Operação "desintoxicar o BFF" em ação!

     Não sei como não virei uma uva passa de tanto que chorei.

     A Nene continuou me abraçando e fazendo cafuné e dizendo palavras doces mesmo depois que passei a apenas fungar. Quando afastou-se, enxugou cada lágrima com um carinho e cuidado quase maternos.

— Vamos fazer um lanche e depois jogar alguma coisa. Pode ser? — sugeriu, doce.

     Assenti com a cabeça, não confiando em minha própria voz.

     A anfitriã tirou sanduíches de presunto e queijo e limonada da geladeira enquanto colocávamos a toalha sobre a mesa. Passamos o primeiro minuto comendo num silêncio deveras pesado.

— A gente só vai falar pro Tsuchigomori-sensei se e quando ' quiser, Hanako. — falou o Minamoto, sério.

— E a gente vai tomar cuidado com aquele ... pervertido do seu irmão. — "completou" o rosado, provavelmente desistindo de chamar Tsukasa de "filho da puta" ao lembrar que tenho a mesma mãe que ele.

Hey, e se a gente tiver tipo um sinal de cuidado? — sugeriu Nene, os olhos brilhantes de animação — Quando avistarmos o Tsukasa, a gente dá o sinal p'ra tomar cuidado com o que falamos e fazemos.

— ... 'Ceis se dariam a esse trabalho só p'ra ficarem perto de mim? — murmuro, desacreditado.

— Amigos são para isso, não são? — pontuou o loiro.

     Se eu tivesse água o suficiente em meu corpo para ficar de olhos lacrimejantes, eu teria ficado. Mas eu já chorei demais naquela noite.

— A gente podia fazer que nem em A Seleção e mexer na orelha sempre que visse o Tsukasa. Esse é um sinal de cuidado bem discreto. — a loira-platinada retornou ao assunto anterior.

— Todos de acordo? — Minamoto encarou cada um de nós por breves segundos, recebendo assenos positivos com a cabeça — Ok. Hanako, tem alguma coisa que a gente precise saber sobre o seu irmão? Algo p'ra termos cuidado?

     Engoli o sanduíche. Parecia vidro descendo.

— Ele é ótimo em leitura corporal e sabe manipular as pessoas como ninguém. Ele se safa de confusões desde que nos entendemos por gente. Só ... tomem cuidado. De todas as formas possíveis.

— Certo. Agora, vamos aproveitar nossa festa do pijama. Tenta descansar a sua fofura p'ra lidar com o teu irmão. E a gente vai fazer o mesmo. Certo, pessoal? — falou Mitsuba, sorridente.

     Os dois assentiram sem nem hesitar. Não resisti e abri um sorrisinho, também.

— Hora da Skin Care e Verdade ou Desafio! — anunciou a única garota entre nós, correndo para seu quarto — Vo' pôr pijama e pegar a máscara facial e os coisinhos de orelhinhas!

— ... Que merda é "Skin Care"?

— Cuidados com a pele do rosto. Passar máscara e esfolear para chegar perto do meu nível de fofura. — explicou o rosado, animado, catando seu pijama da mochila.

     Travei.

     Vestir o pijama. Era isso que eu tinha que fazer.

     Na frente deles. Expondo meus hematomas e mordidas e ficando ainda mais vulnerável. Os sanduíches protestaram em meu estômago com tal possibilidade.

— Pode se trocar ali naquele banheiro, se quiser. — ofereceu o loiro, tirando a blusa enquanto apontava.

     Assenti com a cabeça, envergonhado apesar de agradecido.

     Troquei de roupa na velocidade da luz. Lavei o rosto para ver se ele desinchava. Quando saí, Nene sentava à frente do casal e estregava uns negócios parecidos com faixas de cabelo.

— Aqui, Hanako-kun. — deu-me uma similar — Vai impedir o seu cabelo de grudar na máscara facial.

     Meu olhar foi da faixa rosa com orelhinhas de gato para o casal, que já tinha as suas em suas cabeças. A de Kou era verde com orelhinhas de dragão e a do Sousuke vermelha com chifrinhos.

     O segundo nomeado sacou um pequeno pote com um conteúdo verde viscoso, pegou uma quantia mediana com os dedos indicador e do meio e pôs-se a espalhar cuidadosamente pelo rosto do namorado. Ambos tinham sorrisos doces e apaixonados.

     Suspirando pesarosamente, coloquei a faixa.

— Deixa que eu passo. — falou Nene, abrindo um potinho parecido.

     Engoli saliva com dificuldade, assentindo.

     Chegou perto o suficiente para que nossos joelhos se tocassem. Pegou uma quantia do produto como Mitsuba o fez. "Pingou" o creme em meu nariz, testa e bochechas. Soltei um murmurinho ao sentir como o negócio era gelado.

     Não fechei os olhos. Observei a expressão concentrada da loira-platinada ao espalhar a gosma verde por meu rosto e como ela colocava a língua para fora.

     Senti minhas bochechas arderem: sua concentração era semelhante a de Mitsuba com Kou.

     Os dois namoravam. Eu e Yashiro, não. E ela jamais ia querer namorar com um pirralho como eu. Eu talvez nem merecesse ser amigo dela.

     Ela era uma estrela brilhante e inalcançável. Eu era poeira espacial insignificante.

— Depois que secar vai pinicar um pouquinho, '? — informou a única garota entre nós, tirando-me de meus pensamentos autodepreciativos.

     Assenti, vendo-a colocar a própria faixa de cabelo (uma anil com uma conchinha de feutro do lado) e prender o resto num rabo-de-cavalo frouxo.

     Não sei exatamente o motivo, mas me irritava não saber passar o negócio nela. "Será que ela ficou chateada comigo por isso?", pensei.

— Aqui a garrafa! — anunciou o Minamoto, colocando dito objeto no chão — Vamo' formar a roda agora?

     Todos obedecemos ...

     ... Em partes: o rosado catou a mochila com seus pertences, colocou onde deveria ser seu lugar na roda e sentou-se no colo do namorado.

— Se cair na mochila, é minha vez. — avisou.

P'ra quê isso? — questionou o loiro, desconfiado.

— Bateu a carência. ' não vai deixar o amor da sua vida, uma criaturinha tão fofa quanto eu, morrer de carência. Ou vai?

     Revirou os olhos, plantando um beijo na cabeça do menor e envolvendo-o em seus braços. O outro apenas aconchegou-se com um sorrisinho mais que satisfeito.

     É nessas horas que eu queria uma namorada, apesar de todos os traumas relacionados a contato físico que o Tsukasa me fez desenvolver.

— Rabanete-chan, verdade ou desafio?

— Verdade.

— O que você faria se o Haruki te pedisse em namoro nos dias de hoje?

— Metia uma joelhada nas jóias dele estilo América Singer.

     Remexi as pernas, como se pudesse sentir uma minúscula parcela da dor que o rapaz sentiria se isso acontecesse. Mas não sentia dó dele.

— Essa é a minha Rabanete-chan! — exclamou o rosado, totalmente emocionado.

— Verdade ou desafio, Kou?

— Verdade.

— Como que ' e o Mitsuba começaram a namorar? 'Ceis nunca me disseram.

— A gente era melhor amigo no fundamental. Daqueles que se gostam e flertam toda hora e não se dão conta, sabe? Daí a Yashiro deu um "acorda p'ra vida" em mim e eu pedi essa criaturinha em namoro num recreio do nono ano.

— Teve flores. E discurso meloso. E ele até me beijou. Fomos p'ra diretoria depois por causa disso, já que ela é meio homofóbica. — suspirou o menor, fazendo biquinho e se aconchegando mais nos braços do namorado — Por isso a gente não pode se beijar ou ficar um pouco boiolinha na escola. É uma merda.

— Achei que eu que tivesse que responder. — falou o maior.

Shiiu! Eu já faço parte da sua pessoinha, não faço? Então, tecnicamente, ' respondeu tudinho.

     Virei-me para a única garota entre nós:

— Eles são sempre gays assim fora da escola?

— Você ainda não viu nada. Eles adoram aproveitar p'ra ficarem boiolinhas fora da escola, onde a diretora não pode punir eles.

     O fato de terem de se segurar de tal maneira na escola, quando muitos outros héteros se pegavam descaradamente nos corredores e ninguém fazia nada, fez meu desconforto evaporar e a raiva ferver em mim.

— Verdade ou desafio, Hanako?

— ... Verdade.

— Qual o seu tipo de garota? Ou garoto. ' que sabe.

     Senti minhas bochechas pegarem fogo.

— P-por que a pergunta?

— Quero poder te encher o saco. — Mitsuba foi sincero, um sorriso perverso estampando seus lábios.

     Engoli em seco, nervoso.

— Bom ... eu gosto de garotas fofas. E que gostem de abraços. Fora isso, acho que não ligo muito. Não sou um cara exigente.

— Olha, eu sei que a gente devia rodar de novo, mas eu ' curioso. Qual é o seu lance com contato físico, exatamente? — questionou o loiro.

— Sabe, eu realmente gosto de abraços e tudo o mais desde que me entendo por gente. O problema é que ... depois do Tsukasa começar com aquilo ... eu meio que tenho o impulso de fugir quando alguém encosta em mim do nada. E eu meio que desaprendi a pedir contato físico. Daí todo mundo acha que eu odeio e assim passei dois anos e meio da minha vida sem encostar em ninguém. E eu sinceramente sinto falta.

     Fiquei surpreso com a facilidade com a qual as palavras saíram. Aquilo era anormal. Um anormal bom, aliás.

— Então se a gente quiser te abraçar é só pedir e avisar que ' aceita? — "resumiu" a loira-platinada.

— Basicamente sim.

Anotado. — sorriu-me doce.

— Verdade ou desafio, Mitsuba?

— Verdade. Capricha aí!

— ... Por que ' vive falando que situações cotidianas parecem pornô? E como você sabe que parecem pornô? — perguntei com genuína curiosidade.

— Longa história curta: quando eu tinha oito anos, a minha mãe tinha comprado uns DVDS de desenho novos e deixado no quarto dela. Eu fui lá e peguei uns que 'tavam esparramados na cama dela. Acabei assistindo uns três filmes pornográficos antes da minha mãe chegar no quarto e desligar a TV.

     Meu queixo caiu em sincronia com os dos outros dois presentes.

— Amor, como assim!? Dessa eu não sabia!

— Ter mãe solteira dá nisso. E eu já "aproveitei" e descobri que sou gay naquela época. Cara, que homem era aquele lá ... — murmurou, chacoalhando a cabeça e olhando para cada um de nós — Falando nisso, como 'ceis descobriram sobre de onde vêm os babys?

— Meu pai assistia vários daqueles filmes antigos que têm piadas de duplo sentido a rodo. Acho que foi daí que eu ganhei uma mente poluída. — "expliquei".

— Você não tem uma mente poluída. — rebateu Kou.

— E tu lê a minha mente p'ra saber?

— Entrei numa fic +18 sem querer quando tinha 11 anos. — falou Nene, as bochechas coradas.

— Na aula de educação sexual do sétimo ano.

— ... Vou mandar uma carta pro Papa te beatificar, Guri.

— O que foi!? Esperava uma história dramática como a desse pervertido aqui!? — apontou para o namorado em seu colo, que pareceu bastante ofendido.

— EU SOU O SEU PERVERTIDO, KOU MINAMOTO! DO QUE ' RECLAMANDO!?

     Digamos que houve uma terceira guerra mundial, que durou cerca de 15 minutos.

     Maaas tudo acabou bem e ninguém morreu! (Ao menos pelo que conferi ...)

     Lavamos o produto do rosto e decidimos assistir a um filme romântico clichê bem água com açúcar da Netflix.

     O casal estava aconchegado sobre o chão, enroladinho no cobertor feito um burrito. Eu e Yashiro estávamos no sofá há uma distância "segura".

     O "segura" era porquê, se estivéssemos mais perto, eu estaria surtando. Mas, por outro lado, eu estava odiando o filme. Ele deixava-me sonolento de chato.

— Oe, Yashiro. — sussurrei, corado, escutando um "hmmm" como resposta — Posso mexer no seu cabelo? ' entediado.

— P-pode, Hanako-kun. Tem escova e elástico no meu quarto. Em cima da penteadeira. — sussurrou de volta sem nem desviar os olhos da TV.

     Eu fui rápido. Peguei tudo de que precisava sem olhar mais nada.

     Era gostoso trançar o cabelo da Nene. Ele era sedoso e macio e suave. E longo, o que possibilitava tranças longas e complexas.

     Fiquei totalmente compenetrado em meu trabalho por um longo tempo, ignorando meus batimentos descompassados, as bochechas pintadas de carmim e o filme entediante que passava.

     Primeiramente fiz uma trança enraizada complexa, prendendo o comprimento num coque baixo. Depois, fiz duas trancinhas gêmeas e prendi-as em forma de laço. Até tentei fazer um penteado parecido com um cone, mas a gravidade não permitiu.

     Por fim, fiz uma trança de lado parecida com a da Katniss de Jogos Vorazes.

— ' gosta mesmo de mexer no meu cabelo. — sussurrou com diversão.

     Eu estava alucinando ou ela estava corada?

— É ... — confirmei, encabulado, prendendo a ponta de seu cabelo com um elástico pela última vez — Eu ... eu não sei explicar. Só é legal.

— ... É gostoso quando você mexe nele.

     Senti uma imensa vontade de gritar e saltitar por aí, mas me contive.

— Mesmo?

— E eu mentiria pro meu melhor amigo?

     Eu provavelmente deveria querer chorar em posição fetal por ser lançado na friendzone. Porém, eu queria era chorar de alegria.

     Não era digno de Antares. Ela jamais gostaria de mim e conformei-me com essa realidade faz tempo. Saber que eu tinha o privilégio de ser seu melhor amigo ... já era mais que suficiente.

     Respondi negando com a cabeça, emocionado demais para falar. Se bem que eu provavelmente sorria feito um bocó.

— ... Posso abraçar o meu melhor amigo?

     Assenti com a cabeça, abrindo os braços. Ela teve o mesmo cuidado de mais cedo ao envolver-me.

     Não é possível que o abraço dela seja tão gostoso! Assim não dá! Eu vou acabar explodindo de amor e fofura! Dá para morrer assim? O que escreveriam na minha lápide, então? "Morreu de amores"?

     E ela ainda fez cafuné em mim! Mais um pouco e eu dormia em cima dela.

— Por que todo esse esforço? — acabei deixando escapar.

     Afastou nossos corpos o suficiente para encarar-me diretamente aos olhos. Ela parecia indignada e confusa ao mesmo tempo.

— Como assim?

— ... Eu não valho esse esforço e dor de cabeça todos. Por que vocês se dão ao trabalho? É só se afastarem de mim e me esquecerem.

— A gente não acha que você não valha o esforço. Senão, a gente teria desistido. — rebateu, séria — Não importa o quanto demore, eu vou fazer o Tsukasa ser punido e enfiar nessa sua cabeça que você valhe a pena. Ouviu!?

     Senti meu corpo inteiro arder de vergonha. Assenti lentamente, não confiando em minha voz. Sorriu vitoriosa, ainda fazendo cafuné em mim.

— SE BEIJEM LOGO, PORRA!!

     Eu pulei para trás de susto e acabei caindo do sofá.

     Mitsuba e Kou fitaram-me com genuína surpresa e confusão. Nene e eu trocamos um rápido olhar desconfortável.

     A ficha caiu como um tijolo em minha cabeça: o grito não era para nós, mas para o casal do filme.

— Pera, vocês também tavam num momento superclichê e fofo? — chutou o rosado, abrindo um sorriso mais que perverso.

— NÃO! — gritei, sentando-me corretamente, desesperado.

— AAAAAAAH! MEU SHIPP É REAL! — comemorou, saltitando por aí.

— VOLTA AQUI, FILHO DA PUTA! — comecei a correr atrás dele, furioso e constrangido.

— É. Acho que o primeiro passo da "Operação Desintoxicar BFF" foi um sucesso. — ouvi Yashiro dizer enquanto eu ia atrás da alma do Sousuke.

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