Cap. 4 - Primeiro Dia de Aula

— Acorda filha! Você vai se atrasar... — senti alguém cutucar minhas costas e ouvi uma voz parecida com a da minha mãe dizer alguma coisa sem sentido, mas isso foi suficiente para afastar a névoa do sono. Abri os olhos.

— Mãe? — Levantei-me sonolenta e esfreguei os olhos. Então era mesmo a voz dela...

— Bom dia! Você vai se atrasar para a escola! Anda! Levanta logo! — Começou a puxar o cobertor e o lençol e senti um ar frio atingir meu corpo. Agora a cama não parecia mais tão confortável...

— Ah, é! — Fingi animação e pulei de uma vez para fora da cama.

— Não faça muito barulho, menina! Você vai acordar seu irmão!

— Tudo bem.

Ajeitei a cama rapidamente, sai do quarto, desci as escadas e tomei um copo de café com leite. Depois, subi as escadas de novo, tomei um banho e vesti uma roupa simples: calça jeans, All Star preto e a blusa do uniforme do colégio, que era branca e de mangas curtas. Penteei o cabelo e escovei os dentes. Não havia tempo para maquiagem, por isso apenas joguei um batom e um rímel na mochila e desci as escadas correndo de novo. Peguei meu lanche na cozinha e minha mãe disse que me levaria hoje, mas nesse momento meu irmão apareceu na cozinha e resmungou que queria que minha mãe ficasse em casa. As aulas dele só começariam na semana que vem, não sei por qual motivo.

— Tudo bem, mãe. Vou sozinha sem problemas. Não é longe e você me mostrou na internet como chegar lá antes de nos mudarmos, lembra? Sei onde é.

— Tem certeza? — Minha mãe sabia que não haveria como me levar e sempre parecia ficar insegura por me deixar sair sozinha. Insisti e acabou cedendo. Meu pai já tinha saído para trabalhar e não adiantava ter esperanças de conseguir uma carona de carro. Peguei meu celular, o fone de ouvido e quando liguei o aparelho, vi que haviam quinze chamadas perdidas.

Enquanto caminhava, me questionei sobre quem poderia ter ligado com tanta insistência. Imaginei que fosse uma emergência e notei que todas as chamadas pertenciam a um mesmo número. Havia um único recado de voz e o coloquei para tocar, já com os fones no ouvido. Parecia a voz do George... Estranho.... Não consegui entender nada que dizia, só a parte em que me perguntava se estava bem. Respondi com uma mensagem de texto confirmando que estava bem e que não precisava se preocupar. Então esse era o número do celular dele... Ou será que não? Comecei a rir comigo mesma e coloquei uma música para tocar. Cumprimentei algumas pessoas e notei que muita gente na rua em que morava acordava por esse horário e tinham costume de sair na varanda das casas para apreciar o ar da manhã, imagino. Atravessei o centro da cidade, que na verdade era só o lugar mais movimentado, nem sei se poderia ser considerado um centro. Aquela cidade era tão pequena... parecia uma cidade pacata para mim, sem qualquer graça ou diversão.

Acho que minha caminhada foi um pouco rápida e mal percebi quando finalmente cheguei no colégio de muros azuis. Assim que passei pelo portão começou a tocar Eye of the Tiger, do Survivor, e não pude deixar de achar graça. Observei o pátio ao diminuir meu ritmo. E era grande: no centro do pátio havia uma fonte com uma estátua que jorrava água pela boca, a imagem parecia ser de uma sereia ou ninfa; a direita havia algumas mesas e banquinhos onde alguns jovens conversavam; a esquerda havia uma enorme árvore cuja copa fazia uma espécie de toca por sobre alguns banquinhos de pedra. Ali não havia ninguém e definitivamente me pareceu um bom lugar para ficar até tocar o sinal. Ao redor da escola toda havia árvores de médio porte e bem podadas. A escola era grande e mais parecia uma mansão, com sua arquitetura em estilo clássico e suas paredes cor de creme. Sentei-me no banquinho e continuei minha análise do novo lugar. Algumas crianças corriam de um lado para o outro e pareciam brincar de pega-pega. Uma mulher vestida formalmente com blazer e saia em estilo secretária estava em pé perto das crianças e parecia gritar alguma coisa com elas. Pude notar um grupo de garotas em pé na mesinha que ficava mais distante da entrada e percebi a existência de uma quadra onde alguns garotos jogavam futebol. As meninas os observavam como se olhassem uma vitrine bonita e cara. Não consegui definir se os garotos eram bonitos ou não, estavam muito longe. Ninguém parecia notar a minha presença e achei isso muito bom. Tirei um pequeno espelho da bolsa e passei o batom rosa claro que havia trazido comigo. Faltavam cinco minutos para o sinal tocar e calculei que daria tempo de passar o rímel também, era só não borrar muito. Mal percebi quando alguém se aproximou de mim, pois estava muito concentrada em terminar logo de passar o rímel no olho restante.

— Oi. — A garota falou depois de um tempo ao perceber que não havia reparado nela.

— Ah. Oi. — Sorri, deixei o espelho de lado e guardei meus apetrechos na mochila. Já havia terminado mesmo!

— Você é nova, não é?

— Sim. Quem é....? — A menina me interrompeu.

— Prazer em conhece-la! Pode me chamar de Ally! Acho que somos da mesma sala... pelo menos foi o que a diretora disse. Como você se chama mesmo? — Ally parecia estar bem animada, ou nervosa.

— Analice. — Sorri um pouco sem graça.

— Venha Alice! Vou te mostrar onde fica a nossa sala! — Ally me puxou pelo braço e mal tive tempo de agarrar minha mochila. Tropecei algumas vezes antes de me reequilibrar e ela pediu desculpas. Aproveitei a deixa para corrigi-la e dizer que meu nome era Analice e não Alice.

Mostrou onde ficava nossa sala e pelos corredores foi me informando rapidamente os nomes das pessoas, mas sem me apresentar a ninguém, e os demais lugares da escola como a biblioteca e a lanchonete. Conversamos bastante até o primeiro professor chegar. Ele se atrasou cerca de vinte minutos e fiquei pensando como isso era possível se aqui não havia trânsito. Descobri que Ally tinha uma irmã mais nova e um irmão mais velho. Conversamos sobre os prós e contras de ser a mais velha e como era ser simultaneamente as duas coisas. No final do período, me convidou para almoçar. Liguei para minha mãe e avisei que iria almoçar com minha nova amiga. Minha mãe ficou tão contente por ter feito amizade, que nem perguntou onde iríamos almoçar ou o telefone dessa nova amiga.

— Vamos? — Sorri.

— Preciso esperar meu irmão. Disse que viria me buscar no colégio hoje... — fez uma careta e caímos na gargalhada. Disse que o irmão era legal na maior parte do tempo, mas que também sabia ser chato. — Ali! — Apontou um rapaz moreno, de cabelos pretos e óculos escuros. Quando se aproximou tive uma sensação estranha, mas ignorei. Suas vestes também eram escuras e comecei a pensar se não seria emo, roqueiro ou algo do tipo.

— Olá. — A voz dele era grave e encantadora. Me esforcei para não o encarar muito.

— E aí, como passou a manhã? — Ally deu um soquinho no braço do rapaz, que parecia tenso.

— Bem, obrigado. E você? — Com aqueles óculos protegendo seus olhos não pude notar se olhava para Ally ou para mim ao fazer essa pergunta, mas resolvi ficar calada.

— Foi boa, apesar da escola. Essa é minha nova amiga, Analice. Analice, esse é meu irmão mais velho, Shane. — Disse sorrindo e me puxando mais para perto deles. Não pude evitar corar e lancei um sorriso tímido ao cumprimentá-lo. Tinha traços bonitos como a irmã, mas Ally tinha a pele bem mais clara que a dele e os cabelos dela eram castanhos claros. Ele era uns vinte centímetros mais alto e me senti desconfortável por ter que erguer a cabeça para falar com ele.

— Oi... — falei rapidamente e logo desviei o olhar.

— Oi. — Disse sem demonstrar qualquer traço de emoção.

— Vamos? Estou faminta! — Disse Ally sem se abalar pela estranheza do momento.

— Vamos. — O irmão começou a caminhar rápido, me deixando para trás, até que Ally o avisou que iria almoçar com eles. O irmão dela já dirigia, um carro preto muito bonito, mas não faço ideia de que modelo ou marca era. Não sou boa com nomes de carros. Almoçamos no Coffe's Point e Ally me explicou que ela e o irmão tinham mania de almoçar ali, mesmo que não servissem almoço. O café me trouxe a recordação dos rapazes que conheci e senti falta de conversar com eles, não nos falávamos fazia um tempo.... Ally me chamou para ir à sua casa e apesar de o irmão ter resmungado alguma coisa, deu uma cotovelada na barriga dele e insistiu tanto para ir que acabei cedendo.

— Mãe? — Chamou Ally, entrando em casa. Entrei logo atrás dela e Shane ficou por último. A casa dela não era muito diferente da minha, só era um pouco maior. O irmão dela também chamou pela mãe, mas ninguém respondeu. Foi para a cozinha e voltou com um papel nas mãos dizendo que os pais haviam saído com a irmã mais nova, depois foi para o andar de cima.

— Ah, sim. Não faz mal, outro dia te apresento minha mãe! Ela vai adorar te conhecer! — Ally parecia realmente animada e me perguntei se não teria muitos amigos.... Correu até a cozinha e me ofereceu alguns chocolates de uma caixa que trouxera consigo, não pude resistir. Chocólatras não recusam chocolates, é quase uma lei. Não pude evitar reparar na sala da casa dela. Tinha um sofá preto em forma de semicírculo onde estávamos sentadas que era muito confortável. Havia uma televisão de plasma de 32 polegadas, um tapete preto muito macio, uma lareira, uma mesa com algumas cadeiras em um dos cantos, um lustre pequeno no alto e... um piano! Tinha um lindo piano preto de cauda!

— Você sabe tocar piano? — Falei maravilhada.

— Não. Mas meu irmão está aprendendo com um amigo dele há umas três semanas. Minha mãe diz que sabe tocar, mas só a ouvi tocando uma única vez. Foi lindo, não sei porque não toca mais...

— Ah...

— Você gosta de piano? — Não pude deixar de dar um pulinho de susto quando o irmão dela falou de algum lugar atrás de mim. Como não o ouvi descer as escadas?

— Sim. — Gaguejei estupidamente.

— Irmão! — Gritou Ally, que estava sentada a minha frente com uma expressão indignada.

— O que foi? — Falou e não arrisquei virar para olhá-lo. Sua voz soava indiferente.

— Isso é jeito de andar pela casa quando tem visita? — Ally o encarava com as mãos na cintura. Arregalei os olhos sem coragem de sanar minha curiosidade em ver o porquê estava tão irritada com o irmão. — Vai colocar uma camisa, por favor! Ninguém merece ver isso! — Resmungou. Esperei alguns momentos, até que subisse a escada, mesmo que estivesse de costas para esta, e não conseguisse ter certeza se havia subido ou não.

— Nossa! Do jeito que você falou parecia que... — Ally me encarava como quem quer informar algo só com o olhar. — Que foi?

— Se ia falar de mim... ainda estou aqui. — Ouvi a voz do irmão exatamente onde estava antes e corei imediatamente.

— Não ia dizer nada demais... — dessa vez agi por impulso e me virei para encará-lo ao responder. Imediatamente recolocou a camiseta que segurava nas mãos e os óculos escuros no rosto. Não pude deixar de ficar meio embasbacada com a visão, seu corpo parecia perfeito.

— Desculpe se você se incomodou... não costuma vir gente aqui e estou acostumado a andar assim pela casa.

— Está tudo bem. — Falei sem graça e virei-me para Ally novamente.

— Nossa... — Ally se pronunciou e ambos a encaramos. — Geralmente minhas novas "amigas" quando conhecem meu irmão ficam todas assanhadas e já vão se jogando para cima dele.

— Desculpa, mas não sou assim. — Senti uma pontada de raiva.

— Não! Fico feliz que não seja! — Ally sorriu um pouco envergonhada dessa vez e a perdoei pelo comentário.

— Você não gostou de mim? — O irmão falou e me virei novamente para encará-lo.

— Não é isso! Não posso dizer se gostei ou não de você, porque a gente mal se falou. E mesmo que tivesse gostado como essas amigas da Ally, jamais me "jogaria" para cima de você. — Expliquei.

— Entendi. Conversamos mais outro dia, então. Vou tomar banho. — Disse e subiu para o andar de cima pulando de dois em dois degraus.

— Vem! Vou te mostrar meu quarto! — Ally me puxou pelo braço de novo e subimos a escada até seu quarto. Era o último do corredor, a porta da direita. O quarto era grande e decorado com tons de vermelho e rosa. Achei completamente encantador, embora com certeza não faria uma decoração daquelas no meu quarto. A cama era cheia de travesseiros e almofadas em forma de coração e havia um tapete persa branco cobrindo o chão.

— Seu quarto é lindo!

— Obrigada, mas enjoei da decoração. Queria algo mais roxo e azul escuro... ficaria bem melhor.

— Ah... eu gosto assim. Ficou fofo e romântico.

— É verdade... — torceu o nariz, mas acabou rindo. O telefone da casa tocou e como o irmão não atendeu, pediu licença e correu até a sala para atender, deixando-me sozinha. Sentei na cama e não consegui ignorar o livro que estava aberto sobre a mesma. Peguei o livro com cuidado para não desmarcar a página. Falava sobre antiguidade... mitos... magia... criaturas sobrenaturais.... Senti um arrepio correr minha coluna e comecei a me sentir observada. Olhei para a porta por instinto e vi o irmão dela parado, encostado no batente, me observando. Estava sem os óculos e notei que as írises de seus olhos eram vermelhas. Outro arrepio. Será que usava lentes? Aqueles olhos me davam medo... pareciam sangue.

— Posso ajudar? — Minha voz soou trêmula e me repreendi por isso. Ele não respondeu de imediato.

— Eu acho que... já te conhecia de algum lugar... — dessa vez ergueu uma sobrancelha e deu dois passos para dentro do quarto sem parar em momento algum de me encarar. Comecei a me sentir estranha, como em um estado de torpor. Não consegui desviar o olhar do dele e percebi que meu corpo estava trêmulo. Larguei o livro na cama e me levantei com cautela. Cada passo que dava para perto de mim, recuava para longe dele. Acabei esbarrando na janela. Não havia mais para onde fugir e continuou se aproximando até estar a poucos centímetros de mim. Curvei meu corpo para trás, quase me desequilibrando e caindo pela janela aberta. Reclinou o corpo por sobre o meu e meu coração disparou.

— Acho que sonhei com você. — Falei sem ter consciência do que dizia.

— O que você sonhou? — Senti o hálito frio dele e estremeci novamente. Olhava no fundo dos meus olhos como se quisesse ver minha alma. Nesse instante a irmã dele entrou no quarto e foi tudo muito rápido. Ela o puxou para longe com força e o empurrou para fora do quarto batendo a porta em seguida. Quando virou para me encarar, já tinha me recuperado e endireitado o corpo, mas Ally estava com o rosto tão pálido que parecia ter visto um fantasma.

— Está tudo bem com você, Ally?

— Sim... claro! Mas você precisa ir. Lembrei que minha mãe não gosta de visitas inesperadas e... ela vai chegar logo. — Ally estava gaguejando e já não parecia tão animada quanto antes. Me arrastou até a sala e se despediu de mim, mas não pude deixar de perguntar onde estava o irmão. Nem sequer lutou quando o puxou para fora do quarto.

— Não importa. Ele é chato! Agora é melhor você ir....

— Mas você não disse que gostava dele?

— Sim, mas hoje não. Tchau! — Fechou a porta e me senti completamente confusa. Será que pensou que estava tentando algo com o irmão dela? Por que me expulsou desse jeito? Tinha certeza que não era por causa da mãe, mas deixaria que me explicasse um dia. Se é que voltaria a falar comigo.... Comecei a fazer o caminho de volta para casa e percebi que me levara para o outro lado da pequena cidade. Demoraria um pouco para ir a pé para casa.... Tive que perguntar o caminho duas vezes antes de finalmente me localizar, apesar de ter a sensação de que já havia passado por aquelas ruas antes.


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