Voo de Ícaro
O cenário é conhecido, presa numa cama de hospital vendo o mundo inteiro passar atrás de uma janela.
— Como a senhorita já tem um histórico de lesão, e vem de uma longa recuperação, vamos fazer mais alguns exames para garantir que nada de grave aconteceu.
Apática, não me dei ao trabalho de virar o rosto para ouvir o médico falando.
— É um momento delicado — meu pai disse —, será que posso pedir para nos deixar a sós por um momento?
Um longo silêncio e então a confirmação de estarmos sozinhos depois que a porta se fechou.
— [Nome], olhe para mim — chamou o mais velho —, foi só o choque. Uma batida que inflamou, você está bem, eu conferi os exames, até a viagem-
— Pode me garantir isso? — virei — Com toda a certeza? Colocando seu diploma e toda a experiência em jogo?
O homem segurou a minha mão, mantendo os olhos sérios e a feição rija — Primeiro, como conduta profissional eu nunca iria lesar um paciente da sua condição, segundo eu sei que não é realmente o que você quer falar.
Ele segurou meu rosto entre as mãos — Filha, eu sei que o que está passando pela sua cabeça, eu consigo ver o medo nos seus olhos. Não é nada como aquela vez.
Senti as lágrimas virem aos meus olhos e segurei suas mãos sobre as minhas — Pai, por que isso está acontecendo de novo?
O mais velho se sentou na cama me ninando nos seus braços enquanto chorava a ponto de soluçar, a dor não era física, era da alma. Aquela ferida que achei estar cicatrizada, que foi curada pelos jogadores da Nekoma, os amigos que encontrei e Kuroo, foi rasgada novamente.
— A polícia já está com seu depoimento — meu pai puxou a manga da camisa social e secou meu rosto —, aquele garoto Kuroo também disse que já conhecia o grupo de outros momentos. Devem encontrar os culpados em breve, tem muitas câmeras no distrito comercial.
— Agora, pare de chorar — pediu —, não fica tão bonita quando chora.
— Como se alguém chorasse bonito — reclamei.
Ele se inclinou para beijar minha testa e riu — Por isso que você não deve chorar mais, Aoi e seus amigos estão esperando do lado de fora. Já que não puderam te acompanhar ontem, vieram hoje no primeiro horário de visita.
Esfreguei os olhos e juntei as mãos no colo.
O mais velho acariciou meus cabelos se levantando em seguida — Vou deixar eles entrarem.
Estava no quarto, não internada nem nada, então deixaram que o grupo entrasse de uma vez. Mesmo que fosse apenas por 30 minutos. Aoi, Kuroo, Kenma e Yaku estavam ali. Não consegui levantar meus olhos para eles, mas sentia seus olhares em cima de mim.
— Kai... Tentou vir, mas ele teve uma emergência familiar — Aoi tomou a dianteira e se aproximou.
— Eu não tenho como sobrar algo como isso. Obrigada, por virem — apoiei a cabeça no travesseiro mudando o foco do olhar para o teto —, apesar que eu preferia que esse encontro, nesse lugar, nunca tivesse acontecido.
— Como você está? — Yaku perguntou com a voz incerta, talvez essa fosse a primeira vez que vi o líbero sendo cuidadoso.
Tomei coragem para olhar o grupo, sentindo as palavras travarem na minha garganta ao ver que eles estavam visivelmente abalados. Como se fossem eles mesmo que tivessem levado o choque da situação.
— Como eu estou? — respondi surpresa — Porque vocês parecem que foram atropelados, com exceção de Kenma. Aoi você esteve chorando?
— O que você esperava que eu fizesse? Minha amiga sofreu por uma situação como essa e eu não pude fazer nada, tão perto da viagem... então...eu...
Aoi começou a chorar de novo segurando no braço de Kuroo que levantou uma mão para colocar em cima da cabeça dela num sinal de empatia.
— Nos preocupamos com você, sua idiota, é claro que não estaríamos radiantes hoje.
— Ao menos você está de volta ao normal Yaku — sorri —, Aoi não precisa chorar.
— Fala isso, mas você mesma parece que esteve chorando.
Olhei para Kuroo — Posso colocar essa na conta do meu pai, ele disse que é uma inflamação. Que não parece ter afetado minha lesão anterior, mas farei alguns exames para garantir, de acordo com Sr. Dominc D'Calligari até a viagem tudo deve ocorrer bem.
— De verdade? — Aoi levantou o rosto do braço de Kuroo — Está falando sério?
A garota soltou Kuroo e veio com passos rápidos até a cama me abraçando, Aoi é uma pessoa muito gentil. Podia ver que além da sua preocupação genuína, ela estava se sentindo culpada pelo que aconteceu.
— Não foi culpa sua — afaguei suas costas —, ou minha. Para culpar só os infratores.
— Mas se tivéssemos ficado com você, talvez-
— Talvez, será que, nós duas podíamos ter ficado numa situação pior, então pare de seguir com os pensamentos nessa linha.
Ela se afastou e enxugou o rosto.
— Ainda falta você chorar no Kenma e no Yaku, Aoi. Não pare agora.
O mais novo do grupo que esteve olhando envolta fez uma careta — Prefiro que não faça isso Aoi-san.
— É claro que não — ralhou com o rosto vermelho —, Tetsurou é um paspalho.
Kuroo resmungou — Você não solta tanto suas garrinhas quando Kai está por perto. Algo a declarar?
Aoi ficou com o rosto vermelho e Yaku pareceu ter um momento de revelação. Kenma ignorou o momento em que a garota me deixou para avançar no líbero e se aproximou da cama. Ele tinha ambas mãos nos bolsos do agasalho e apesar de parecer desinteressado, tinha nos olhos certa preocupação.
— [Nome] não falamos nada para o time, Kuroo não deixou. Mas será estranho se de repente você sumir, não sei se ira se recuperar a tempo do acampamento de treino do Grupo Fukurodani — avisou apoiando as mãos na grade da cama. — As coisas podem ficar barulhentas se Tora descobrir.
Kuroo e Kenma são vizinhos, seria estranho se ele não soubesse do ocorrido mesmo quando não esteve presente no dia. Mas os outros garotos podiam ser potencialmente problemático. Tenho sorte que os jornalistas por aqui parecerem não ter interesse nenhum numa atleta aposentada prematuramente.
— Obrigada pela preocupação — coloquei a mão sobre a sua —, será melhor se o time não ficar sabendo. Pelo menos não por enquanto, já que parece estar havendo uma investigação policial.
— Polícia? — Yaku e Aoi pararam sua briga por um momento.
Kuroo trocou o peso da perna — Tem uma parte da história que vocês não sabem, e eu também não estou inclinado a contar agora. O que importa é que [Nome] está bem, já se passou metade do nosso tempo, se vocês dois querem gastar ele brigando, por favor se retirem.
O capitão da Nekoma ergueu os braços — É isso que acontece quando se deixa adolescentes entrarem num hospital.
— Ah, como se você fosse um velho — Aoi ralhou.
— Os gostos dele certamente são — Yaku concordou com ela.
O levantador que estava perto de mim respirou fundo e os ignorou — Posso emprestar um videogame portátil se se sentir entediada, é só me avisar.
— Espero não precisar ficar tempo o suficiente aqui para isso, mas aviso se precisar.
Uma enfermeira bateu na porta para avisar que faltava apenas 10 minutos para a visita terminar, os meus amigos se entre olharam e Kuroo abaixou a cabeça.
— [Nome] me avise se precisar de algo — Aoi disse — e dê notícias. Venho te ver no mesmo instante.
— Melhoras [Nome] — Yaku acenou.
Kenma acenou com a cabeça e se afastou, parando apenas para falar algo para Kuroo — Vamos te esperar lá fora.
— O movimento não foi nada sutil — comentei assim que eles saíram nos deixando sozinhos.
— Bom, não dá para se esperar muita delicadeza desse grupo — o moreno se aproximou.
A atmosfera era estranha, não posso negar isso, mas mesmo assim devia uma para ele. Afinal, foi quem voltou por mim e também me tomou no colo depois que caí no chão.
— Acho que eu te devo um agradecimento.
— Não, eu que... — ele parou de falar e respirou fundo —, devia ter ficado com você a todo instante.
— Kuroo — tentei interromper.
— Me deixe falar [Nome], você não é boba. Já deixei bem claro meus sentimentos por você, nossos jogos de palavras não são sem fundamentos. Quando eu voltei para loja e vi aqueles... — as palavras fugiram de sua fala —, não sei nem como me dirigir a eles. Lembrar faz meu sangue ferver, eu só... De noite eu só consegui pensar no que poderia ter acontecido se eu não voltasse.
— Mas voltou, e se não aconteceu nada pior foi porque estava lá. Ouviu o que eu disse para Aoi, não tem um culpado. Se eu não tivesse entrado, se eu não tivesse ido ao distrito ontem, tem tantas variáveis Kuroo. Certo, só aquilo que aconteceu, e o que aconteceu foi que você voltou, é isso que importa.
Estiquei a mão para pegar a sua — Você disse que ia ficar tudo bem, e ficou.
Com o dedão o moreno acariciou as costas da minha mão — Vou ser sincero, eu não o que fazer com esse sentimento [Nome], e isso está me matando.
— Você não sabe o que fazer com ele e eu não sei como aceitar ele — confessei —, eu tive um namorado, na Itália. Embora hoje eu saiba o quanto ele foi um babaca, eu era absolutamente apaixonada por ele, entreguei tudo o que eu tinha para entregar e depois virei um número numa lista longa. Eu era uma boba que acreditava que o que acontecia nos livros também podia se real.
— Não preciso de uma resposta agora, só preciso saber que não estou voando na direção do sol.
Uma referência ao mito greco-romano de Ícaro, sei que Kuroo é inteligente, mas usar uma metáfora do meu país natal foi inesperado.
— Não, não está — afirmei.
— Acabou o horário de visita — anunciou olhando para a parede — antes que eu me esqueça.
Com a mão livre tirou do bolso dois pares de meias coloridas, com dinossauros nelas e me entregou — Para seu irmãozinho, Nico.
Engoli seco, o garoto se inclinou, deixou um beijo no meu rosto e se afastou na direção da saída.
— Tetsuro — chamei pela primeira vez seu nome, ele se virando com olhos arregalados e um leve rubor no rosto. Os olhos dourados como ouro derretido brilhando intensamente por conta da luz que vinha da janela.
Segurei as meias contra o peito e sorri — Obrigada.
- ͙۪۪̥˚┊❛ [ EXTRA 20 ] ❜┊ Dinossauros˚ ͙۪۪̥◌
— [Nome]!
Voltei para casa quando meu irmão não estava, minha movimentação ainda está um pouco travada então é melhor evitar que o pequeno perceba. Afinal a história que meus pais contatam para ele é que eu fiquei alguns dias na casa de Aoi.
Ainda levaria alguns dias de descanso e tratamento correto para voltar ao normal, de acordo com o D'Calligari pai, então até lá preciso pegar leve.
— Sentiu minha falta? — ajudei Nico a subir na minha cama colocando o celular para o lado, Fideo ficaria chateado de ouvir o que aconteceu por outra pessoa e não por mim.
— Sim! — meu irmão deitou do meu lado — Mas a mamãe falou que estava na casa da Aoi-chan, então tudo bem, eu gosto dela.
Apertei sua bochecha — Diga isso para Aoi na próxima vez, tenho certeza que ela irá derreter de fofura.
Apertei suas laterais fazendo cócegas, o som da sua risada ecoando pelo cômodo e colocando para o lado o que restava de preocupações.
— Tenho algo para te entregar — parei apenas quando suas bochechas estavam vermelhas.
— O que é? — Nico levantou a cabeça cheia de fios desordenados na expectativa, estiquei o braço até a mesa lateral.
— Uma coisa que você não gosta muito — respondi —, meias de dinossauro.
Nico soltou um grito e abraçou as meias contra o corpo, não existia um brinquedo no mundo que faria meu irmão o amar mais do que uma meia cheia de animais pré-históricos.
— Você comprou para mim?
— Não — ajeitei seus cabelos — sabe aquele meu amigo alto de cabelo escuro que mora aqui na rua?
— Kuroo-san! — Nico se ajoelhou na cama — Mas por quê? Será que ele quer ser meu amigo?
— Claro que sim, afinal. São meias de dinossauros — completei numa voz mais baixa como se fosse a coisa mais incrível do mundo —, então o agradeça a próxima vez que vir, combinado?
Ergui o mindinho para ele num sinal de promessa.
— Combinado!
N/A: Obrigada por ler até aqui!
Até mais, Xx!
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