Capítulo 12
Olhei para o céu e respirei profundamente. Aquelas nuvens escuras pareciam carregar meu passado, as águas quando caiam e vinham de encontro com minha pele era como se despejassem tudo em mim. Acelerei os passos para chegar rápido ao meu destino e as primeiras gotas começaram a cair. Foram aumentando e aumentando. Quando percebi estava correndo sentindo algo quente massagear minha face. Ofegante parei em frente a uma loja de brinquedos, para me proteger da chuva.
A rua estava escura, ou meu coração estava angustiado demais?
Fechei meus olhos e tentei regularizar minha respiração.
Pude ouvir a voz da minha antiga psicóloga:
"Suas lembranças ruins, não foi a chuva que causou. A chuva é boa. Ela estava lá te fazendo companhia, você não estava sozinha."
(...)
Minha colega de trabalho chamou minha atenção, dizendo que meu celular não parava de tocar. Antes de ir até onde ele estava, atrás do balcão, prendi meus cabelos.
Quando estava no último toque, atendi sem nem ao menos olhar quem era.
- Alô?
- Olá Rebecca, é a Patrícia. Preciso que compareça à escola.
- Aconteceu alguma coisa?
- Sim. Seu filho, Davi, empurrou um coleguinha. - Respirei fundo passando a mão na minha cabeça. Coloquei o aparelho sobre o balcão, após finalizar a ligação, e cobri meu rosto com as mãos apoiando meus cotovelos sobre a mesa.
- O que aconteceu?
- Davi foi violento na escola.
- Não acredito que aquela coisa fofa tenha feito algo violento.
- Ele pode ser bem difícil as vezes. - Falei em um suspiro cansado.
Meu filho era um amor de criança, carinhoso, atencioso obediente e sensível, no entanto, algumas vezes ele demonstrava alguns traços rebeldes e violentos. Nesses momentos eu busco pensar que é normal todas as crianças serem assim.
- Vai lá. Eu cubro você.
Entrei na escola e logo pude ouvir as vozes e risadas infantis por todo lado, um menino passou correndo por mim, seus cabelos negros pulavam conforme ele corria, era fofo de se ver. Parei em frente a diretoria e bati a porta, após a autorização entrei.
Passei meus olhos pela sala e encontrei a diretora sentada atrás da mesa e a frente dela estava Davi, outro menino e uma mulher, certamente a mãe do outro menino.
- Olá!
- Olá, Rebecca. - Davi levantou os olhos tristes para mim e levantou correndo até mim. Conforme ele veio eu me abaixei ficando a sua altura e o impedi de me abraçar. Segurei ele pelos ombros e olhei em seus olhos.
- Davi, o que você fez com seu coleguinha? - Ele abaixou a cabeça.
- Empurrei ele.
- Por que?
- Ele... ele estava rindo de mim e falando que eu não tenho pai por causa da minha cor. - Suspirei olhando para a outra criança presente na sala e depois voltei a fitar meu filho.
Aquela simples palavra junto com os olhos marejados do menino a minha frente havia dilacerado meu coração. Espantei as lágrimas que queriam transbordar e foquei no real assunto da reunião.
- Lembra o que a mamãe falou sobre usar violência? - Ele afirmou. - A mamãe esqueceu, pode repetir?
- Se não gostar quando alguém for mal educado ou machucar você, não faça o mesmo com ele...
- Você gostou do que ele fez com você? - Ele negou com a cabeça - O que sentiu?
- Fiquei chateado.
- Ficou menos chateado depois que empurrou ele? - Negou.
- Então não adiantou, não foi?
- Humhum.
- Irá fazer novamente?
- Não. - Suspirei e fiquei de pé.
- Peço perdão pela atitude do meu filho, sei que nada pode justificar qualquer tipo de ação violenta, no mais, espero que comentários maldosos em relação ao Davi, não ocorram mais! - Conclui fitando a mulher. - Davi, peça desculpas ao seu colega.
- Mas mãe...
- Peça filho! - Ele hesitou por um instante mas logo sua voz foi ouvida.
- Desculpe.
- Peça desculpas a ele também, Lucas. - Falou a mulher.
- Desculpa. - Disse o menino.
- Eu sinto muito pelo que meu filho falou ao seu. Peço que nos perdoe também.
- Contanto que não aconteça novamente, não precisam se preocupar. Afinal, o que aconteceu ficou no passado.
- Pode deixar que quando chegarmos irei conversar com o Lucas, isso não voltará a se repetir.
- Bom, já que tudo foi resolvido. Eu realmente espero que não precisemos nos reunir aqui novamente por esse motivo. Podem ir.
Deixei a sala com Davi ao meu lado, ele estava cabisbaixo, talvez por está arrependido ou por está pensativo com o que o colega falou. Durante todos esses anos Davi nunca perguntou ou se queixou por um pai e eu agradeçia a Deus, todos os dias por isso, pois eu não saberia o que fazer ou falar.
Mas eu sabia que a presença de uma figura paterna é muito importante, contudo, eu ralei muito para que essa lacuna não afetasse meu filho.
Assisti Davi sentar no sofá ainda cabisbaixo, suspirei tirando o casaco e o deixando no encosto do sofá ao meu lado. Eu nunca sabia o que fazer quando ele fazia algo errado, eu me sentia uma péssima mãe por isso.
- Davi? - ele não respondeu, nem mesmo se mexeu. - Olhe para mim! - Dessa vez ele obedeceu. - Você não pode sair machucando as pessoas assim filho.
- Ele me machucou...As coisas que ele falou machucou o Davi.- Sua voz saiu trêmula e baixa, isso foi como uma facada no coração. - Eu não sou colorido...
- Amor, isso não é importante, a cor, ela não diz o que você é, e você é uma criança linda, pura, e muito amada. Eu te amo.
Eu o abracei e beijei o topo de sua cabeça.
- Você é tudo de mais precioso que eu tenho. - Falei quando ele se aconchegou em meus braços.
- Todas as crianças da escola têm um papai... Mas eu não...- Senti meu coração gelar em meu peito e minha mente ficar em branco.
- Você está chateado por isso? - Perguntei com medo da resposta.
- Não. - Ele se afastou e segurou minha mão - Eu não preciso de um papai por que eu tenho a senhora. - Meus olhos se encheram de lágrimas e um sorriso se formou em meu rosto a medida que sentia meu coração se aquecer novamente.
(...)
A noite caiu rápido demais. Estava cansada e o Davi ressentido durante a tarde interia, só melhorou depoisque assistimos o Filme, Madagascar. Ele ama esse filme desde viu um pedacinho no YouTube ano passado.
— Vovó…vovó? — Ela o olhou — Hoje eu assisti o filme do leão com a mamãe. Tinha uma Zeba também. A senhora já assistiu? Quer assistir com a gente? A mamãe pode colocar pra gente, não é mãe? — Minha mãe virou o rosto levando uma colherada de comida à boca. ignorando a criança.
— Quando a tia Kalina chega? — Davi voltou a falar.
— A tarde amor. - Respondi.
— Vai demorar?
— Um pouquinho.
— Quero brincar com ela.
Minha mãe fez o barulho com a garganta e pediu que Davi ficasse quieto. Ele fez bico e abaixou a cabeça voltando a comer sua comida, observei ele levar a colher à boca desajeitada deixando cair alguns grãos de arroz e feijão sobre a mesa. Ele pegou eles com os dedos miudinho e levou a boca e mastigou deixando o bico visível.
— Vovô, o senhor já assistiu o filme do leão? — Davi retornou a perguntar aos sussurros sobre seu filme favorito, mas dessa vez para meu pai.
— Ainda não, Davi.
— É muito bom, eu e a mamãe assistimos.
Novamente levou a comida à boca e respirou profundamente.
Davi me fitou e sorriu pra mim.
Após o jantar, Davi ficou brincando no tapete da sala com seu carrinho, enquanto eu e meus pais estávamos sentados no sofá conversando. Era domingo e dia de folga do papai, para a família estar completa só faltava Karina que havia saído para uma viagem de acampamento que a escola havia organizado.
Na minha época não havia essa história de viagens, mas hoje em dia qualquer oportunidade os professores levam para estudar fora, e é até bom para espairecer um pouco, até porque as aulas são integral.
Após brincar com o Davi na sala, minha cabeça começou a doer. Uma dor irritante e enjoativa, procurei em minhas coisas, algo que ao menos amenizasse a dor mas mas havia acabado. Sai do meu quarto e perguntei à minha mãe que estava na cozinha se ela tinha remédio, felizmente a resposta positiva, retornei ao corredor dos quartos, abri a porta e comecei a procurar o remédio, abri todas as gavetas e não estava.
Suspirei sentindo o lado direito da minha cabeça latejando. Abri as portas do guarda roupa com o pensamento de que minha mãe pudesse ter se atrapalhado, e deixado o remédio no meio das roupas dobradas, como ela sempre fazia. Porém, o que consegui foi que algo viesse de encontro com minha cabeça, por sorte não era nada pesado. Graças a Deus, pois já sentia dor suficiente, não precisava de um galo para acompanhar.
Olhei para os vários papéis e objetos espalhados no chão, e me inclinei para pegá-los. Eram papéis de compras e outras coisas sem importância, mas percebi que havia algumas fotos.
Peguei cada uma do chão e comecei a olhá-las. Tinham fotos minhas quando bebê, e também da Karina, acabei rindo de uma foto em que eu estava com a expressão assustada por alguma coisa que não lembro e também não mostrava na foto. Passei para a seguinte, esse era mais antiga, em um tom amarelado e desgastado, nela estava uma menina com cabelos ondulados e ao lado dela um homem e uma mulher, acredito que sejam seus pais.
- Encontrou Rebecca? - minha mãe apareceu no quarto.
- Não, acabei derrubando essa caixa. - Ela olhou para os papéis e fotos na minha mão.
- São apenas lixos que não tive tempo de jogar fora.
- Ei! Tem fotos minhas e da Ka aqui. - Suas sobrancelhas se ergueram.
- Sério? - Ela se aproxima. - Seu pai deve ter as colocado aí, pois normalmente ficam no álbum de fotos.
- Deve ter sido - Dei de ombros olhando a foto antiga novamente. - Mãe, quem são esses? - lhe mostrei a foto e ela a pegou.
- Ah, essa é minha mãe e meus avós. - Juntei as sobrancelhas.
- Os pais da minha vó? - Ela assentiu. Peguei a foto dela e a analisei.
- Acho que a senhora se enganou mamãe, esse aqui não é o meu bisavô. - Falei rindo incrédula por ela ter se engando e confundido seu proprio avô.
- Quem está enganada é você, acha mesmo que não saberia lhe dizer quem é meu avô? Eu praticamente fui criada por eles, uma pena não termos tantas fotos deles.
- O cabelo do homem nessa foto é evidentemente preto. - Falei confusa.
- E daí? Ele era jovem nessa foto.
- Não, mas o bisa é albino. - Ela juntou as sobrancelhas.
- Não, ele era um pouco moreno filha. De onde tirou isso?
- A vovó disse que meu bisavô era albino, e que foi dele que o Davi herdou o albinismo...- Eu estava totalmente confusa, mas lembrei que ela não citou qual dos meus bisavôs eram albino. - Talvez seja o avô do meu pai...
- Não. Eu os conheci, seus avós paternos não eram albinos, e tenho quase certeza que ninguém da minha família ou do seu pai, era albino.
- Então...- Minhas voz morreu a medida que a ficha caia e olhei para minha vó com os olhos arregalados. Ela parecia ter entendido meu conflito interno.
- Ela mentiu Rebecca...
- Mas...
- Filha, eu avisei...várias e várias vezes. Dessa vez me ouça, coloque aquele garoto em um orfanato e siga sua vida. Recomece filha. - Levantei meus olhos, totalmente incrédula com sua fala.
- Por Deus mamãe, que absurdo! Isso não vai mudar a minha relação com meu filho! - Guardei as coisas dentro da caixa e coloquei a mesmo de volta no guarda roupa.
- Eu só quero seu bem!
- Se quer o meu bem não me diga coisas absurdas!
Minha mãe iria responder porém um barulho vindo de baixo chamou nossa atenção. Passei por ela descendo as escadas, minha mãe vinha logo atrás.
Chegando na sala encontrei Davi perto de um jarro quebrado no chão. Assim que ele me viu ficou em pé com as mãos para trás e cabeça baixa.
- O que você fez?! - Minha mãe praticamente gritou atrás de mim. - Não falei para ter cuidado com minhas coisas, garoto!
- Mãe...
- Como quebrou meu jarro, seu pestinha?! - Ela tentou avançar no meu filho mas eu a segurei.
Vi quando Davi se encolheu e um biquinho se formou em seus lábios, não aguentei e fui ao seu encontro me ajoelhando em sua frente. Ele agarrou meu pescoço escondendo o rosto quando começou a chorar.
- Você fica acobertando as coisas que ele faz Rebecca, por isso ele é do jeito que é! - Eu sabia que ela estava se refeferindo a briga do Davi na escola. - Se você não ser mais firme com ele, um dia se tornará com o pai.
- Não o compare com aquele homem, mamãe.
- Só estou te alertando o óbvio, começa assim bantendo nos coleguinhas, quando menos pensar você terá criado um marginalzinho.
- Ele só estava se defendendo.
- As coisas não se resolvem a base de violência.
- Mas parece que você deseja a todo momento usar a violência mamãe, ou você acha que não percebi, que a poucos minutos você quis avançar sobre meu filho, por causa de uma porcaria de gesso! Mas mamãe, o Davi é apenas uma criança que não sabe o que faz, ao contrário de você, que é uma mulher adulta e que sabe muito bem o que faz e o que diz, então por favor, apenas cale a boca! - Ela arregalou por ter a mandando calar-se. - Não grite com meu filho. E não tente avançar sobre ele novamente.
Tentei afastar o Davi mas ele não me soltava.
- Amor, eu vou pegar a Botãozinho para brincarmos lá em cima no quarto, ok?
Senti quando ele balançou a cabeça, e se afastou. Meu coração apertou por ver seu rosto vermelho e as bochechas molhadas, levei meus polegares enxugando suas lágrimas e beijei a pontinha do seu nariz. Seus lábios novamente formaram um biquinho.
- Não chore mais amor, você não fez nada demais tá bom? - Ele balançou a cabeça.
As coisas que minha mãe falou me deixaram triste, e com raiva. Como ela podia ser tão fria ao ponto de mandar eu largar meu filho no orfanato? Nem parecia minha mãe ali. Essa discussão só me vez ter certeza que eu precisava urgentemente encontrar um apartamento para mim e meu filho.
Olhei para Davi que estava quietinho ao meu lado na cama, com os restos do jarro mas mãos, ele estava triste e não conversaria comigo por hora.
- Filho, vamos jogar isso, você se cortar. - Apontei para os restos do vaso.
- Eu quero consertar para minha vovó. Me ajuda, mamãe? - Suspirei e sorri afirmando.
- Vou pegar a cola.- Ele assentiu.
Procurei nas gavetas onde deixava a cola que eu costumava usar para colar algo pois era bastante resistente.
Davi já estava com os cacos do vaso sobre o chão do quarto.
Era como um quebra cabeça com poucas peças, fomos colocando cada uma em seu lugar até não sobrar uma. Não ficou perfeita pois faltavam alguns pedacinhos e também a cola ficava visível, mas alegria nos olhos do Davi por ver o vaso "inteiro" novamente era sem igual.
Eu estava sorrindo, mas estava preocupada pois ele iria querer devolver para minha mãe e temo pela reação dela, tenho certeza que não irá aceitar e isso deixaria o Davi muito chateado...
Suspirei e olhei Davi que estava ainda fitando o vaso em cima da mesa.
- Que tal um banho?
- Não quero tomar banho!
- Mas tem que tomar, vamos! - Ele fechou a cara cruzando os braços mas mesmo assim me deixou levá-lo ao banheiro.
Depois que Davi saiu do banho e se vestiu, eu entrei no banheiro para me banhar também. A água estava gelada, mas não era ruim, pelo contrário, parecia estar no ponto certo para levar todo cansaço do meu corpo. Eu gostava do banho, era o momento onde me pegava pensando no que fiz e no que ainda iria fazer.
Quando sai do banho encontrei Davi sentado no tapete do quarto fazendo carinho na Botãozinho que dormia tranquilamente em seu colo.
- Está com fome? - o garoto afirmou freneticamente ficando de pé com a gata em seus braços.
- Quero sanduíche. - Ele falou e eu sorrio pondo minhas mãos em seus ombros andando atrás dele até a cozinha.
Passamos por meus pais que assistiam televisão no sofá da sala. Davi soltou a Botãozinho e enquanto eu preparava o sanduíche a gata veio até mim miando e se esfregando em minhas pernas. Afastei ela pro lado com minha perna direita para não correr o risco de tropeçar nela como já aconteceu algumas vezes, porém ela voltou fazendo o mesmo.
- Vem Botãozinho, não atrapalhe a mamãe que eu estou com fome! - Davi falou pegando a gata novamente em seus braços, ela soltou longo, e alto miado como se não tivesse gostado da atitude do Davi. - Shiiu! A mamãe vai preparar sua comida também, não é mamãe? - Sorrio afirmando - Viu Botãozinho, não vamos atrapalhar.
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