Os iguais

Às vezes, em suas madrugadas insones, quando sobrava algum tempo para reavaliar a vida, entre uma preocupação e outra, entre o estudo de uma disciplina e outra, Natália se perguntava se realmente valia a pena todo aquele desassossego. Tudo que ela queria era paz, e paz foi o que nunca mais teve depois que começou a namorar Pedro.

Trocaram o primeiro olhar na academia, que ambos frequentavam por ser perto da universidade em que estudavam, mas sabiam da existência um do outro desde antes, por nome, comentários, fotos de pessoas em festas nas redes sociais. Natália era mais tranquila, discreta, embora não dispensasse uma boa farra; Pedro, por sua vez, todos conheciam—todos e todas, por motivos não tão nobres. Ele era uma boa pessoa, socialmente, não se podia dizer o contrário; mas sua vida sociossexual era sempre comentada com certa censura. Se ele estivesse em uma festa e saísse dela sem ter beijado pelo menos cinco bocas diferentes, era como se não tivesse ido. E, para ele, alcançar esse número-base não era um desafio ou uma meta; acontecia naturalmente—e "naturalmente" também, porque a natureza foi generosa deveras com o dito cujo.

Era um menino. 22 anos, genética boa. Não tinha uma beleza que o tornasse atração principal no meio de qualquer grupo; era gatinho. Um gato, no máximo, aos olhos de quem não o conhecesse. O que o diferenciava era o papo fácil, que ganhava praticamente todas que abordava. O corpo também ajudava: os músculos visíveis, bem definidos e salientes atraíam olhares quando ele inevitavelmente tirava a camiseta e ficava só de samba-canção em algum momento do rolê.

Natália calhou de ser mais uma de suas vítimas. O que a diferiu das demais, no entanto, foi o fato de que, ciente da reputação do caçador quando ele se aproximou a primeira vez para perguntar retoricamente se eles não se conheciam da academia, ela resistiu pacientemente às investidas do galãzinho. Não porque não o desejasse—muito pelo contrário!—, mas porque sabia que se meter com ele era encrenca. Esbarraram-se e interagiram em uma boa meia dúzia de festas antes de Pedro, sistematicamente rejeitado inúmeras vezes, finalmente conseguir arrancar um beijo consentido da mocinha, que acabou sendo vencida pela insistência e pelo charme donjuanesco daquele cretino. Mas foi só um beijo, e um pedido de follow no Instagram.

Quando contou às amigas mais próximas que tinha beijado o Pedro da 73, as reações se dividiram. Algumas, risonhas e mordiscando o canto da unha, queriam saber se ele era realmente tudo aquilo que diziam; outras lamentaram a escolha questionável da amiga em ficar com o homem mais escroto do curso de Medicina. "Nossa! Ok, eu sei: ele é um cafajeste, já ficou com a faculdade inteira, mas comigo ele sempre foi super atencioso!", ela disse em sua defesa. "E qual cafajeste não é atencioso, Nat?"

Sendo um cafajeste ou não, o que foi feito foi feito, e a consciência de que aquilo talvez não deveria se repetir veio à mente assim que a solicitação do rapaz apareceu no Instagram. Eu vou ser só mais um contatinho na lista dele, Natália pensou com alguma razão, mas mesmo assim aceitou o pedido de follow, e não pôde evitar seguir de volta e entrar para a soma de mais de 2 mil outras pessoas que queriam ver as fotos de Pedro por ali.

Não passava uma semana sequer sem que ele puxasse assunto com ela, fosse respondendo a um story ou comentando em uma foto ou perguntando se ela iria a essa ou àquela festa, ou a que hora ela estaria na academia e em que dia da semana, para eles poderem se ver de novo. Ela se fazia de difícil; por mais que quisesse beijá-lo outra vez e aproveitar a companhia surpreendentemente agradável dele, resistia. Não o maltratava, porém. Respondia com educação, sem tanta demora, sempre que estava disponível, mas sempre mantendo uma distância saudável, para evitar se envolver demais e acabar se machucando. Ele a tratava do mesmo modo, muito embora pudesse tratar do mesmo modo outras tantas que Natália mal conseguiria imaginar.

O que ela também não conseguiria imaginar nem na circunstância mais remota era que, diferente das outras tantas, Natália era especial. Era a ela que Pedro se referia quando contava aos amigos sobre "a menina muito top" com quem ficou na festa tal. Existiam, sim, mais duas ou três concorrentes, mas Natália era a primeira com quem ele pensava em alguma desculpa para fazer contato. Eram dela os stories que ele abria o aplicativo para procurar. Era ela a primeira pessoa que ele queria saber se iria à festa; porque era ela que ele também queria beijar e estar por perto acima de todas as outras.

Eles só se encontraram de novo fora da distância segura da internet ou dos locais públicos "por acaso", quando Natália fez check-in em um bar onde estava com um grupo de amigos e Pedro parou tudo que estava fazendo para ir ao encontro dela, em plena quinta-feira. Sem avisar. Quando chegou lá, foi uma surpresa para ela, que, distraída pela conversa com os amigos, nem estava se lembrando da existência dele. Ele alegou coincidência com um sorriso de boca inteira ao cumprimentá-la; ela acreditou. E naquela noite ele quebrou a primeira barreira da garota: conheceu alguns de seus amigos; invadiu e pertenceu à sua bolha social por três horas. Leandro, Brenda, Pâmela e Caio. Todos da Medicina, todos sabendo exatamente quem era Pedro Maciel. "Tô esperando um amigo", ele disse, "posso sentar aqui com vocês enquanto ele não chega?". E da mesa ele não saiu mais, afinal não havia amigo nenhum.

Depois disso a coisa começou a ficar séria, no sentido mais mau do que bom. "Eu não vou ser mais um contatinho seu, Pedro", Natália disse após beijá-lo e abraçá-lo à exaustão. "Que contatinho, minha deusa? Eu tô aqui por tua causa!" Estava, mesmo; não dava para negar. O grande problema era que também não dava para acreditar—não conhecendo de quem vinham aquelas palavras, mesmo que ele insistisse na verdade do que dizia. Foi uma luta; mas Natália, mais uma vez seduzida, resolveu dar meio voto de confiança. Passou a tratar o moço com um pouco mais de assiduidade e interesse; disponibilizou-se a receber dele o que quer que ele tivesse para oferecer.

Tudo que ele tinha a oferecer era um estranhíssimo carinho expresso em doses cirurgicamente precisas. Não era demais nem de menos; não pingava nem secava: era tudo que Natália um dia sonhara receber de um homem. Às vezes parecia delírio que Pedro Maciel estivesse aos pés de alguém como parecia estar aos de Natália, e era justamente essa a origem de toda a preocupação: nada tirava dela a certeza de que aquilo era mero estratagema para mantê-la por perto até ele conseguir levá-la para a cama e depois jogá-la para escanteio como fazia com todas as outras, ou mantê-la na lista de espera, como decerto mantinha as outras com quem transava enquanto Natália não se dispunha.

Até que, inevitavelmente, eles transaram, e depois tudo continuou como estava: o carinho, o fazer questão, as conversas agradáveis... Quanto mais Natália se envolvia, mais um alerta vermelho soava dentro de sua cabeça. Cada movimento do rapaz alimentava mais e mais a chama da desconfiança. Os atos, as palavras dele não bastavam para convencê-la; e não bastavam porque nada bastava. Eles estavam juntos na academia, quando conseguiam um intervalo no mesmo horário na faculdade, quando iam ao apartamento um do outro, quando se encontravam nos finais de semana, entre amigos, até nas festas, onde entravam e saíam de mãos dadas; em todos os lugares. Ele conhecia os amigos dela, ela conhecia os dele—e todos sabiam quem era a Natália da 70 porque ela era A Natália do Pedro, sendo que jamais existiu uma Larissa do Pedro ou uma Carol do Pedro... A única coisa que conseguiu soprar uma brisa gelada no fogo dessa desconfiança voraz e insistente foi o pedido de namoro, feito em caráter assaz romântico depois de quatro meses de reticências.

"Amiga, Pedro Maciel namorando é a primeira trombeta do apocalipse, viu?", foi a reação de Leandro, o amigo gay; "Mas parabéns pra ti, que tem muita menina aí que daria os dois rins pra estar no seu lugar". Natália ficava sem saber se encarava isso como um elogio ou como um fardo, algo que agora precisaria administrar com cuidado arqueológico para não perder, já que havia sido um feito tão monumental. E um medo de proporções monstruosas se instalava com violência quando surgiam essas conversas, pois Natália, a essa altura, já estava acima das estrelas por Pedro, tonta de paixão, e tudo que ela queria era que aquele sentimento não passasse e que o namorado não partisse seu coração.

Viveram momentos importantes juntos. Apesar das agendas concorridas, horários apertados, estudo atrás de estudo, funcionavam bem juntos. Conseguiam se ver toda semana, saíam para jantar, transavam, dormiam juntos... Pedro era ridiculamente bom na cama. Foi com ele o primeiro orgasmo da vida de Natália, assim como foi com ele que ela descobriu facetas menos ortodoxas do sexo. De algumas ela gostava; de outras, nem tanto. Ele tinha tara por dominação, por estar no comando. Tudo com muito jeitinho, respeito, conversa mansa. Quando dava por si, Natália já estava amarrada, algemada, amordaçada, nua sobre a cama à inteira mercê do parceiro. Chicotes, velas, máscaras, tudo isso era parte do ritual do casal em noites mais criativas. Quem se beneficiava mais com isso era ele, que saía na vantagem em todas as situações, incluindo as em que a namorada, apesar de atendê-lo de bom grado, não compartilhava dos mesmos prazeres que ele. Suas preferências sexuais eram mais modestas; dentro de pouco tempo de namoro, Pedro conseguiu satisfazer praticamente todas. As dele, no entanto, exigiam um pouco mais de tempo e de dedicação.

A primeira vez em que isso trouxe complicações foi com a aproximação do aniversário de dois anos de namoro. Não estavam programando se presentear nessa época, mas, por coincidência ou não, foi quando Pedro começou a sugerir que gostaria de apimentar o sexo inserindo um terceiro elemento na equação.

Inicialmente a conversa foi tida com neutralidade, sem pular para conclusões nem dar respostas taxativas antes de avaliar a questão. O que começou a enviesar a discussão foi o óbvio: o terceiro elemento tinha que ser uma mulher, e uma mulher nos moldes que Pedro queria: uma dominatrix, pois, nesse evento, o que ele realmente queria era observar sua amada sendo dominada por outra mulher; um espetáculo inteirinho para ele.

"Vocês homens são engraçados, né?", Natália protestou, já impaciente; "Vocês querem enfiar outra pessoa no meio da transa, mas a pessoa tem que ser do jeito que vocês querem, né? A mulher não ganha nada com isso!"

"Eita, caralho! Tá bom, então, desculpa! Não tá mais aqui quem falou também!"

Natália se incomodava mais com o ideal machista que se escondia por trás daquele pedido e com a incapacidade intelectual do namorado perceber isso do que com o prospecto de realizar a fantasia dele; afinal também não era como se ele a anulasse e impusesse vontades a torto e a direito; tudo era bastante negociável. A questão era que essa fantasia era específica e íntima demais para Pedro, por isso não dava para fazer concessões. Tudo bem, e tudo bem mesmo, se ela não aceitasse; mas, se aceitasse, tinha que ser daquele jeito, sem ressalvas.

Movida pela força do amor, da paixão ou de algum outro sentimento forte o bastante para levar a decisões infelizes, Natália aceitou o pedido. O combinado se executou no exato dia do aniversário do casal, num final de semana, quando Pedro, que era o tipo de pessoa que tinha networking para toda ocasião, encontrou pelo Instagram uma dominatrix que, segundo a descrição do perfil, fazia um trabalho artístico, envolvendo amarração, flores, poses... O sexo, caso não fosse do interesse voluntário dela, era pago à parte. Pedro se dispôs.

Tudo aconteceu de forma extremamente profissional, praticamente uma performance. Natália, sentindo-se acuada como um animal na fila do abate, deixou-se guiar e rezou pelo melhor. Seu sofrimento foi ameno, porém: de olhos vendados, ela não testemunhava a própria humilhação. A música-ambiente sensual tocava e não acalmava nenhum ânimo. A dominadora, de um cabelo muito ruivo, batom escuro, vestida de preto do pescoço aos pés, conduzia a situação com sutileza enquanto Pedro, sentado em uma poltrona, roendo as unhas, sorrindo de lado, observava com atenção inabalável. Dentro de alguns minutos sua namorada estava exatamente como ele visualizara em suas fantasias: nua, amarrada, vendada, completamente indefesa sobre a cama, onde Betine, a performer, se pôs a acariciá-la e tocá-la e beijá-la por toda parte. Cada toque sobre a pele da vítima lacerava como lâmina afiada. Nada daquilo lhe dava um mínimo de prazer, e continuou não dando mesmo quando Betine autorizou que Pedro participasse do ato. Se os algozes se tocaram ou se beijaram, Natália nunca soube, pois a venda permaneceu em seus olhos a maior parte do tempo, e, quando deles foi tirada, Pedro estava outra vez sentado, agora se masturbando com desatenção. Certamente havia gozado. E gozou de novo quando Betine se prontificou a dar à cliente o orgasmo que ela não tivera, chupando-a com mais habilidade que o rapaz. Não funcionou, embora a tentativa tivesse sido honesta. Pedro, ao final da coisa toda, não tinha mais o que gozar. Estava nas nuvens em um céu de verão.

Assim que a dominatrix foi embora, ele fez amor com Natália como nunca havia feito. Assim que ele foi embora, Natália chorou como nunca havia chorado. A reação espantou a ela própria, que foi quem decidiu aceitar a experiência quando Pedro já tinha até desistido da ideia e acatado sua recusa. Sentiu-se suja, prostituída, violada. Sentiu-se tão mal que não teve coragem de procurar uma amiga para compartilhar sua dor; sofreu e chorou tudo sozinha na privacidade de seu quarto, até adormecer.

Depois desse episódio, algo mudou no coração de Natália. Por amar tanto Pedro, a ponto de se submeter ao que se submetera, sentiu que agora o amava menos. Que talvez ele não valesse tanto a pena assim. Que talvez a desconfiança que ela sentia por ele não fosse infundada, mesmo depois de dois anos de namoro, afinal por que toda aquela necessidade de acrescentar outra mulher ao sexo? Ela mesma não bastava? Se ele estava interessado em desfrutar de outros corpos, ela pensava, talvez estivesse interessado em ter sua vida de solteiro de volta. Dois anos já haviam se passado; era tempo mais que suficiente para ele deixar de sentir o furor do que quer que tivesse sentido por ela quando eles se conheceram. Talvez ele não a amasse anyway, pois desamor era tudo que ela sentia nas madrugadas insones em que remoía todos esses pensamentos.

E depois vieram as brigas, coisa que acontecia com raridade até então. Tudo era motivo, e para tudo o diabo matreiro que se sentava sobre o ombro esquerdo da moça a levava a utilizar Você transou com uma mulher por causa dele como coringa, como moeda de troca para fazê-la acreditar que ela cedia a todas as vontades do namorado e ele não valorizava isso nem fazia nada em retorno. Se ele alegasse, digamos, que precisava estudar em uma noite em que ela o chamava para jantar, o primeiro argumento que vinha à mente era "Eu fiz aquilo por você e você não pode deixar de estudar por duas horas pra sair comigo?". E esse ciclo paranoico cresceu e se arraigou e se espraiou de forma tal pelas circunstâncias mais banais da vida do casal que chegou um momento em que Natália decidiu colocar um fim em tudo. "Eu mereço mais."

Terminou com o namorado por mensagem de texto, numa madrugada de domingo para segunda. Passaram horas trocando mensagens e conversando, discutindo, chorando, mas no final das contas o rapaz não conseguiu vencer a determinação de Natália. Ela estava frustrada, magoada e absolutamente irredutível em sua decisão.

Tão irredutível que mal sentiu a dor do término. Os amigos ficaram sem entender todo aquele trouble in Paradise, pois todos que os conheciam e acompanhavam o romance desde o princípio sentiam que os dois combinavam e se gostavam. E era verdade, mas às vezes amar não basta: amar é dar e receber, e Natália sentia que só dava; que, com o passar do tempo, Pedro se esqueceu dessa via de mão dupla e se acostumou a só receber. Ele, por sua vez, respeitou o tempo de Natália e a deixou em paz. A princípio, pensou que, se ela queria tempo, espaço, privacidade, paz, o que quer que fosse, não seria ele a tirar isso dela; mas passaram-se dois dias, três, cinco, dez, duas semanas e nada dela dar sinal de vida—até na academia ela parou de ir nos horários em que eles se encontravam. Foi quando ele se tocou que ela realmente estava indo embora.

Mas Pedro não perderia a guerra sem batalhar. Eles haviam chegado longe demais para ela simplesmente abandoná-lo sem que ele lutasse. Em uma quarta-feira à noite, ele foi ao apartamento dela sem se anunciar. Queria conversar; queria entendê-la, de verdade; queria saber o que ele tinha de fazer para voltar a ser o homem por quem ela se apaixonou um dia.

Foi uma longa conversa, que girava em torno de si mesma e não chegava a nenhuma conclusão, e não chegava porque, na realidade, Pedro não era exatamente o retrato que Natália pintava. Ele não fazia nada que qualquer bom namorado não fizesse, e de fato se esforçava ao máximo para tentar ser o melhor homem que pudesse ser; mas ele não bastava, e não havia nada que fizesse bastar. "Amor, então tá: me fala o que eu tenho que fazer pra te fazer feliz", ele disse; "Me fala. Qualquer coisa. O quê que eu tenho que fazer pra você me dar uma chance e deixar eu tentar consertar as coisas pra gente?"

Natália não precisou pensar dois segundos para responder, pois a resposta já estava na ponta da língua do diabo sentado em seu ombro, como se ele estivesse só esperando o garoto fazer a pergunta premiada: "Eu quero que você transe com um homem na minha frente." De braços e pernas cruzados, torcendo os lábios de raiva e cinismo, o pé batendo insistentemente no chão; foi assim que ela sentenciou sua condição.

"De onde saiu isso, Natália?! Cê tá louca?!", Pedro questionou, perplexo.

"Ué, você não queria me ver transando com uma mulher? Pois eu quero te ver transando com um homem."

"Cê tá fazendo isso pra se vingar de mim, então, é isso?", ele continuou. "Amor, se eu soubesse que isso era uma coisa que ia te deixar assim, nunca que eu teria te pedido. Mas você aceitou, poxa! Eu não te forcei a nada! Eu já tinha até deixado isso pra lá! Foi você quem voltou nesse assunto e disse que queria tentar! Eu achei que tava de boa!"

"Pois é. Tentei e me arrependi, agora minha condição é essa."

A discussão não se encerrou. Natália sabia que Pedro jamais aceitaria um acordo daquela natureza. Conhecia o namorado que tinha. Sabia que isso não tinha absolutamente nada a ver com não gostar de gays—Pedro tratava Leandro como se fossem eles namorados!—, mas tinha tudo a ver com o arquétipo de garoto-macho viril que era sua marca registrada. Ele simplesmente não faria. A conversa acabou e ele voltou para casa com a impressão de que a proposta era algum tipo de brincadeira com a cara dele, ou simplesmente a forma que Natália encontrou de provar que era ela a melhor pessoa da relação, a que sempre dava o braço a torcer.

Ele a procurou novamente, no dia seguinte, para tentar conversar com a cabeça mais fria, mas ela não respondeu, nem naquele dia, nem no dia depois, tampouco no terceiro dia. Mais de dez mensagens ignoradas e cinco ligações perdidas. Silêncio completo e desesperador, que só se quebrou quando ele enviou Se eu fizer o que você quer você volta pra mim? como última tentativa de ser respondido.

O coração de Natália até disparou. Não é possível que ele esteja mesmo cogitando fazer isso, ela pensou. Mas ele parecia estar. Ela, então, finalmente quebrou o tratamento de silêncio, visualizou as mensagens e respondeu que sim, só por curiosidade.

"Eu tenho só uma condição", ele disse—não que estivesse em posição de impor condições.

"O quê?"

"Eu não vou dar a bunda."

Ele falava sério, afinal.

De certa forma, o consentimento excitou Natália, que, embora não tivesse, necessariamente, aquela tara, não acharia de todo ruim presenciar o namorado transando com outro homem. Essa imagem não havia passado por sua mente antes de propor o acordo, mas, agora que passou, os cenários que imaginou a agradaram bastante. "Combinado", ela respondeu.

Poucas coisas naquela universidade seriam mais fáceis do que encontrar um cara a fim de dar para Pedro Maciel. Encontrar um candidato sem precisar explicar a situação toda, no entanto, dificultava o processo; mas a solução veio rápido: Natália criou um perfil falso em um aplicativo de encontros gay e deixou claras suas intenções na descrição. No mesmo dia em que fez a conta, apareceram 17 interessados. "Quer escolher sua vítima?", ela ofereceu sarcástica a Pedro, que negou com o silêncio dos humilhados. O eleito foi um rapaz loirinho, magrinho, 19 anos, calouro de um curso noturno, que estava prestes a realizar cedo na vida a fantasia de dar para um hetero gostoso.

No dia da cerimônia, Pedro estava sério como uma estátua. Por dentro, Natália se sentia vitoriosa, pois agora ele sabia exatamente o que ela sentiu. Por fora, estava animadíssima, louca para ver aonde aquilo ia chegar, pouquíssimo preocupada com o fato de que, acabada a brincadeira, Pedro voltaria a ser seu namorado e eles recomeçariam do zero. A coisa aconteceria em um motel. Encontraram o rapaz (Mike era seu nome) em um lugar público e seguiram para a suíte sem trocar muitas palavras. Natália dirigiu—ao menos isso.

"Eu trouxe tudo", ela disse. Preservativo, lubrificante, até um remedinho para caso Pedro não funcionasse. Mike, sem entender ao certo qual era a dinâmica do casal, mas percebendo que Natália estava visivelmente mais empolgada que o namorado, foi tão profissional quanto Betine havia sido: não tomou iniciativa nenhuma, ficou na dele esperando quaisquer comandos sem interferir em qualquer que fosse o script que a namorada havia planejado.

"O que cê quer que a gente faça?", Pedro perguntou, tentando não demonstrar seu aborrecimento.

Sentada na cama, de pernas cruzadas e mãos sobre o joelho, Natália respondeu: "Quero que você dê um beijo nele."

Pedro engoliu seco; Mike permaneceu imóvel. Aquela cama giratória era o trono de Natália, que se sentia uma imperatriz maldosa e soberana governando um lacaio rendido. Hesitante, derrotado, o namorado fez a única coisa que lhe cabia: obedecer. Encerrou o espaço que existia entre si e Mike, segurou-o pelos ombros e o beijou como quem prova um prato exótico pela primeira vez. Natália sorria, mordia os lábios, apreciava o espetáculo atenta. Seu cúmplice respondia aos movimentos do outro de acordo: beijava-o com cuidado e respeito, esperando as próximas instruções.

"Agora", disse a garota quando se satisfez com os beijos, "senta aí na poltrona, amor, que eu quero ver ele te chupar."

Feito. Pedro se sentou, Mike abaixou as calças e a cueca dele, revelando um pênis obviamente flácido. "Deixa ele duro", Natália ordenou. Hábil, silencioso, Mike se dedicou ao objetivo até alcançá-lo. Com um cotovelo apoiado em um braço da poltrona, cobrindo o rosto com a mão, Pedro se recusou a assistir ao que acontecia. Podia sentir o sorriso da namorada mesmo de olhos fechados. Natália estava no paraíso, e ele sabia disso. Teve sua confirmação quando abriu os olhos e a encontrou inteira sorrisos, ainda com as pernas cruzadas, debochada, vitoriosa. Ela não estava fazendo aquilo por fetiche: estava fazendo por crueldade.

Mas se tinha algo que Pedro sabia, era ser cruel quando importava.

Conhecendo a namorada como a palma de sua mão, ele não tardou a virar o jogo e usar o golpe dela contra ela mesma: se ela queria que ele transasse com um homem, então ele transaria com um homem. Em dois tempos Pedro se endireitou na poltrona, deixou de esconder o rosto, abriu os olhos e segurou Mike pelos cabelos, empurrando seu membro, agora devidamente ereto, contra a cabeça do garoto, que o segurou pelas coxas ao sentir a investida inesperada.

O coração de Natália pulou um batimento. Ele tá entrando na onda, ela pensou. Agora já não era mais Mike chupando Pedro: era Pedro fazendo Mike chupá-lo. Natália cobriu a boca, barbarizada e surpreendentemente excitada com a cena. Ela sabia mais que ninguém o que era transar com Pedro, mas ver o ato acontecer por outro ângulo, com outra pessoa—do mesmo sexo!—era algo que... oh! Ela já estava úmida!

Se ela deu outros comandos, Pedro ignorou. Depois do boquete, ele se levantou, pegou o preservativo, o gel lubrificante, posicionou Mike ali mesmo e em poucos instantes estava dentro dele. Na própria poltrona, de costas para a namorada. Agarrando-o pela cintura, movimentando-se com a brutalidade de uma fera em fuga, ele parecia meter em Mike com fúria, como se descontasse nele o ódio que sentia pela namorada naquele momento. Inconsciente das emoções do namorado, que ela voltou a amar ali mesmo, Natália observava tudo roçando uma coxa na outra, excitada, deslumbrada, apaixonada. Não deixava de ser uma prova de amor o que acontecia naquele quarto de motel; talvez a maior prova de amor que Pedro já havia dado. Mas, acima de tudo, era prova de que não só Pedro tinha Natália na palma de sua mão, mas que o contrário também era verdadeiro.

Gozaram os três, cada um em seu momento. Finalizado o trâmite, Natália deixou Mike no mesmo lugar em que o encontrou e agradeceu. "Estamos quites agora?" foram as últimas palavras que Pedro disse sobre o assunto. A resposta veio na forma de um beijo, um abraço e um eu te amo que colocaram um cessar-fogo definitivo nas desinteligências do casal.

Dias tranquilos seguiram. O clima ficou estranho por algum tempo, mas logo as nuvens negras se afastaram e o sol voltou a brilhar para os dois. Embora admitisse que a coisa tivesse se dado de um jeito um tanto perverso, Natália sentia que, sim, estavam quites e prontos para voltarem de onde pararam e seguirem pelo caminho certo, com mais clareza na comunicação, mais liberdade para expressar os desagrados, e nada disso de guardar ressentimento.

Os esforços para colocar as mudanças na prática, porém, duraram pouco tempo. Certa manhã, durante a segunda aula do dia, Natália recebeu uma mensagem particular no Instagram. Vinha de uma conta desconhecida. Era uma imagem. Ao tocar para abrir, o choque: Pedro beijando outra menina. Assim que percebeu que a foto foi visualizada, o perfil anônimo acrescentou: Oi. Você n me conhece, a gente n é amiga nem nada, mas resolvi mandar essa foto porque eu gostaria que me avisassem se fosse comigo. Foi no Intermed final de semana passado.

A foto parecia um flagra. A qualidade não era das melhores, pois as luzes de festa não iluminavam tão bem o ambiente noturno. Via-se, no canto superior direito da imagem, entre outras pessoas, um rapaz de camiseta sem mangas, tatuagem no braço direito, com uma bermuda da Medicina, de lado, beijando outra garota, também da Medicina. Pedro tinha uma tatuagem naquela mesma região do braço direito, aquele mesmo estilo de cabelo, a mesma estatura, o mesmo porte físico... Embora a imagem não estivesse tão nítida e não mostrasse bem o rosto das pessoas, não havia dúvidas de que era ele ali.

Natália pegou suas coisas e saiu da aula imediatamente. As lágrimas começaram a cair antes de ela encontrar um lugar para chorar em paz. Tudo fazia sentido agora: ele só queria voltar para não perder a fodinha fixa. "Prova de amor" transar com um cara para voltar com ela? Ele estava à vontade demais para quem não queria estar ali at all—até gozou! Devia ser bi, cortar para os dois lados, enfiar o pau em qualquer buraco que fosse, aquele canalha. Canalha! Era isso que ele sempre foi, e Natália sabia. Pedro sabia que ela estaria no hospital em dois dos seis dias do InterMed e que, por isso, nem iria aos jogos. Pedro, sorrateiro feito cobra, jogava pelo time de handebol e não ficaria de fora do evento, afinal ele competiria. Da mesma forma, é claro, não ficaria de fora da Arena, festa que acontecia ao final de alguns dias de jogos. Como a competição envolvia diversas cidades da região, a cidade-sede era escolhida por sorteio, e dessa vez não foi Taigo a eleita. Uma festa em outra cidade, cercado de gente desconhecida, era lógico, matemático que ele fosse pular a cerca e beijar outras meninas tendo a certeza de que não seria visto nem descoberto.

Sentir-se burra talvez fosse ainda pior do que se sentir traída. Como pôde ser tão estúpida? Por que foi cair na conversa mole de Pedro e acreditar que ele tinha mudado?... Quanto mais se questionava, mais Natália chorava; e quanto mais chorava, mais ódio sentia de Pedro, pois chorar por causa de homem era cena que ela se recusava a protagonizar. E lá estava ela: incapaz de se conter e de pensar no que fazer. Não queria confrontá-lo, porque sabia que ele tinha plenas condições de contorná-la e fazê-la acreditar que aquilo não passava de um mal-entendido.

Não esperou acabar o dia. Assim que chegou em casa, lavou as lágrimas e se sentou à mesa da cozinha; simplesmente encaminhou a imagem a ele, e, com ela, uma única mensagem: Eu tenho nojo de você. Bloqueou todos os meios pelos quais ele poderia entrar em contato com ela logo em seguida. Não queria ver ou ouvir falar dele naquele dia nem tão cedo nem nunca mais nem pintado de jade. Foi procurar conforto nas amigas, mas era difícil oferecer palavras de apoio, pois não era exatamente uma surpresa que aquilo tivesse acontecido. O "Eu te avisei" estava sempre entalado na garganta. O máximo a que dava para chegar era a um "Tem certeza que é ele na foto?" facilmente descartável, já que ninguém conhecia o corpo do rapaz melhor do que Natália para confirmar que era, sim, ele na foto.

A imagem circulou entre pessoas próximas enquanto Pedro tentava desesperadamente encontrar a namorada, que simplesmente desapareceu. Para conseguir falar com ela, ele teve que literalmente esperá-la na porta do prédio em que ela morava sozinha, onde foi prontamente recebido com um tapa na cara e ofensas as mais diversas assim que a abordou. Tudo que ele conseguia dizer entre um insulto e outro era "Não sou eu nessa foto! Eu nem sei que festa é essa!", mas Natália, surda de ódio e rancor, não acreditaria em uma sílaba que ele dissesse. A discussão sonora se estendeu enquanto eles subiam os degraus até a porta do apartamento.

"Tá bom, então: sou eu na foto! Pronto! É isso que você quer ouvir?!", ele exclamou, possesso.

"Eu quero é que você saia da minha frente e suma da minha vida!"

"Natália, você vai jogar fora tudo que a gente construiu por causa de uma foto que uma pessoa que você nem sabe quem é te mandou?!"

"Não: você jogou fora tudo que a gente construiu. Agora pode voltar pra sua vidinha de pegador e me deixar em paz, que suas puta devem tá tudo te esperando!"

Entrou no apartamento e fechou a porta na cara dele.

"É isso mesmo que eu vou fazer, sua escrota do caralho! Babaca! Vai pro inferno!", Pedro bradou antes de descontar um décimo de sua ira dando um pontapé na porta e sair da vida de Natália em definitivo.

Os sentimentos mais urgentes se acalmaram com o passar das horas. O que restou foi a raiva, o espanto com a cara de pau de Pedro negar algo contra o qual havia provas concretas, a raiva por saber que a culpa era toda dela, que se deixou seduzir por alguém que ela sabia o tempo todo do que era capaz; que imaginou que com ela seria diferente, que ainda existia algo especial entre eles. Trouxa, mil vezes trouxa!

Naquela madrugada, sob o frescor desses sentimentos e o sangue ainda borbulhando nas veias, Natália, mais uma vez insone, aproveitou o maldito silêncio das horas tardias para fazer uma limpa no celular e apagar dele todo e qualquer vestígio de Pedro. Queria esquecer que um dia ele pisou sobre a Terra. Selecionando foto por foto no rolo de câmera do celular, ela então passou pela miniatura de um vídeo que não reconheceu. Curiosa, após deletar o que já havia selecionado, clicou na thumbnail para verificar do que se tratava, e o que viu congelou seu coração.

Um vídeo de 14 segundos que ela gravou no dia em que Pedro transou com Mike. Um vídeo que ela gravou enquanto eles estavam de costas para ela, na poltrona, como lembrança daquela prova de amor, para assistir de novo, um dia, e se lembrar de quão significativo foi aquele gesto.

Uma ova. Prova de amor o caralho, ela pensou. E então, pela penúltima vez, o diabo sussurrou em seu ouvido.

Em menos de dez minutos, Natália criou um e-mail anônimo, uma conta no PornHub, fez upload do vídeo no site, nomeou-o "Pedro Maciel da Med 73", enviou o link para o e-mail da maior página de fofocas da universidade e foi dormir. Se Pedro queria voltar à vida de macho alfa comedor, que todo mundo soubesse do que ele realmente era capaz.

Quando amanheceu, havia mais de 300 notificações no celular, entre mensagens particulares e em grupos no WhatsApp, no Instagram, no Messenger. O vídeo do Pedro da 73 era o assunto de todos os cantos de todas as redes sociais. As postagens no Facebook ocupavam quase todo o feed. "Amiga, que história é essa do Pedro?!" foi a pergunta mais repetida do dia. Em menos de dez horas o vídeo já tinha mais de 700 visualizações. "Pedrinho expandindo seus horizontes! Kkkkk", "Que viadão bonito!", "Que sorte a desse loirinho rs", "Porra Pedro, só faltou dar o cu também!", "Todo machão gosta é de um cuzinho de viado", "Sabia que esse Pedro curtia", "Me come também seu gostoso!" eram os comentários postados até a hora em que Natália clicou no link pela última vez. Entre as notificações de e-mail, havia a resposta da página de fofocas: "Obrigado pelo link! Vc sabe quem gravou o vídeo???"

Quem gravou o vídeo? Quando Pedro soubesse que esse vídeo estava em circulação—e ele certamente já sabia, porque a universidade inteira parecia saber—, ele seria o único capaz de revelar a verdade, e, se ele assim fizesse, Natália estaria em maus lençóis, pois não saberia dar outra explicação que não "Pegaram meu celular e fizeram isso!" caso alguém questionasse como aquele arquivo foi parar na internet sendo que ele só existia no celular dela. E mesmo assim: por que ele existia no celular dela? Por que ela gravou o namorado transando com outro homem?

O coração acelerou. Evitando mensurar os estragos que sua ação inconsequente poderia causar, ela saiu da cama e foi cumprir seus afazeres. Não teve um segundo de paz: como se fosse uma celebridade caminhando desacompanhada pela rua, ela era alvo de olhares risonhos e de perguntas diretas. Quando entrou na sala de aula, sentiu-se nua, pois não havia quem não estivesse curioso para saber o que ela tinha a dizer sobre aquilo tudo. E ela não disse. "Não quero falar sobre isso" foi sua única resposta.

As amigas estavam em choque, mas nem a elas Natália podia contar o que fizera, pois isso queimaria seu filme com todas. Leandro, o amigo gay, que também era amigo de Pedro, sumiu. Ele certamente teria algo sábio a dizer; era com ele que ela precisava conversar, mesmo que isso implicasse assumir a culpa pelo vazamento do vídeo e ouvir um belo sermão em resposta. Não importava, ela só precisava conversar e tirar aquilo de seu peito... mas Leandro não estava em lugar nenhum, assim como Pedro também não estava em lugar nenhum.

Só quando percebeu que realmente não se falaria sobre mais nada no bloco da Medicina naquele dia, Natália colocou a mão na consciência e se deu conta de que talvez tivesse sido má ideia expor a intimidade do ex-namorado. Mas agora... Agora não havia mais o que ela pudesse fazer. Ela podia, aliás, remover o vídeo do PornHub, e o fez—já estava com mais de 1200 visualizações!—, mas não dava para fazer as pessoas desverem e esquecerem a cena.

Ao final do dia, ela estava exausta emocionalmente. Decidiu desbloquear o ex-namorado de todas as redes sociais para tentar pensar em uma desculpa, mas, para sua surpresa, agora era ela quem estava bloqueada da vida dele. Aflita e a cada segundo mais arrependida, ela tentou ligar para Leandro para tentar encontrar alguma luz, mas ele não a atendeu, tampouco respondeu suas mensagens.

Na manhã seguinte, o assunto foi outro: o parecer da vítima. Screenshots circulavam pelos grupos de WhatsApp. Um texto branco em fundo preto postado em forma de stories no Instagram dizia:

SOBRE O ACONTECIDO: 1) Todo mundo transa, eu também 2) Não vou mostrar meu pau, sinto muito, vão ter que bater punheta olhando pra minha bunda 3) Parem de me perguntar quem é o cara e quem gravou o vídeo pq eu não vou responder 4) Tô bem de boa com a zoeira, podem continuar Obrigado quem se preocupou comigo! #paz

Tranquilizou um pouco a consciência de Natália saber que pelo menos ele parecia estar lidando bem com o aftermath da catástrofe. Ela conseguia ouvir claramente ele dizer aquelas palavras que postou em tom de deboche e despreocupação. Menos mau, então, ela pensou a princípio; mas, na terceira manhã, com a chama da fofoca ainda ardendo, surgiram novos comentários sobre um tal novo story do rapaz no Instagram. Como esse ele postou em vídeo, ficava mais difícil entender o motivo da agitação. Acessando o perfil dele pela conta de uma amiga, Natália foi atrás de saber do que se tratava.

A gravação era da noite anterior, parecia ter sido feita em um bar. Música alta, risos e burburinho preenchiam o ambiente. Quem gravava o vídeo não era Pedro, mas uma quarta pessoa não identificada, que dizia "Vai! Vai! Vai!" mirando a câmera nele, que estava no meio de Leandro e Melissa, uma garota de quem Natália sentia ciúme declarado. Após o incentivo de quem gravava, Pedro, sorrindo, talvez bêbado, talvez não, puxou Melissa pelo pescoço e lhe beijou a boca por três ou quatro segundos; e, quando se soltou dela, virou-se para o lado de Leandro e também o beijou na boca por três ou quatro segundos antes de chacoalhar os dedos médios das duas mãos em riste para a câmera, aos urros. "PAU NO CU NÃO FALEI DE QUEM!!" era a legenda do vídeo.

Desgraçado. Desgraçado. Aquilo não era um story de autoafirmação para mostrar a quem pudesse interessar que ele pouco se lixava para o que pudessem falar sobre ele: aquilo era um recado para Natália, pois Pedro sabia que ela assistiria e por isso escolheu dar o troco do modo que sabia que mais machucaria.

Quando acabou de rever a cena pela décima vez, Natália abaixou o celular e fitou a escuridão parcial de seu quarto solitário. Não sentiu raiva nem tristeza nem ciúme de Melissa nem de Leandro e nem mesmo de Pedro, pois foi com aquele vídeo que ela entendeu. Entendeu que, mais uma vez, estavam quites; e que Pedro só pediu para gravarem e postarem aquele story em sua conta porque ele se importava, porque queria que Natália visse e sentisse ciúmes; porque, por mais que os dois se amassem, os dois queriam, mutuamente, sair vitoriosos, e por isso iniciavam, sem perceber, um eterno ciclo de olho por olho, dente por dente.

Natália já sabia seu próximo passo, mas, antes de dá-lo, precisava conversar com Leandro de todo jeito; e, como não conseguia contatá-lo por mensagem nem por chamada, decidiu, por fim, procurá-lo pessoalmente. Naquele dia, ele deveria chegar mais cedo ao hospital para o estágio, e foi para lá que Natália seguiu, mesmo sem saber exatamente onde procurá-lo. Acabou o encontrando na cozinha dos funcionários, onde ele tomava café com mais duas pessoas. "Bom dia, gente", cumprimentou ela por protocolo; "Leandro, vem cá", e o puxou pelo braço, mal tendo ele tido tempo de reconhecer quem era a mulher apressada que entrava pela cozinha com tanta rispidez.

"Eu não posso conversar agora, Natália, tô no meio do estágio!", ele tentou despistá-la, em vão.

"Eu não vou demorar, só preciso saber de uma coisa."

"É sobre o story de ontem do Pedro? Se for, não é nada do que você tá pensando."

"Eu não tô pensando nada, quero saber de outra coisa."

Saíram do prédio e pararam de pé na entrada de uma área externa. De braços cruzados, olhando para os lados, Leandro parecia desconfortável.

"O que cê quer saber?"

"O que o Pedro te falou sobre aquela foto dele beijando outra menina no InterMed?"

"Por que você não perguntou pra ele antes de expor ele pra faculdade inteira?"

"Porque ele sempre foi um galinha de marca maior e nunca me deu motivo pra acreditar que tinha mudado?"

"Natália, o Pedro mudou da água suja pro vinho rosé depois que te conheceu, e eu posso te falar isso com propriedade porque eu fui um dos primeiros—se não o primeiro!—a te aconselhar a ficar esperta com ele. Eu entendo que o passado dele não é dos melhores, mas você há de convir comigo que não tinha mais o que ele pudesse fazer pra te passar segurança. Você não conseguir enxergar isso já é um problema seu."

"Nossa! E desde quando você é mais amigo dele do que meu?—Aliás, lindos vocês dois se beijando, me mandando recadinho ontem, né?!"

"Não teve recadinho nenhum, Natália, aquilo foi uma brincadeira; tava todo mundo bêbado. Eu sou amigo de vocês dois e você sabe muito bem que não puxo o saco pro lado de ninguém, mas infelizmente tá impossível te defender dessa cachorrada que você fez—aliás, cachorrada não: crime! Você tem sorte de ele ter nascido homem e estar de boa com esse vídeo, porque você, que é mulher, sabe muito bem que tem menina que se mata por causa disso! Cê tem noção disso?"

"Ai, tá bom, Leandro. Ele tem sorte de ter nascido homem, eu fui escrota de ter vazado o vídeo, mas você ainda não respondeu minha pergunta: o que ele te falou sobre aquela foto?"

"Pois é. A foto. Se você tivesse sido um pouquinho menos imatura, impulsiva e vingativa, absolutamente nada disso estaria acontecendo. Se você tivesse conversado comigo, Natália!, antes de vazar o vídeo do menino; comigo! você saberia que não é ele na foto."

Natália não se abalou, pois não acreditou.

"E como cê sabe que não é ele?"

"Matemática básica, bom senso e diálogo... Natália, o Pedro foi no InterMed pra jogar, não sei se você sabe. Também não sei se você sabe, mas o nosso handebol perdeu o segundo jogo e foi eliminado. O primeiro jogo foi terça, o segundo foi quinta. Nesse mesmo dia, os meninos resolveram rachar o aluguel de um ônibus e voltar pra Taigo. Eles chegaram aqui sexta-feira na hora do almoço. Não sei se você sabe, mas só teve Arena sexta, sábado e domingo, e a festa começava às nove da noite. Sexta nove da noite o Pedro já estava aqui em Taigo. Se você tivesse parado um minuto pra conversar com ele, ou comigo, ou se tivesse parado pra enxergar um palmo à frente do seu nariz, você saberia que não teve Arena nem terça nem quarta nem quinta, quando ele jogou. Tá vendo como sua paranoia te sabota? Por causa de uma foto borrada, desfocada, que um perfil fake te mandou—e eu não tô nem dizendo que te mandou pra tentar estragar seu namoro, não! A pessoa pode mesmo ter achado que era o Pedro e te mandado pra te proteger. Mas por causa de uma traição que não existiu você acabou com o seu namoro e expôs uma pessoa que te ama de verdade—e te ama mesmo, viu?, porque, se fosse eu, tinha ido na delegacia fazer um boletim contra você no mesmo dia."

Então ela caiu em si. Cobriu os olhos, e depois a boca, e fitou Leandro pasmada. Quando pensou em procurar o amigo para ter aquela conversa, esperava por uma confissão, uma justificativa, não pela prova de que ela estava errada o tempo todo, e isso alterava tudo que ela havia planejado fazer a seguir, pois agora ela e Pedro não estavam mais na mesma página: ele estava por cima; ele era a pessoa melhor.

"O que eu faço agora?", perguntou mais a si mesma do que ao amigo.

"Lide com a sua consciência."

A consciência que atordoava, no entanto, não era à qual Leandro se referia, mas uma nova: a consciência de que Pedro não ter estado na Arena na sexta-feira à noite era a carta de alforria dele. Ele não participar de uma festa universitária daquela importância atestava em duas vias que Natália estava errada o tempo todo sobre ele, errada exatamente como gostaria de estar errada! E saber disso tudo só fazia o diabo em seu ombro (ou o anjo?) exigir aos berros que ela conseguisse aquele homem de volta!... E foi esse mesmo diabo que explicou do modo mais didático o que ela precisaria fazer.

O discurso foi ensaiado duas ou três vezes. O texto era simples, sincero, até, não exigia atuação, só precisava ser convincente. Sem maquiagem, sem filtro, sem armadura, Natália abriu o aplicativo, ajeitou o cabelo, acionou o botou e começou a gravar:

Gente... Então, queria falar sobre o que aconteceu com o Pedro. Muita gente preocupada querendo saber se eu vi, se eu tava bem, muita gente curiosa... Enfim. O que eu queria contar—porque eu acho que o Pedro não contou—, é que quem gravou aquele vídeo fui eu. Tudo que aconteceu, na verdade, foi culpa minha. Fui eu que gravei o vídeo, eu que mandei pro site pornô, eu que enviei pra página da faculdade, eu que fiz tudo. "Nossa, Nat! Por que você fez isso?!" Porque me contaram uma mentira e eu acreditei sem nem falar nada com ele; por paranoia e burrice minha. Enfim. O que eu quero dizer é que eu sei que o que eu fiz é errado—é até crime!—e que é ainda mais absurdo eu, uma mulher, fazer isso com um namorado, sendo que os homens fazem isso com a gente o tempo todo e acabam com a nossa vida... Eu fui cruel, sim. Fui cruel de verdade e não me orgulho nada do que eu fiz. Então, assim... Eu e o Pedro não estamos juntos mais, é lógico, mas eu queria deixar claro que ele é um ser humano incrível, que só fez o que vocês viram no vídeo porque eu quis, eu pedi; foi pra me fazer feliz, e ele nem sabia que eu tava gravando, pra piorar!... Então... É isso. Eu não vou nem me desculpar porque eu sei que o que eu fiz não tem perdão, mas mesmo assim achei justo vir aqui esclarecer qualquer mal-entendido, tá?... Beijo.

Pronto. Agora era só questão de tempo. Primeiro viria a retaliação pública, depois os olhares tortos, o linchamento moral, a exaltação do inocente condenado, a glória messiânica de Pedro sobre a confissão de Natália... Tudo meticulosamente calculado, pois Natália sabia como ninguém que a perdição de Pedro era tê-la e vê-la submissa, rebaixada; e ela nunca se apresentou tão rendida, tão desarmada como fazia ao dar aquela declaração pública, que Pedro assistiria de novo e de novo e de novo, de pau duro, sorrindo, vingativo, até perceber que, no final das contas, ele e Natália eram iguais.

O calvário durou cerca de uma semana, tempo que levou para o assunto deixar de ser novidade. Amigos se afastaram, condenações foram feitas, ofensas foram direcionadas, novas mentiras foram espalhadas, olhares foram lançados, mas tudo isso se tornou irrelevante quando, finalmente, Pedro apareceu.

"Ei..."

Encontraram-se na academia, onde tudo começou. Desatenta, Natália só percebeu a chegada do ex-namorado quando ele a tocou nas costas enquanto ela corria na esteira. Quase levou um tombo; o coração e o sorriso foram à boca no mesmo instante.

"Oi!..."

Pedro se encostou na barra de apoio do aparelho e fitou a ex-namorada. Havia um brilho peculiar nos olhos do rapaz, que tentava duramente disfarçar um sorriso canalha.

"Eu vi seus stories", ele disse calmo enquanto Natália recuperava o fôlego.

"Eu também vi os seus."

E em meio ao silêncio revelador, quase tangível que se formou entre eles, Pedro e Natália se aprenderam de uma vez por todas.

"Você tá de boa hoje à noite?", Pedro perguntou; "Quer sair pra jantar?, pra gente conversar?"

"Claro... Vamo, sim."

"Oito horas, pode ser?"

"Pode."

"Até mais tarde, então."

Com um aperto de mãos gentil, Pedro se afastou, deixando, sem saber, no rosto de Natália o mesmíssimo sorriso ardiloso que agora enfeitava o rosto dele.


(Março de 2019, publicado no LGBTemas)

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