Décimo primeiro conto:Héracles

HÉRACLES

Xanthi, uma colorida cidade da Grécia, foi construída no sopé da cadeia de montanhas Rhodope, dividida pelo rio Kosynthos. A Cidade Velha de Xanthi é conhecida em toda a Grécia por sua arquitetura distinta, por ter uma rica história, tradição, além de também ser considerada uma cidade multicultural e tem sido caracterizada como "Xanthi a cidade das mil cores".

Pois é nesta cidade com a incrível hospitalidade grega, que nasceu Héracles¹ Thélisi. Um jovem curioso, de temperamento forte, que não fugia de uma boa discussão, para defender sua opinião. Era sempre o líder entre os amigos, para decidir os passeios ou o filme nas noites de sábado. Thales, Nikolas, Andreas e Ariadne adoravam quando ele organizava os passeios pelas montanhas, onde os cinco acampavam e ficavam contando histórias antigas ou projetos para o futuro.

Era exatamente o que estavam fazendo naquela noite fresca de verão.

— Galera, o que vocês vão fazer quando terminar a faculdade? – Nikolas arrancava a grama, enquanto fazia perguntas.

— Ah, cara... Sei lá, mano! É provável que eu vá trabalhar com meu pai! – Disse Andreas, sem emoção alguma.

— Bom! Eu vou viajar para a Itália! Com certeza! – Riu Ariadne – Tenho meu irmão mais velho lá e já me convidou pra morar e trabalhar com ele.

— Vai ser legal, Ari! – Disse Andreas, sorrindo. – E você, cara? – Virou-se para o Thales.

— Eu realmente não faço ideia... – Coçou a cabeça. – E você, Leão?

Era assim que os amigos de Héracles o chamavam, desde que eram crianças.

— Eu quero continuar estudando e ver se consigo um estágio na universidade da capital. – Disse, sem muita convicção – Não sei se minhas notas irão me ajudar, na real! – Riu, sendo imitado pelos demais.

— Então, enquanto este dia não vem, bora aproveitar, galera! – Disse Nikolas. – Olha o que eu trouxe! – Disse, mostrando umas garrafinhas, dentro de mochila

— Ouzo²?! – Héracles falou, num tom mais alto que ele desejou. – Mas, cara... Não podemos beber assim, sem gelo!

— Não tem ninguém aqui, pra controlar menores bebendo ouzo, Leão! -Disse Thales, pegando uma das garrafas. – Relaxa, mano!

O rapaz de olhos cinzas encarou seus amigos com um sorriso tímido. Sabia que estavam certos, mas mesmo assim não concordava com aquela atitude, pois se preocupava com o que resultaria no futuro.

—Vocês são uns loucos de pedra, sabiam? – Riu, fingindo estar bravo – Eu já volto. Só quero dar uma olhada por aí, pra ver se não tem ninguém por perto, realmente. – Disse, fechando o zíper do colete.

Seus amigos concordaram entre sorrisos e seguiram bebendo e contando piadas.

Ele olhou para eles com ternura, indo em seguida para a parte mais alta da montanha, onde se podia avistar toda a cidade e o rio Kosynthos, muito visitado por ecoturistas.

No seu íntimo, sabia que o seu real lugar não era ali e uma vontade de conhecer o mundo e ser útil de alguma forma, sempre foi seu maior desejo. Sabia que precisavam dele e isto o fazia suspirar nas noites solitárias.

Héracles olhou em volta e concordou com o amigo. Sabia que voltariam cansados e perderiam muito tempo na arrumação:

— Eu apoio! Vamos ter que ir embora mesmo!

— Tá! Mas que horas vamos pescar afinal? - Falou, Andreas. - Fazemos isto na volta, cara!

— Calma, galera! Vamos fazer assim. – Disse Thales. - Vocês vão com a tralha toda, na frente e eu vou desmontando, aqui

— Bem capaz que vamos te deixar, Thales! - Levantou a voz Andreas, contrariado.

— Se ele quiser ficar desmontando, por que vamos brigar, galera? – Riu, Nikolas. - Vamos! Mas vê se não demora!

Héracles ficou olhando o amigo, na dúvida. Eles nunca haviam se separado assim e parecia tanto serviço para um só fazer. Olhou os outros três descendo a trilha em direção ao lago e se voltou para Thales, novamente.

— Não queria te deixar sozinho...

— Larga de ser paizão, Leão! Eu me viro legal, aqui!

Ficou parado. Queria ir com os outros, mas a sensação de deixá-lo ali, era estranhamente ruim.

— Tens certeza?

— Não vou levar dois dias, palhaço! Vai logo, cara! – Riu.

Enquanto falava, ia limpando a fogueira com o restante da água e arrancando as estacas de uma das barracas.

— Ok! Eu vou lá! Mas se demorar muito, eu juro que não deixo um peixe sequer pra você!

— Tá! Vai lá, pescador!

Héracles riu e girou o corpo em direção a trilha, já apressando o passo. Parou mais adiante e deu uma última olhada no amigo. Conseguiu vê-lo por entre as árvores, limpando e desmontando.

Sorriu.

Um tempo depois, chegou onde os outros estavam e começou a preparar a vara numa base fixa, sentando ao lado de Nikolas.

— Ele deve tá chegando. Já faz meia hora.

— Sim. Logo aquele gordo aparece, pra arrecadar todos os peixes! Vai ser bom na pescaria assim, lá na Itália!

Riram.

As horas foram passando e nada do Thales. Todos começaram a se preocupar, porque não levaria mais de trinta minutos.

— Vocês não estão achando que o Gordo tá se amarrando lá em cima? – Falou Ariadne, com as mãos cruzadas contra o peito.

Héracles olhou o relógio e reparou que estavam já há mais de quatro horas! Ergueu-se em um pulo, assustado. Sentia que algo não estava certo.

— Eu vou lá! – falando alto.

— Espera! Vou com você, Leão! – Levantou Nikolas.

— Quero ir também! – Disse Ari, dando um gole em sua garrafa de água.

— Vou juntar os peixes, enquanto vocês vão, então.

— Perfeito, Andreas. Mas vê se não demora também! Vamos, galera. Vamos trazer Thales pela a orelha se estiver dormindo na barraca!

— Não duvido muito, Héracles!

Os três amigos subiram rapidamente e assim que chegaram no topo, viram que tudo estava exatamente como haviam deixado, menos a fogueira apagada com água.

— Mas que diabos...

Nikolas correu na direção das barracas e verificou que não estava em nenhuma das duas.

— Ele não tá aqui, gente!

— Onde aquele imbecil tá?!

Começaram a chamá-la em alto e bom som. Andaram pela mata, procurando verificar se ele estava se escondendo ou teria passado mal.

Nada. Não havia rastro do amigo.

— Ok! Não quero me desesperar, mas já tô começando a ficar desesperado!

— Relaxa, Ari. Ele não pode ter ido muito longe.

— Não importa, Nikolas! Independente dele estar bem ou quase morrendo, era mais fácil descer e nos chamar!

— Vocês querem se acalmar? Preciso pensar...- Héracles disse, tentando manter a calma, mas no fundo sentia que acontecera alguma coisa. – Ari, Chama o Andreas e peça pra ele vir pra cá, agora! Nikolas, desmonta tudo.

— Ok!

A garota saiu correndo, gritando pelo amigo, enquanto Héracles ligava para seus pais, avisando que Thales havia desaparecido.

Algumas horas depois, os pais dos garotos e alguns amigos chegaram, para ajudar a procurar. Mas não havia nenhuma pista de onde o garoto poderia estar.

As horas iam se passando e com elas veio a noite. Os quatro voltaram com um dos pais, depois que a polícia fez algumas perguntas.

Na manhã seguinte, um grupo de busca mais voluntários faziam buscas no local, mas nada de Thales aparecer ou alguma pista do paradeiro dele.

Os dias passaram, assim como os meses. Nenhuma notícia ou pista do que poderia ter acontecido com o jovem.

Os quatro amigos juraram voltar todos os meses e chamar por ele, até que este respondesse, mas sempre voltavam para casa frustrados, sem saber o que teria acontecido com Thales.

— O que foi que aconteceu com ele, Leão? – Choramingou, Ari, abraçada em Nikolas.

— Eu queria tanto ter a resposta...

— Onde você tá, Gordo! – Gritou Andreas.

E mais uma vez, desceram a montanha em silêncio. Daquela vez, Héracles sentia o coração apertado, sem compreender o desaparecimento do amigo de infância.

Com o passar dos anos, os pais já conformados, mas sem as respostas que tanto procuravam, resolveram colocar em uma das árvores, uma placa e o nome do menino em memória. E assim foi no dia que se formaram. Subiram a montanha, abriram garrafinhas de Ouzo e beberam em homenagem ao amigo que deveria estar ali, comemorando a formatura com eles.

— Aqui será o hierón³ de Thales! – Disse Ari, secando as lágrimas.

— Perfeito! Ao nosso Gordo! Que, onde quer que esteja, vibre pela nossa conquista! – Disse em lágrimas Nikolas.

— Ao Thales, nosso pescador! – Héracles, ergueu o copo.

— Ao nosso pescador! – Disseram todos.

Logo o tempo voou e com ele a lembrança do menino perdido nas montanhas de Xanthi. Mas não para quatro amigos, que levaram consigo, as aventuras e a risada gostosa do amigo Thales.

Nikolas estava se preparando para viver na capital. Levava no peito uma isca de plástico, que pertencia ao amigo e era como um talismã em sua vida. Cada um seguiu um rumo diferente, menos Héracles, que diferente dos outros, continuou em Xanthi, ajudando os pais no pequeno comércio de artesanato para turistas.

Ele sempre dava um jeito de comprar ouzo e subir a montanha para beber debaixo da árvore e lá ficava até que o sol se despedisse no horizonte. Só então, descia para a cidade e retomava sua vida. Durante muitos anos, podia vê-lo brindar sempre no mesmo horário.

Alguns juravam ver a silhueta de um menino ao seu lado...

"As almas belas são as únicas que sabem o que há de grande na bondade." (François Fénelon)


Nota do autor:

1: Héracles: Descendente de Hera. Indica uma pessoa que aceita para si tarefas das quais os outros tendem a fugir, pois acredita sem reservas na sua força física ou mental.

2: Ouzo é servido em copos altos e estreitos nos quais se adiciona água fria ou gelo, e não muito tempo depois que o ouzo adquire uma cor leitosa. Esta cor é criada após a interação da água com o óleo de erva-doce. Diz-se que o anis relaxa e diminui a pressão arterial, ajuda a absorção do ferro e regula a digestão.

3: Hierón Um lugar sagrado, santuário, templo.

(1905 palavras)

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