Dando uma de X9
Pensei em várias maneiras de descrever a intensidade da tensão naquela diretoria. Entretanto, nenhuma delas chega nem perto da realidade.
A diretora escrevia nuns papéis que deviam ser importantes – ou ela estava entediada e resolveu escrever coisas pervertidas sobre algum celebridade quando em seus anos dourados. Vai saber?
Tsukasa estava sentado numa cadeira à frente da coordenadora homofóbica, balançando suas pernas magrelas e fazendo barulhinhos infantis com a boca. Ele era mestre em se fazer de vítima.
Tsuchigomori estava escorado de costas para a parede. Não sei o que se passava por sua cabeça.
Eu estava sentado na cadeira ao lado da do meu irmão, encolhido. Nene decidiu ficar de pé, bem perto de mim, e segurar a minha mão para tranquilizar-me um pouquinho.
Depois de minutos que pareceram horas, meus pais chegaram. Até Papai saiu do trabalho por minha causa.
— O que houve? Por que nos chamaram? — perguntou nossa progenitora, preocupadíssima — Amane, por que não voltou p'ra casa ontem!? Eu chamei a polícia!
— Seus filhos armaram uma cena no corredor. — informou a diretora, parando de escrever nos papéis importantes (ou sua fanfic pervertida).
— Como assim? Quer dizer, nenhum deles jamais teve esse tipo de comportamento! — tornou a falar, sentando-se com uma mão sobre o coração.
Nosso pai permaneceu quieto, sentando-se ao lado da esposa no sofá da diretoria.
Tsuchigomori des-escorou-se da parede. Deu curtos passos ao aproximar-se de todos. Sua expressão não podia ser mais séria ao falar, olhando aos olhos de nossos progenitores:
— O Amane jogou o Tsukasa no chão e gritou algo como "pode me estuprar e espancar, mas se encostar na Yashiro, tu é um homem morto".
Não tive coragem de olhar as reações deles.
— Ele deve só 'ta querendo atenção. — "sugeriu" meu irmão, e meus punhos cerraram-se — Por que eu- ...
— Cala essa boca imunda antes que eu te jogue no chão, porquê eu não vou parar por aí! — exigiu a loira-platinada, furiosa.
O queixo de todos os presentes foi ao chão, mas acho que apenas eu fiquei pensando em como ela ficava a coisa mais charmosa do mundo quando furiosa. (Bom, isso eu espero ...)
— Senhor e Senhora Yugi. — chamou o professor, recompondo-se da surpresa — Eu venho observando os filhos de vocês desde que os hematomas do Amane começaram, e eu posso afirmar que ele não surtou apenas para chamar a atenção.
— Está insinuando que o Tsukasa é um abusador!? — interpretou Mamãe, completamente indignada.
"Não é insinuação quando o que dizem é um fato", pensei com amargor.
Tsuchigomori levantou uma mão aberta, pedindo tempo e paciência.
— Vou dar alguns fatos. Depois, ouviremos os dois e só então tiraremos conclusões.
Todos pareceram de acordo.
Eu sabia que o Tsukasa provavelmente acharia um álibi perfeito, mas nem que fosse só dessa vez, eu lutaria contra ele com tudo o que eu tinha.
— As "complicações" com o Amane começaram mais ou menos no início do nono ano. Se não me falha a memória, Senhor Yugi, o Senhor foi promovido nessa época.
— De fato. O Tsukasa sentiu muito a mudança de horários, já que éramos muito próximos. O Amane tinha amigos na escola, então não ligou tanto.
— Certo. E logo depois disso, os hematomas começaram. Logo depois, a personalidade dele mudou e os amigos dele se afastaram. Logo depois, começou a cabular aula e tirar notas horríveis, apesar de sair bem tarde da escola.
— Espera, ele sai que horas da escola? — questionou Mamãe, abismada.
— Cerca de seis da tarde.
Meus olhos encheram-se de lágrimas de alegria ao ver que a ficha dela estava caindo.
— O ... Amane chega cerca de seis e quinze em casa. São quinze minutos de caminhada até a escola.
"Então os hematomas não são de brigas na rua", provavelmente pensou consigo mesma.
— Ele lanchava sozinho e eu ficava de olho nele o tempo todo. Portanto, não havia outro lugar ou horário, a não ser o em que ele ia para a escola ou em que permanecia em casa para ele apanhar. Ele passava ambos os períodos com o irmão, não?
Pelo canto do olho, vi o desespero no olhar do meu gêmio. Segurei um amplo sorriso.
— Isso ... ainda não explica a parte do estupro! — rebateu Mamãe, ainda não querendo acreditar.
— Seu filho anda tendo sérios problemas com qualquer contato físico, não?
— ... É. Ele sempre foi um coala de tanto que gostava de abraçar, mas ele chega a fugir se alguém encosta nele ...
— Isso é um sintoma de abuso sexual. — o docente virou-se para mim, sério — O que tem a dizer sobre isso, Amane?
Em outras palavras, "é a sua deixa para sair desse inferno, então desembucha de uma vez".
Respirando profundamente, contei tudo. Desde o primeiro soco até o motivo de meu surto há quarenta minutos atrás. Minha voz soava firme, mas meu corpo todo tremia e as lágrimas escorriam livremente.
E a Yashiro segurou minha mão o tempo todo. Fazia carinho com o polegar, como se dissesse "confia em mim que eu 'tô bem aqui e vamos fazer isso dar certo".
— Isso — pronunciou-se Tsuchigomori, e sua fúria era mais que notável — é prova o suficiente de que o filho de vocês é um abusador!?
Finalmente criei coragem para fitar meus pais. Mamãe chorava em silêncio e parecia digerir as informações. Papai nunca esteve tão sério.
— O que tem a dizer em sua defesa, Tsukasa? — perguntou a diretora, a que eu definitivamente esqueci da permanência no recinto devido minha aversão à ela é a delicadeza e intimidade do momento.
O mencionado estava visivelmente desesperado.
"Parece que ele não tem um bom álibi, afinal ...", pensei. Eu sou uma má pessoa por amar vê-lo naquela situação?
— É TUDO MENTIRA! — berrou, e duvido muito que alguém acreditou — ELE SÓ QUER CHAMAR A ATENÇÃO E 'TÁ PONDO A CULPA EM MIM! EU NUNCA- ...
— Tsukasa. — Papai interrompeu-o, a voz fria como nunca — Fica quieto.
Meu irmão empalideceu. Nosso progenitor jamais falou assim com ele – e nem comigo, mesmo que eu tivesse cabulado aula e tirado notas terríveis e o escambau a quatro.
— M-Mas P-pa-pai- ...
— Fique quieto. — repetiu, ainda mais frio.
Senti como se alguém abrisse um cadeado que mantivesse-me acorrentado durante aqueles três anos. Como se os grilhões que prendiam-me e faziam meus pulsos arderem caíssem no chão, fazendo um barulhão.
"Acabou", constatei mentalmente.
— Acompanhe-me até a secretaria, Tsukasa. Vou chamar a polícia. — falou a coordenadora homofóbica.
Vendo que pela primeira vez na vida ninguém acreditou em si, ele não viu outra senão obedecer. Estava encurralado.
Tsuchigomori suspirou pesarosamente.
— Eu tenho que dar aula agora, e dispenso vocês, Yugi e Yashiro. — encarou-me com orgulho, permitindo-se esboçar um sorrisinho — 'Tô à disposição se precisarem.
— O-obrigada p-por t-tu-do, e m-mil per-dões p-por m-meu com-porta-m-mento ar-rogante, S-sensei ... — balbuciou Mamãe.
— Não fiz mais que meu trabalho, Senhora Yugi. — deu de ombros, saindo da sala.
Yashiro abriu um largo e doce sorriso para mim.
— Eu não disse que ia dar tudo certo, Hanako-kun?
Puxei-a para um abraço apertado, chorando de emoção. Ela iniciou aquele cafuné que só ela fazia.
— Te amo. — confessei, querendo poder finalmente fazê-lo sem o medo de ela ser engolida pela escuridão que envolvia-me cada vez mais e acabar machucando-a.
— Também te amo. — beijou o topo de minha cabeça — E eu espero que você passe a acreditar de verdade agora que o crápula do seu irmão não vai mais te machucar.
— Ah, eu acredito. Não era p'ra confiar em você? — alfinetei.
Riu, beijando o topo de minha cabeça novamente.
— Interrompemos algo? — Papai pigarreou.
A ficha caiu: meus pais continuavam presentes.
Caí de costas da cadeira pelo susto. É. Velhos costumes geralmente são os mais difíceis de mudar, principalmente quando há trauma envolvido.
— Filho!? Tudo bem!? Se machucou!? — Mamãe correu até mim, preocupada.
— F-foi só o susto. Calma. — pedi, sorrindo amarelo enquanto corava até as orelhas de vergonha.
Tocou meu rosto, o próprio contorcido em arrependimento e culpa. Foi sua vez de envolver-me num abraço apertado.
— Desculpa, Amane ... desculpa por ignorar ... por não te ajudar ...
Começou a soluçar tanto que tremia. Retribui, sentindo-me finalmente seguro e protegido. Murmurava uma desculpa atrás da outra.
Não a culpo de nada. Eu fui covarde e recusei sua ajuda mesmo quando ela ofereceu-a a mim. Cada um lidou com minha situação da forma que pôde, estando ciente do que de fato acontecia ou não.
Papai juntou-se ao nosso montinho bagunçado de lágrimas, desculpas e amor. Beijou minha testa e também começou a desculpar-se.
Naquele momento, questionei as razões que levaram-me a esconder tudo por tanto tempo. Tsukasa realmente manipulou minha mente a acreditar que minha única saída era afundar no desespero e agonia eternamente.
Parecia que arrancavam uma venda de meus olhos. Tudo era tão brilhante que os olhos chegavam a doer, mas era gostoso.
— E o-o-briga-da p-por t-tu-do, Y-Ya-shiro-san ... — agradeceu minha mãe.
A loira-platinada enxugou as lágrimas de emoção que acabou por derramar, sorrindo doce.
— Não foi nada demais, Senhora Yugi.
— ... Então roubaram mesmo o seu coração, Amane? — alfinetou Papai, sorrindo com malícia para mim.
Eu devo ter transformado-me num tomate ambulante, mas sorri de volta e mirei minha quase-namorada com amor.
— Roubaram. E espero que não devolvam nunca mais.
...
— Que surpresa encontrar você aqui depois de toda a confusão de mais cedo ...
— Por que você tentou me ajudar? — fui direto — Por que se importou tanto comigo?
Tsuchigomori olhou meus colegas aproveitarem o almoço pela janela. Suspirou.
— Quando eu comecei a dar aula, no meu primeiro ano como professor, tinha um aluno igual a você: inteligentíssimo e com um futuro promissor. Ele queria ser professor, também. Mas ... de repente, suas notas despencaram, passou a dormir em aula e cabular ... lhe soa familiar?
Engoli saliva, que desceu cortando como vidro.
— O que ... aconteceu?
— Ignorei tudo isso. Achei que fosse passageiro. Porém ... no final do ano ... o menino cometeu suicídio. — contou, a voz embargada — Sofria bullying e não aguentou. Não quis que a história se repetisse.
Imitei sua ação e passei a observar os outros almoçando. Se meus pais não tivessem comprado algo para eu comer, eu estaria tentado a roubar a marmita de alguém ali. Ficar quase meio dia sem comer nada era complicado.
— ... Foi por eu lembrar desse garoto que 'cê sugeriu que eu fosse professor?
— Não. É que você tem jeito p'ra coisa. E ... imagina quantos Amanes Yugi você poderia evitar se fosse um professor enxerido que nem eu?
— ... Vou pensar na possibilidade.
"Mas não agora", completei mentalmente. Eu tinha coisas mais urgentes para resolver naquele momento.
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