Capítulo 1

— E aí? Conseguiu? — Jully pergunta com expectativa ao voltar do closet com uma toalha enrolada no cabelo. Basta apenas olhar em meu rosto para saber a resposta. — Lice, fique tranquila! Tenho certeza que irá conseguir.

— Mas eu não tenho tanta certeza assim... — saio do meu e-mail, sentindo a frustração voltando aos poucos. — Quer que eu desligue o notebook?

— Não. Preciso terminar o trabalho do colégio. Sabe como é o último ano. — sorri triste.

— É, eu sei. — levanto-me e vou até a porta do quarto.

— Lice? — viro o rosto em sua direção. Ju se aproxima e segura minhas mãos com delicadeza. — Não perca a esperança! Deus é com você, amiga!

— Tentarei! — aperto de leve suas mãos. — Obrigada por sempre estar ao meu lado!

— Melhores amigas são para isso! — alarga o sorriso, revelando seus dentes perfeitamente alinhados devido o aparelho usado até o meado do ano passado.

— Bom, preciso ir. O trabalho me espera! — forço um sorriso e finalmente saio do quarto.

O corredor está vazio, como costuma estar desde os últimos anos. O ambiente parece frio e um pouco morto. Não apenas pela ausência das crianças arteiras que cresceram e aos poucos foram tomando um rumo em suas vidas, mas também pelo piso em mármore branco, e pelas paredes, igualmente brancas, emolduradas por boiseries. O que salva são as arandelas clássicas, irradiando luz amarela, trazendo um pouco de aconchego. Apenas um pouco.

Ao fim do corredor, olho de um lado para o outro. Percebendo que não há ninguém, desço a enorme escada helicoidal, também revestida pelo mesmo mármore Carrara, que se destaca graças ao belíssimo corrimão preto desenhado com formas orgânicas.

— Alice, onde você estava, menina? — dona Abigail pergunta com histeria ao me ver entrando na cozinha.

— Estava vendo algumas coisas. Me perdoe por ter sumido do nada. — digo cabisbaixa. Pego o avental na despensa e o visto sem muita animação.

— Se dona Gianna tivesse te visto... — fecha os olhos e une as mãos na altura do peito. — Não quero nem imaginar o escândalo que seria.

Limito-me a ficar calada e retomar o meu trabalho na cozinha. Escolho alguns legumes e os descasco na ilha central. Abobrinhas, berinjelas, cebolas, tomates, pimentões, tudo o que preciso para fazer um delicioso ratatouille. Pedido especial da patroa. E um dos pratos favoritos dele.

Solto um suspiro. Isso acaba chamando a atenção da minha mãe.

— Alice, o que há de errado? — deixa os manjericões de lado e vem ao meu encontro. — É a faculdade, não é? — só em trazer à memória esse assunto, meus olhos enchem de água. — Ô, minha filha! — envolve-me em um abraço maternal. O abraço que mais me consola no mundo. — A resposta foi negativa?

— Não, mãe! — enxugo as lágrimas. — Queria eu, ao menos, ter uma resposta. — ela se afasta e me olha com compaixão.

— Aquieta o teu coração! Você se esforçou tanto, estudou, orou. Fez a sua parte! Agora deixe Deus fazer a dele.

— É tão difícil espera. E olha que eu não sou uma pessoa ansiosa. — ofereço um sorriso, tentando tranquiliza-la com o meu "bom humor". Mamãe tem problemas demais na cabeça, não quero ser mais um fardo. — Fique tranquila, foi uma tristeza momentânea. Não irei me abalar. Prometo! — pego suas mãos, beijando-as.

— Dona Abigail! Alice! — Penélope, uma jovem um pouco mais velha que eu, entra correndo na cozinha, e quase derruba alguns legumes ao se apoiar na ilha.

— O que foi, garota? Quer nos matar do coração? — a mulher ao meu lado coloca uma das mãos no peito.

— Vocês não vão acreditar quem virá esta noite! — arregala os olhos e tapa a boca com uma das mãos.

— Provavelmente algum político importante, amigo do senhor Charles. — volto a cortar as berinjelas.

— Está muitíssimo enganada, amiga! — apoia as duas mãos no mármore da bancada e me olha com um sorriso lateral. — Parece que o senhor Oliver voltará!

— Ai! - solto um gemido ao sentir o facão arrancar um pedaço da pele do meu dedo.

— Alice! — deixo a faca de lado e coloco o pano, oferecido por minha mãe, na ferida. — Menina desastrada! Vou pegar o kit de primeiros socorros. — assinto sem olhá-la sair da cozinha. Ergo a cabeça e encaro os olhos esbugalhados de Penélope.

— Ele voltará? — ela franze o cenho, não compreendendo. — Oliver! Quer dizer, o senhor Oliver, Penélope! Ele voltará?

— Ah! Sim! — olha para a entrada da cozinha e volta a falar, dessa vez mais baixo. — Eu nem acredito que finalmente irei conhecê-lo, Lice! Estou ansiosa! Todos falam tão bem dele. Nas fotos ele parece tão lindo e...

Poro de ouvi-la, no momento em que ela confirma sobre o seu retorno. Oliver está voltando! É inevitável conter o sorriso.

— Lice? — Penélope balança a mão em frente ao meu rosto. — Está me ouvindo?

— Perdão! Dei uma viajada. — encaro minha mão. Fico completamente arrepiada ao perceber o estado do tecido, que outrora era branco como a neve. Não suporto ver sangue. E isso inclui o meu.

— Me deixe dar uma olhada nesse pequeno estrago. — diz dona Abigail retornando. Ela pega minha mão, sem um pingo de delicadeza, e retira o pano de prato.

Viro o rosto para o lado e fecho os olhos com força. Sinto a ardência no machucado à medida que o curativo é feito.

— Pronto, está limpo e protegido! — comenta antes de ordenar. — Agora tire esse avental, coloque para lavar e pegue um novo. O tempo está correndo e tudo o que Penélope sabe fazer é ficar fofocando por aí.

— Que absurdo, dona Abigail! Eu estava fazendo o meu trabalho quando ouvi sobre a volta do filho mais velho dos Walker. — a garota se defende.

— Por que a Clarissa foi ficar doente logo hoje? — a mas velha resmunga e volta aos seus afazeres.

Deixo as duas discutindo e vou para a lavanderia. Através da grande janela da área de serviço, avisto o grande quintal, onde um dia fora uma espécie de parque de diversões para nós e o cenário de muitos momentos marcantes. Hoje, porém, as lembranças vieram com mais força.

Sacudo a cabeça, espantando tais pensamentos, e volto para a cozinha. Penélope, desta vez, faz seu trabalho de forma correta. Apesar de doidinha, e muito fofoqueira, ela é uma boa pessoa. Sorrio com tal pensamento, e começo a cortar os legumes.

***

Com o estômago embrulhando, saio da cozinha e sigo para a sala de jantar, sendo acompanhada por Penélope. Ela tagarela ao meu lado acerca do tal filho mais velho. Precisei ser ainda mais paciente para não pedir que ela se calasse. Tudo o que eu mais quero é fazer o meu trabalho com perfeição e sair o mais rápido daqui, sem ser vista por ninguém.

— Irei pegar as taças! — minha colega de trabalho diz dando meia volta e saindo do cômodo.

Arrumar a mesa era uma terapia para mim. Gostava de pôr cada talher em seu devido lugar, assim como as taças, copos e pratos. Mas de todas as partes de montar uma mesa posta, escolher as decorações é a minha favorita.

— Alice! — olho para os dois lados antes de voltar minha atenção para Jully, que entra correndo, sem perder a elegância.

— O que faz aqui? — pergunto baixo, apoiando um guardanapo de tecido na mesa.

— Eu tenho uma grande novidade! — ela está eufórica. Os olhos brilham e o sorriso mal cabe no rosto. Só poderia significar uma coisa.

— Oliver está voltando! — digo e ela afirma diversas vezes com a cabeça. Só faltava pular.

— Sim, meu irmão está voltando e... — para de falar e me olha com desconfiança. — Pera aí, como você sabe disso? Eu mesma acabei de ficar sabendo.

— As notícias correm, Ju! — dou de ombros e volto ao meu trabalho.

— Que seja! — ela aparece ao meu lado segurando dois guardanapos de tecido. — Não ficou animada?

— E por qual motivo deveria ficar? — tento não esboçar nenhuma reação.

— Como assim, por qual motivo? — olha-me com incredulidade. — Lice, será como nos velhos tempos!

— Não seja ingênua, amiga! — pego os guardanapos de sua mão e os coloco no lugar. — Crescemos! As coisas não serão como eram. — ofereço um sorriso triste.

— É sobre o Oliver que estamos falando, Lice! Ele vai fazer ser como era, você vai ver! — cruza os braços e me lança um olhar desafiador.

— Veremos! — contorno a mesa. — Agora me deixe trabalhar em paz, por favor. Se a sua mãe te pega aqui, junto com os empregados, estou no olho da rua.

— Não seja dramática! Sabemos que isso não é verdade! — revira os olhos, mas faz o que peço. — Ops! Perdão, Penélope! — desculpa-se ao esbarrar em minha colega.

— Tudo bem, senhorita Jully! — sorri bobamente.

Ao ficarmos sozinhas, ela arregala os olhos e abre a boca formando um "o" bem grande

— Você viu como ela me tratou? Totalmente diferente da mãe!

— Vigia com as coisas que você fala, Lope! — ela se desculpa e volta a me ajudar. — De qualquer forma, a Jully sempre foi assim. Uma das pessoas mais simpáticas e bondosas que eu conheço. Não faz distinções entre classes ou raças. Ela é incrível! — digo com sinceridade.

— Isso é tão difícil de se ver... — comenta pensativa. — E o irmão? Será que é assim também? — toca meu ombro — Me conta mais sobre ele, você o conheceu!

— Ele também era assim. Mas não o vejo há alguns anos, — fito a imagem de Oliver, um pouco mais novo, na enorme pintura da família Walker emoldurada na sala de jantar. — não faço ideia de como ele está agora.



>>>><<<<



Sejam bem-vindos a mais uma obra ❤️ E aí, como estão as expectativas para esta história? 

Como de costume, as publicações irão acontecer todas as segundas. À medida que eu for escrevendo, talvez faça publicações extras. No mais, espero que goste!! 

Att.

NAP 😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top