Nunca é tarde para se desculpar

Copa dos Contos — Edição 2022
Tema: Fim abrupto
Gênero: Drama
Quantidade de palavras: 575

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As ruas estavam vazias. Alguns carros abandonados tumultuavam o caminho.

Rafa tomou cuidado enquanto desviava com a sua bicicleta aquele engarrafamento fantasma.

Nas ruas quase nenhuma alma viva poderia ser avistada, em contraste com o rotineiro caos urbano que outrora dominava o distrito central daquela capital.

Alguns lunáticos pregavam para fantasmas.

— Arrependa-se dos seus pecados enquanto há tempo. Todos os sinais escritos no livro sagrado estão se cumprindo. Em breve aqueles escolhidos por Deus serão levados para o paraiso eterno enquanto os hereges padecerão pela eternidade no fogo do inferno — falava um senhor maltrapilho na calçada enquanto levantava uma bíblia para o céu.

Rafa só queria chegar o mais rápido possível no hospital.

Seu tempo era curto.

Parou de pedalar e olhou para o céu. Uma grande luz gradualmente atravessava o céu. E breve o meteoro iria acabar com toda a vida humana no planeta terra, mas no momento ele só conseguia manter algo em sua mente.

Mãe...

A última vez que se encontrara com ela havia proferido palavras horríveis.

— Eu odeio você! — As palavras ecoavam em sua mente.

Edinalva era contra o seu sonho de se tornar um cantor.

— Ser artista nesse país não dá futuro. Deveria pensar em prestar um concurso público para ajudar com as despesas de casa — dissera ela ao ouvir ele contar sobre o seu plano de iniciar uma banda.

— Você nunca me apoia em nada! Aposto que, se pudesse, desejaria que eu nunca tivesse nascido!

Naquele dia ele fugira de casa e embarcara em um mochilão pela Europa, com o sonho de se tornar um cantor de sucesso.

Sua banda Insípido Aegis, porém, havia fracassado.

Resumo da história: nada tinha dado certo.

Mas aquela não era hora para lamentar seus fracassos na vida. Em menos de 24 horas a vida na terra seria extinta e ele precisava se desculpar com a pessoa que mais o amava enquanto ainda era tempo.

Antes tarde do que nunca, pensou determinado.

Quando soube através do noticiário mundial sobre a vinda do meteoro em direção da terra, a primeira coisa que vira em sua mente era sua mãe.

Quando voltara ao Brasil havia descoberto sobre o estado de saúde dela.

Estava internada em algum hospital da capital em tratamento contra um tumor maligno no cérebro.

Enfim chegou ao hospital.

Estacionou a bicicleta e entrou no lobby. Dentro havia uma única enfermeira na recepção. Dirigiu-se em direção dela.

— Em que quarto essa paciente está? — disse ele.

— Quarto 39B. O hospital está atualmente abandonado. A maioria dos médicos deixaram o  ofício para passar seus últimos dias com suas famílias. Apenas alguns poucos voluntários ainda restam. Gente solitária a qual preferem passar seus últimos dias de vida cuidando dos enfermos como se houvesse um amanhã.

Ela deu um sorriso triste.

Rafa subiu pelas escadas do hospital até encontrar a ala em que sua mãe se encontrava.

Quando entrou pela porta, viu um corpo já eu suas últimas respirações em vida.

Ao abrir os olhos lentamente, Edinalva sorriu.

— Eu sabia que um dia você voltaria.

Rafa desabou no choro ali mesmo e as palavras saíram de sua boca como uma enchente após um ano de tempestade: — Desculpa!

Os dois passaram as suas últimas memórias de vida abraçados na cama, como costumavam fazer quando eram apenas uma jovem mãe e um menino birrento.

O meteoro colidiu com a terra em apenas 6 horas após o encontro.

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