Capítulo 2

Após o senhor Otávio, mordomo da família Walker, anunciar que estava na hora do jantar, o tumulto começou. Era um entra e sai da cozinha que minha cabeça já estava começando a ferver. Penélope não parava de falar um segundo ao meu lado, enquanto mamãe e mais dois empregados discutiam sobre algo relacionado às taças de vinho mal polidas.

Suspiro aliviada quando finalmente fico sozinha. Dona Gianna nunca me deixava servi-los à mesa, como os outros empregados. Confesso que estranhei no início, até me senti um pouco excluída, mas tempos depois agradeci por isso.

A cozinha está brilhando, e já não há mais o que fazer. Agora é com os demais. Retiro o avental e o levo para a lavanderia. Mais uma vez me pego pensando em como aquela paisagem externa me traz boas memórias. Apoio-me no peitoril e solto um suspiro nostálgico.

— Sabia que iria te encontrar aqui.

Prendo a respiração e arregalo os olhos, sem os desviar do jardim. O que eu menos queria era vê-lo esta noite. Não estava preparada para isso. Foco minha visão para o reflexo interno da janela. Vejo sua silhueta há menos de dois metros de mim. Uno forças para me virar e finalmente encará-lo.

— Oi, Alice! — seu olhar intenso me deixa um pouco desconsertada, mas não consigo desfazer o contato. — Estava pensando em fugir novamente? — pelo visto eu não sou a única que tenho recordações deste lugar...

— Oi, Oliver! — digo baixo, após pigarrear e recuperar a voz. Ele não havia mudado tanto desde a última vez que nos vimos. Contudo, o cabelo está um pouco maior e menos bagunçado. O maxilar quadrado lhe dá um ar mais maduro e bem másculo. Fito meus pés, completamente constrangida. — Como vai?

— Muito bem! E você?

— Também! — ele ri pelo nariz, o que me faz erguer a cabeça. — O que?

— Você não muda! — agora o sorriso está ali. O mesmo sorriso que me deixou perdidamente apaixonada por ele há três anos, quando percebi que o meu coração não o via apena como um amigo. — Continua a mesma garota envergonhada.

Confesso que seu comentário me deixa um pouco incomodada. Não sei se pelo fato de ele pensar que eu não tenha mudado, ou por ter me chamado de garota. Não sou mais a adolescente de 15 anos, em poucas semanas completo 19 anos.

— Esta sou eu! — dou de ombros. Seu sorriso é desfeito.

— Me desculpe, eu disse algo que te chateou?

— Nada de mais! — meneio a cabeça e passo por ele. — Tenho que ir agora.

— Ei! — sua mão toca a minha e eu derreto internamente. Talvez eu continue sendo a mesma garota de antes, pelo menos a mesma garota apaixonada. — Não está feliz com o meu retorno? — a preocupação toma conta do seu rosto. Oliver sempre foi muito expressivo e totalmente transparente em suas emoções. Solto um suspiro e me permito sorrir.

— Estou feliz que tenha voltado. De verdade! — Minhas palavras fazem seus ombros relaxarem e a sombra de um sorriso aparecer.

— Eu também! — Oliver afasta sua mão e a enfia no bolso da calça. — Nos vemos por aí?

— Sim! — confirmo com a cabeça. — Boa noite! — digo dando as costas para ele e indo para a saída dos empregados.

— Boa noite! — escuto-o antes da porta se fechar atrás de mim.

Pressiono os olhos e controlo as emoções, que estão à flor da pele.

— Oliver, querido, o que faz aqui? — escuto a voz de mamãe vinda do interior da casa. E essa é a minha deixa para sair correndo dali. Chego em nossa casa, que fica em uma das extremidades da enorme propriedade, em poucos minutos.

— O que faz em casa uma hora dessas? — dou um pulo ao ouvir a voz do meu pai. Ele está sentado em sua poltrona marrom segurando uma garrafa de cerveja em uma das mãos e o controle da TV na outra. Ainda veste o uniforme de chofer. — Não tem trabalho para fazer, menina?

— Já cumpri com minhas obrigações, papai. Aproveitei que terminei mais cedo e resolvi vir estudar.

— Estudar... — resmunga, apoiando o controle no braço da poltrona. — Você insiste nessa conversa.

— É o meu sonho! Eu quero me tornar uma Engenheira. — sento no sofá ao seu lado — Não serei uma empregada para sempre.

— Você percebe que isso é impossível?

— Por que é tão difícil acreditar que sou capaz? — apoio os cotovelos nos joelhos e me inclino em sua direção. Ele desvia os olhos da televisão e me encara com ceticismo.

— Só porque acha que sabe consertar alguns motores aqui e outros ali, não significa que será uma engenheira! Se eu fosse você, me contentaria com o que tem hoje. — diz levando a garrafa à boca.

Meus olhos ardem. Fecho as mãos em punho e me coloco de pé.

— E se eu fosse o senhor, pararia de beber, caso contrário perderia o seu emprego. — dou as costas para ele, já enxugando as lágrimas.

— VOLTE AQUI, SUA GAROTA INSOLENTE! — entro no quarto e bato a porta com força, trancando-a em seguida. Como imaginava, ele veio atrás de mim fervendo de raiva. — ABRA ESTA PORTA!

Corro para cama e me jogo no colchão. Ele esmurra a madeira e continua gritando. Abafo o barulho com o travesseiro.

— O que está acontecendo, Robert? — minha mãe pergunta com um tom de pavor na voz.

Sento-me na cama com os olhos arregalados e uma pontada de culpe atrelada ao arrependimento.

— A CULPA É DESSA GAROTA ABUSADA E RESPONDONA QUE VOCÊ CRIOU! — grita. — EU SOU O HOMEM DESSA CASA E NINGUÉM ME RESPEITA, DROGA!

— Para onde está indo? — ouço as vozes se afastando. — Não faz isso, Robert! Você trabalha amanhã!

— Me deixa em paz! — diz, então ouço a porta de casa bater com força, fazendo as paredes estremecerem.

Corro para a janela do quarto e afasto um pouco a cortina, a tempo de vê-lo entrando no carro. Observo-o se afastar, até o veículo sumir de vista. Sento-me na cama e fito minhas mãos.

— Alice?

Levanto-me e destranco a porta. Assim que a vejo, me jogo em seus braços.

— Me perdoe, mãe! — fecho os olhos com força. — A culpa foi toda minha! Eu não consegui me controlar. Ele disse de novo que eu não irei conseguir, mãe!

— Querida, o seu pai tem estado muito estressado nos últimos meses. Tenha mais paciência.

Afasto-me e fito seus olhos, com o cenho franzido.

— Como pode ser assim, tão paciente e amorosa, com um homem que só te faz sofrer? — aponto para a janela. — Ele não te merece, mãe! Esse homem é...

— Alice Green! — diz com autoridade — Esse homem continua sendo o seu pai e merece respeito. Você querendo ou não! — respira fundo e passa a mão pela roupa. — Além do mais, a bíblia diz que devemos honrar o nosso pai e nossa mãe para que os nossos dias na terra se prolonguem.

— Bíblia, bíblia e mais bíblia! — Não altero o tom de voz, mas me sinto exausta. — Estou cansada disso tudo! Sempre fomos mulheres fieis e tementes a Deus. Mas pra quê? Pra vivermos uma vida como essa? — nego com a cabeça. — Ele se esqueceu da gente, mãe! Ele não parece se importar com o nosso sofrimento ou nossas necessidades!

— Que o Senhor te perdoe pelo que acabou de dizer! — me puxa para a cama. — Filha, eu sei que o que estamos vivendo não é um conto de fadas. Mas Deus tem estado no controle das nossas vidas, querida. Se revoltar contra Deus não irá resolver os nossos problemas. Pelo contrário, ele é o único capaz de resolvê-los.

Viro o rosto, envergonhada.

— Perdão! — digo para os dois. — Estou sendo completamente estúpida!

— Você está cansada, magoada e ansiosa. Mas precisa confiar em Deus. Ele não lhe fez uma promessa? — assinto. — Então confie nas palavras do mestre! Você será uma excelente engenheira mecânica, meu amor. A melhor de todas!

— Eu creio!

— Mas lembre-se que tudo isso deve ser para a glória de Deus, sempre! — beija o topo da minha cabeça. — Agora tome um banho e venha comer algo. Irei preparar macarrão com queijo para a gente.

— Está bem! — ponho-me de pé — Obrigada, mãe! Eu te amo!

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