Meliante





— Faz um tempo que parecemos não ter um dia normal.

Meu corpo estava virado na cadeira, as pernas no corredor entre as carteiras do aluno deitado com a maior parte sobre a carteira de Aoi. A garota tinha os dedos nos meus cabelos fazendo pequenas tranças entre os intervalos de aula.

— Realmente — disse puxando mais mexas —, parece que faz séculos que não nos encontramos. Mas é natural, afinal vocês tiveram algumas semanas intensas de jogos por aí.

Sobre isso, Aoi estava absolutamente certa, durante o período de pelo menos um mês tudo que fizemos foi focar em vôlei. Apenas agora que todo frenesi passou, foi que começamos a voltar à normalidade.

Respirei fundo sentindo meu corpo relaxar por um momento, contra todas as minhas vontades, me levantei antes que dormisse ali mesmo e levasse uma bronca do professor da próxima aula.

— Ah, eu não terminei ainda — Aoi reclamou das tranças semi feitas com um bico.

Ergui a mão para apertar sua bochecha — Deixo você brincar com meu cabelo depois, caso contrário vou dormir aqui mesmo.

Ainda que contrariada, Aoi riu, batendo a minha mão para o lado, fingindo não querer mais olhar no meu rosto. Isso só me fez querer brincar com ela mais, segurando seu rosto entre as mãos apertando suas bochechas.

Minha amiga foi salva pelo professor que entrou na sala, me forçando a sentar da maneira certa na cadeira e virar para frente. Antes de o fazer, não perdi a oportunidade de ver Tetsurou no fim da fileira.

Ele piscou um olho e apontou para o cabelo fazendo um sinal de positivo, claramente mandando uma mensagem sobre o projeto de penteado de Aoi. Balancei a cabeça e levantei as mãos para os fios desfazendo as tranças.

Era um dia de estudante da forma mais normal possível, minhas anotações melhoraram consideravelmente considerando o início das aulas, embora ainda escrevesse em italiano apenas por costume. Me sentava ao lado da janela e ocasionalmente ainda me perdia olhando para além dela, ou gastava tempo desenhando no fim do caderno coisas sem sentido.

Aquele dia em especial foi escolhido para ter uma manutenção no ginásio, o que acabou deixando todos os jogadores, e também eu, sem ter treino. Alguns apenas voltaram para casa mais cedo, mas aqueles que geralmente ficavam relacionados para o jogo combinaram em ir num fliperama.

— Faz quanto tempo que não vamos? — Yaku passou seu bilhete para entrar no metrô.

— Provavelmente desde o segundo ano — Kai respondeu —, não acho que fomos esse ano ainda. Pelo menos não juntos assim, Kenma deve ter ido uma vez ou outra não.

— Sim — respondeu o levantador —, quando tem algum evento interessante.

Passei pelas catracas ajustando o casaco, me lamentando que não tinha mais uma camada de roupa, andei com os garotos até a plataforma e logo o transporte veio. Não tinha lugar para sentar, mas encontrei um local para encostar próximo à porta. Tetsurou ficando na minha frente e o restante dos meninos também por ali.

— Está bem? Parece meio pálida — perguntou preocupado.

— Sim, só um pouco de frio — esfreguei minhas mãos nos braços. — Subestimei o clima hoje, devia ter pegado um casaco a mais.

— É porque não tem nada no pescoço — Kenma comentou indicando o próprio cachecol, quando reparei diversas pessoas estavam com o pescoço coberto. Não sabia dizer a lógica deles, contudo, vendo que muitos eram adeptos, acreditei nas palavras do levantador.

— Vou deixar um na bolsa.

Tetsu que estava na minha frente puxou a bolsa para o lado tirando de dentro um pano de cor preta cuidadosamente dobrado, em seguida deu um passo para frente passando ele no meu pescoço. O tecido fofo tinha o mesmo cheiro do meu namorado pela manhã calmo, reconfortante, servindo como um acalento contra o frio. Até então, eu não havia percebido como a pele estava fria, ganhando um arrepio quando foi protegido. Se eu pudesse, teria me afundado ali mesmo.

— Melhor? — Tetsurou segurou meu rosto entre as mãos.

Balancei a cabeça afirmando.

— Pode ficar com ele — disse o moreno voltando a sua posição original.

Deixei um riso escapar da minha boca — Como se eu não fosse ficar de qualquer jeito, mas é legal ter a permissão para fazer isso e não precisar efetivamente roubar.

O capitão balançou a cabeça — Quem diria que a antiga capitã da seleção italiana teria tendências cleptomaníacas.

Pisquei um olho para ele e dei um passo para frente abraçando sua cintura enquanto o mesmo ainda segurava o apoio do trem. Ali, estávamos no nosso próprio mundo, apesar dos meninos estarem ao redor, nenhum deles parecia estar prestando muita atenção em nós dois.

— Está dizendo que eu não roubei seu coração? Está me iludindo desde o começo Tetsurou?

O garoto passou um dos braços nos meus ombros abaixando a cabeça para falar em tons mais baixos — Eu teria entregado ele de qualquer jeito, então não entraria como roubo. Mas costuma roubar meus pensamentos com frequência se isso te faz sentir mais perigosa.

Bati de leve na sua costela, não tivemos muito tempo para sermos exatamente namorados nos últimos meses, nem mesmo nossas usuais provocações tiveram muito lugar. Eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, tantas prioridades que mutuamente de maneira natural ficamos mais afastados.

Nossos momentos eram silenciosos, andando para a escola pela manhã ou voltando de lá exaustos depois dos treinos.

Ergui meus olhos para os seus, havia um brilho divertido neles mas também provocação.

— Perigosa? — me aproximei de seu ouvido. — Vou dizer qual é a próxima coisa que vou roubar de você.

Apertei sua cintura, um pouco mais abaixo do que o comum para uma brincadeira. Nisso Tetsu reagiu num susto, seu rosto ficando corado imediatamente com uma feição surpresa, ele me encarou com certo desespero como se estivesse tentando decifrar a verdadeira intenção das minhas palavras.

— O que aconteceu? — Yaku que estava do outro lado se virou.

— Um inseto — respondi passando as mãos na frente do uniforme do capitão, como se estivesse tentando me livrar de algum bichinho. Porém, o sorriso no meu rosto era bem sugestivo. — Já foi embora.

— Junto com a minha sanidade — reclamou o capitão, me fazendo rir.

Para a sorte dele, a estação que devíamos descer se aproximou e eu não tive muito mais tempo de brincar. Apesar de tudo, ele não é meu primeiro namorado, mas sou a primeira dele, não precisamos correr com nada, apenas aproveitar os momentos.

— Vamos fazer cada um por si, ou vamos fazer times? — Kai perguntou.

— Voto por times — Tora disse —, nem todos são bons. Se eu ficar por último não vai ser bom para a minha autoestima, então quero ficar junto do Kenma.

Ria alto e falei — Sua sinceridade é apreciada Tora, acho que times é mais divertido também. Podemos apostar algo para os perdedores fazerem.

— Pagar a conveniência depois — Yaku apontou para uma loja na lateral do fliperama repleta de neons. — Eles têm muita coisa gostosa e como hoje é folga, vamos aproveitar.

— Estamos num número alto, é melhor fazermos duplas, assim podemos usar máquinas diferentes e somar tudo depois. — Shibayama comentou levantando a mão.

— É uma boa — concordei —, bom Kenma e Tora já são uma dupla.

— Eu não concordei com isso.

— Kenma! — Tora reclamou e passou o braço por cima do ombro do levantador. — Somos uma dupla sim.

Pulei me afastando até Kai e segurei seu braço — Somos outra dupla, vocês todos podem se matar sendo competitivos enquanto nós damos risada.

Meu amigo concordou — Sim, parece bom.

Shibayama puxou um caderno de anotações e começou a escrever as duplas dando um resumo no fim. Kenma e Taketora, Kai e eu, Shibayama e Fukunaga, Lev e Inuoka e por fim Kuroo e Yaku.

— Ah esses dois vão se matar antes mesmo de jogar — comentei e ri em seguida —, melhor para nós. Já vou começar a pensar no que comer.

Kai simplesmente concordou e começou a me dar um panorama completo do cardápio, juntamos as fichas e organizamos um pequeno campeonato chaveado. Passamos por máquinas de jogos de luta, corrida, pinball, até mesmo tiro numa máquina com temática de apocalipse zumbi. Entre risadas e brigas por pontuações, Kenma e Tora ficaram em primeiro lugar, Shibayama e Fukunaga em segundo, Kai e eu pegamos a terceira posição.

— Espero que estejam com as carteiras.

— Ah, fala sério, como você pode ser tão ruim assim? — Yaku reclamou.

— Diz aquele que só sabe apertar um botão — Tetsurou rebateu —, em jogos de luta existem combos, sabia?

O líbero deu um passo para frente — Você estava atirando no céu! Não tem moral nenhuma para falar do meu combo de luta, e todo mundo sabe que o chute é melhor. Por que vou usar outro movimento?

— Eles vão ficar nisso para sempre — comentei —, podemos ir comer, né?

As bolsas estavam separadas num canto, então abri a de Tetsurou e procurei sua carteira dentro. Já que ele estava ocupado demais discutindo com Yaku.

— Vamos lá crianças, hoje o capitão paga!











N/A: Obrigada por ler até aqui! 

Até mais, Xx!!

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