Capítulo 3 - Bônus 1K
Rolo na cama, me embolando no lençol desarrumado, e me espreguiço. Confiro o relógio e vejo que passa das dez, não me lembro a última vez que dormi até tão tarde. Meus dias se resumem a pouco mais de quatro horas diárias de sono, completadas com um cochilo desajeitado no ônibus a caminho do trabalho. Bem elegante sentada toda desengonçada no banco. Já aconteceu de eu acordar com a cabeça apoiada no ombro de um cara? Já aconteceu. Segue o baile.
Sento na cama e encaro o quarto pouco decorado, a não ser por porta-retratos espalhados por todos os lados com fotos que nem minhas são. Guilherme e essa mania de enfiar fotos na casa dos outros, faz todo mundo da família um portfólio ambulante dos seus trabalhos. Não que eu reclame, melhor para mim, uma coisa a menos com o que me preocupar. Mas preciso mesmo reformar esse lugar nem que seja pintar a parede de outra cor, ou trocar as cortinas que são, literalmente, do tempo da minha avó. E ela mesma nem sei quando foi que comprou essas coisas.
Talvez eu compre algumas coisas em um site qualquer. Ou talvez eu enrole outros três anos para fazer isso. Parece que estou invadindo um espaço que não é meu. Não quero mudar a casa da minha avó, não posso interferir em suas memórias, mas isso faz com que eu, apesar de morar aqui há tanto tempo, não me sinta em casa.
Eu realmente preciso me mudar, não preciso? Tenho muitas memórias desse lugar, durante minha adolescência, era para cá que eu fugia quando tinha algum problema. Minha relação com meus pais sempre foi muito boa, mas ainda assim... Foi minha avó que me ensinou muito do que eu sei hoje, sobre a vida, sobre as pessoas, mas, principalmente, sobre mim mesma.
Lembro-me bem quando cheguei aqui, após terminar com meu primeiro namorado, o que por si só já é um desastre na vida de qualquer adolescente dramática — coisa que eu fui —, mas o motivo do término deixou tudo pior.
Expulsando as memórias, apanho o celular. Não sou museu para ficar visitando coisas antigas. Com uma ligação rápida, contato a representante da rede de hotéis e praticamente imploro por uma reunião. A mulher está decidida a falar com Vinicius, e somente ele, já que não admite tratar com ninguém a não ser o nome por trás dos negócios. Gasto alguns minutos tentando convencê-la que Eduardo é um Rodrigues Menezes também e seu poder de decisão dentro da empresa é exatamente o mesmo. Não é, mas ela não precisa saber. Deixo de fora o detalhe de que ele é quem trabalha de verdade naquele lugar e Vinicius é um ridículo babaca que chega a hora que quer, quando quer, e passa mais tempo dando em cima das estagiárias do que fazendo qualquer coisa para manter o negócio funcionando. Por fim, a mulher concorda e marco uma reunião para o dia seguinte.
Abro a agenda de Eduardo e adiciono a reunião no seu calendário, às dez da manhã seguinte. Digito um e-mail rápido apenas para notificá-lo de que esse problema foi resolvido e ponho o telefone de lado, me recusando a pensar no homem por um segundo além do necessário. Hoje é meu dia de folga. Nada de olhos castanhos sedutores invadindo meus pensamentos, nada de pensar na carona de ontem, nada de ficar igual uma idiota lembrando do beijo na minha mão como se ele fosse um exemplar do século dezenove. Não, não. Hoje não.
Penso por um momento, tentando decidir o que fazer com o dia livre. Visualizo a pilha de roupas para passar, uma outra pilha do mesmo tamanho que precisa ser lavada. A casa precisa ser limpa. Nem comida tem, embora eu adore cozinhar. Não tenho tempo para isso normalmente. Vi uma receita que quero testar, talvez hoje seja o dia. Vai ter torta de limão para o jantar.
Mas depois. Agora não. Preguiça.
Decido, por fim, não fazer nada disso. Se eu tivesse ido trabalhar, não poderia fazer nenhuma dessas obrigações chatas que vêm com ser adulta. Nunca vou me acostumar. Há muito tempo não consigo tirar o dia para me dedicar ao meu livro, e é exatamente isso que vou fazer.
Puxo o computador para meu colo e desligo a internet. Não quero nenhuma distração. O mundo pode estar acabando hoje e eu não quero nem saber, ai de quem se atrever a me interromper. Abro o arquivo que foi mexido pela última vez há dias e começo a reler o último capítulo escrito. Coloco os fones de ouvido, estalo os dedos e começo a digitar.
Sou muito boa no meu trabalho, mas é aqui, sentada na frente do computador, dando vida às minhas histórias que vivo de verdade. A página em branco é meu palco e eu estou pronta para brilhar.
Bem poética.
Vou usar essa frase no livro.
Meu estômago roncando é a única coisa que me faz sair do quarto. Meu estômago e minha bexiga que está a ponto de explodir. Aproveito a pausa para tomar um banho e pego meu celular no caminho para o banheiro.
Respondo às mensagens de Priscila perguntando por que não apareci no trabalho hoje e digito um texto rápido para minha mãe dizendo que vou aparecer para almoçar no sábado. Estou prestes a jogar o aparelho em cima do sofá quando noto um e-mail esperando para ser lido.
Obrigado por resolver isso. Descanse que o dia amanhã vai ser puxado. Péssima ideia te dizer para ficar em casa, Juliana, esse escritório não funciona sem você. Espero que esteja aproveitando seu dia de folga. Não esqueça de trancar a porta, tente não morrer.
O conteúdo me faz rir, principalmente por vir acompanhado da assinatura automática extremamente formal de Eduardo. Esse homem não faz muito sentido às vezes. E não era para eu estar parada na porta do banheiro querendo colocar sentido em nada, eu hein. Jogo o celular no sofá e entro no banho.
Esqueço da vida debaixo do chuveiro e deixo a água lavar meu cansaço embora. Volto para o quarto depois do que parece uma eternidade e paro na frente do espelho.
Na maior parte dos dias, não tenho tempo para me preocupar demais com a minha aparência, especialmente porque não tenho escolha nenhuma. Maquiagem e roupas estão no piloto automático para me adequar ao que o trabalho exige, salto alto que esmaga meu pé e roupa social que sinceramente eu odeio, mas ocupa a maior parte do me guarda-roupas. Se pudesse escolher, não me daria ao trabalho de sequer passar um rímel. Me sinto muito mais confortável com um tênis velho do que em cima de um salto agulha que só faz doer meus pés. Mas, acima de tudo, evito pensar em como não me encaixo.
Tenho altos e baixos com o que vejo no espelho. Na maior parte do tempo não me importo com minhas curvas em excesso, coxas grossas demais para aquela maldita saia lápis que tenho que usar. Para falar a verdade, até gosto. Gosto do que vejo, me sinto bonita. Gostosa. Querendo dar na cara das nojentas que dizem que gorda não pode ser bonita.
Outro dia estava almoçado com Priscila e uma mulher sei lá de que setor da empresa que nunca tinha visto e nunca vou nem ver de novo com a graça do universo, e a gente estava falando de uma modelo plus-size maravilhosa que ficou famosa por posar de lingerie. A querida que não tinha nem sido chamada na conversa disse que a gente não devia chamar a mulher de gorda porque ela era muito bonita para isso, que ela era no máximo cheinha. Que gorda era feia e a mulher na foto não era. Realmente não sei como chamar uma mulher de 99 quilos se não de gorda, e não entendo porque isso tem que ser pejorativo. Diferença nenhuma entre dizer que eu sou gorda e que a Priscila é loira. É uma constatação, nada mais. E definitivamente não define beleza. Agora eu tenho que aguentar um negócio desses. Quase bati na infeliz. Feia é ela com esse preconceito.
Por toda minha vida ouvi esse discurso aqui e ali, que eu sou tão bonita, por que não perder alguns quilos? Mas se eu já sou bonita, para que perder peso? O engraçado é que esse tipo de coisa sempre sai da boca de gente que "só quer seu bem", tão preocupados com sua aparência física que esquecem de prestar atenção no dano emocional causado pelas cobranças e expectativas nunca alcançadas. Se eu estou bem comigo mesma, o que os outros têm com isso?
A verdade é que há muito tempo aprendi a filtrar esse tipo de coisa, entra por um ouvido e sai pelo outro, nem me estresso mais. Faço cara de sonsa, sorrio e aceno enquanto mentalmente planejo o assassinato da pessoa que está falando. Bem relaxante.
Mas todo mundo tem aqueles dias em que nada parece certo. Gorda ou magra, alta ou baixa, toda mulher se olha no espelho e quer dar uma chorada às vezes. O cabelo não obedece, não importa o que você faça, o volume dos cachos parece sair de controle, não de um jeito sexy e poderoso, mas parecendo um leão fugido do zoológico prestes a atacar um grupo de criancinhas indefesas. As roupas parecem todas esquisitas e nada te faz sentir bonita. Acontece. Tenho sorte de esses dias serem poucos, já tive amigas que se afundaram e fizeram loucuras em busca do corpo perfeito — coisa que não existe, né? Essas coisas que a gente vê em revista é tudo photoshop.
Mas mesmo me sentindo muito bem, obrigada, tenho vontade de rir de nervoso me olhando no espelho. De onde diabos tiraram a ideia de que eu consegui meu emprego dormindo com o chefe? Não é como se eu fosse uma modelo da Victoria's Secret ou alguma coisa do tipo. Que que Eduardo ia querer comigo?
Isso facilita as coisas, na verdade. O fogo que achei ter visto no olhar dele foi certamente só impressão minha, a preocupação em me trazer em casa, o discurso sobre manter uma boa relação pessoal, isso tudo é apenas para melhorar nossa relação profissional. Nada mais. Eu estava bem louca ontem achando que pudesse ser qualquer outra coisa. E, de qualquer forma, eu tenho muito com o que me preocupar nessa vida para perder tempo com isso.
Meu livro definitivamente não vai se escrever sozinho!
A taça de vinho já está pela metade e nada de eu fazer a tal torta. Vai ficar para outro dia. Folheio o livro em minhas mãos, aproveitando as últimas horas do meu dia livre. Talvez eu devesse ter ido ao cinema, almoçado com alguma amiga, mas acho que precisava de um dia para me recentralizar. Sabe quando parece que as coisas estão saindo do rumo um pouco e você precisa parar e respirar?
Foi o dia perfeito para isso, desconectada com o mundo, só eu e os homens maravilhosos dos meus livros, galãs perfeitos que nunca vão me decepcionar. Meu Deus, minha vida amorosa realmente está uma tragédia! Porcaria de assistente legal do nono andar. Tão bonitinho, tão ridículo. Eduardo tem razão, qualquer um que pense que eu sou o tipo de pessoa que me venderia por um emprego, não me conhece e não merece meu tempo.
Ouço meu telefone tocar e resmungo de preguiça de levantar do sofá. Quem liga para os outros? Nem sabia que celulares faziam isso ainda.
— Você perdeu o babado. — A voz de Priscila invade meus ouvidos, assim, sem nem um boa noite. Pergunto do que está falando, e ela continua. — A Fernanda foi toda se querendo pra cima do Edu, aproveitou que você não tava lá pra fazer uma ceninha, se oferecer pra ficar no seu lugar, toda batendo cabelo.
Priscila fala isso com a voz debochada e eu rio.
— E você pode culpar a garota? — pergunto. Não consigo engolir essa mulher, sempre de nariz em pé e de grosseria com todo mundo, mas não tiro a razão dela dessa vez. — Imagina o inferno que é trabalhar para o Vinicius.
Priscila ri do outro lado da linha e começa a contar seu dia, fala de um casamento que tem para ir na outra semana e me pede ajuda com o vestido, e conta do novo contratado do setor de marketing que, por algum motivo, começou a trabalhar em plena quarta-feira, e não na segunda.
— Parece que seu chefe vai ter concorrência de agora em diante — ela diz, rindo. —Aquele homem é o paraíso!
—Você realmente precisa parar de fazer o seu tempo livre girar inteiro ao redor de homens — provoco.
Priscila é uma mulher muito bem-sucedida, independente, linda, inteligente e com um humor que encanta qualquer um. E não está nem um pouco interessada em um relacionamento, não mais do que eu. Minha amiga está mais do que feliz em sair por aí, se divertir e ao fim do dia não ter ninguém para quem dar satisfação, eu assino embaixo. Não nego que eu mesma passei por essa fase na faculdade, e como aproveitei a vida. A única coisa que não concordo é que ela diz que se envolver com alguém tira sua liberdade. Eu já disse um milhão de vezes que estar em um relacionamento não te impede de ser livre, a menos que você esteja com um homem controlador e possessivo e, nesse caso, você não deveria estar com ele. Tivemos que concordar em discordar.
— Olha quem está falando! Pelo menos meus homens são reais — ela me cutuca e ignoro. Priscila sempre diz que eu vou acabar afundando em um dos livros que carrego e esquecer de viver a vida real, mas mal ela sabe que são exatamente esses livros que fazem minha imaginação ser tão fértil para os bonitos de carne e osso. O que é uma bênção e um maldição — principalmente quando o nome de Eduardo insiste em brotar em minha mente nos momentos mais inoportunos.
No fim do dia, escolho os homens dos meus livros.
Pelo menos com eles não corro o risco de me machucar de novo.
OI GENTE AAAAAA
Esse capítulo foi curtinho mas eu precisava postar hoje para comemorar o primeiro 1K de vizualizações!
Muito obrigada, meninas, pelas leituras, comentários, mensagens e indicações. Vocês estão fazendo meus dias muito, muito mais felizes!
Edu não apareceu muito dessa vez, mas prometo que a partir do de domingo nosso lindo vai estar por aí. ATENTA.
Essa capítulo foi uma apresentação da Ju, pra gente entender o que passa na cabeça dessa maravilhosa.
Espero que tenham gostado do bônus (@StephhCarvalho1 e @silcrisstreit , eu claramente cedo à pressão haha tenham pena de mim SOS).
E, é claro, um agradecimento mais que especial para a maior marketeira e apoiadora que você respeita. Naty, sua linda, muito obrigada!
Agora chega de discurso digno do Oscar, votem, comentem, chamem azamiga e até domingo!
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