Capítulo 3

Quando o Natal de 1979 chegou, eu estava animada. Talvez como nunca estivera antes, e o motivo era os pequenos pacotes embrulhados em minhas mãos. Eu havia comprado presentes de Natal para o meu filho pela primeira vez, com o dinheiro do meu trabalho. Aquele sentimento de orgulho era novo para mim, recém-adquirido em doses homeopáticas durante as poucas semanas desde que havia começado a trabalhar.

Era uma quinta-feira quando Carlos veio até mim. Eu estava sentada na mesa que me havia sido designada, organizando em ordem alfabética as fichas que me foram entregues, quando o vi. Ele tinha o sorriso de um homem que não carregava qualquer escuridão em seu coração; sereno, caloroso e receptivo. O tipo de sorriso que fazia ser impossível não sorrir de volta.

Havíamos nos aproximados durante aquele tempo, aqueles dezessete dias que haviam se passado. Ele, cumprindo o prometido a mim e ao meu marido, seu amigo, se manteve por perto, garantido que eu estava confortável com esse novo cenário em minha vida, conferindo, algumas vezes por dia, se estava tudo certo. Então, quando ele se aproximou, não me surpreendi com sua presença. Pelo contrário, eu tinha uma generosa fatia de bolo esperando por ele.

— Trouxe uma coisa para você também — ele disse. Carlos tirou um envelope de dentro do bolso do paletó e me entregou. Confusa, encarei o cheque e todos os zeros em excesso que a moeda da época exigia.

— O que é isso? — perguntei, mas me deparei com Carlos de olhos fechados e um sorriso de deleite no rosto após levar uma garfada do bolo à boca.

— Está maravilhoso, Luíza — elogiou, voltando imediatamente para outra garfada.

Eram gestos bobos, eu vejo agora, com toda a experiência de uma vida inteira nas costas. Mas, naquela época, o mínimo dos elogios era capaz de me fazer desviar os olhos, envergonhada. Carlos parecia capaz de fazer isso acontecer com frequência, e, ainda hoje, duvido que ele percebesse que me causava tal reação. Eram elogios sinceros e despretensiosos, a mim, ao trabalho que eu estava fazendo, a qualquer que fosse a blusa que eu estivesse usando no dia ou à forma como eu havia decidido pentear meu cabelo.

Sentia-me pecadora apenas por desejar elogios de outro homem que não fosse meu marido e dizia a mim mesma que era apenas isso: elogios, um afago no meu ego jamais acariciado por aquele com quem me casei.

— Esse é seu primeiro pagamento — ele explicou, por fim, após comer bem metade da fatia. — Sei que não deveria receber antes de virar o mês, mas... — Carlos moveu as mãos como em um pedido de desculpas pela intromissão. — É Natal. Imaginei que pudesse usar o dinheiro para as festividades.

Senti meu coração se aquecer com a consideração que ele teve. O pensamento sequer havia cruzado minha mente, mas Carlos havia se preocupado.

— Obrigada — agradeci, verdadeiramente comovida com o gesto. Talvez comovida demais, percebo, mas naquele momento meu peito havia sido tomado por um sentimento de acalento poucas vezes experimentada antes.

Durou apenas um instante, contudo, até que percebi que não tinha ideia de como lidar com finanças. Era Alexandre quem cuidava de tudo. Sequer tinha uma conta bancária.

— Qual o problema? — ele me perguntou, provavelmente notando a expressão desolada que eu oferecia. Expliquei brevemente, moldando minha voz com um sorriso para fingir que não passava de um pequeno contratempo. Carlos não levou tão levianamente assim, contudo.

Havia uma certa insatisfação em seus olhos que eu não entendia naquele momento. Demorei alguns meses mais para notar que surgia sempre que reprovava qualquer atitude do meu marido, o que era constante.

— Está quase na hora do almoço, por que não aproveitamos para passar no banco e abrir uma conta para você? — ele propôs, despretensiosamente o suficiente para que a sugestão não parecesse quase perigosa.

Mas era. Eu sabia que era. Alexandre não aprovaria, não gostaria de não ter controle sobre isso, odiaria que eu fizesse isso pelas suas costas.

Eu ter aceitado e seguido com ele para o banco, e, sem seguida, para um almoço agradável demais, foi meu primeiro ato de rebeldia em sete anos.

Eu não tinha ideia que era apenas o começo e estava desencadeando coisas que jamais imaginaria acontecer.

Quando cheguei em casa naquela noite, Alexandre notou o sorriso estampado em meu rosto. Pude ver em seus olhos que estranhou a leveza em meus gestos e o cantarolar baixinho que eu permiti escapar da minha boca enquanto cozinhava. Não me questionou, contudo, porque meu marido me achava incapaz de fazer qualquer coisa que fugisse às suas orientações. Eu também me achava. Até que eu descobri que não era verdade.

***

Na sala da minha casa, embalo Beatriz em meus braços sem conseguir evitar o sorriso constante que não tem deixado meu rosto nos últimos dias. Ouço Juliana na cozinha, após ter me expulsado do cômodo e avisado que, enquanto estiver aqui, ela vai ser responsável pelas refeições.

Sentada no sofá, busco na memória histórias infantis que um dia já tenha contado aos meus filhos, mas falho. Apelo aos contos de fadas tradicionais, murmurando à pequena nos meus braços pedaços soltos das narrativas conhecidas por muitos.

Toda história de contos de fadas começa com "Era uma vez", e é com o coração cheio de esperança que seguimos até encontrar o "felizes para sempre" escrito na última página. Ao longo do caminho, alguns empecilhos são apresentados, mas sabemos, do fundo do nossos corações, que tudo vai ficar bem, pelo simples motivo de que essa é a ordem natural das coisas.

Não passa de um merecida justiça poética, afinal. Aquele casal foi feito, criado para estar junto, passar a eternidade partilhando momentos e espalhando a esperança de amor verdadeiro a quem cruzar seu caminho. Seria injusto demais que, por um infortúnio do destino, seu "felizes para sempre" não viesse.

O que ninguém conta sobre contos de fadas é que nem sempre a vida real te presenteia qual qualquer história de amor digna de um final feliz.

Outras vezes, contudo, o destino sorri. Essa certeza me atinge quando Eduardo entra em casa carregando sacolas de mercado e Juliana imediatamente vai até ele. Não consigo mensurar o quanto a presença dos dois — dos quatro — tem me feito bem. O quão viva me sinto depois de tanto tempo vivendo um limbo solitário demais. Sinto-me completa mais uma vez, com minha família reunida.

— Como a senhora está? — Eduardo pergunta, deixando um beijo cálido em minha testa após ajudar a esposa com as compras e ser igualmente expulso da cozinha.

— Estou bem, querido — respondo, entregando-lhe a filha. Felipe está adormecido no carrinho ao lado do sofá e recebe um beijo na testa do pai.

Eduardo me olha com atenção e cuidado, como sempre faz. Meu filho tem a capacidade serena de enxergar além de uma resposta educada. Ele sempre sabe quando tem algo errado. Essa sensibilidade e cuidado, sem dúvidas, foram herdados do pai. Não o que o criou; este jamais foi capaz de qualquer delicadeza ou preocupação genuínas. Mas de Carlos, que sempre teve a mesma postura protetora.

— Você tem certeza que quer fazer isso aqui, mãe? — questiona, mantendo os olhos preocupados sobre mim. — Ainda há tempo para desmarcar.

Nego com a cabeça, ainda que sinta meu corpo reagir de formas que há muito não fazia. O leve tremer de mãos e sensação de desespero que se apossam de mim demonstram o nervosismo inegável. Ainda assim, estendo a mão e toco seu braço, oferecendo um sorriso tão confiante quanto possível.

— Quero fazer parte desse momento, filho — explico. — Sei que você já é um homem formado, tem sua própria família. Sei que não precisa mais da sua mãe segurando sua mão, mas...

— Sempre vou precisar — Eduardo interrompe. — Sempre.

Poucos instantes depois, a campainha toca. Não me movo, Eduardo tampouco. Nenhum de nós possui a coragem de ir até lá e abrir a porta, então, quando Juliana aparece na sala, a comunicação silenciosa feita por uma rápida troca de olhares entre os dois faz com que ela siga até lá.

— Carlos — ela cumprimenta. — Entra.

— Obrigado, Juliana.

Ouço sua voz, mas não olho em sua direção. Faz anos que não o vejo, anos demais. Sua voz é o suficiente para ressuscitar memórias antigas e tenho medo do que acontecerá quando olhar para ele.

Não posso evitar por mais do que alguns segundos, contudo, e percebo que a idade não encobriu cada detalhe que lembro dele. Os olhos amorosos ainda estão ali, transbordando ternura ao cumprimentar Eduardo em um aperto firme. A emoção em sua feição é descarada. Não ouço as poucas palavras que os dois trocam, não porque estão falando baixo ou porque estão longe do alcance de meus ouvidos, mas porque sou incapaz de soltar meus olhos dele e é isso que toma toda minha atenção.

Vejo Eduardo trocar um olhar com Juliana, que acena em concordância; um segundo depois, ele passa a filha para o colo de Carlos. Não sei dizer quem sucumbe primeiro, eu ou ele, mas sinto a umidade em minha bochecha no mesmo instante em que seus olhos marejam e um sorriso brota em seu rosto.

É amor, puro e genuíno, pela menina que é parte de si. Sua neta. Sua segunda chance.

Neste momento, minha mente é inundada por possibilidades, suposições e dúvidas que jamais serão sanadas. Vendo a devoção completa, absoluta e instantânea nos olhos dele, pergunto-me como teria sido minha vida ao seu lado. Como teria sido criar meus filhos tendo Carlos como exemplo paterno. Como teria sido minha juventude, minhas décadas passadas se eu tivesse tido coragem de deixar meu marido, se eu não tivesse exigido que não se aproximasse de Eduardo.

Quando Carlos finalmente olha para mim, o silêncio se estende e a confusão de emoções antigas demais cintila em seu rosto da mesma forma. É quando eu tenho certeza de que nem todo o tempo do mundo, nem toda experiência da minha idade avançada, me prepararia para estar frente à frente novamente com o único homem que verdadeiramente possuiu meu coração.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top