Primeiro conto:Azibo

AZIBO

 Era a primeira vez que o pequeno Azibo ia com seu pai até a cidade. Estava encantado com tudo ao seu redor. As pessoas, as cores e os cheiros.... Tudo era indecifrável e ao mesmo tempo mágico!

Seus olhos negros se remexiam em suas órbitas, para onde vinha as vozes dos vendedores, as músicas misturadas num frenesi de sons, mas para ele, era alegria a mente.

Desde pequeno, sonhava em sair com seu pai e agora com doze anos, já se sentia um homenzinho! Logo, poderia ir sozinho à cidade comprar os grãos de gergelim, para a produção do seu famoso molho tahine¹.

— Olha, Azi! Não são lindas? – Falou, seu pai, puxando-o pelo ombro. – Sua mama ficaria bela com um véu daqueles, não?

Azibo olhou os tecidos coloridos de seda e sorriu. Sabia que seu velho pai sentia ainda falta da sua mãe, mais do que demonstrava e casar-se novamente era algo que não agradava o homem.

— As meninas também ficariam lindas, pai! Principalmente Zaya!

O velho Ali concordou, sabendo que a caçula era vaidosa e daria trabalho para o futuro marido. Riram juntos, adivinhando o pensamento um do outro.

Andaram mais um pouco por entre as pessoas, que se aglomeravam nas ruas estreitas do Cairo e, chegaram finalmente ao armazém das sementes, onde o dono era já um velho conhecido de Ali.

— Filho, se quiser, dê uma olhada por aí. Não se prenda a mim, porque seu papa vai demorar um pouco. – Alcançou algumas moedas para o menino.

Azibo sorriu, saudando os dois adultos e saiu correndo em direção a loja de balas e doces. Queria muito comprar um saquinho de balas de tâmaras e dividir com as irmãs. Se sentia responsável por elas, desde que a mãe faleceu durante o parto da irmã caçula. A vida deles não era nada fácil e o que lhe agradava era saber que o pai o incentivava a ir à escola e repassar tudo para as irmãs e assim, quando chegasse a hora delas estudarem, estariam à frente dos colegas. Não desejava ver os filhos passando necessidade e o último desejo da amada esposa, era que as filhas jamais dependessem do marido para não morrerem de fome.

Quando estava a alguns passos da loja de guloseimas, uma voz com sotaque estrangeiro chamou-o. Não pelo nome, mas por "menino". Azibo olhou em volta, na dúvida se era com ele mesmo. Geralmente os turistas gostavam de dar moedas em troca de alguma ajuda ou informação. Azibo sabia que seu pai odiava que ele fizesse este tipo de coisa, por ser perigoso e só ofenderia a casa deles, o nome deles, já que naquele tipo de trabalho, apenas os meninos de rua faziam.

— Ei! Menino! Aqui!

Um homem loiro de cabelos muito lisos e de olhos esverdeados fazia gesto com a mão, para ele se aproximar. Tinha no rosto um sorriso largo e a pele muito clara. Ele enfiou a mão no bolso e tirou várias moedas, estendendo para o garoto, chamando novamente.

Azibo, ficou em dúvida se ia lá e desobedecia às ordens de seu pai ou dava as costas, ignorando o estrangeiro. Enquanto decidia, o loiro se aproximou dele, olhando para os lados, acompanhado de um homem que parecia ser árabe, pelo tom de pele e a forma como se movimentava.

— Oi? Eu notei que ia entrar na doceria. Você gosta de que tipo de doce? – Falou, sorrindo.

— Não conheço o senhor e não devo falar com um estranho. Não sou da rua.

— Ei! Calma, amiguinho! Meu nome é Trevor, John Trevor e sou americano. – Estendeu a mão, para cumprimentá-lo. – E o seu? Como se chama?

— Azibo.

— Viu? – Piscou o olho – Já não somos estranhos! Eu tenho um filho do seu tamanho, sabe? Quantos anos tens?

O garoto sentiu algo estremecer em seu íntimo. Algo estava errado e ele teve uma forte vontade de sair correndo em direção ao armazém de sementes, onde seu pai estava. Deu um passo pra trás e sentiu a cabeça bater em alguém. Era o árabe que acompanhava o americano.

— Olha. Tome estas moedas. Não quero lhe fazer mal, Azibo. Eu sou só um turista tentando fazer amizade! – Pegou o braço do menino, delicadamente e abriu a mão, depositando algumas moedas americanas na palma miúda.

— Obrigado. Mas não devo...

— Claro que não deve! – Interrompeu-o – É um presente meu para um novo amigo! Apenas aceite e compre doces para você e..... Tens irmãos, irmãs? – Falou.

— Tenho quatro irmãs pequenas. Eu sou o mais velho e já tenho doze anos. Sou responsável por elas.

— Mas já és quase um homem! Seus pais devem ter muito orgulho de você, não? – Agachou-se para ficar na altura do menino assustado.

— Minha mãe já morreu e meu pai tá logo ali, comprando gergelim e feijão.

O homem ergueu-se e olhou para o árabe, falando em inglês. Este, meneou a cabeça e saiu de perto deles.

— Vamos entrar na loja? Assim, você me mostra quais os doces mais saborosos e compramos para as suas irmãzinhas e eu, para meu filho! Não é uma ótima ideia?

Azibo, pensou que dentro da loja, se sentiria bem mais seguro, pois a intenção dele já era essa mesma, portanto não estava fazendo nada que viesse contrariar as ordens de seu papa.

— Está bem, mas não posso me demorar. Meu pai precisa de mim, para carregar os sacos.

— Claro, Azibo. Não pretendo me demorar também. – Sorriu.

Segurou a mão do menino e entraram na loja. O aroma adocicado no interior, era quase enjoativo, mas não para o Azibo. Aquele cheiro de frutas, mel e açúcar entravam pelas suas narinas e chegavam ao seu cérebro, dando um prazer particular. Recordava dos doces e geleias que sua mãe fazia e isto era muito mais reconfortante do que verdadeiramente comer um doce.

— Então? Qual deles?

O americano tirou-o de seus devaneios, que oferecia um belo sorriso e um brilho no olhar. As roupas pareciam bem caras e o perfume masculino era almiscarado. Azibo sabia que aquele homem era alguém de posses e, com toda certeza, era turista. Mas, por que estava tão interessado nele? – Pensou.

— Estes daqui, são bons, porque levam pedaços de frutas, como tâmaras e peras. Aqueles lá em cima, são com chocolate e hortelã, mas tem os com pimenta também.

Enquanto ia falando, apontava para os variados potes de vidros, com os doces, tornando tudo multicolorido e perfumado.

— Escolha os melhores para mim, Azibo?

— Está bem, senhor.

— John. Me chame apenas de John. Agora somos amigos, lembra-se? Seu nome é muito bonito. Quer dizer alguma coisa?

— Terra. Meu nome quer dizer Terra.

O loiro passou a mão pelos cabelos negros do menino, sorrindo.

— Seu nome é lindo, Azibo. Tenha orgulho dele! Então? Quais destas gostosuras devemos comprar? Aqui no Cairo tem sorvete? É verdade que fazem na sua frente e com frutas de verdade?

O menino riu, divertido com a cara de espanto do homem, escolheu os mais gostosos e os dois foram pagar no caixa. Azibo estava com água na boca, já sentindo as guloseimas derreterem em suas papilas e descendo pela garganta. Deixando um rastro de doçura.

— Aqui perto tem sorveteria? – Perguntou ao homem do caixa

Este explicou que o melhor sorvete era o de rua, mas tinha um café que serviam sorvetes exóticos para turistas. O homem mostrou como chegar lá e recebeu alguns trocados pela informação. Agradeceu, saindo com o menino ao seu lado, que ia provando dos bombons e balas, já se sentindo seguro com o homem estrangeiro.

— Bom! Acho que nossa aventura acaba aqui, não pequeno grande homem!

— Sim! Agradecido! Que Allah o abençoe! – Baixou a cabeça em agradecimento.

Assim que Azibo ia se afastando, o homem perguntou se ele sabia onde ficava o tal café com sorvete e este voltou e disse que sabia.

— Poderia me levar até lá? Amigos ajudam amigos, certo?

Azibo sorriu, e pegando pelo pulso do homem, seguiu por entre as pessoas que iam e vinham, se aglomerando. Seguia com a maestria de quem conhecia as ruas e espaço, dobrando numa rua mais larga e limpa.

— É logo ali, John! Venha comigo!

Logo, estavam os dois em frente a majestosa casa de chá, onde serviam café árabe, sorvetes e chás.

— Quer provar um sorvete comigo?

— Mas... não vamos demorar, certo?

— Prometo deixá-lo exatamente onde o encontrei!

E assim, foi. Ficaram o tempo suficiente para que Azibo pudesse saborear seu sorvete de manga com pistache e John, o seu café com ervas.

— Vamos embora? Preciso deixá-lo em frente à loja de doces, antes que seu pai venha puxar nossas orelhas e chamar a polícia para mim! Mas antes, quero lhe mostrar uma coisa. – Falou, tirando a carteira do bolso e abrindo na direção do menino.

Azibo viu a fotografia de uma jovem mulher de cabelos ondulados e com dois meninos, um no colo dela e outro, com a aparência de ter quase metade da sua idade. Ele sorriu para a foto.

— Sua família?

— Minha esposa e meus dois filhos. Um dia, quando você for adulto, me procure. Será um prazer ajudá-lo em algo. – Sorriu largamente – Aqui, ó! – Anotou algo num cartão de visitas que tirara do bolso. – Meu telefone e endereço. Quando quiser, me procure, está bem? E, guarde alguns doces para as meninas! Vamos?

Azibo guardou o saco de balas e o cartão em seu bolso, segurando a mão que o estrangeiro lhe oferecia. Algum tempo depois, estavam de volta, onde tudo aconteceu e se despediram, com um longo abraço. Mas, antes de ir embora, o homem disse:

— Tenha em mente, Azibo, que és alguém muito especial e iluminado. Tenho certeza que de onde estiver, sua mama está muito orgulhosa de você! Adeus, pequeno grande homem!

— Adeus, John!

As lágrimas desciam soltas pelo rosto do menino, que não se conteve e se jogou na direção do homem, abraçando-o. Este, ergueu o menino, num abraço demorado, deixando o rosto dele contra seu peito.

— A vida nos mostra que nem todos os lobos são maus e nem toda ovelha é dócil. Seja justo, sempre. A justiça será a sua guia. Cuide-se, meu amiguinho Terra!

Azibo viu o homem loiro se afastar, acenando para ele com o árabe grandão ao seu lado. Quando os dois sumiram na multidão, Azibo secou as lágrimas correndo para seu pai. Queria contar a novidade e chegar em casa com o saco de guloseima.

Assim que chegou do armazém, teve medo que seu pai já tivesse ido embora, já que se passara várias horas em companhia do estrangeiro. Mas qual foi sua surpresa, ao adentrar no interior, seu pai estava com a lista em mãos e parecia não ter comprado nenhuma das sementes que precisam.

— Papa? O senhor ainda não comprou? Aconteceu alguma coisa?

— Como assim, filho? Não faz muito que entrei! E você desistiu de ir comprar algumas balas?

Azibo olhou, estupefato. Seus olhos ficaram arregalados com os ponteiros do relógio. Não haviam se passado nem cinco minutos, mesmo que, na companhia do homem loiro, ficara bem mais de duas horas! Como se o tempo não existisse naquele intervalo e que tudo parecia ter sido algo da sua imaginação. Algo que, criado para fugir da vida difícil, mesmo que carregada de amor, era raro poder ter um dia como teve naquela tarde.

Tentou esquecer tudo, para não ficar ainda mais triste. No caminho de volta, Ali, olha para ele, intrigado com a mudez do filho:

— Azi? O que foi, meu filho? Se sente febril? Hoje o sol estava realmente escaldante e não vi você beber água fresca. – Falou, colocando a mão calejada na testa do seu primogênito.

— Acho que o calor fritou meus miolos, papa...

— Assim que a gente chegar, tire sua roupa e banha-se, está bem? Farei um chá, pra você.

— Obrigado, papa.

Assim que chegou em casa, foi até os fundos de sua residência, onde ficava a casa de banho e se despiu. Estava tão triste com tudo, que de imediato, não percebeu um cartão retangular cair aos seus pés, junto a um saco de papel com balas. Olhou para baixo, já sentindo o coração pulsar forte em seu peito. Pegou o saquinho e abriu, para comprovar que não estava louco e o cartão com a outra mão. Ali, com a caligrafia perfeita estava um número de telefone e endereço e mais abaixo uma frase ricamente escrita, com esmero:


"O mais belo fruto da justiça; é a paz da alma"( Epicuro)

Nota do autor:

1: Tahine, tahin ou tahini: é um creme ou pasta feito de sementes de (sésamo) muito usado na como complemento de muitos pratos e doces. Por vezes ele é misturado com esmagado, água e sumo de limão para temperar alguns pratos, como os .

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