Capítulo 3

Quando segunda-feira chega, nem sei onde foi parar o fim de semana.

Almocei na casa dos meus pais no sábado junto com Juliana e foi no mínimo interessante. Ela pode repetir o quanto quiser que não tem nada ali, mas ficou completamente desestabilizada com o tal evento em que teve que ir com o Eduardo. O homem foi até a casa dos nossos pais buscá-la e qualquer idiota conseguia ver que estava completamente encantado pela Ju. No domingo, ela me mandou mensagem parecendo que ia morrer dizendo que precisava conversar e fui até o apartamento dela. Passei horas ouvindo sobre como ela não está apaixonada por ele e sobre como ele não está apaixonado por ela. Às vezes tenho vontade de esganar.

Mas não posso reclamar, porque ver Juliana final de semana não tem sido fácil. Nossos horários estão sempre confusos. Costumo trabalhar, e muito, durante os fins de semana; é quando finalmente tenho tempo para me dedicar ao que quero, ao que gosto.

E foi o que fiz em cada segundo livre que tive nesse final de semana, entre o almoço e o encontro no Esplanada com o Nick, Hanna e os outros, rodei a cidade, indo aos cantos mais remotos e vazios para conseguir o que precisava: inspiração. Meu computador e cartão de memória estão cheios de imagens de paisagens, é verdade, mas não é só isso que me guia, que me motiva.

Preciso do conjunto completo.

As fotos mais importantes da minha vida não estão comigo, não me pertencem. Algumas cópias existem em algum lugar, mas não preciso delas. A única recompensa por aqueles trabalhos foi o sorriso satisfeito e o agradecimento sincero. A certeza de que quero fazer isso para viver. Em cada foto, em cada imagem, uma vida sendo registrada, uma alma sendo desnudada. Um coração sendo preenchido pela arte na sua forma mais crua. Despida de subterfúgios, despudorada. E nessas horas, sinto-me como o mais clichê dos artistas, buscando minha musa. A modelo perfeita para a sessão de fotos da minha vida que vai adornar com perfeição o mais belo e cru dos horizontes.

Ouço meu celular tocar e pego o aparelho, estranhando a mensagem da minha irmã no meio do expediente. Grunho quando vejo o conteúdo e já respondo o que ela sabe que vou responder. Não faço fotos de campanha de marketing empresarial, ela sabe, todo mundo sabe.

Juliana insiste um pouco, dizendo que fica me devendo uma. Talvez eu devesse ser um irmão melhor e dizer que não precisa, que vou fazer pelo amor que tenho em meu coração, mas aceito. Ela vai ficar me devendo uma.

Passa da hora do almoço e o estúdio está vazio, coisa que não é de se espantar em uma segunda-feira. Vejo o gerente do lugar conversando com um casal e combinando o que parece ser um ensaio de casamento. Aproximo-me e converso brevemente com os dois, que parecem satisfeitos com a proposta. Acabo sacando um dos dias de folga que tenho acumulados para conseguir sair.

Deixo o carro onde está e ando até o prédio onde Juliana trabalha. Não é longe e com o trânsito do centro a essa hora, é mais rápido a pé mesmo. Chegando lá, confiro o celular e ainda nada da Hanna. Ela disse que viria deixar o portfólio hoje cedo e não deu as caras. São uma e meia da tarde e nem sinal.

Entro na empresa da Ju e subo até o andar certo. Vou até onde sei que é a mesa dela e a encontro vazia. Tento seu celular e nada. Decido dar uma volta pelo andar e, depois de conseguir me achar entre as salas, bato na porta da Priscila.

— Oi — digo, enfiando a cabeça pela fresta.

Ela tira os olhos do computador e sorri para mim.

— Entra e fecha a porta.

Sim, senhora.

Enfio a blusa pela cabeça enquanto vejo Priscila abaixar a saia e voltar para sua mesa como se nada tivesse acontecido, como sempre. Uma ajeitada no cabelo é tudo que faz antes de imediatamente voltar sua atenção para o computador.

Rio, porque ainda é inacreditável para mim a facilidade com que ela simplesmente se recompõe após uma rapidinha no sofá da sua sala.

— Sua irmã está te esperando, Gui. — Me dispensa, sem tirar os olhos da tela, uma ruguinha na testa se formando por alguma coisa que está lendo na tela do computador. E eu, já completamente esquecido.

Apanho minha bolsa, jogada no canto da sala, e vou em direção à porta. Olho para ela por cima do ombro.

— Boa tarde, minha loira — implico, saindo da sala, e ouço-a resmungar alguma coisa enquanto fecho a porta.

Priscila é inacreditável.

Atravesso os corredores até chegar onde Juliana está. Sempre me perco nesse andar que parece não ter fim. O prédio não parece tão grande olhando de fora, mas aqui dentro é como um labirinto.

— Cheguei, cadê a emergência? — pergunto quando finalmente a acho na sua mesa, os dedos batendo freneticamente no teclado do computador. Ela levanta os olhos para mim e não sei o que eu fiz, mas quero pedir desculpas de tanto medo que fico da sua expressão. — Credo, quem morreu?

Ela levanta e passa por mim, indicando com a mão para que eu a siga. Obedeço quietinho.

— Não estou tendo um bom dia — diz, com a voz cansada, e sussurro um "tá bom" abafado, porque conheço a peça o suficiente para saber que se eu tentar fazê-la falar, vai ser pior ainda.

Continuo andando atrás dela, surpreso por como Ju consegue andar rápido em cima desses saltos, e, quando estamos a ponto de virar outro corredor, meus olhos são atraídos para uma mulher sentada atrás de uma mesa grande demais. Vejo seus cabelos soltos, castanhos, caídos por seus ombros em ondas suaves, os olhos cheios e cobertos de rímel, a pele negra contrastando com a blusa clara, expressão de poucos amigos. Tenho vontade de puxar minha câmera e fotografá-la, ela é bonita o suficiente para ser modelo se quiser.

Mas algo me diz que não quer.

Tomo um segundo para olhar o jeito como ela põe uma mecha atrás da orelha e arrasta o dedo despretensiosamente sobre o lábio sem tirar os olhos da tela. As sobrancelhas franzindo levemente por um instante apenas antes de ela repuxar os lábios para o canto, concentrada. Ela apoia cotovelo na mesa e leva o queixo até a mão, pousando os dedos na bochecha. Mordo o lábio quando ela morde a pontinha do dedo mindinho e sorrio para a cena.

— Nem pense nisso. — Ouço Juliana falar, sem olhar para mim. — Essa aí não é flor que se cheire.

Demoro alguns segundos para entender o que ela disse, porque na verdade foi meu olhar artístico que bateu nela. Em sua maioria. O mal do meu trabalho é que tudo vira um quadro em branco. É inevitável procurar a melhor luz e jogo de sombras em todos os lugares, buscar por belezas ocultas e segredos escondidos atrás de olhares, tudo para conseguir a imagem perfeita do instante exato. Isso faz com que meu olhar seja afiado e eu consiga ver detalhes com muita facilidade, muito rápido. E todos os detalhes daquela mulher gritam por mim sem que ela nem olhe na minha direção. Quero fotografá-la. Preciso fotografá-la. Preciso vê-la através de uma lente, ouvir o som do obturador enquanto analiso seus detalhes.

Consigo ver um ensaio perfeito, com tecidos finos por seu corpo, uma maquiagem marcada, nada discreto como essa que ela está usando. E saltos. Saltos bem altos. Nada mais ao pôr do sol. O alaranjado natural é tudo que preciso para compô-la. Aquela mulher não precisa de subterfúgios para sua beleza. Merece ser a peça central da fotografia, não um adorno à paisagem escolhida.

Então quando Juliana fala, demoro alguns instantes para entender o recado. Não a olhei com outros olhos se não o do artista. A mulher parece quase... angelical. De uma forma sutilmente selvagem quando passa a língua pelo lábio inferior antes de prendê-lo entre os dentes.

— Gosto das que não são flor que se cheire — provoco minha irmã e ela revira os olhos.

Juliana me entrega para um rapaz que a olha com muito interesse, e me confunde, porque tenho certeza que esse não é o tal Eduardo de quem ela estava falando. Aliás, lembro bem desse ser o tal Rafael. Ergo a sobrancelha para ela quando o cara dá um beijo babado na sua bochecha. Juliana me ignora, vira as costas e vai embora. Lá vem. Certeza que tem drama vindo. Conheço a peça.

— Você salvou minha vida, te devo uma pra sempre — Rafael diz, indicando a sala do seu chefe.

Cruzo a porta e dou de cara com um homem mais velho, que se chama Renato e me olha com a cara emburrada também. Mas qual o problema das pessoas dessa empresa? Todo mundo de mau humor? Por isso não gosto de me meter com essas coisas, todo mundo estressado demais para o meu gosto.

— A campanha é simples, não deve demorar mais do que algumas horas — Renato diz, depois de se apresentar e agradecer por eu ter vindo. — Consegue terminar isso hoje? Precisamos enviar o material para a gráfica até amanhã na hora do almoço.

Sou um ótimo fotógrafo, mas realmente ainda não aprendi a fazer milagre. Entre preparar a sessão de fotos, fotografar, editar as fotos, enviar para o cliente para aprovação, refazer o que não estiver do agrado, muito tempo se passa. Com certeza mais tempo do que as vinte horas entre agora e o prazo de entrega. Mas é possível. Se eu virar a noite, é possível.

O homem começa a detalhar o que precisa que seja feito e eu dou meu preço, mais do que esperava pela cara de descontentamento no rosto dele. Sinto muito.

Ele me manda para onde preciso ir e rapidamente começo a trabalhar. E é extremamente maçante. Tedioso. Minha vontade é de deitar e dormir com a simplicidade banal das fotos que estou tirando. Quase não quero meu nome assinando isso. Em nada se parece com o que faço no meu dia-a-dia, com o que amo fazer. E, para meu alívio, não dura muito, como disseram que seria. Algumas horas depois, está tudo acabado.

Vejo o relógio bater cinco da tarde quando retorno à sala de Renato para prestar contas do trabalho e avisar que mando alguém para trazer as fotos impressas amanhã no horário combinado. A edição vai ser mais simples do que imaginei, vai dar tempo com folga. Penduro a câmera no ombro e volto pelo caminho de onde vim. Olho a hora mais uma vez e sei que preciso voltar para o estúdio antes de fechar, às seis e meia. Tenho tempo.

Estou andando a caminho do elevador quando passo mais uma vez pela mesa da mulher de quem Juliana me mandou ficar longe.

Não consigo evitar de encará-la descaradamente e dou um passo na sua direção. Nem sei por que, mas dou. Como se percebesse isso, ela levanta os olhos da tela do computador e mira-os em mim, com uma sobrancelha erguida de quem pergunta se eu perdi alguma coisa. Não desvio o olhar e me surpreendo quando ela sequer vacila no seu. É impossível evitar de abrir um sorriso e ir em sua direção e, quando ela nota que estou perto, revira os olhos descaradamente.

— Oi — digo, apoiando um braço no balcão.

A mulher continua me olhando sem esboçar qualquer reação. Abro meu melhor sorriso, o que eu sei que vai mostrar minhas covinhas, e deixo meu olhar cair sobre ela sem disfarçar o interesse.

— Vim fazer umas fotos para empresa. Sou Guilherme. Qual o seu nome?

Ela inclina a cabeça e separa os lábios, o que faz meu sorriso ampliar. Funciona, sempre funciona.

— Ocupada — responde pausadamente, como se estivesse falando com uma criança, imediatamente voltando os olhos para a tela do computador.

E minha boca cai aberta. Retiro o "angelical".

— Belo nome. Não dá para dizer que seus pais não são criativos.

A mulher suspira e me olha, claramente irritada por ser interrompida. Vejo seus olhos percorrendo meu rosto e tomo meu tempo para fazer o mesmo. Não a olhei com quaisquer segundas intenções, mas agora, mais perto, meu olhar cai para a curva dos seus seios mal à mostra na blusa com decote discreto que usa. Me faz querer ver mais do que tem por baixo.

Ela faz um bico como se pensasse em alguma coisa e, do nada, volta seus olhos para a tela do computador.

— Não — diz, simplesmente.

Franzo o cenho. Quê?

— Não? — pergunto, e ela suspira.

— Não. Você entende o conceito da palavra não?

Inclino a cabeça e a encaro com atenção. Eu nem falei nada e ela já está toda na defensiva. Preciso admitir, ela é o tipo de mulher que sem dúvidas recebe cantadas o tempo todo e deve ser um porre ter que aguentar isso.

— Perfeitamente — respondo. — Então esse não é para o que, exatamente? Não pergunte meu nome de novo, não peça meu número, não me chame para sair, não diga que eu sou linda e você está encantado pelos meus belos olhos castanhos e por essa pintinha na minha bochecha?

Ela vacila por um segundo, ou é só impressão minha, porque não dura nada.

— Não para tudo.

Passo a língua pelo lábio, agora decidido a dobrá-la.

— Então... Não para todas as coisas que eu disse. — Ela revira os olhos mais uma vez, claramente já sem paciência para mim. — E para as coisas que eu não disse?

A mulher respira fundo e recosta na cadeira, cruzando os braços na altura do peito. Encara-me com uma sobrancelha arqueada e espera. Consegui sua atenção, mas agora não sei o que fazer com isso.

— Você tem dez segundos para me convencer a não chamar o segurança — diz e demoro um instante para entender o que ela disse, porque meus olhos estão fixos nos seus lábios. — Agora são sete.

Não consigo pensar em nada, porque parece não fazer sentido. O que é estranho. Então faço a única coisa em que consigo pensar: puxo a minha câmera e foco nela. Bato a foto no exato segundo em uma ruguinha de confusão se forma em sua testa.

— Tudo bem, se queria minha atenção, conseguiu. O que você acha que está fazendo? — pergunta, sem alterar o tom de voz, sem piscar.

Inclino-me novamente sobre a alta mesa e foco meu olhar na foto à mostra na tela da câmera.

— Você me deu dez segundos, não é justo. Aqui — digo, virando a câmera para ela. Demoram alguns segundos para que se aproxime, mas por fim leva os olhos para a tela. — A magia de uma foto é eternizar o que é efêmero demais para ser visto por olhos comuns. Agora posso tomar meu tempo para pensar exatamente na coisa certa a dizer para te impressionar, porque essa imagem vai durar para sempre.

Inclino-me um pouco mais e a chamo com o dedo. Não me surpreendo quando ela não vem.

— Verdade seja dita, não preciso de uma foto para ter certeza que nunca esqueceria seu rosto.

Não é a primeira vez que uso essa cantada. Não é mesmo. Mulheres parecem se encantar com facilidade com esse discurso de guardar para sempre um registro dos seus lindos rostos. Mas... Talvez seja a primeira vez que eu digo isso sem realmente ser uma cantada. É a mais pura verdade nesse momento. Tenho certeza que se fechar os olhos consigo ver com perfeição cada detalhe dos seus traços.

A reação normal a isso é um suspiro, uma passada de mão no pescoço, uma mordida no lábio. Um sorriso tímido, bochechas coradas. Um brilho no olhar que me diz que estou no caminho certo e não vai demorar muito mais para que eu possa dizer o quão linda ela ficaria sendo fotografada na minha cama.

Mas a mulher à minha frente sorri e eu não estava preparado para isso. Não estava preparado para o deboche nos seus olhos, a presunção no seu sorriso. Quando ela inclina a cabeça e separa os lábios, sei, de alguma forma eu sei que não vão ser palavras de uma mulher rendida aos meus encantos que vou ouvir.

— Você ouviu o que acabou de dizer? — pergunta, encarando-me com atenção. — Que tirou uma foto minha para poder ficar olhando depois por tempo o suficiente para pensar no que dizer para me convencer a fazer alguma coisa? Isso não te parece, não sei, assustador o suficiente para me dar motivo para chamar a polícia?

Abro a boca e não sei o que dizer. Então da minha boca sai a única coisa que minha mente consegue formular:

— Quem é você?

Ela arqueia uma sobrancelha e me olha como se não pudesse acreditar. Demora alguns segundos encarando-me em silêncio. Ela leva o dedo novamente à boca e morde a pontinha, atraindo meu olhar diretamente aos seus lábios. Quando encaro seus olhos mais uma vez, vejo o exato segundo em que ela revira os olhos e solta um suspiro.

— Fernanda — responde, para minha total surpresa. — Meu horário de almoço amanhã é meio dia, em ponto. Odeio atrasos. E eu tomo café com açúcar, dois, e leite de soja. Quente.

Fico parado, encarando a mulher por alguns segundos a mais, sem conseguir evitar o sorriso no meu rosto.

— Até amanhã, Guilherme. Você já pode ir.

Ela me dispensa e volta sua atenção para a tela do computador, sem dirigir um segundo olhar na minha direção. Aceno com a cabeça antes de sair, mas não acho que ela veja.

— Até amanhã, Fernanda — respondo por sobre o ombro, sem receber sequer um olhar de volta. Murmuro seu nome mais uma vez enquanto caminho, gostando da sonoridade em minha boca.

Quando chego ao elevador, olho de novo para a tela da câmera, para a mulher me encarando ali.

Quem é você, Fernanda?


***

OI MENINEEEES! TUTUPOM?

Preparadas para o que vem por aí? 

Estão gostando do nosso fotógrafo e nossa reviradora de olhos oficial?

Amo vocês!

Até breve!

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