Semântica
Finalmente o sábado chegou e não precisaria gastar minhas energias levantando cedo, pegando um transporte já cheio de pessoas e ignorando os olhares estranhos que o restante dos alunos da Nekoma insistiam em me direcionar. Seria uma dia para descansar, ficar deitada com Zun embrenhado nos meus pés e fazendo qualquer coisa inútil.
Mas realizar minhas vontades preguiçosas não era uma opção, não com Nico D'Calligari em casa.
-[Nome] levanta, você vai dormir de novo!
Respirei fundo tomando coragem para abrir um dos olhos, a criança conseguiu subir na minha cama e sentar na minha barriga enquanto tentava desesperadamente me fazer levantar. Me lembraria de trancar a porta na próxima vez.
Nico tinha os cabelos escuros desgrenhados e claramente estava descontente com o fato de ainda não ter conseguido me tirar da cama, tinha as bochechas cheia de ar, um bico de insatisfação e as maçãs do rosto levemente coradas. Os olhos brilhantes cor de turquesa permaneciam grudados em mim enquanto suas mãos pequenas puxavam a coberta dos meus braços.
-Me lembre de novo o que eu prometi - pedi olhando para o relógio e vendo que mal passava das sete e meia da manhã.
O pequeno suspirou alto - Você prometeu me treinar na praça que tem aqui perto de casa.
-Eu não me lembro de dizer isso - fechei os olhos de novo sobre os protestos de Nico.
É claro que me recordava, no dia anterior depois de passar a tarde na clínica com meu pai Nico me recebeu na porta de casa com a bola de vôlei em mãos, mas tendo feito exercícios a maior parte do tempo, mal tinha forças para andar. Vendo a situação e sabendo que eu não conseguia dizer não para o caçula meu pai interveio, sugerindo que eu o levasse na manhã seguinte.
-Nico - a voz soou da porta, meu pai ainda de pijama estava encostado no batente dela com o que parecia uma xícara de café em mãos - Eu disse pra você esperar não disse?
-Oh? Temos um rebelde entre nós? - me sentei - Isso é suscetível de punição.
Antes que Nico pudesse fugir do meu ataque de cócegas o segurei, ele tentava afastar as minhas mãos enquanto enchia o quarto com gargalhadas e pedidos de desculpas. Eu mesma não consegui segurar o riso vendo que ele ria até que lágrimas se acumularam nos cantos dos olhos.
-Bom, já estou acordada mesmo - falei parando para ver que ele respirava fundo retomando o fôlego - Vá se trocar, saímos depois do café.
Num instante o pequeno se levantou afobado, pulando para o chão. Correndo para a porta como se estivesse fugindo para as montanhas, e quase atropelando Zun no caminho
-E troque as meias de dinossauro Nico! - pedi antes que ele sumisse por completo.
Voltei a cair de costas na cama com as mãos no rosto murmurando para mim mesma - Energia demais.
A cena inteira foi observada de longe pelo meu pai que riu alto - É melhor eu ajudar ele. - ele alcançou a maçaneta da porta com intenção de a fechar - Promessa é promessa.
-A promessa que você fez no caso não? - abri um vão entre os dedos para ver sua figura sumindo.
-Detalhes. Não durma de novo [Nome].
Assim que o clique soou fechei os olhos por um momento antes de encarar o teto, soube pela minha mãe que meu irmão andou ansioso alguns dias por conta da escola nova. E apesar de estar se adaptando bem, aparentemente ele ainda sentia vergonha de brincar com os colegas de classe, era uma criança de 7 anos mudando completamente a rotina uma hora a animação da aventura naturalmente desapareceria.
Alonguei meus braços me sentando e levantando em seguida, era capaz de realmente adormecer se continuasse na cama. Assim que me levantei Zun tomou seu lugar no meio da cama, cocei a parte de trás da orelha do gato antes de me afastar em direção a janela, vi que o céu estava claro, uma manhã pálida com raios de sol fracos.
Não precisava de vestes muito trabalhadas para dar uma volta na praça, logo um conjunto esportivo foi mais do que suficiente; shorts de corrida, uma camiseta qualquer e jaqueta. Olhei meu reflexo no espelho, tinham olheiras debaixo dos meus olhos e minha feição estava visivelmente cansada, ainda recuperando a saúde perdida nos meses de tratamento.
Peguei a fita branca em cima da pia antes de sair de vez do quarto, amarrando o cabelo no alto enquanto descia as escadas devagar.
Minha mãe estava de costas para mim fazendo algo no fogão, na sala a TV estava ligada mostrando as notícias do dia. Um começo de manhã clássico na casa D'Calligari, não demorou para Nico e meu pai descerem e mesmo que não fosse sempre um costume, fizemos o desjejum juntos.
-Falou com Fideo alguma vez? - meu pai perguntou.
-Sim, é o único que eu consigo conversar sem precisar acordar ou ser acordada de madrugada. - tinha um tom seco na minha voz, mas não é como se eu estivesse contando alguma mentira. Mas continuei - Por que pergunta?
-Curiosidade. Fabrício deve vir em breve para Tóquio para discutirmos o novo terreno, mas provavelmente vai ser no meio da semana, então talvez Fideo fique em Miyagi.
Certo, a oportunidade de ouro que nos trouxe até aqui para começo de conversa, Fabrício já era conhecido na Europa por cuidar de atletas de alta performance, e conheceu meu pai num desses trabalhos. Os dois ficaram amigos e por anos planejaram montar algo na área, deixar de trabalhar para grandes times e trabalhar com grandes times.
Mas o caminho na Europa era bem mais tortuoso do que eles esperavam e a concorrência altíssima. Foi quando começaram com projeto no Japão, demoraram anos para conseguir se firmar no ramo, meu pai ajudando da Itália enquanto Fabrício criava um nome por aqui. Quando a clínica finalmente se tornou um sucesso e referência no ramo em Sendai, resolveram expandir para Tóquio com a mesma estrutura.
-Pensei que talvez você pudesse me acompanhar - o velho Dominic jogou no ar, recebendo um olhar de minha mãe. Mas ela ficou quieta a princípio deixando ele continuar - Se você quiser seguir o mesmo caminho, estar envolvida desde o começo pode ser interessante...
Minha mãe não esperou mais uma palavra antes de bater na nuca dele com um guardanapo de pano - Pare de induzir sua filha a seguir os mesmos passos que você só por conta de legado e sua competição infantil com Fabrício.
-Não tem nada a ver com isso - reclamou passando a mão na parte de trás da cabeça e desviando o rosto.
-Seu pai ficou sabendo que Fideo pretende assumir a parte de Fabrício em Sendai, já escolheu cursos e tudo mais. - ela me disse - Ele andou alimentando uma esperança de que talvez você fizesse o mesmo.
-Agora - o mais velho apontou - Isso é calúnia, [Nome] disse enquanto ainda estávamos em Roma que talvez ela seguisse o mesmo caminho que eu. Estou apenas lembrando.
Apoiei a mão no rosto - Claro que sim, sem nenhuma segunda intenção, certo? - alcancei a cabeça de Nico arrumando alguns fios soltos enquanto ele balançava as pernas apenas olhando a conversa - Realmente disse, não tenho certeza se vai ser minha opção. Mas não ligo de acompanhar de qualquer forma.
Me apoiei para levantar - Vou pegar a bola e escovar os dentes.
-Eu também!
Nico saiu andando na minha frente, e eu só consegui ouvir minha mãe reprimindo meu pai por suas atitudes. Confesso que particularmente era minha primeira opção, ignorando o plano original de carreira, sempre gostei de acompanhar o velho na clínica e o ver trabalhando mas não daria essa vitória para ele, pelo menos não ainda.
Saí de casa com meu irmão não muito tempo depois, pedindo para que ele não se afastasse muito. A praça era realmente bem próxima e estava vazia, o que era bom.
-Certo - chamei - Vamos alongar.
-[Nome] eu não quero alongar, é chato. - ele soltou os ombros e os braços reclamando.
-Vamos Nico, agora - joguei os braços para cima começando a contar e vendo ele repetir os movimentos mesmo que a contra gosto.
-Se lembra do que ensinei não? - perguntei e ele disse que sim - Vamos tentar manter uma sequência sem a bola cair, acha que consegue?
-Claro que sim! - Nico posicionou os braços em formato de manchete esperando meu primeiro toque, concentrado como se aquele fosse o último ponto da partida mais importante.
Joguei a bola de leve e ele revolveu um pouco torta - Mais longe no pulso Nico, senão vai doer e a trajetória vai ser aleatória. Quem recebe primeiro geralmente passa pra quem?
-Pro levantador - ele respondeu, e eu concordei.
Quando conseguimos dez toques consecutivos mudei um pouco.
-Tente se mexer sem olhar para o chão, vou jogar da direita - anunciei jogando a bola com desvio. Mas na hora ele se atrapalhou e caiu sentado, a bola bateu na cabeça dele com um som abafado e saiu rolando pela lateral.
Mesmo que quisesse rir, me aproximei - Tudo bem? - ele apenas balançou a cabeça e olhou para onde a bola foi. Segui seu olhar para me deparar com duas figuras vestidas de vermelho paradas ali perto, a mais alta delas segurando a esfera fugitiva entre as mãos.
Surpresa provavelmente devia estar estampada no meu rosto de maneira cômica porque Kuroo até sorriu girando a bola de vôlei entre as mãos - Oya, Oya, Oya, não acredito que mentiu para mim [Nome]-chan.
Ele jogou a bola na minha direção e eu a peguei, Nico se escondia parcialmente atrás das minhas pernas com receio dos dois garotos desconhecidos.
-Você me perguntou se eu jogo - girei a bola na mão exatamente da mesma forma que costumava fazer antes de sacar em quadra - Não se eu sei jogar. Um pequeno erro de semântica que te fez tirar conclusões precipitadas.
Reparei no rapaz ao lado dele, mais baixo do que eu os ombros levemente curvados para frente, e parte do cabelo bicolor cobrindo seu rosto. Embora seus olhos felinos e afiados nos encarassem com atenção.
Kuroo colocou a mão no pescoço - Suponho que esteja certa, a propósito esse é o Kenma.
O mais baixo pareceu fazer uma careta dizendo com uma voz calma e arrastada - Eu posso me apresentar sozinho.
-Claro, claro - o meio de rede dispensou o comentário dele.
-[Nome] D'Calligari - disse de volta e coloquei a mão na cabeça do meu irmão - Se apresenta.
-Nico - ele resmungou - Nico D'Calligari, irmão da [Nome].
-Porque está falando italiano? - perguntei estranhando o comportamento dele.
-Esqueci como fala - ele espiou Kuroo com certa admiração - Ele é alto.
Essa fala não passou despercebida pelo meu colega de classe que ficou esperando uma tradução.
-É meu irmão mais novo - apresentei e completei - Ele te achou alto.
-Obrigado.
-Com certeza não foi um elogio - Kenma rebateu - Você... Mora por perto?
A voz dele ficou incerta no meio do caminho, talvez ele não fosse do tipo que conversava abertamente com pessoas. Mas logo de cara me passava a sensação de ser alguém inteligente e atento aos detalhes.
-Sim, duas ruas daqui. E vocês?
-Também, mas para aquele outro lado - Kuroo tomou a fala - Agora que você disse me lembro de ter visto um caminhão de mudança semana passada... Seu pai é médico?
-Fisioterapeuta, mas ele tem doutorado para ter o título de doutor.
Kenma pareceu ter os olhos fixos em algo e quando reparei que seu olhar estava baixo, mexi a perna sabendo que ele tinha reparado na minha cicatriz.
-Se me dão licença - puxei Nico de leve o colocando em minha frente - Ainda tenho promessas a cumprir, vocês vão se atrasar para o treino se continuarem aqui.
-Dessa vez falou como uma treinadora - Kuroo provocou, abaixando de leve a cabeça e olhando nos meus olhos - Quem realmente você é?
Encarei de volta suas orbes cor de âmbar, brilhavam como ouro derretido e estavam cobertas com curiosidade. Sorri, ou melhor, ri genuinamente com sua frase e me atrevo dizer que foi a primeira vez desde que cheguei.
Não se comparava a adrenalina de competir em quadra, mas essas pequenas competições que Kuroo me lançava com provocações eram boas o suficiente para me remeter a um sentimento nostálgico de desafio.
-Isso é uma coisa para você descobrir, capitão.
N/A: Veio aí! Nico e suas icônicas meias de dinossauro estão de volta!
Obrigada por ler até aqui!
Até um dia, Xx!
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