirene do carro da polícia dava avisos para que saíssem da frente. Precisando de uma barricada o paciente condenado foi rapidamente movido do carro para o interior do prédio acompanhado de todos os policiais possíveis.
— Ouvi dizer que vão colocar ele no quarto no fim do corredor — comentou em seguida olhando para a amiga —, não tem medo de manter seu consultório aqui?
— Não, ele não deve ficar sozinho pelas instalações, então não tenho o que temer — respondeu guardando o arquivo na gaveta —, e para onde eu iria?
— Bem... O doutor Jeon se ofereceu para tocar com você, não é mesmo?
Um grunhido deixou sua boca — E ter que ceder as suas investidas como agradecimento? Nem pensar.
— Ele é um gato [Nome] pare de ser boba — Mila fechou a janela e depois as persianas —, quando ele está de jaleco e óculos, o cabelo está naquele charmoso topete para trás, escuto até as visitas suspirando. Homens e mulheres.
— Se acha ele tão bonito assim porque não investe nele?
— Primeiro tenho um namorado. Segundo, como se fosse adiantar algo, ele só tem olhos para você — a mulher andou até a cadeira em sua frente e a puxou se sentando —, agora de verdade porque toda essa negação?
[Nome] levantou a mão até os cabelos os puxando de leve — Gente como ele não se apaixona por pessoas como eu, está fadado ao fracasso. Então, é melhor evitar.
— Isso é uma desculpa de merda, sabia? Que porcaria é essa? — fez uma voz afetada na tentativa de imitar a companhia — "Pessoas como eu", eu vejo uma tremenda gostosa que não se valoriza o suficiente e está desperdiçando outro grande gostoso.
A mulher riu com a conclusão final de Mila. Jeon era um cara legal e como ela mesmo disse, alguém de uma beleza exuberante. Alto, de cabelos escuros como a noite e um sorriso elegante com dentes brancos e alinhados sua voz rouca soava sempre sedosa, ser calmo e inteligente também estava em seu perfil. O homem trabalhava no setor de neurologia da clínica e era geralmente quieto, pelas conversas que tiveram ele veio de uma boa família. Seus pais também foram médicos renomados e ele seguiu seus passos escolhendo mergulhar nos mistérios da mente.
Com seu poder aquisitivo e aparência poderia conseguir qualquer mulher, porém parecia ter um certo interesse na terapeuta simples que tinha um consultório pequeno no segundo andar.
[Nome] não tinha nada contra ele, pelo contrário, seu coração também disparava quando os sorrisos do doutor eram direcionados para si. Só que em sua mente, era apenas um desafio. Negou as investidas do homem desde o começo, então acreditava que alimentou em seu ego um comando de conquista que não podia ignorar, no momento em que cedesse aos seus encantos seu interesse iria desaparecer restando para trás apenas seu coração quebrado.
— É melhor que seja assim — respondeu por fim apoiando as duas mãos na mesa se levantando —, e vamos encerrar o assunto por aqui.
— Por hoje — ela rebateu pegando impulso com a perna e também se levantando.
O dia estava para acabar e os funcionários da noite já estavam no prédio, mas antes de finalizar pelo dia o diretor havia marcado uma reunião. Depois de instalar o prisioneiro em seu quarto é claro.
[Nome] abriu a porta no momento em que estavam passando pela frente de seu escritório, e seus olhos inevitavelmente cruzaram com o de Jin. Sua expressão estava retorta de aparente dor, as sobrancelhas juntas os cabelos loiros e curtos completamente bagunçados. No meio de sua testa havia uma cicatriz de cor escura, ao menos parecia uma cicatriz, mas também poderia ser uma tatuagem emulando suturas cirúrgicas.
O homem estava inclinado para frente e com os braços presos por algemas atrás das costas foi empurrado pelos oficiais da polícia quebrando o contato visual, seus braços se arrepiaram, calafrios subiram sua espinha. Não pelo fato de haver um assassino bem em sua frente, mas sim por seus olhos parecerem completamente vazios.
Mila colocou a mão em seus ombros e a empurrou — Isso foi perturbador.
Pela primeira vez naquele dia não pode discordar da amiga, [Nome] fechou a porta de seu escritório e logo em seguida seguiu com a garota para o andar térreo onde ficava a sala de reunião dos funcionários. Muitos deles já estavam ali, se juntavam em grupos para poder fofocar enquanto esperavam o retorno do diretor.
Às duas ficaram num canto mais afastado, observando de longe. Os sussurros estavam contidos, mas se aumentaram quando Jeon chegou, naturalmente ele não se viu juntando a nenhum outro grupo que não fosse de [Nome] e Mila. Também não estava sozinho, estava acompanhado de Samuel, um enfermeiro sorridente, falante, e namorado de Mila.
— Wah, realmente está todo mundo aqui — Sam comentou —, não sabia terem tantos funcionários.
— Claro, você fica cuidando da área externa o dia inteiro — Mila respondeu e logo mudou o tom —, você não sabe! Acredita que vimos o novo paciente?
— Já? Como? — perguntou surpreso mais em tons baixos.
— Quando saímos da sala de [Nome], ele tava lá. Foi horrível, pensei que fosse me matar!
[Nome], franziu o cenho com o exagero desmedido. Ela estava lá e sua percepções foram bem diferentes, os braços cruzados na frente do corpo se apertaram e um toque no ombro a fez olhar para o lado.
— Está tudo bem? — sua voz era tranquila e sendo praticamente soprada em seus ouvidos trouxe arrepios muito diferentes dos que teve anteriormente. O aperto era de uma forma reconfortante.
— Sim, Mila está exagerando.
— Minha oferta de troca de consultório ainda está de pé — comentou —, me sentiria mais confortável com você longe desse... Paciente.
A mulher respirou fundo e alcançou amão de Jeon tirando de seu ombro, segurando entre as suas, só então percebeu o quão fria estavam em comparação com a pele quente do doutor.
— Estou bem, vou ficar bem. Não tem necessidade.
Então o soltou, colocando um passo de distância entre eles. Agradecia sua preocupação, mas também não queria o presentear com esperanças. Jeon teria continuado se não fosse pela entrada no diretor.
Os funcionários se reuniram próximos ao palco se sentando nas cadeiras ali dispostas, o mais velho tomou o púlpito se apoiando nas beiradas, tirando em seguida um lenço do bolso e secando a testa suada. Em anos que ela trabalhava ali foi a primeira vez que o viu tão desconcertado.
— Como sabem, e ouviram nosso novo paciente já está no prédio — ele deu um respiro curto antes de continuar —, suas saídas e caminhadas serão restritas no primeiro dia até que as avaliações sejam concluídas. O Sr. Icron será o responsável por todas as avaliações.
As cabeças se viraram para o psiquiatra parado bem na frente, era o supervisor de [Nome] e mesmo sendo alguém de cargo e influente na comunidade. Ela mesma não sabia se era a melhor opção, ainda havia alguns métodos arcaicos que ele pregava como solução.
— Aqueles que serão envolvidos no caso já foram notificados previamente, os demais não precisam se preocupar. Mas peço por favor para que relatem qualquer movimentação estranha, também temos outros pacientes para cuidar.
A reunião terminou em silêncio e os turnos enfim foram trocados, [Nome] voltou ao seu escritório para pegar seus pertences, mas achou estranha a fresta na porta. Ela havia trancado quando saiu, não?
Girou a chave na porta para ver que a fechadura velha, havia quebrado, e mesmo que girasse a chave a trava não se mexia. Era só o que faltava para completar seu dia, a manutenção não iria trabalhar após o expediente. Acabou por guardar as coisas importantes numa gaveta e deixar a porta encostada, também teve cuidado para colar uma fita, essa seria rasgada se qualquer um abrisse a porta em seus momentos de ausência.
Abençoado fosses as séries policiais que gostava de assistir.
Quando passou pela entrada, Mila estava à esperando, já livre das suas roupas de trabalho junto com Sam e também Jeon. Sabia estarem planejando algo, caso contrário não estariam de plantão a esperando.
— O que é dessa vez?
Mila sorriu — Vai ter uma estreia no cinema, um filme novo sobre heróis ou qualquer coisa do tipo. Depois de tudo que aconteceu achamos ser uma boa ideia para distrair.
— Está me informando ou convidando? — respondeu — Ficou um pouco confuso.
A amiga respirou fundo, sabia que quando as respostas soavam secas significavam que ela não estava de bom humor.
— Convidando [Nome], estamos clamando por sua companhia vossa majestade ácida.
Após a alfinetada, a psicóloga soltou os ombros — Desculpe, descobri que a porta do escritório quebrou. Pode acreditar nisso? Nem posso fazer um requerimento porque a manutenção já se foi.
— Então, vamos distrair. Vai fazer bem, vou com Sam de moto, você pode ir com Jeon no caso estupidamente chique dele.
Lançou um olhar para a amiga que puxou o namorado na direção contrária, rindo da situação. Ela estava tentando, dava seus méritos, mesmo que fossem em vão.
Não tinha outra opção, também não era ruim pensar em se distrair um pouco, Jeon indicou o carro e até chegou a abrir a porta para que ela entrasse mesmo que ela dissesse que não era necessário.
Os bancos eram de couro claro e dentro tinha um cheiro agradável, parecia um veículo que acabara de sair da concessionária. A bolsa foi colocada no assoalho enquanto o celular por pego a fim de olhar as mensagens, não costuma a ficar atenta ao que acontecia durante o horário de trabalho, então tinha algumas mensagens e ligações.
A maioria de sua família e amigos de faculdade perguntando se estava tudo bem, não era segredo onde trabalhava, a preocupação de seus conhecidos era compreensível, porém as trinta e cinco ligações de seu pai eram um pouco exageradas. Depois da faculdade acabou se mudando para longe dele, o homem que foi um pai solteiro desenvolveu certa super-proteção depois que a mãe fugiu do hospital após o parto os deixando sozinhos.
— Você se importa se eu fizer uma ligação? Antes que alguém tenha um infarto.
— De jeito nenhum, fique a vontade — Jeon ligou o veículo e o manobrou em direção a saída.
Tentou não prestar atenção na conversa dela, mas a curiosidade em saber quem seria a pessoa que despertou a preocupação da mulher daquela maneira foi maior. Se bem que com sua natureza gentil ela se preocuparia com qualquer um, era um dos motivos que a admirava tanto.
Ele entrou na instituição pouco tempo depois dela, mas se sentiu cativado logo nas primeiras semanas. E apesar das constantes investidas das outras enfermeiras e até mesmo pacientes [Nome] tinha algo que era só dela, que fazia seu coração se aquecer e querer tomar ela nos seus braços.
Ser rejeitado por tanto tempo não era nada agradável, mas sabia que eventualmente teria a sua chance. E quando chegasse a agarraria com unhas e dentes.
Os primeiros minutos de ligação ela nada disse, só colocou a mão na testa ajeitando os cabelos atrás da orelhas segurando um riso.
— Terminou pai? Posso falar agora?
Jeon se sentiu um pouco aliviado, no fundo, teve um pouco de medo em descobrir que a garota tinha alguém em sua vida. Não que ficaria bravo com isso, mas faria suas esperanças caírem ao chão.
Chegou a pensar em sua própria família, eles também entraram em contato quando descobriram que o maniaco do campus viria para seu local de trabalho. Mas ao contrário do pai da mulher ao seu lado, eles queriam saber se estava envolvido no tratamento, provavelmente buscando se gabar do filho para seus outros amigos podres de rico.
O homem não negava ter nascido com uma colher de outro, mas nem por isso acabou se deixando levar pelos desejos dos pais. Eles nunca estiveram tão envolvidos com sua criação, logo teve sorte em ter uma cuidadora que lhe ensinou valores verdadeiros reescrevendo os preceitos egoístas ensinado por seus progenitores.
Tentou não prestar atenção na conversa focando mais do que devia nos ponteiros indicativos do carro, pescando apenas algumas palavras de apaziguamento para nervos a flor da pele.
Ela enfim desligou, suspirando alto depois de uma conversa exaustiva.
— Seus pais também surtaram com a chegada desse paciente? — perguntou.
Jeon respirou fundo — Sim, mas pelo fato de eu não estar o atendendo. Não se preocuparam com a minha segurança, ou algo do tipo.
Um momento de silêncio, quando se virou para a garota, ela o encarava com olhos arregalados.
— Está tudo bem [Nome] estou acostumado — se permitiu rir de sua situação —, não cresci num ambiente muito afetivo. Mas também não significa que foi uma infância infeliz, não precisa fazer a psicóloga para cima de mim.
— Desculpe — ela se virou para a janela com rosto vermelho por ter seus pensamentos desvendados em apenas um segundo. Juntando as mãos no colo nervosamente.
— Minha antiga babá me bombardeou com mensagens — explicou por fim —, é o suficiente ter uma única pessoa se preocupando por mim.
— Eu me preocupo com você — e rapidamente e completou —, como uma colega de trabalho.
Claro que sim, o homem apertou as mãos no volante agradecendo num sussurro.
Enfim o shopping da cidade apareceu na vista, Dengo não é uma cidade muito grande, tinha apenas um cinema disponível. Os jovens que nasciam ali almejavam por vidas em grandes cidades, logo não era um lugar muito movimentado.
O carro parou numa vaga larga e solitária e ambos andavam lado a lado para o lado de dentro. Mila e Sam não estavam em nenhum lugar por perto, tendo um pouco mais de mobilidade com a moto, o casal já estava no cinema comprando os ingressos e acenaram animadamente quando os amigos apareceram na escada rolante.
— Aqui está, já compramos — Mila entregou os papeis — não tinham muitos lugares então tivemos que nos separar. Estamos na fileira G
— E37 — [Nome] disse, era algumas abaixo.
— E36 — Jeon respondeu.
A garota pescou o sorriso sacana no rosto da amiga, poderia até estar cheio, mas aquela decisão foi feita de maneira pensada.
— Tivemos que pegar a última sessão, então isso da tempo o suficiente para comer — Mila ignorou completamente seu olhar de advertência —, tem aquele restaurante com sofás que [Nome] é obcecada.
— Não sou obcecada, só é um restaurante ótimo.
— Nem gosta de trocar de restaurante, sempre que quer testar algo novo acaba voltando para ele.
A psicologa girou a cabeça, Mila estava testando sua paciência naquele dia, respirou fundo tentando se recompor e não soar tão grossa com a amiga.
— Eu não quero arriscar trocar algo que sei que é bom, pelo incerto. Apenas isso. — ela passou pelo grupo rapidamente — Podemos apenas ir logo? Já que estamos todos com fome?
Sem esperar uma resposta, mas andando com passos firmes para longe. Atrás de si, Samuel deu uma olhada para a namorada e em seguida para Jeon, se desculpando pelas ações da companhia. O homem apenas deu um sorriso fraco e andou na direção que a mulher saiu marchando.
Na frente [Nome] seguia sem se virar, olhando de maneira despretensiosa as vitrines do shopping, sabia o caminho tão bem que seus pés a levaram sozinha para o restaurante parando apenas na porta para dar ao garçom um nome e o número de pessoas.
Aqueles que a acompanhavam vinham atrás, nada mais foi comentado e Mila também não se desculpou. Sua cabeça dura a impedia de admitir ter exagerado, morreria esperando um comentário, então para seu bem resolveu ignorar no momento em que voltaram a se sentar.
Sam e Jeon começaram as conversas e eventualmente Mila e [Nome] se juntaram, indo contra as expectativas iniciais, o jantar foi agradável e divertido. Tendo uma sobremesa gigante e quatro colheres selando a absoluta paz.
O filme, contudo, fora um horror. O enredo bagunçado, história cheia de furos, completamente sem sentido. Tão desinteressante que em certo momento se viu escorada em Jeon, seus olhos estavam embaçados de qualquer maneira. Havia deixado o colírio para tratar de seus olhos secos na bolsa, e a luz que acendeu após o final deixou tudo ainda pior.
— Não mexa, vai piorar — Jeon segurou sua mão que levantava para coçar os olhos.
— Eu não consigo ver — reclamou.
— Venha, vou te guiar — o homem pegou sua mão com delicadeza — posso te carregar se preferir.
— Pare com isso — o empurrou de leve, mas aceitou a sua ajuda. Ficava praticamente inútil quando isso acontecia e absolutamente odiava, teve que se aceitar a mão em sua cintura a guiando por todo corredor até voltar ao carro. Onde mãos tateiam a bolsa rapidamente atrás de seu milagre.
Piscou algumas vezes até que tudo voltasse ao normal, Sam e Mila se despediram e sua companhia pela noite a deixou na porta do complexo de apartamentos.
Não desapareceu de sua mão o último toque compartilhado com o homem, no momento de se despediram, uma última tentativa de conquistar para si um coração enterrado em inseguranças.
Quando deitou a cabeça no travesseiro fofo se deixou relaxar, permitiu que os sentimentos se dissipassem na preguiça envolvente de seus lençóis. Seu apartamento era, simples, mas organizado, sem cores muito escuras ou muito claras. Apenas comum e perfeitamente equilibrado.
Sono veio para a embalar num mundo de fantasias, enquanto inconscientemente reproduzia na mente momentos de seu dia.
A casa tinham paredes que se mexiam conforme seus pés avançavam, desbalanceada afundava como se estivesse sobre terra fofa. Paredes com buracos escuros dos quais nasciam olhos de fendas, bocas de abriam das maçanetas encaravam com riso vil seus esforços incompreendidos.
Portas que levavam a lugar nenhum, por mais que corresse sentia não sair do lugar. Lutando contra algo vivo, com corredores feitos de entranhas. Fantasmas cantavam em línguas. Faziam suas óperas e interpretavam todos os seus personagens, homens e mulheres, velhos e crianças.
Personalidades de todos os tipos emergiam de cada canto, as luzes piscavam em cores diferentes enquanto tudo ainda girava. Era como estar em cima de um carrossel que girava em todas as direções possíveis, a deixava enjoada, mas no fundo, bem longe no corredor distorto viu surgir uma silhueta vestido de noite da cabeça aos pés.
Corria em sua direção com desespero, se multiplicava em milhares, mais e mais da mesma figura tomando o longo corredor esticando as mãos em sua direção. Escalando as paredes como aranhas avançando em uma presa.
A boca do primeiro se abriu trazendo desespero e com ele olhos repletos de dor, as linhas no meio da testa se abriram e dela surgiu a mão que a engoliu em escuridão.
— [Nome], estou falando com você.
A mulher levantou os olhos dos papéis para a enfermeira em sua frente.
— Desculpe — ela levantou as mãos a cabeça esfregando o rosto —, sobre o que falava mesmo?
Com um suspiro, ela se levantou — Não é tão importante. Devia aproveitar esses momentos de folga para tomar um café o algo do tipo, volto mais tarde para conversarmos.
— Talvez eu deva fazer isso mesmo, obrigada.
Ajeitando as vestes no corpo se levantou fechando a porta do consultório atrás de si, demorou alguns dias, mas finalmente arrumaram a sua porta, fazendo o caminho conhecido para a copa. Se servindo de café recém-feito na cafeteira, seus pensamentos estavam confusos desde que o novo paciente chegou no hospital psiquiátrico, mesmo não tendo trocado com ele nem uma única palavra sempre que estavam por perto seus olhos buscavam os seus.
— Parece cansada — Jeon comentou quando entrou na copa também para se servir de uma dose de amargor — ainda com pesadelos?
— Infelizmente — deu um longo gole — eu praticamente já decorei cada centímetro da maldita casa dos horrores.
Jeon a olhou com cuidado, erguendo uma das mãos até seu rosto traçando as marcas escuras abaixo de seus olhos. Ouve alguém avanço em sua relação, aquela que se afastava já não mais se escondia, pouco a pouco [Nome] permita que o homem se aproximasse.
— Ouvi dizer que Jin tem algo em torno de 24 personalidades agora.
Ele se afastou respirando fundo — É o que dizem, Dr. Icron está animado demais com suas descobertas aparentemente. Parece que veio um repórter semana passada interessado em escrever um livro.
— Vender uma história parece mais importante que o tratamento, o que o diretor disse?
— Que uma parte deve ser do hospital, é claro. O que mais poderia ser? — havia um certo sarcasmo em sua voz — Não consigo achar o momento em que ele se perdeu.
— Quando lhe mostraram os números, posso garantir isso.
Um riso fraco — Provavelmente.
— Dr. Jeon tem um paciente a sua espera — um enfermeiro veio e informou.
— Certo, já vou — respondeu e em seguida se virou para [Nome] — Me espere na saída. Vou te levar para casa, não acredito que seja bom ficar andando enquanto a mente vaga sem rumo, pode tropeçar e se machucar.
— Não conseguiu pensar numa desculpa melhor? — comentou com certa descrença, mas rindo.
— Na verdade, não. Estarei esperando — o homem pegou sua mão a levantando aos lábios e partindo em seguida.
Ainda com o resto da bebida no copo, retornou para seu consultório. Novamente o encontrando aberto após tê-lo fechado, parecia que sua porta é que tinha uma personalidade própria.
Porém, dessa vez após colocar a chave ela funcionou perfeitamente. Seria uma falsa memória?
De qualquer forma, entrou, a trancou de vez atrás de si — confirmando desta vez —, e andou até a janela para a abrir atrás de um pouco de ar. Sem reparar na figura sombria parada no canto a observando com atenção.
[Nome] respirou o ar fresco, que entrou com o vento, aproveitando para olhar a rua e seu movimento por alguns instantes.
Bebeu o resto do café, agora morno, e quando se virou. Terror a tomou em ver Jin Bubaigawara a observando do canto com metade do corpo escondido atrás do armário. Vestia branco da cabeça aos pés, tinha um trapo amarrado lateralmente na cabeça e a encarava incessantemente.
Se virou nervosamente para a porta, quando enfim a precisava aberta parecia bem trancada, precisava se manter calma. Qual deles que estava aqui? Se lembrou então daquele que era particularmente bom em destrancar coisas.
— Caleb — disse com incerteza —, esse é você, não é? O grande mágico.
— Sim! Caleb, o grandioso mágico. São apenas truques baratos — foi a primeira vez que viu em primeira mão a troca de personalidade. Ele ainda permanecia imóvel no canto, acuado como uma besta ferida.
De novo aqueles mesmos olhos repletos de dor que via em seus sonhos.
— O que te traz até meu consultório, Caleb — deu alguns passos para longe da janela.
— Estou me escondendo. Não te interessa.
Juntou as mãos tremulas atrás do corpo esperando que elas parassem, enquanto mantinha o tom suave e ele cooperativo estaria bem.
— Posso te ajudar a se esconder, mas porque não se senta e me explica o que está acontecendo, garanto que sou muito boa em ouvir problemas dos outros.
— Por que eu deveria confiar em você? Tudo bem! — o homem saiu de seu esconderijo parcial e se sentou na cadeira de paciente, os dedos cruzados na frente do tronco apoiado na mesa e também descalço.
Ela mesma andou até a parte de trás de sua mesa atenta a qualquer movimento — Fale sobre o que quiser falar, o que se sentir confortável em falar.
Silêncio, e percepção. Agora de frente com ele, percebia que a marca na testa era uma cicatriz e uma tatuagem ao mesmo tempo, da altura da sobrancelha até a linha do couro cabeludo.
— Estou cansado de tanto falar, aqueles velhos só querem saber de contos e mais contos — era diferente como apesar de ser a mesma personalidade, a voz tinha diferentes entonações — falam demais, odeio todos eles. Mas eu vou ganhar dinheiro!
— Certo, soube que estão escrevendo um livro sobre... Vocês — disse com cuidado não sabendo exatamente como se dirigir.
— Sim, todos nós. Mas não queremos, será divertido — a cabeça dele se abaixava e os gestos acompanhavam a mudança, até que de repente toda a personalidade se foi e ele falou se abraçando e com o corpo curvado para frente.
Trêmulo, ele começou se balançar e murmurar sozinho.
— Talvez seja melhor eu chamar alguém.
— Não! — gritou o homem batendo ambas as mãos na mesa se levantando num salto haviam lágrimas nos seus olhos e uma dor profunda em sua expressão — Por favor não, eu não aguento mais, quem eu sou? Me diga quem eu sou!
O coração em seu peito batia rapidamente, maldita hora em que fechou a porta, respirou fundo e levantou as mãos em sua direção — Está tudo bem, não vou chamar ninguém, pode se acalmar.
— Quem é você?
— Sou [Nome] eu trabalho aqui — manteve a voz calma — seu quarto é no fim do corredor. Caleb andou brincando com as fechaduras e te trouxe até aqui.
— Caleb, Caleb, Caleb, Caleb Compress, — repetiu se maneira seguida — o mágico ilusionista. Ele gosta de fugir.
— Ele estava fugindo de algo? De alguém?
— O médico de bigode, não gostamos dele. Ele é mau, sim ele é um grande vilão. Espera, quem sou eu?
Novamente aquela pergunta.
— Seu registro te chama de Jin. Jin Bubaigawara.
Foi então que todo o turbilhão deixou sua mente, o homem olhou para os lados — Sim, sou o Jin. Preciso sair daqui, não é seguro.
Um pouco atrapalhado se levantou derrubando a cadeira e em seguida andou até a porta, a chave ainda estava na fechadura, então foi fácil ouvir o clique e o ver saindo dela depois disso. [Nome] não sabia sequer como reagir, não era sua especialidade clínica, a porta se manteve aberta enquanto suas pernas enfraquecidas pela cena se dobraram.
Ele deveria estar acompanhado, como diabos conseguiu entrar em seu consultório? Tudo bem que a fechadura era uma merda, o problema maior seria ele estrar em qualquer outro lugar ou pior, fugir da instituição.
Da cadeira viu Mila passando no corredor e a chamou.
— Você precisa sair um pouco, cada vez que venho aqui parece mais pálida.
— Que seja — respondeu —, você sabe quem está auxiliando o Dr. Icron?
— Mark? Acho que é ele que fica acompanhando as "sessões ultrassecretas" por quê?
— Nada, curiosidade.
Mila a encarou dos pés a cabeça, não era da natureza da amiga fazer perguntas como aquelas, ainda mais alegar curiosidade. Só que não a pressionou mais no assunto deixou de lado.
— Se é só isso preciso...
— Na verdade — [Nome] se levantou galgando força para suas pernas e fechando a porta antes de Mila sair —, eu quero ver os relatórios do Dr. Icron.
— Isso é restrito, só aquele que é encarregado e o diretor tem acesso.
— Eles não precisam saber, não é mesmo? Sam tem a chave mestra do hospital, será que ele não pode nos emprestar por poucos minutos?
— Me dê um bom motivo para colocar o emprego do meu namorado e o meu em risco — questionou.
— Jin invadiu meu escritório e eu acho que ele está sendo abusado de alguma maneira pelo doutor responsável.
Os olhos castanhos dela se arregalaram e sua boca também se abriu de choque sem saber o que responder — Tudo bem, é motivo o suficiente. Me convenceu, mas me explica uma coisinha...
Antes dela gritar [Nome] tapou sua boca, tomando alguns minutos para explicar o que aconteceu durante o dia. Pareciam até terem invertido os papeis, Mila andava na sala de um lado para o outro com a mão no queixo e casualmente acenando com a cabeça, comentou também sobre as informações que Jeon forneceu sobre a instituição.
O plano foi feito rapidamente, Samuel terminava o expediente e ainda demorava cerca de trinta minutos para ir até à sala dos funcionários, ele tinha certo gosto por ficar conversando nos corredores. Mila pegaria a chave com ele usando qualquer desculpa e juntas elas entrariam no escritório de Maxwell Icron para ver se conseguiam alguma informação.
Até pegar a chave com Sam tudo nos conformes, porém repentinamente uma garota veio chamando Mila para resolver uma questão maior na sala das enfermeiras. Sua missão então seria solo.
O consultório era oposto do seu, no mesmo corredor, porém distante. Com cuidado ela olhou envolta e ao confirmar que não havia ninguém, abriu a porta entrando em seguida. Era bem diferente do seu próprio, começando pelo tamanho, também tinha pouca luz, as janelas estavam cobertas com pesadas cortinas. O carpete era de uma cor escura e mórbida, a sala inteira cheirava a um armário velho.
Seguiu em direção a sua mesa bagunçada, desviando de caixas no chão, tentando encontrar nos documentos espalhados alguma pista. Apenas anotação para o suposto livro que estava sendo escrito, um monte de baboseira sem sentido, rumou pelas gavetas e nada de interessante achou. Isto é, até que encontrasse uma pasta bem escondida no fundo de uma delas.
Eram direitos para um filme, não é incomum esse tipo de produção, mas o que ele havia feito era vender os mesmos direitos para várias pessoas diferentes. Por valores muitíssimo altos julgando pelos contratos ali armazenados. Ainda não o suficiente para o denunciar, e a instituição.
Enquanto na sala escutou a maçaneta virar, não poderia ser o Dr. ele já tinha ido embora, ela mesma o viu sair durante a tarde, quem poderia ser? Em pânico buscou com os olhos um lugar para se esconder, era ridículo, mas as grossas cortinas teriam de servir.
Um clique soou e quem quer que fosse entrou, posicionara uma das muitas embalagens de papelão na frente dos pés para os esconder e torceu para estar tão invisível quanto pensava estar. Não sabia quem era, a pessoa que entrou nada disse, apenas andava lentamente, escutou um barulho de vidro e em seguida um cheiro forte de álcool.
Claro que ela viu as garrafas de bebida, mas teria alguém entrado ali apenas para tomar uma dose?
Esperou e esperou, até que o clique da porta soasse e [Nome] confirmasse que não havia ninguém, saiu do seu esconderijo. Foi então que viu na mesa de madeira uma armadilha montada, a garrafa ornamentada estava tombada despejando seu líquido âmbar pelas folhas até o chão. E bem próximo uma vela que em breve colocaria tudo em chamas.
Sem pensar duas vezes ela se lançou a chama a apagando com um sopro em seguida, não gostava do doutor, porém colocar fogo no prédio era demais. Já havia ficado ali por tempo demais, então saiu depois de espiar o corredor, voltando para seu próprio consultório e pegando sua bolsa. Não antes de pingar nos olhos o colírio, era capaz de cair rolando as escadas sem eles.
Na frente Mila já estava em pânico esperando, ambas amigas se juntaram e então [Nome] devolveu a ela a chave discretamente.
— E então? — sussurrou.
— Depois.
A amiga tinha sua própria casa, mas ocasionalmente ficava no pequeno e organizado apartamento, já tinha até mesmo ganho uma gaveta no armário da amiga e tinha um travesseiro próprio para dormir no confortável sofá cinza da sala. Naquela noite, após aventuras, ela resolveu acompanhar [Nome], ficando para dormir e escutar todos os relatos mais completos.
— Céus, imagine o estrago que um incêndio faria, quem pode odiar o Dr.?
— Não sei, mas uma das fichas de Jin também era de um incendiário, de ele supostamente usou o mágico para abrir a porta e depois quis tacar fogo — comentou —, motivado pelo ódio e pelo Icron vender sua história desse jeito. Se bem que essa personalidade não precisa de um motivo para incendiar algo.
— Não é tudo muito estranho? — Mila abraçou a almofada em seu colo — Quero dizer, ele realmente tem múltiplas personalidades? Quem fica no seu corredor não parece acreditar muito.
— Transtorno dissociativo de identidade é algo real, não se pode negar — respondeu séria — pessoas possuem. A questão é se em Jin é uma situação real, apenas os profissionais destinados a trabalhar com ele podem afirmar ou negar. Se bem que ele foi julgado por isso, me parece um pouco impossível fingir isso veementemente num juri, se for julgar pelo que eu vi. Realmente é verdade.
— Precisamos dar um jeito na sua sala, imagine o que mais pode acontecer?
Não estava de toda errada,
— Agora minha querida [Nome], e Jeon? Vocês parecem próximos, finalmente vai dar uma chance pro gato?
— Talvez, eu gosto dele... Só não sei se é o suficiente para avançar além de amigos.
— Pelo menos tente minha amiga, se permita ser feliz um pouco — Mila a abraçou —, e se ele te magoar eu e Sam vamos chutar as bolas dele.
Risada ecoou pelas paredes e assim a dupla descansou pela noite, e mais uma vez [Nome] foi visitada em seus sonhos pela casa maldita, dessa vez com o acréscimo do fogo. A fumaça característica que vinha, entrava pelo seu nariz e fazia arder seu interior. Mais intenso, mais forte até que...
Seu corpo se levantou num solavanco, uma luz alaranjada entrava pela sua janela e junto com ela o cheiro forte de fumaça. Não era completamente de mentira a sensação dos sonhos, ainda cambaleante pelo sono foi até a janela para ver que no prédio da frente um dos apartamentos estava em chamas.
Pessoas estavam de pé na calçada e olhavam, alguns gritavam e outros ligavam para as autoridades. Se ela não tivesse acabado com a armadilha, aquele não seria o único incêndio da noite, não demorou para que os bombeiros chegassem e quando tudo se acalmou faltava pouco para que a manhã nascesse.
Não conseguiu dormir por motivos óbvios, portanto se manteve deitada até que o alarme despertasse. Mila levantou logo depois e se rendendo a preguiça, ambas se destinaram ao café da cidade para uma boa refeição. Chegaram no hospital psiquiátrico com tempo, [Nome] andou até a porta de seu consultório na companhia da amiga, ambas trocaram um olhar antes dela girar a maçaneta e confirmar estar fechada.
Os ombros se soltaram devido ao nervosismo, e apenas após dar uma olhada geral no local, e garantir que não tinham ninguém por perto que se permitiram dar início a rotina. Deviam ser umas onze horas quando precisou sair pela primeira vez, haviam alguns documentos que precisavam ser enviados para aprovação do chefe do setor de psicologia.
Na volta acabou esbarrando com Jeon no corredor.
— Tem certeza que está dormindo? Cada dia parece estar mais cansada — o homem ajeitou uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.
— Estou tentando, posso garantir isso.
Foi então que sentiu um peso em seus ombros.
— Ei, [Nome], [Nome] — era uma voz de homem porem estava seita de fina —, você vai ser minha amiga não vai?
Jeon tinha um pânico em seus olhos e logo em seguida Dr.Icron entrou na cena — Você não pode correr desse jeito Toka.
— Mas vocês não são fofos — era Jin com a personalidade da adolescente —, suas roupas também não são fofas. [Nome] é fofa.
O aperto em seu pescoço era intenso, não o suficiente para a sufocar, mas para ser incômodo. A respiração batia na base de seu pescoço, uma sensação molhada então tomou sua pele e a fez arrepiar.
— Toka, sim vou ser sua amiga — disse com certo pânico —, que tal me soltar agora?
— Yay! [Nome] é minha amiga — ele a soltou e deu pequenos pulos, parando apenas para olhar para Jeon — médico idiota.
E então continuou seu caminho, gesticulando como uma adolescente, imediatamente a psicologa passou a mão no pescoço. Ele tinha realmente lambido sua pele enquanto enganchado.
— Dr. Icron — Jeon o chamou —, como pode deixar isso acontecer? Me parece irresponsável, está colocando os outros pacientes em perigo o deixando sair assim.
— Em algum momento a senhorita se sentiu em perigo? Não podemos o deixar trancado na sala de exames — disse com um sorriso sujo e malicioso —, Toka queria sair e veja que coisa boa, conseguiu uma amiga. Agora se me da licença... Ah, apenas mais uma coisa.
— Não fiquem tão próximos, pessoas podem interpretar suas ações de maneira errônea — o velho e seu assistente Mark seguiram o corredor por onde Toka correu logo em seguida —, fingirei não ter visto nada.
Jeon tinha as mãos fechadas em punho, ambos agora estavam nas mãos do doutor Maxwell Icron. Se as coisas dessem errado para ele poderia voltar para o hospital que seus pais gerenciavam, mas [Nome] não.
— Está tudo bem — a mulher segurou sua mão —, não é como se ele estivesse totalmente seguro. O que você disse sobre a publicação do livro, na verdade é bem pior.
— Como assim?
Não viu motivos para esconder do homem suas descobertas, então compartilhou o que achou no dia anterior após entrar no consultório ele. Uma vez que, era naquele mesmo corredor.
— O que vocês duas estavam pensando? — ralhou em voz baixa — E se alguém pega vocês?
— Já passou, nada aconteceu — ela rebateu —, o que eu devia fazer? O paciente estava além de transtornado, Icron está fazendo algo, eu sei disso. Não podemos fechar os olhos e não fazer nada.
— Mas também não precisa se colocar em perigo por conta disso — ele tomou o rosto dela em suas mãos — Icron se acha, é confiante demais, uma hora ele vai deslizar. Não... Se coloque em perigo por isso.
— Eu já fiz a minha escolha, infelizmente não da para voltar — o respondeu —, mas prometo ser mais sensata dessa vez.
Jeon respirou fundo — Acho que eu sei como seu pai se sente.
— Desculpe — [Nome] riu —, sabe que não precisa se preocupar comigo.
— Um pouco difícil fazer isso quando... — ele deu uma pausa e se afastou — Quando, está segurando o meu coração junto.
— Jeon...
— Sei todas as suas falas sobre esse assunto, mas não é como se eu pudesse simplesmente ignorar, não é? Apenas tome cuidado.
Um sorriso triste, odiava o ver dessa maneira, desde sempre ela parecia fazer sempre as piores decisões. Será que dar uma chance para ele seria a escolha certa dessa vez?
— Minha pausa para o almoço é as 12:30, podemos ir ao restaurante na rua detrás, se estiver disponível.
O neurologista se virou em choque, se deparando com olhos baixos e bochechas coradas. [Nome] devia ter juntado alguma coragem para dizer a ele tais palavras. Sentiu um sentimento quente se revolver em seu peito.
— Sim, seria ótimo.
Talvez dessa vez não estivesse fazendo uma escolha tão ruim.
Apesar de sempre ter a sensação de algo se espreitando e a observando conseguiu seguir o dia sem mais incidentes. O almoço com Jeon foi mais que proveitoso, ele cresceu como um lorde e certamente também agia como um e a tratava como uma dama.
Dias se passaram desde o encontro com Jin — ou Toka —, no corredor. Ela não havia o visto mais pelos corredores e tão pouco teve problemas com a fechadura de sua porta.
— Tem certeza que não quer que eu compre o colírio para você? — Jeon perguntou enquanto voltavam de uma volta na área externa.
— Céus, você é meu pai? Estou bem — passou os dedos de leve ao redor dos olhos —, tenho um reserva no armário.
— Certo — suspirou derrotado —, tenho uma consulta agora. Vejo você depois.
Ela balançou a mão o dispensando com um sorriso e assim que seus passos se afastaram, Mark veio a chamar. Aparentemente o Dr. Icron tinha algo para resolver com ela, tateou o celular para descobrir estar no bolso de sua calça.
Era a primeira vez que voltava ao escritório sujo dele desde que o invadiu, ainda com o mesmo cheiro de movo que sentiu na primeira vez.
— Por favor, se sente.
— Não tenho a intenção de ficar por muito tempo — respondeu olhando envolta, Mark permaneceu ao lado deles como um guarda —, o que precisa?
— Sempre tão direta, me surpreende alguém como você não gostar de preliminares — dentes nojentos num rosto ainda mais repulsivo —, pois bem. Nosso amigo Jin está um pouco cansado de ficar preso apenas na instituição. Mas ele não pode ter saídas até que alguém o ateste bem o suficiente, achei que poderia fazer uma coisinha para mim já que compartilhamos um segredo não é?
— Não temos nenhum segredo — a mulher respondeu —, você pelo contrário parece ter muitos, senhor.
O velho bateu a ponta de um charuto na mesa e o acendeu em seguida — O que é que você quer? Dinheiro? Tenho muito, os livros estão vendendo muito bem.
— Não me importa o dinheiro, não vou colocar uma sociedade em risco por um capricho. Se ele está impaciente aqui dentro, é mais que motivo para não liberar as saídas, ainda mais desacompanhado.
— Aquele neurologista, na flor da idade, no auge da carreira. Seria uma pena se algo acontecesse com ele não é?
Não acreditava que ele estava fazendo ameaças a Jeon para conseguir dela um laudo falsificado, realmente ele era bem confiante e assim como o homem disse cometeria um deslise.
A fumaça começou a incomodar seus olhos, mas se manteve firme sem vacilar - Não farei isso, pode subornar outra pessoa. Jeon... É um profissional de verdade ao contrário de você, sair daqui não faria tanta diferença.
Marchou em direção da porta rapidamente para que Mark não a alcançasse e saiu, quase correndo pelo corredor em direção a sua sala. O gravador tinha pego a conversa inteira, teria algo para apresentar a polícia dessa vez, e nem precisou fazer algo idiota, por segurança enviou o material para Mila.
Em sua mesa havia um bilhete.
Me encontre na sala de consulta do subsolo, tenho algo importante para te dizer.
Por que Jeon a chamaria para ir até à sala inferior se já haviam se encontrado a pouco? Não entendeu, mas como as últimas vezes escolheu confiar em sua decisão e seguir seu pedido. Desceu os corredores se certificando de que ninguém a seguia, puxou a porta corta-fogo que dava acesso às salas inferiores e desceu as últimas escadas.
— Jeon? — o chamou, todas as luzes brancas estavam ligadas. As paredes também claras não ajudavam muito sua visão.
Parece que ele não estava por ali, seu colírio havia acabado pela manhã, tinha um reserva guardado em seu armário, mas ainda não teve a chance de pegar. Sua visão começava a ficar embaçada quando ouviu alguns passos. Se virou, mas não viu ninguém, porém teve certeza do som de passos ecoando pelo corredor até seus ouvidos.
— Alguém?
Sentiu um calafrio e precisou chacoalhar os ombros para se livrar da sensação, ali também estava frio. Os aparelhos de ar condicionado ligados em temperaturas baixíssimas, piorando ainda mais sua condição ocular. Pressionou de leve as costas das mãos sobre eles antes de os piscar tentando recuperar sua visão.
Foi então que apareceu um homem de jaleco, acenou a chamando com a mão e entrou em uma das salas. Seguiu achando ser Jeon, confiando — e até mesmo ansiando —, porém o que a recebeu na pequena sala foi um pancada na cabeça.
A mulher caiu no chão e imediatamente teve uma mordaça colocada em sua boca, eram apenas grandes borrões de cor, reconheceu entre eles os cabelos cor de areia de Jin. As luzes doentiamente brancas faziam arder seus olhos, o teto girava em espiral como no mesmo pesadelo que tanto a atormentou.
Com o mesmo pedaço de trapo rasgado, seus pulsos foram presos atrás das costas e pelas pernas arrastada para longe da porta sentia líquido quente molhar seus cabelos. O corte recém-aberto deixando um rastro pelo chão.
— Você, você, acabou com os meus planos, sabia? Se tivesse deixado tudo queimar, não estaria aqui.
Era bonito, não era horrível, era desnecessário, mas ele queria. Desde o momento em que a viu parada na porta, seus olhos bonitos, assustados, eram incríveis, mas nem tanto.
Eles, eram eles que estavam fazendo isso, Jin não queria isso não é? Não, Caleb que abriu a porta do escritório do médico idiota, e foi o chefe Timothy que mandou ele jogar fora o remédio de olhos e Dylan, esse estava furioso com ela. Não deixou que o escritório pegasse fogo, viu quando ela saiu da sala de Icron logo depois dele.
Sim, isso mesmo. Eles que queriam, eram essas pessoas moravam em seu corpo que usavam suas mãos para fazer coisas ruins. E ainda assim se sentia excitado quando mandavam ele as fazer, vermelho, ele gostava de vermelho, havia uma poça formada atrás da cabeça dela.
Sempre foi assim desde que se lembrava, sempre teve essas vozes dentro de si, às vezes de lembrava, outras não. Fazia coisas e depois se esquecia completamente.
Pessoas não sabiam, não entendiam, eles só tinham eles, os de fora o condenavam e tratavam-no como um bicho, desde sempre e para sempre. Apenas um delírio, alguém indesejado, estava cansado, tão cansado.
— Quem eu sou? — não teve uma resposta.
Os dedos desfizeram o botão de sua calça, e também arrancaram a parte debaixo das vestes de [Nome].
— Por favor, me diga quem eu sou.
A palavra que esperava nunca veio, e por isso cedeu aos seus anseios.
Ela praticamente inconsciente pela perda de sangue e pela pancada na cabeça não pode fazer nada, presa dentro da sua própria mente, entorpecida pela dor. Desacreditada que mesmo pensando fazer a melhor escolha, ainda teve o pior final. Mila disse para ela se permitir ser feliz, mas um coração pulsante cego por uma paixão recente que a levou até ali, a deixou despida de suas honras, nua de sua dignidade, violada sem uma chance de lutar.
Cruéis eram as lágrimas que molhavam seus olhos, que a permitiram ver o mesmo rosto cheio de dor e desespero de Jin, enquanto colocava as duas mãos em seu pescoço.
— Desculpe, o Jin não quer te matar.
Mas matou.
— Willian Stanley Milligan, nascido em fevereiro de 1955. Com 22 anos foi preso e acusado de sequestrar, roubar e estuprar três mulheres. Havia muitas evidências no que se diz a autoria dos atos — Verita arrumou os óculos nos olhos —, inclusive foi identificado por umas das vítimas.
— Durante seu julgamento, a defesa alegou que Billy Milligan desenvolveu transtorno de personalidade porque foi abusado fisicamente e sexualmente por seu padrasto. Apesar de horrível, a situação se tornou o primeiro homem absolvido nos Estados Unidos por transtorno mental.
— Billy recebeu alta do hospital em 1988 continuando um tratamento até sua alta final a qual aconteceu em 1991, ele morrei em 2014 dois meses antes de completar 60 anos. — o terceiro livro foi fechado.
— Bom, espero não estar se entediando. Mas boas notícias só faltam dois, e devo adiantar que são dois particularmente infames, claro que existe muito mais a ser contado, mas devemos deixar isso para quem realmente sabe o fazer.
Um riso e então o penúltimo livro da pilha — O próximo... A inspiração de muitas obras de terror, não possuí tantas mortes nas mãos, porém não o torna mais aceitável.
— Sabe, é uma opinião, mas acredito que muitas vezes a humanidade cria seus próprios monstros. — as páginas viraram rapidamente — Então vamos começar?
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