Cap. 7 - Abrigo um vampiro
Já era noite e logo Jamie chegaria para me livrar desse tormento. Serei eternamente grata por me ajudar a não ficar com o pé enfaixado durante uma ou duas semanas. Peguei meu computador portátil para dar uma olhada rápida no Facebook. Estava ansiosa para que meu amigo chegasse, por isso o tempo parecia passar mais devagar e precisava me distrair de alguma forma. Olhei pela fresta que a cortina fechada formava e a noite lá fora me pareceu obscura, típica de criaturas da noite.... Desliguei o computador. Não aguentava mais ficar sentada ou deitada na cama, queria poder sair andando com as duas pernas por aí novamente. Comecei uma espécie de prece mental para que Jamie viesse o mais rápido possível. Olhei para a janela novamente com a esperança de que ele estivesse ali, mas não estava.
Deitei na cama e olhei para o teto. O tédio me dominava, até que tive uma ideia que me pareceu divertida e útil. Sentei na cama e olhei para a cadeira de rodinhas que ficava em frente a escrivaninha, ao lado da cama. Arrastei-me até a ponta da cama e puxei a cadeira com o pé que estava bom. Depois de alguns malabarismos, a cadeira ficou perto o suficiente para que pudesse me transferir para ela. Sentei-me na cadeira e coloquei a perna que estava com o pé machucado para cima e com a perna boa fui empurrando a cadeira até a sacada. Eu me sentia... como explicar? Livre? Talvez, mas acho que não era só a sensação de liberdade. Me sentia uma criança novamente, essa era a verdade. A cadeira era um meio de transporte rápido, eficaz e... divertido! Todos deveriam experimentar isso! Mentira, não deveriam não. É tecnicamente perigoso e realmente prefiro poder apoiar os dois pés no chão e poder caminhar. Ao chegar na sacada, o gélido ar noturno me embalou como um manto frio. O céu estava adornado com uma bela lua cheia, um enorme disco de prata que embalava as noites dos que tiravam um tempo para apreciar essa magnífica criação.
Fechei os olhos e me imaginei voando, voando bem alto, tocando a lua. Até que uma nova rajada de vento me atingiu, essa era mais forte e tinha um cheiro diferente, não era algo como madeira e umidade, era um perfume forte que seria capaz de sufocar, embora o odor fosse agradável. Tossi umas duas vezes e abri os olhos. Jamie me observava parado no beiral e sua expressão era de curiosidade.
— No que estava pensando?
— Ah! Oi! Eu... estava... nada não. Tudo bem? — Meu coração ainda estava aos pulos com o susto.
— Estou bem, e você?
— O que você acha? — Tentei dar um ar de seriedade e coloquei as mãos na cintura, mas não pude deixar de rir de leve.
— Seus pais! — Seu rosto estava alarmado.
— O que tem eles?
— Tchau! — Jamie sumiu para algum lugar em cima do telhado e fiquei olhando para cima, confusa.
— Volta aqui! Espera!
— Filha, com quem está falando? — Minha mãe estava na porta do quarto.
— Mãe? Estou... ensaiando para uma peça de teatro da escola. Vai entrar como nota de literatura.
— E por que está na sacada? Não podia ensaiar na cama?
— É que eu quis um cenário parecido... vamos fazer uma representação diferente de Romeu e Julieta.
— Sei... tudo bem, mas volte logo para dentro. E vê se fica na cama, amanhã vou te levar ao médico se seu pé ainda estiver inchado ou doendo. Durma direito, não é porque não vai para a aula amanhã que você não precisa dormir bem. — Saiu do quarto e bateu a porta de leve sem esperar para ver se entraria ou não. Comecei a empurrar a cadeira de volta para o quarto pensando que Jamie tivesse ido embora, frustrada por não ter me ajudado. Assim que dei um empurrão na cadeira para voltar, Jamie pulou na minha frente, no que acabei o desequilibrando e caindo da cadeira. Antes que caísse no chão, ele se reequilibrou, segurou a cadeira esticando uma das pernas e me segurou com as duas mãos. Fizemos um longo minuto de silêncio, com medo que minha mãe voltasse, mas por algum motivo não voltou.
— Está tudo bem?
— Sim. Desculpe.
— Eu é que preciso me desculpar, não deveria ter pulado na sua frente. — Sorriu sem graça, me ajudando a ir até a cama e colocou a cadeira no lugar.
— E então? Como pretende me ajudar?
— Bem.... Como o ferimento não é exposto, vou apenas aplicar em você uma injeção de...
— Epa! Espere um momento! Por que injeção? Se fosse para esperar o efeito de uma injeção, iria até o hospital!
— Concordo, mas não é uma injeção comum.
— Como assim?
— Contém uma mistura de sangue humano e sangue vampiro.
— Ah... e você vai me dar mesmo uma injeção de sangue? — Soava incrédula.
— Então... sim. Teria que misturar seu sangue ao meu e aplicar a injeção.
— E não corre o risco de me tornar vampira? — Achei estranho dizer isso, mas minha vida já estava tão estranha que não fazia diferença.
— Não. Nossos sangues estarão misturados, não é sangue vampiro puro.
— Por acaso teria outro jeito de curar?
— Sim, existem mais duas formas.
— Quais?
— Uma delas seria me ferir e você beber meu sangue, mas dependendo da quantidade que bebesse poderia se tornar vampira ao morrer. Outra, um pouco mais nojenta, é com a saliva de vampiro. Ela cura feridas expostas. — Ao ver a careta que fiz Jamie riu.
— Já imagino como deve ser....
— Imaginei que fosse preferir a seringa por isso. — E me mostrou o objeto com a agulha brilhante e pontuda e um sorriso leve no rosto.
— É. Vamos lá, então... vai tirar meu sangue com a seringa?
— Não vamos precisar. Antes de vir misturei o sangue com o do meu jantar... Ahn, quer dizer... minha vítima. — Sorria, mas seus olhos mostravam constrangimento.
— Ajudou muito saber disso. — Revirei os olhos.
— Deixe de ser medrosa. Juro que a vítima está viva, está bem? Só não se lembrará de nada que aconteceu e estará morta de fome.
— Está bem, chega de detalhes. Vamos logo com isso. — Fechei os olhos, mas pude imaginar seu rosto ao ouvir sua risada. Senti uma leve picada no braço direito e em questão de segundos minha dor passou, abri os olhos e pude ver que meu pé não estava mais inchado. Observei maravilhada. — Mágica!
— Quase isso. Agora preciso ir! Demorei demais na caçada. Tenha uma boa noite! Até amanhã! — Jamie se dirigiu rapidamente até a sacada.
— Não pode mesmo ficar mais? — Disse desapontada e não conseguia esconder isso muito bem.
— Creio que não... vão desconfiar. Até mais. — E quando falou a última frase, já estava voando em direção ao bosque e não pude deixar de ficar embasbacada com as asas de morcego de novo.
— Tchau... — falei baixinho, mas já havia partido.
Deitei na cama feliz por não estar mais com o pé machucado e ao adormecer nem imaginava que teria outra visita...
Acordei de madrugada, assustada com um barulho vindo da sacada. Meu coração disparou, meus sentidos ficaram em alerta e minha mente maquinava mil ideias para a origem daquele barulho. Fiquei na dúvida entre levantar para ver o que era e me esconder debaixo do cobertor, rezando para que fosse apenas o vento. Não sei o que houve comigo nesse lugar, mas me sentia mais corajosa. Talvez estivesse apenas mais burra.... O fato é que me levantei e avancei até a sacada cautelosamente, mas na verdade, só me levantei mesmo porque lembrei que a porta estava aberta e que se fosse um ladrão ou algum bicho, poderia entrar com facilidade.
Escondi-me do lado direito da porta, aproveitando que as cortinas estavam fechadas e com muito cuidado espiei pelo vão que se formava. Ao fazer isso, vi uma figura caída na sacada e meu coração pareceu parar por um segundo para depois voltar a bater com toda a força. A pessoa não estava se mexendo e fiquei curiosa para ver o que havia acontecido. Medo... onde ele está quando preciso dele? Saí e esperei um tempo para ver se a pessoa se mexia, mas ela continuava imóvel. A noite estava escura e não conseguia distinguir suas feições, só tinha certeza de que era um rapaz. Resolvi me aproximar e assim que dei alguns passos à frente, a nuvem que encobria a lua se afastou e iluminou a cena fazendo com que conseguisse reconhecer quem estava ali caído.
— Bryan! O que houve? Por que não se move? — Abaixei-me perto dele, que continuou imóvel, com seus olhos fechados e uma expressão de dor.
Levantei-o pelos braços e o arrastei para dentro da melhor forma que pude, corri fechar a porta balcão e as cortinas, quando ouvi um barulho vindo lá de fora. Coloquei-o com muito custo em cima da minha cama e sentei-me ao lado dele, que permanecia de olhos fechados. Estaria desmaiado?
— Por favor, acorde... diga-me o que aconteceu. — Pedi inutilmente. Fiquei em silêncio por um tempo e olhei de relance para a porta da sacada. Ao fazer isso, pude ver a sombra de alguém atrás da cortina, lá fora. Senti meu sangue gelar e acho que meu coração tornou a parar por alguns segundos. Tive vontade de gritar, mas quando ia fazer isso senti alguém segurar firme minha mão e voltei meu olhar para Bryan.
— Fique calma... — sussurrou.
— Quem...? — Tentei sussurrar de volta, mas nem cheguei a usar minha voz, que parecia ter sumido em meio ao pânico. Voltei a olhar para a porta e notei que a silhueta parecia feminina. Seria alguma amante enfurecida dele? Ficava ali parada, não fazia nada. Prendi a respiração quando notei algum movimento na figura, mas ao invés de entrar, foi embora com um salto ágil.
— Foi embora... — Finalmente consegui usar minha voz. — O que houve com você e quem era aquela pessoa?
— É melhor você não saber. Nem sei se tenho permissão para dizer. — Sua estava baixa e rouca, parecia estar com muita dor. Vampiros sentem dor?
— Tudo bem, esqueça. Você está machucado?
— Um pouco, mas logo melhora.
— Não quer algum analgésico? — Fiz uma pausa curta. — Por que está rindo?
— Remédios são inúteis para vampiros. — Seu sorriso, apesar da dor, era de desdém.
— Ah... quer beber alguma coisa, então?
— Na verdade, eu... — notei um brilho escarlate em seus olhos verdes esmeralda e me apressei em dizer.
— Menos meu sangue!
— Ah! Era justamente o que ia pedir. Você por acaso não tem em estoque algum outro, não é? — Seu sorriso agora era brincalhão.
— Não.
— Na verdade, preciso mesmo de sangue, Analice. — Sua expressão voltara a ser séria e sofrida. — Só isso pode curar meu ferimento. — Levantou a camiseta que vestia e notei uma mancha roxa na região de suas costelas, tentei reparar apenas na mancha.
— O que aconteceu?
— Quebrei algumas costelas.
— Você o quê? Ah meu Deus! Desculpa por ter arrastado você até a cama!
— Não precisa se desculpar. Estava desmaiado, não lembro da dor. Além do mais, amanhã já vou estar curado.
— Mas... como vai voltar para casa? Não está com dor?
— Sim, estou com dor. E realmente não sei como voltar, só espero não ser atacado de novo.
— Você não pode sair lá fora desse jeito. — Estava preocupada e fiz o possível para que notasse isso e não interpretasse errado o que planejava fazer.
— Eu dou um jeito. — Tentou dar de ombros, mas seu rosto se contraiu numa careta de dor.
— Você se incomoda de dormir no porão? Talvez possa ficar aqui.... Os vampiros dormem?
— Dormimos, mas não por necessidade. Não me incomodo de ficar no porão. É muita gentileza sua.
— Então você aceita? Lá tem uma televisão e uma estante cheia de livros caso não queira dormir.
— Tudo bem. Mas os rapazes vão notar que não voltei. Eles virão atrás de mim em algum momento.
— Podemos telefonar. Aviso que você está aqui. — Sorri e ele me entregou o telefone dele, já com uma chamada encaminhada. Peguei o aparelho e esperei a pessoa do outro da linha atender. Quase tive um piripaque ao ouvir a voz de Shane do outro lado da linha. Resolvi ser rápida e prática.
— Alô? Bryan? — A voz era de sono.
— Não, é Analice. Bryan está comigo e vai passar a noite aqui. Avise os meninos que voltará para casa amanhã, depois do meio dia e foi atacado por alguém que não quis me contar, mas está tudo sob controle. Tchau. — Desliguei o mais rápido que pude e só consegui ouvir um "E aonde ele vai dormir...?".
— E aí?
— Tudo bem. Avisei ao Shane. Vou levá-lo ao porão agora. Siga-me. — Ajudei Bryan a se levantar e deixei que se apoiasse em mim. — Você pode esperar eu voltar da escola amanhã? Assim posso acompanhá-lo até sua casa e talvez George me conte quem o atacou.
— Posso, mas...
— O que foi?
— Não consegui caçar. Estou com sede.
— Dois copos é o suficiente? — Disse após um longo tempo pensando.
— Onde vai arrumar dois copos de sangue?
— Vou tirar de mim. Com uma seringa. — Ele estava rindo de mim e o olhei zangada. — Vai demorar um pouco, eu sei, e vou precisar da sua ajuda.
— Tudo bem... — seguimos devagar até a porta e pude perceber que Bryan se esforçava para não apoiar tanto peso em mim, mas isso causava ainda mais dor nele.
— Pode soltar o peso. Não sou tão fraca.
— Não. Eu sou pesado. — Sussurrou. — E apesar do Shane e do Jamie dizerem que você é bem estabanada, acho você muito delicada.
— Não sou tão delicada assim. — Meu rosto corou. — Depois vou ter uma conversinha com os dois sobre o que andam falando de mim.
— Eles também disseram que é teimosa e acho que nisso eu concordo... — seu sorriso era cansado, tínhamos chegado até a escada.
— Olha que posso te jogar da escada... — Fingi ameaçá-lo, mas isso só fez com que abrisse ainda mais o sorriso e perdesse um pouco do ar cansado. Descemos até o primeiro andar e deixei Bryan no sofá da sala enquanto buscava guardanapos, dois copos e uma seringa, na cozinha. Descobri o alçapão, que ficava debaixo do tapete num canto esquecido debaixo da escada e o ajudei a descer.
Lá embaixo era escuro e não conseguia enxergar nada, mas ele sim, e enquanto o apoiava, me guiava com sua visão até acharmos o interruptor. Descemos a escada com extremo cuidado e ao chegar ao subsolo tateei a parede em busca do interruptor. Assim que acendi a luz pudemos ver tudo com mais facilidade. O cômodo não era muito grande, mas havia um sofá de três lugares cor de vinho, um tapete que combinava com o sofá, uma estante com diversos livros e uma mesa onde repousava uma televisão antiga que ainda funcionava bem. As paredes era cinzas e o chão era de concreto ainda.
— Gostei daqui. — Ele inspecionava o lugar com olhar de aprovação.
— Não é muito luxuoso... desculpe.
— É realmente bem diferente do meu quarto no casarão do George, mas é tão confortável quanto. Obrigado. — Ajudei-o a deitar no sofá.
— Não precisa agradecer. Você... pode me ajudar a tirar o sangue? — Minha voz falhou um pouco e me repreendi por isso.
— Ah. Verdade. Tem certeza mesmo que quer fazer isso? — Observava desconfiado.
— Sim, quero te ajudar.
— Espero que George e Jamie nunca fiquem sabendo disso... — seu tom de voz era uma súplica e assenti, querendo passar a confiança de que não contaria nada a eles. Cheguei mais perto e entreguei a seringa a ele, deixei o copo apoiado no braço do sofá.
— Tudo bem. Pode ir. — Fechei os olhos e esperei a picada.
— Não sei se consigo. E se George acabar descobrindo? — Voltei a abrir os olhos para encará-lo.
— Você precisa fazer isso. Ande logo! — Fechei os olhos novamente. — Prefiro que beba do meu sangue agora do que ataque minha família depois. — Senti a picada da agulha e um arrepio percorreu minha coluna. Consegui abri os olhos, talvez por instinto, e percebi que as írises dos olhos dele estavam vermelhas.
— Tudo bem com você, Bryan? — Tentei não parecer amedrontada.
— Isso está demorando muito... — olhava fixamente para a seringa.
— Sim. Eu disse que demoraria.
— Não vai dar certo. — Desviou o olhar para o meu rosto e estremeci.
— O que sugere, então?
— Preciso beber direto da fonte. Quero dizer... por favor, posso beber de outra maneira?
— Que maneira seria essa? — Já podia imaginar a resposta, mas quis ganhar tempo.
— Seu pescoço. Vou mordê-lo e beber o sangue que escorrer. É como a picada da agulha, não dói porque a saliva de um vampiro também serve como anestésico. — Sua expressão era séria.
— Ficou doido? Não sei se consigo...
— Eu sabia. Sabia que não daria certo. — Passou a observar o teto com uma expressão de agonia.
— Não gosto de vê-lo assim, mas não sou corajosa o suficiente...
— Tudo bem, mas, por favor, saia daqui.
— Mas...
— Saia! — Gritou.
— Silêncio! Vai acordar meus pais!
— Está bem, mas saia logo! — Falava com dificuldade e algo me dizia que não era a dor.
— Boa noite. — Tratei de sair depressa dali e escondi de novo a porta por sobre o tapete, tomando o cuidado de trancá-la antes. Subi correndo para o meu quarto e deitei na cama. Fiquei observando o teto tentando de alguma forma relaxar, mas os acontecimentos daquela noite e o vampiro faminto no meu porão não me deixavam relaxar. Adormeci depois de um longo tempo.
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