O Guardião



Um novo dia, uma nova manhã; mas o mesmo sorriso sarcástico disposto nos lábios finos do príncipe da química. Kuroo nada disse, mas talvez fosse ainda pior, ostentava com certo orgulho os pensamentos entremeados naquela cabeça cheia de cabelos escuros. Ainda que calado, o rapaz me tirava completamente do sério.

— Em algum momento você deixa de ser tão... Você? — questionei enquanto fazíamos o caminho para a estação.

— Não entendo o que diz — Kuroo me olhou pelo canto de olho, o tom de voz divertido que me fez querer enfiar seus próprios tênis goela a baixo —, eu ganhei. Você virou gerente, é um pecado ficar feliz?

Esse garoto estava me testando — Se acha que foram seus dotes de persuasão que me convenceu, está bem errado. Ajudou, mas o treinador já havia aberto as portas bem antes de você.

— Como? — vitória.

Surpreso, ele imediatamente derrubou o sorriso do rosto, agora virando completamente para me encarar. Passei o bilhete na catraca do trem e devolvi o riso para ele piscando um olho — Segredo capitão.

Kenma naturalmente não falava, numa manhã preguiçosa como aquela, menos ainda. Porém, estava atendo as conversas, acredito que ele agradecia mentalmente por ter se livrado de toda a falação de Kuroo logo pela manhã.

— Me fale sobre os jogadores — pedi assim que entramos no transporte, parecia mais cheio do que o costume. Portanto, ficamos de pé próximos à porta, lado a lado.

— O que quer saber?

— Sua visão como capitão, técnicos possuem uma percepção externa, quero saber de você que joga com eles na quadra. Quem é o melhor jogador? Se tivesse que escolher.

Pelo reflexo da janela vi o moreno ponderar — Eu obviamente, depois por pouco Yaku. Kai é consistente, ajuda a manter a ordem. Taketora veste a camisa do ace, é o atacante mais forte que temos, Fukunaga é silencioso mas também confiável para ataques, Inuoka é o único primeiro-anista titular por enquanto, é um meio de rede com rápidos reflexos e Kenma é o nosso cérebro.

O rapaz ao meu lado grunhiu em desgosto — Não faça isso.

— Somos como o sangue em nossas veias. Fluímos sem parar, mantendo o oxigênio se movendo e o cérebro trabalhando — recitou ele com a mão no peito, muito mais emocionado do que deveria.

Não consegui segurar o riso, colocando a mão livre na frente do rosto — O que é isso?

— Nosso lema, falo antes de todo jogo.

— É tortura, ele nunca para — o levantador acrescentou.

— Faz sentido da parte biológica, mas aplicar num clube de vôlei parece demais até mesmo para você, príncipe da química. Tem algum limite para a sua 'nerdisse'?

— Não diga isso, também é um glóbulo vermelho agora.

Balancei a cabeça — Se você chama todas as garotas de eritrócitos deve ser extremamente popular entre o corpo estudantil feminino do colégio Nekoma.

Faltavam duas estações para descermos, foi quando um grupo de jovens entrou, tinham uniformes de uma escola que não consegui identificar, mas não pareciam ter a intenção de ir estudar. Suas vestes estavam todas desalinhadas, haviam correntes presas as calças e os garotos pareciam 'surrados', significavam problemas com certeza. Eles falavam alto e davam risada aparentemente tirando sarro de alguém que ficou na plataforma.

Kuroo olhava eles pelo reflexo do vidro com uma feição séria, um assovio ecoou pelo vagão e quando olhei de maneira discreta vi que eles se batiam e apontavam na minha direção. Nesse momento o capitão do time de vôlei puxou a manga de meu uniforme, lançando um olhar que praticamente gritava por colaboração, e deixou que eu ficasse em sua frente. Foi então que entendi ser uma maneira de proteção, tinham mais pessoas do que o esperado no vagão, se por ventura eles quisessem usar uma mão boba, seria difícil de ver e fácil de sentir.

Sentia a respiração do moreno na minha orelha, no apoio minha mão também estava abaixo da sua, só então percebi que seus dedos eram longos e finos, elegantes para alguém que praticava vôlei. Seu tronco ocasionalmente batia nas minhas costas, contudo o garoto foi surpreendentemente cavalheiro mantendo a distância.

Pelo reflexo vi que ele inclinou a cabeça em direção a minha — O que está fazendo?

— Eu gosto do cheiro do seu cabelo — os olhos amarelos semicerrados me encaram pelo vidro, era um lado diferente do moreno. Quase predatório, arrepios tomaram os meus braços, mas antes que desse voz aos pensamentos que surgiam em minha mente, chegou nosso momento de descer. Até estarmos distantes da plataforma, o rapaz não me soltou, dizendo também para que não olhasse para trás.

Não foi até ver a rua da escola que questionei o que tinha acontecido.

— A escola deles fica por perto, é famosa por ter encrenqueiros. Soube que alguns até foram levados até a polícia ano passado — Kuroo comentou —, não são particularmente gentis com mulheres.

— Posso imaginar que não pelo jeito que me olharam — respondi —, obrigada foi atencioso da sua parte. Tirando a parte de cheirar minha cabeça, isso foi bem estranho, não imaginei que você fosse daqueles caras com fetiches peculiares.

Kuroo parou de andar e seu rosto ficou vermelho, mas sendo o rei da provocação mesmo envergonhado ele não desceu do seu posto — Sim, posso falar todos eles, mas só se for na minha casa.

Ri alto e virei andando de costas para continuar o encarando de frente — Para acordar com a barriga cheia de gelo e sem órgãos? Não obrigada, eu assisto muitos documentários 'true-crime'.

— Vou lembrar de usar uma isca melhor — retrucou.

Kenma passava o olhar de um para o outro completamente sem entender para onde aquela conversa estava seguindo — Se acontecer algo comigo, fuja Kenma você é a única testemunha, exceto se for cúmplice.

— Seria dinheiro o suficiente para comprar todos os jogos que quer — Kuroo cantou como se fosse uma possibilidade real.

— Dois contra um, você é tão injusto gato preto.

— Oe Kuroo-san! Kenma-san!

Num instante eu estava zombando do capitão, no outro sendo atropelada por um novato meio-russo atrapalhado com pernas e braços mais longos do que poderia controlar. Com um pouco do uso do meu bom equilíbrio acabei por ficar de pé, mas o garoto acabou caindo no chão.

— Pretende matar nossa gerente antes dela conseguir cumprir suas funções Lev? — Kuroo perguntou.

— Não vi a Calli-chan, desculpe — ele se sentou e se levantou batendo as mãos nas roupas em seguida. Os treinos matinais aconteceriam todos os dias dessa semana, até o time alinhar algumas questões, depois disso seriam feitos de maneira intercalada ou apenas quando necessário, ao menos foi isso que o treinador me disse.

Respirei fundo olhando Lev pela primeira vez de perto, ele tinha bons atributos físicos, mas pelo que observei ele falava um pouco mais do que ele realmente fazia.

— Porque dessa recepção logo de manhã? — o capitão questionou isso fez com que Lev retomasse sua animação prévia.

— Cheguei no horário!

— Não é essa uma obrigação de todos os jogadores? — questionei sem sequer medir as minhas palavras. Porém, era uma fala genuína, teria o mestiço alguns privilégios no time?

— Sim, é justamente por acontecer que é um evento — Kuroo me respondeu empurrando os meus ombros em direção ao portão — Lev está sempre atrasado.

Alegria por cumprir seus deveres, pessoas são realmente peculiares. Os garotos foram até a sala do clube e eu me dirigi ao vestiário feminino, coloquei minhas coisas no mesmo armário no canto e em seguida troquei minhas vestes por esportivas. Aina não tinha o uniforme, então apenas usei as vestes de educação física da própria escola.

Quando cheguei a quadra eles estavam organizados, Naoi e o treinador Nekomata olhando atentamente. Cumprimentei a todos quando cheguei a porta repetindo o gesto para os dois mais velhos.

— Desculpe pela demora na entrega de seu uniforme [Nome], esperamos que chegue ainda para o treino da tarde.

— Não é um problema, obrigada Naoi.

— Isso é para você — o homem também me entregou um caderno e uma caneta, apesar de ter sido suas mãos a me estender os objetos. As orientações vieram de Nekomata-sensei.

— Se me é permitido gostaria de pedir para que anotasse todos os pontos que ver nos jogadores, o time da Fukurodani é bem completo e possuí um ace e capitão fisicamente forte — me disse com os olhos estreitos —, quero levar em conta suas considerações.

— É permitido, treinador, não sou nada além da gerente aqui. O que eu fui ficou na Itália — me forcei a sorrir —, não me precisam me tratar como alguém especial. De fato, prefiro deixar o passado no lugar dele.

— Como quiser — concordou —, vamos começar.

Observei de longe os jogadores, haviam outros além do time principal até que era um grupo grande. Pr esse motivo imagino que o treinador guiava o grupo um pouco separado, mantendo um espectro aberto. Havia também a diferença de habilidades, que ficou clara naquele treino matinal, porém algo me dizia que Nekomata-sensei era muito astuto no que dizia aos jogadores dele.

Ainda que fosse apenas na mente, admiti a metáfora com glóbulos vermelhos de Kuroo ser boa, a recepção do time era diferente. A bola simplesmente não caía, todos eram bons e o líbero Yaku era excepcional, o suficiente para eu travar meus olhos em seus movimentos. O garoto percebeu isso no meio do jogo, mas não pareceu ligar, continuou fazendo jogadas de qualidade.

Kuroo era um meio de rede consistente, saltos altos e bom reflexos, sem falar que ele é inteligente e perceptivo. Guiava o time como um bom capitão, cobrava ações e dava orientações mesmo no meio do jogo, o vice-capitão como ele mesmo disse era confiável. Kai não tinha uma presença muito forte, na verdade nenhum deles — com exceção de Taketora que era barulhento —, clamava ser o jogador decisivo. Talvez esse fosse o melhor atributo da Nekoma.

Fukunaga realmente não falava, mas a sua taxa de acerto era alta, conseguia ler bem o jogo e as situações. O ace, número 4... Tinha alguns pensamentos sobre ele, além dos olhares que normalmente ele dava para mim, inegavelmente era o ataque mais forte do time, porém nesse momento não sabia ser potente o suficiente para enfrentar os melhores.

Creio que o tal jogo treino com a Fukurodani serviria bem para ter uma comparação, seria bom se eu conseguisse filmagens oficiais de outros times também. Inúmeros pensamentos passavam na minha cabeça enquanto deixava garrafas e toalhas prontas.

Obviamente não estava isenta dessa tarefa, o líbero reserva Shibayama, foi fundamental na minha integração com essa parte. Sem falar que era uma boa companhia, me peguei rindo um momento ou outro em sua companhia.

— Acabamos! — ele indicou o banco onde tudo estava arrumado.

— Obrigada pela ajuda, e desculpe por atrapalhar seu treino.

— Não se preocupe senpai, estou no descanso entro apenas na próxima rodada.

— Nesse caso estarei olhando de perto — ele ficou corado e virou para o outro lado.

O apito soou indicando a pausa, vi então a minha chance, me aproximei diretamente de Yaku lhe entregando a toalha. Ele me olhou por um segundo estranhando, mas agradeceu.

— Você é um ótimo líbero — comentei — se coordena perfeitamente com os bloqueios sem deixar pontos aberto na quadra.

— É um grande elogio vindo de você — respondeu sorrindo —, afinal eu sou o guardião da Nekoma.

— Sua confiança é grande, mas é proporcional as suas habilidades. Estou ansiosa para trabalhar com você Yaku-san — estendi minha mão para ele.

— Igualmente Calli-chan — ele devolveu meu gesto.

— O apelido parece ter pego de verdade — suspirei, essa eu não teria como vencer.

Confuso, o líbero tombou a cabeça — Na verdade, foi o Kuroo que disse para te chamarmos assim.










N/A: Estamos de volta! Agora para ficar e com atualizações regulares.

Lembrando que é um crossover com Immortlas (a fic do Bokuto) então vale a pena acompanhar as duas. Ainda mais que serão atualizadas juntas.

Obrigada por me esperarem, estou feliz de voltar a escrever com Haikyuu com frequência e também pra dar continuidade nessa história. Uma vez que foi a primeira do perfil e agora está sendo reescrita com mais profundidade.

Já aviso que a previsão é ficar bem mais longa que a versão de 2017.

Vamos juntos, todos juntos!

Até a próxima! Xx

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