Sobre mudar de sala e más primeiras impressões

     Peguei meu almoço, colocando na mochila com cuidado.

— Tchau, Mamãe. — falou com voz infantil meu irmão, se agarrando na mais velha como num abraço.

— Tchau, Tsu-kun. — fez cafuné nele, assumindo uma faceta triste ao me encarar — Tchau, Amane.

     Como sempre, meu peito doeu.

— Tchau, Mãe.

     Meu irmão não falou nada até que virassemos o quarteirão. Não precisava olhá-lo para saber que sorria diabolicamente para mim.

— Não me entregou pro Tsuchigomori, né?

— Não.

— Nem pros velhos, né?

Não.

— Bom menino!

     Travei minha mandíbula pela raiva. Fiz esforço para não sair em disparada e despistá-lo – só pioraria tudo.

— De quem é esse guarda-chuva, Amaneee?

     Senti minhas bochechas ardendo. E me odiei por isso. Ele poderia usar aquilo contra mim.

— ... Uma garota me emprestou ontem.

Uuh, ' gosta delaaa? — cantarolou, a voz carregada de malícia — Pelo jeito, ela é gatinha. ' não achou que uma garota bonita ia gostar de você, né?

     Eu sabia disso desde o início, mas sempre que Tsukasa falava uma verdade, doía mil vezes mais. E senti-me patético.

     Não era porquê alguém foi gentil consigo que ela tem a capacidade de gostar romanticamente de você. E eu não gostava dela nessa intensidade. Nem sabia de sua existência até ontem à tarde.

— Não gosto dela. Nem sei o nome dela.

     Por algum motivo, ele continuou calado até que encontramo-nos com Tsuchigomori no meio do corredor.

— Bom diaa, 'fessor! — cumprimentou meu irmão, a alegria falsa que conquistava qualquer um.

— Bom dia. — olhou para mim, e a intensidade me causou arrepios — A sua sala mudou, Yugi.

     Pisquei com força, atônito.

— Como é que é?

— Te transferimos para a sala "B", começando por hoje.

     Não tive coragem de olhar para Tsukasa. Engoli em seco.

— Por quê? — minha voz saiu por um fio.

     Seu olhar gritava "você sabe muito bem o porquê".

     Mesmo que a sala fosse literalmente ao lado da minha antiga, era assustador. Principalmente porquê Tsukasa poderia achar que eu falei algo e pegar mais pesado a partir daquele momento.

     Paralisei ao chegar no batente da porta. Ver todos conversando e rindo em grupinhos fez-me sentir como um peixe fora d'água.

     Meu estômago fechou com a doce lembrança de quando eu conseguia ter algum amigo. Já faziam mais de três anos.

— (...) Ele é muito gato! Ah, hey!

     Se eu já tinha congelado antes, nem sei em qual estado me encontrava no momento.

     Era a voz da garota do guarda-chuva.

— Você é o garoto de ontem, né?

— Mano, ele ' paralisado! — ouvi uma segunda voz dizer, debochada — Uma estátua de chaveiro!

— Amor, a gente já conversou sobre fazer esse tipo de comentário ... — "repreendeu" uma terceira.

— Veio me devolver o guarda-chuva?

     Extraí energia, coragem e tentei controlar a vergonha que crescia dentro de mim. Virei, evitando encara-la aos olhos — o que, considerando que sou mais baixo que ela, não foi assim tão difícil.

— É-é. E me m-mudaram de sa-la.

     Por que falar com garotas bonitas sem gaguejar tem que ser tão fodidamente complicado!?

— Nossa, no meio do ano? Que esquisito. — um menino loiro e de um brinco brega (dono da terceira voz) comentou, estranhado.

— Foi porquê você queria ver minha fofura pessoalmente e alimentar suas fantasias pervertidas ..?

     A menção implícita de práticas sexuais me embrulhou o estômago. Quase consegui sentir a mão dele apertando minha cintura com força, o sentimento de nojo crescendo dentro de mim.

Não. E não faço a menor ideia de porquê fizeram isso. — falei com mais rispidez do que planejava.

     Girei-me em meus calcanhares, procurando por uma mesa vaga.

     A pressão invisível em minha cintura apenas se intensificou. O medo deixou meus pensamentos meio nublados. Os olhares dos meus novos colegas de sala queimavam.

     E eu sabia exatamente sobre o que cochichavam e pensavam.

     "O garoto vive machucado. Deve entrar em várias brigas!"

     "Ninguém vê ele nas aulas. ' sempre cabulando."

     "Sempre de recuperação. Suas notas são horríveis ..."

     "Como ele pode ser o gêmio mais velho do Tsukasa? O outro é um amorzinho!"

     "Ele devia ser mais parecido com o Tsukasa."

     Não. Eu me recusava a ser como ele. Eu não podia ser igual a ele. Não tão manipulador, falso, abusivo- ...

— Cara, 'cê 'tá be- ...

     Encostaram em meu ombro. Era parecido com como Tsukasa me segurava ao explicar o que queria de mim ao fim do dia, quando ninguém estava perto para testemunhar ou me salvar.

     Dei um tabefe na mão dele, tropeçando um ou dois passos para longe com os olhos arregalados. Foi o loiro. O de cabelo rosa começou a falar algumas coisas desagradáveis sobre mim, chamando a atenção de todos.

      O desespero tomou conta de mim.

Tchau.

     E saí correndo. Fiquei "escondido" na última cabine do banheiro.

     "Eu revidei. Eu bati na mão dele. E o guri nem fez nada. Ele quis ajudar e eu bati na mão dele. Eu vou acabar revidando do Tsukasa e as coisas vão piorar."

     Segurei o choro. Brinquei com meus numerosos curativos. Contei as rachaduras no teto. Repassei os nomes e as características de minhas estrelas favoritas.

     Até que dois pares de passos entraram no banheiro e bateram à porta da cabine onde me encontrava.

— Cara, é você aí dentro?

     Engoli saliva com dificuldade. Era como engolir vidro.

— Foi mal pelo tapa. Foi reflexo.

— De boas.

— Não precisava se esconder do mundo todo aí no banheiro durante todo o primeiro período por causa de um tapinha, Hanako. — "debochou" o rosado.

     A curiosidade me fez abrir a porta.

— Por que "Hanako"?

— Tem a lenda da Hanako-san do banheiro. — deu de ombros.

— Eu sou o Kou Minamoto. O engraçadinho ali é o Mitsuba, meu namorado.

— Aprecie minha fofura com moderação e sem pensamentos pervertidos.

     Se colocassem "narcisismo" no Google, ia aparecer uma foto do tal de Mitsuba do lado.

— Topa lanchar com a gente?

     Engoli com dificuldade de novo, refletindo.

     Andar com outros alunos ia despistar o Tsuchigomori e até meus pais pelo menos por um tempo. E manter Tsukasa longe durante o período de aula.

— ' bom. — respondi finalmente, o mais natural que consegui.

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