Cap. 34 - Tudo se Conecta

Chorava e soluçava. Meu corpo tremia em pequenas convulsões e percebi que havia jogado o espelho longe. Estava sentada na cama e abraçava meus joelhos com força, alguém tentava arrombar a porta, mas estava em choque e não conseguia raciocinar direito.

— Ani! — Era Shane que havia conseguido entrar e agora estava sentado ao meu lado me abraçando. — Ani, o que aconteceu?

— Alana matou você. — Murmurei de forma incompreensível, mas pareceu entender e passou a acariciar meus cabelos.

— Não. — Disse com calma. — Eu não morri. Estou aqui. — Fez uma curta pausa enxugando as lágrimas em meu rosto. — Sou imortal. Não posso morrer.

— Pode sim. Alana me contou que pode prender sua alma num espelho mágico depois de transformar seu corpo em retalhos. — Outra onda de soluços me impediu de continuar a falar e tentou me embalar como a um bebê. Tia Annie, o Senhor Helsten e os demais entraram no quarto nesse momento.

— Alana não tem como ter dito isso a você, Ani. A não ser que estivesse aqui. Ela estava?

— Não. — Balancei a cabeça como maneira de confirmar o que estava dizendo.

— Viu? Não tem como ter dito nada...

— Analice estava em uma simulação. — Tia Annie o interrompeu e todos voltaram sua atenção a ela. — Estava usando um espelho mágico para treinar.

Ela o quê? — Jamie parecia surpreso. — Estava abalada emocionalmente! Não devia ter usado um espelho nesse estado!

— E as informações não podem ser reais. É só uma simulação, não? — Bryan arqueou as sobrancelhas, estava parado ao lado do batente da porta com os braços cruzados em frente ao corpo.

— Podem ser reais sim. — Tia Annie fitou cada um de nós com ar sério. — Precisamos tomar cuidado com espelhos. Não são apenas os imortais que podem ser presos neles.

— Espadas de sangue. — Ouvi minha voz dizer sem tomar consciência do que dizia. Todos me encararam.

— Como assim, meu amor? — Shane acariciava meu rosto com ternura, virei-me para olhá-lo melhor.

— O parceiro de Alana te atacava com uma espada de sangue e só ela era capaz de te ferir de verdade.

— Analice tem razão. — Jamie se pronunciou. — Já ouvi falar que a única coisa capaz de ferir um vampiro é uma espada de sangue...

— Sim, mas para obter uma dessas quem a conjurou se vê vulnerável. — George o interrompeu. — A pessoa utiliza o próprio sangue para fazer a espada, assim, se for destruída, essa pessoa morre na hora.

— Não destruí a espada quando matei o homem.

— Era só uma simulação. — George deu de ombros. — Mas provavelmente você não o matou.

— Como destruímos uma espada de sangue? — Shane falou com a voz perfeitamente controlada, embora seus músculos estivessem tensos.

— Preocupado com o próprio pescoço? — Bryan deu uma risadinha de deboche, mas Shane não achou graça.

— Se fosse você também estaria preocupado. — Falou trincando os dentes. A tensão se intensificara e achei melhor intervir.

— Acalmem-se, por favor! Não adianta nada ficar discutindo e tenho certeza que não é assim que se destrói a espada.

— Estou preocupado porque se morrer você também morre, meu amor. — Senti seus braços me envolverem com um pouco mais de força, como se pudesse sumir a qualquer momento.

— Está preocupado comigo? — Não conseguia acreditar no que estava ouvindo, mesmo tendo consciência de que era a mais pura verdade. Isso me deixava feliz e preocupada também.

— Não posso perdê-la outra vez... — me beijou com suavidade. — Também não suportaria saber que está sofrendo por mim.

— Prefiro morrer com você a viver sem sua companhia.

Ninguém aqui vai morrer! — Ally falou irritada, mas não soava tão segura. — Ani! Acho melhor você se arrumar, já está quase na hora da batalha.

— Tudo bem.

Todos me abandonaram no quarto enquanto tentava preparar meu corpo e minha mente para agir com o máximo de agilidade e força possível. Vesti uma roupa leve e amarrei o cabelo em um coque no alto da cabeça. Saí do quarto tentando permanecer calma e desci as escadas devagar. Lá embaixo todos já estavam prontos, apenas aguardavam a minha pessoa.

— Preparada? — Ally tentou sorrir animada, mas todos nós sabíamos que o que viria a seguir não seria nada divertido.

— Estou. — Alguns segundos se passaram até que conseguisse responder com firmeza. Entramos nos carros que usamos no dia da fuga e seguimos de volta para a mansão do Senhor Helsten, atual palácio de Alana.

Shane sentou comigo no banco de trás e foi segurando minha mão durante todo o percurso, às vezes acariciando minhas costas com o polegar. Quando nossos olhares se cruzavam, não conseguia deixar de sorrir. Não importava a gravidade da situação, me fazia sentir segura. Agora sabia disso e me sentia uma tola por ter medo dele antes. Nosso amor era nossa força. Talvez para vencer Alana nós tenhamos que lutar juntos. Somos os guardiões do amor e temos uma energia única e poderosa, tanto que que Alana pretende roubá-la. Não somos nós que temos de ter medo.

Assim que chegamos o Senhor Helsten quase teve um ataque ao ver que Alana transformara sua casa no Coliseu romano. Com certeza havia usado magia. Passamos pelos portões da propriedade e estacionamos os carros, saímos e começamos a caminhar até a enorme estrutura de pedra. Estávamos atentos para qualquer tipo de armadilha, assim que passamos pelo primeiro portal ouvimos uma voz vinda de algum lugar.

— Não falei para virem apenas os dois? — Era a voz nojenta de Alana. — Ficaram com medo?

— Não temos medo de você, Alana. — Falei sem entender de onde arrumara tanta coragem para manter minha voz firme e ainda por cima um pouco arrogante. — Meus amigos vieram apenas contemplar a sua derrota.

— Veremos quem será derrotada.

Shane e eu seguimos em frente, enquanto os demais foram na direção das escadas que levavam à arquibancada. Ao entrar, notei que já havia muitos espectadores sentados ao redor do campo da arena, provavelmente as criaturas que Alana estava ameaçando e que aceitaram ajudá-la por medo. Logo abaixo das arquibancadas, no nível do campo, celas cercavam a arena, repletas de outras criaturas, provavelmente as que não aceitaram ajudá-la.

— Boa noite a todos! — Ouvimos a voz de Alana, mas ainda não estava em nenhum lugar visível. — Desejo que apreciem o espetáculo! E quando digo que desejo algo, isso pode ser considerado uma ordem! Bom show!

Shane estava segurando minha mão e olhando em volta, apreensivo. Percebi que também estava nervosa, mas isso não estava a ponto de transbordar e aparecer em minha expressão. Era capaz até de sorrir. Alana surgiu do nada com o mesmo segurança que havia visto na simulação do espelho e isso me causou uma sensação de mau agouro. Respirei fundo e forcei-me a manter o autocontrole.

— Vocês sabem que não podem lutar de mãos dadas, não é? — Alana parecia debochar da cena em sua frente como se a achasse patética, mas seu olhar enciumado a desmentia.

— Podemos lutar da maneira que quisermos. — Meu sorriso pareceu fazer uma chama ferver nos olhos dela e notei que trincou os dentes antes de responder.

Muito bem. Faça como quiser. Será ainda mais fácil. — Deu de ombros e voltou a se posicionar ao lado de seu parceiro. — Vamos começar em breve, mas antes... — estalou os dedos e nossas vestes se transmutaram.

Estávamos ambas com vestidos de mangas longas e alargadas a partir do antebraço, o comprimento do vestido descia até pouco acima dos joelhos e uma capa com capuz parecia estar acoplada ao traje. O vestido era como uma representação humana para "roupa de bruxa", o caimento era de babados que imitavam as pontas das asas de um morcego. Enquanto as roupas de Alana exibiam tons de vermelho, preto e dourado, as minhas eram em tons de preto, violeta e púrpura. A capa de ambas era preta por fora, mas a parte de dentro assumia a cor mais vibrante do restante do traje. Nossos cabelos foram soltos e reajustados com tranças embutidas. Nossos calçados foram substituídos por botas pretas de cano médio e bico fino. Como alguém conseguia lutar com isso? Pelo menos o colar que Shane me dera ainda estava comigo...

— O que significa isso? — Falei indignada. Nossos parceiros também haviam sido "modelados" com roupas formais, porém maleáveis, e usavam capas como as nossas, só que mais longas e completamente pretas. As cores das vestes deles imitavam as das nossas.

— Precisamos lutar com estilo! Isto é um espetáculo, afinal! — Colocou as mãos na cintura e bateu uma das botas no chão para demonstrar sua impaciência. — Ah! Quase me esqueci! Conheçam meu segurança particular, Frederick, o mesmo que te atacou no dia da festinha da sua tia.

— Prazer em conhecê-lo. — Falei ironicamente e sorri com falsidade. — Vamos lutar logo ou não? Quem está com medo agora?

Como ousa?!? — Alana berrou ao ouvir a multidão gritar animada com a minha provocação. Que maravilha! Voltamos à Roma antiga! — ARENA! INICIAR COMBATE!

Uma espécie de domo prateado envolveu a cobertura da arena e dois pequenos pilares de mármore branco se ergueram no centro entre as duas duplas. Uma voz robotizada nos instruiu a seguir até o pilar, colocar nossas mãos nos lugares indicados e depois fazer nossos votos para a premiação. Shane e Frederick ficaram frente a frente, assim como Alana e eu. Colocamos as mãos nos lugares brilhantes sobre a pedra e senti uma fraca descarga elétrica tomar conta do meu corpo a partir de onde minhas mãos tocavam. Eu estava paralisada. Não conseguia me mexer. Comecei a entrar em pânico achando que era uma armadilha, mas percebi que ninguém mais se mexia também.

— Faça logo seu pedido, sua estúpida. — Alana falou entre dentes e me lançou um olhar irritado.

— Se ganhar desejo que a cidade toda seja libertada das ameaças e injúrias de Alana Valentini.... Também desejo que a antiga proteção de magia pura volte a proteger a cidade, mas que os humanos que já vivem aqui possam ficar. — Tomei fôlego e continuei. — Desejo também que Alana e todas as pessoas que a ajudaram por vontade própria sejam punidas com justiça.

— Minha vez. — Alana sorriu com malícia e pronunciou sua sentença. — Quando eu ganhar desejo que as almas de Analice Martini e Shane Gentile Malik sejam aprisionadas em meu medalhão. Desejo obter todo o poder que detêm e desejo que todos nessa cidade se tornem meus súditos, dispostos a satisfazerem todas as minhas vontades. Quero que me tratem como uma rainha. Desejo também que Annie Martini seja aprisionada num espelho mágico para todo o sempre, assim como meu pai, Edmund Valentini Helsten...

Não pode pedir isso! — Senti o pânico tomar conta de mim, mas Shane conseguiu chamar minha atenção ao fazer seu pedido.

— Quando ganhar não desejo vencer sozinho, quero Analice Martini ao meu lado, independentemente do que ocorrer na batalha. Desejo que Alana Valentini e Frederick paguem caro por seus crimes e por tornar a vida das pessoas dessa cidade um inferno na terra. Desejo que suas almas sejam trancafiadas no pior espelho mágico que existir... para sempre. Sem qualquer chance de resgate. Desejo também a proteção de todos os habitantes dessa cidade.

— Há alguma chance de não vencermos os dois? — Minha voz soou assustada e era exatamente assim que estava agora, mas Shane não me respondeu, o que foi uma espécie de confirmação. Se soubesse disso também teria pedido para vencer ao lado dele!

— Desejo que Alana Valentini me ame de verdade e me venere. Desejo ser tão poderoso quanto ela. Desejo ser imortal e desejo que minha alma nunca possa ser aprisionada em um espelho. Também desejo ser a pessoa mais rica dessa cidade medíocre e desejo que a população me trate como a um rei. — Frederick me deixou completamente chocada com seus pedidos. Não parecia ser muito velho, mas jamais imaginei que alguém pudesse querer o amor de Alana. Se revelou um completo egoísta e até Alana pareceu um pouco descontente com a revelação. Não sabia o que iria pedir?

— A voz robótica aceitou nossos pedidos e fomos liberados do estado inicial de paralisia, os pilares desapareceram no chão de areia e fomos instruídos a nos afastar para as extremidades opostas da arena. Quando o sinal soasse, poderíamos começar. Nos posicionamos e passamos a aguardar. "Initium!" Gritou a voz robótica e começamos a nos mover devagar.

— Shane, tenho um plano. Precisamos lutar juntos. Acha que consegue?

— O que pretende fazer? Já estamos lutando juntos.

— Não. Não dessa forma. — Lancei um olhar rápido e confiante, rezando para que confiasse em mim e aceitasse meu plano. — Sei de um feitiço que conectará nossas almas diretamente. Vamos agir juntos de verdade. Seremos um só. Acha que daria certo?

— Se quer saber se aceito fazer isso, sim, aceito. — Sorriu de leve e se aproximou mais de mim. — Podemos tentar.

Conexa Animarum! — Começamos a brilhar com uma luz prateada e percebi que essa luz também estava ligando nossos corpos pela cintura com uma espécie de corda feita de energia. Será que Alana conseguia enxergar isso? De acordo com as informações do livro de tia Annie, não. Senti como se uma onda forte varresse meu corpo por dentro e fortalecesse tudo em que tocava. Me sentia mais forte do que nunca e concluí que Shane também sentia o mesmo. Compartilhávamos nossas forças e também nossos sentimentos, agora de uma forma mais direta. Alana parecia confusa e o parceiro dela também. No mínimo não entendiam qual deveria ser o efeito do feitiço que lancei.

Gladius Ignis! — Berrou Frederick avançando na direção de Shane, mas já estava preparado e se esquivou perfeitamente dos golpes, depois conjurou uma espada de água e começou a revidar. Notei que a corda simplesmente se estendia, sem nos puxar.

Ventus Umbrae! — Alana gritou com toda a força e notei a reação assustada da plateia. Estava usando um dos feitiços proibidos de magia negra. Um vendaval tomou conta da arena, faíscas roxas brilhavam e uma névoa púrpura começou a cobrir o chão parecendo querer nos engolir. Shane fez crescer as asas de morcego e Frederick invocou um feitiço de voo. Usei o das asas de anjo para conseguir sair do chão e Alana me seguiu usando a própria névoa para flutuar por sobre o campo.

Radi Debilitatio! — Minhas mãos brilharam com uma luz amarela e lancei o ataque em Alana, mas conseguiu se proteger com a névoa. Lancei o feitiço mais duas vezes, mas aquela maldita névoa continuava a protegê-la. — Lectio Animae! — Por não ser um feitiço de ataque consegui atingi-la. Minha intenção era ler sua alma e prever uma falha na barreira que a protegia. Indiquei a Shane que se protegesse quando encontrei a tal falha e fiquei livre para lançar o feitiço que deteria o escudo dela. O vento ainda era forte e carregava nossas palavras com ele. — Tempestatem Lucis! — A arena toda foi tomada por um clarão de luz e diversos feixes começaram a ser lançados para todas as direções. Minha estratégia funcionou e Alana caiu, a névoa desapareceu com o ataque de luz.

Deixei minha atenção se desviar até a batalha de Shane por alguns instantes. Ele e Frederick estavam feridos, mas o parceiro de Alana estava em um pior estado. Não percebi que ela havia se recuperado e fui atingida por um de seus ataques. Senti as asas em minhas costas congelarem e percebi que estava caindo de cabeça, tentei invocar um feitiço, mas Alana me atingiu outra vez e me lançou em um dos muros de pedra que sustentavam as arquibancadas ao redor do campo. Voltei a cair, mas minha queda foi amenizada por uma espécie de planta conjurada por Shane. Agradeci mentalmente e tentei endireitar meu corpo, mas me senti tonta e dolorida. Alana se aproximava de mim e senti que Shane estava desatento ao notar que Frederick conseguira atingi-lo quatro vezes seguidas, tentando encurralá-lo.

Ignorei Alana e usei todas as minhas forças para mandar a Shane uma mensagem telepática dizendo para que se concentrasse na própria batalha e deixasse me virar sozinha. Uma ardência terrível tomou conta do meu corpo e de repente não consegui enxergar mais nada. Havia desmaiado? Não. Talvez ainda estivesse desmaiando, já que não conseguia enxergar. Alana lançara algum feitiço em mim.

— E aí, Analice? Feliz com a sua última visão antes de se tornar minha escrava outra vez? — Ouvi a gargalhada irritante de Alana e consegui identificar onde estava.

Radi Debilitatio! — Gritei o mais alto que consegui e estendi minha mão na direção dela ignorando a ardência aumentando por todo o meu corpo.

— Sua vadia! — Praguejou mais coisas, mas que não vale a pena repetir. — Vai se arrepender disso! Fred! Use o feitiço que te ensinei! A hora é agora!

Glaciem Frigore! — Frederick obedeceu a Alana e através da conexão entre mim e Shane pude sentir que o corpo dele parecia congelar. Essa não! Ele não estava conseguindo enxergar, assim como eu! Preciso desfazer a conexão! Deixei que Alana me atacasse mais algumas vezes enquanto desconjurava o feitiço de união das almas. Assim que fiz isso, consegui enxergar outra vez e percebi que não era eu quem havia sido enfeitiçada com a cegueira. — Gladius Sanguinis!

Alguma coisa se ativou em minha memória e toda a cena pareceu congelar no instante em que vi a espada nas mãos de Frederick. Tentei me acalmar afirmando que não havia nenhum espelho por ali. Pelo menos não além do que o que carregava para prender Alana.... Tateei os bolsos internos da capa freneticamente, mas não encontrei o que procurava e senti meu sangue gelar.

— Procurando por isso? — Alana jogava o espelho de uma mão para a outra com um sorriso maldoso. Tentei disfarçar e fingir que não sabia do que estava falando, mas foi inútil. Ouvi o primeiro grito de Shane e isso pareceu me desconcentrar completamente. Acalme-se! O espelho não está perto dele! Outro grito e minhas pernas começaram a tremer, olhei para eles pelo canto do olho e vi que Shane tentava se defender apenas com a audição, mas isso dificultava muito as coisas e Frederick estava conseguindo feri-lo.

— Para que iria querer um espelho, Alana? Tenha dó! — Me forcei a rir, mas minha risada saiu tensa.

— NÃO FINJA QUE NÃO SABE O QUE É ISTO! — O tom da voz dela me fez estremecer. — Por que traria essa merda se não soubesse sua utilidade?

— Como vai obter a alma dele se a prender no espelho? — Arrisquei tentar distraí-la até bolar uma estratégia, mas os gritos e sons da batalha paralela estavam me deixando angustiada.

— Acredite, servirá para os meus propósitos. — Sorriu maliciosamente. — Infelizmente a garotinha não pediu para vencer ao lado do seu "grande amor", não é? Se for trancafiado aqui e Frederick também perder... bem, terei uma das almas em meu poder.

— Do que está falando? — Disparei irritada e confusa.

— Duas pessoas precisam estar vivas para a batalha acabar, mas nada impede que sejam de dois times opostos. — Tive vontade de arrancar cada um daqueles dentes perfeitamente brancos da boca dela. Tive vontade de socá-la até que seu rosto ficasse irreconhecível. Mas nada disso a derrotaria de verdade. Sabia o que precisava fazer. Tinha que tirar o espelho das mãos dela.

— Já está pensando em matar seu parceiro? — Forcei-me a rir em tom de deboche.

— Ah! Não será necessário! — Estalou os dedos e o espelho desapareceu.

— O que? Onde...?

— Ah! Finalmente! — Ouvi a voz de Frederick e virei-me em sua direção. Shane estava caído no chão, uma densa névoa vermelha cobria seu corpo e o impedia de levantar. Assim que o pequeno espelho surgiu atrás dele a névoa o ergueu e o parceiro de Alana tentou sorrir, embora seu rosto estivesse completamente deformado. Senti meu estômago se revirar e o pânico tomou conta de mim. Shane não estava estraçalhado como Frederick, mas seu corpo estava bem machucado e sua mente beirava a inconsciência.

Exchange et Corpora! — Ouvi-me gritando e estendi as mãos na direção do comparsa de Alana. — Inversionis!

Aconteceu tudo muito rápido. Senti o mundo girar ao meu redor e havia trocado de lugar com o comparsa de Alana. A cena toda havia mudado. O espelho já não estava mais atrás de Shane, e sim de Alana. Virei-me a tempo de ver que Frederick atacou sua parceira e a lançou para dentro do espelho sem perceber que não era Shane a quem estava atacando. Como...? O corpo dela não estava ferido o suficiente... Olhei para Shane, que estava em pé e consciente e quase nenhum machucado aparecia em seu corpo. Compreendi que a cena se invertera entre ele e Alana também. Tomara os machucados dele e ele os dela, quando ativei o feitiço de inversão.

Percebi que meu corpo todo tremia e fitei minhas mãos sentindo que poderia desabar a qualquer instante. Ouvi um grito de raiva e quando percebi o que estava acontecendo já era tarde demais. Frederick entendera o que havia acontecido e partia em minha direção com uma velocidade anormal, o ódio brilhando em seus olhos. Havia conseguido me paralisar e me vi sem alternativas de defesa. Não conseguia recordar qualquer feitiço que pudesse me ajudar. A espada de sangue estava cada fez mais próxima e tudo que poderia fazer era aguardar minha morte. Não tive coragem suficiente para encará-la de olhos abertos.

Exchange et Corpora!

Senti uma sensação estranha tomar conta do meu corpo, um vendaval tom engoliu o ar ao meu redor e senti que me arrastava para algum lugar. Abri os olhos a tempo de ver a espada de sangue sendo cravada no coração de... Shane.

NÃO! — Gritei em desespero. Naquele momento não me importava se o golpe seria capaz de matá-lo ou não. O pânico e a raiva tomaram conta de mim e um poder que não sabia que tinha se apoderou do meu corpo. Conjurei outro espelho mágico e comecei a lançar diversos ataques em Frederick. Percebi que a espada de sangue estava se desfazendo ao lado do corpo de Shane, que estava caído no chão. Aprecei a velocidade de meus ataques. Eu queria fazê-lo pagar, queria que sofresse com os meus ataques e não apenas que desaparecesse junto com sua espada. — Glaciem, Ignis, Aquam, Radi, Terram! — Invoquei todos os poderes de que me lembrava no momento e os fundi numa bolha de energia que lancei com toda a força na direção do parceiro de Alana. Ao mesmo tempo movi o espelho para detrás dele e capturei sua alma.

O domo que envolvia a arena se desfez, aliás, toda a arena se desfez e voltou a ser apenas a antiga mansão do Senhor Helsten. Estávamos todos espalhados pelo jardim nos fundos da propriedade, a maioria de nós presa dentro do labirinto. A fonte que marcava seu centro estava à minha direita, ao lado dela vi o corpo de Shane caído na grama com o sangue escorrendo sem parar. Corri até ele e ajoelhei ao seu lado. As lágrimas turvaram minha visão, apoiei a cabeça dele no meu colo e acariciei seu rosto, que perdia mais a cor a cada segundo. Isso não deveria acontecer.... Isso não deveria matá-lo.... Não pode matá-lo! Mal percebi quando tia Annie e os demais nos encontraram e vieram nos parabenizar pela vitória.

— Analice! Querida, o que houve? — Tia Annie ajoelhou ao meu lado e tocou meu ombro com cuidado.

— Ele trocou de lugar comigo... recebeu o golpe da espada de sangue... vocês não viram? — Minha voz soou irritada, mas era difícil dizer o que estava realmente sentindo naquele momento.

— Mas... isso não deveria tê-lo... — parou de falar quando outro soluço sacudiu meu corpo.

— Ani! Shane? Irmão? — Ally parecia prestes a chorar, seus olhos brilhavam com as lágrimas e Jamie tentava afastá-la da cena. Escondeu o rosto no ombro dele e começou a chorar como eu.

— Isso não é justo... — murmurou o Senhor Helsten se aproximando de nós.

— Tia... nosso sangue pode curar qualquer ferimento, não é? — Minha voz estava embargada, mas era possível notar um fio de esperança.

— Sim, querida, mas...

— Vou doar meu sangue a ele! Algum de vocês pode me ajudar? — Pedi rapidamente sem me importar em deixá-la terminar a frase. Não queria mais ouvir. Precisava agir.

— Querida, isso não vai dar certo. — Afastei-me da mão dela um pouco abruptamente e decidiu se afastar. — Vamos Edmund. Precisamos organizar as pessoas que estavam na arena e levá-las de volta a suas casas.

— Está bem, Annie. — Pareceu relutante, mas acabou a acompanhando. Senti uma raiva inexplicável tomar conta de mim.

— É ASSIM, É? VAI ME DEIXAR AQUI? VAI ME ABANDONAR SEM OFERECER QUALQUER AJUDA?

Ani. — Ally conseguiu chamar minha atenção pelo tom de sua voz. Parecia tenso e sombrio. — Ele não vai sobreviver.

— Como assim? Como não? Eu posso curá-lo! — Havia levantado e agora segurava os ombros dela com força, chacoalhando um pouco violentamente.

— Não. — Balançou a cabeça e baixou minhas mãos. — Já sabia disso. Previ um pouco antes de virmos para cá...

Você o quê? — Minha voz pareceu mais um sussurro e minha expressão se tornou sombria.

— Sinto muito... — Jamie a arrastou para longe de mim, provavelmente prevendo meu surto caso continuasse ali. Todos fizeram o mesmo, menos Bryan.

— O que está fazendo aqui? Por que não vai com eles? — Minha voz soava indiferente e embora me sentisse agressiva, por dentro estava destruída. Havia sentado no chão e me recostado na pedra fria da fonte, com a cabeça de Shane descansando apoiada em meu colo.

— Vou ajudar você. Importa-se se tirar o seu sangue? — Parecia relutante ao se aproximar. Balancei a cabeça em negativa.

— Não me importo. Faça logo, por favor.

Ignorei qualquer parte de mim que ainda temesse Bryan quando resolveu me ajudar. Deixei que mordesse meu pescoço para fazer o sangue escorrer. Perguntou se conhecia algum feitiço de cura e ensinei as palavras a ele. Meu sangue continuava a escorrer, Bryan havia me ajudado a posicionar Shane de maneira que escorresse diretamente para a boca dele.

— Está pronta? — Bryan estava em pé a nossa frente, suas roupas escuras e o cabelo comprido o faziam parecer um feiticeiro antigo e poderoso. Teria rido da situação se não fosse tão deplorável. A quantidade de sangue que estava perdendo me deixava tonta, mas consegui responder à pergunta dele e ele iniciou o feitiço. — Sanitatum et Aquam, Ventus, Terram to Corpora Animae!

Uma variedade enorme de luzes começou a brilhar e nos rodear, um vento forte soprava de todos os lados. Meu corpo foi aquecido e resfriado diversas vezes e uma luz azulada passou a interligar Bryan, Shane e eu. Comecei a me sentir cada vez mais tonta e acabei desmaiando.

...

Quando acordei novamente meu estômago doía e meu pescoço também, recordei-me vagamente do que havia acontecido e assim que minha memória voltou foi como se tivesse levado uma forte pancada na cabeça. Estava em um dos quartos da mansão do Senhor Helsten e havia mais duas camas de cada lado de onde estava a minha. Vi Bryan acordando em uma delas. Sorriu para mim e se sentou, mas logo seu sorriso desapareceu, quando olhou para além de mim. Segui seu olhar até a outra cama.

— Foi o feitiço, Ani. Dormimos por uma semana inteira. Já vi um feitiço desses uma vez e quando um dos envolvidos acorda os outros dois precisam acordar também... — deixou a frase no ar, mas a continuação estava bem explícita: Se estiverem vivos.

— Não pode ser! — Joguei a coberta longe e corri para a cama ao lado. Shane ainda estava de olhos fechados e não parecia estar respirando. Bryan me alcançou e esperou comigo que ele acordasse, mas nada aconteceu. Comecei a me sentir sufocada e tonta, as lágrimas voltaram e Bryan tentou me amparar.

— Ani... você precisa se alimentar. Perdeu muito sangue. — Me puxou pelo braço para longe da cama e deixei que me arrastasse. Estava entorpecida pela dor da perda. — Sinto muito... — estava com o olhar baixo enquanto seguíamos até a cozinha. Foi obrigado a me fazer sentar em uma das cadeiras como se brincasse com uma boneca e tomou o cuidado até de me servir algo para comer e beber. Parecia que éramos os únicos na casa, até tia Annie aparecer pela porta que levava ao jardim dos fundos.

— Oh! Vocês acordaram! — Sorriu, mas seu sorriso foi murchando, provavelmente ao perceber que faltava alguém ali.

— Isso não é justo... — murmurei antes das lágrimas tomarem conta dos meus olhos outra vez. Bryan estava se aproximando para tentar me acalmar, quando tia Annie o impediu um pouco abruptamente.

— Não. Não mesmo. — Se virou de costas, na direção da pia. — Vocês estão conectados.

— Um não vive sem o outro. — Bryan falou alguns segundos depois, logo acima da minha cabeça. Tive uma vontade louca de socá-lo, mas quando ergui o rosto para me preparar para satisfazer essa vontade entendi o que queriam dizer.

Um não vive sem o outro. — Repeti para mim mesma como uma idiota. Empurrei a cadeira para trás um pouco desajeitadamente, como se esperasse essa deixa e Shane apareceu na porta da cozinha. Corri em sua direção e pulei em seus braços. — Você está vivo! Eu te amo! Você está vivo!

— Até onde sei, estou. — Riu e me afastou um pouco de si para logo em seguida me beijar. Apaixonadamente. Sabia que o amava e que ele me amava. Não precisava nem ter dito as palavras que disse em seguida. — Jamais iria te deixar sofrer. Principalmente por minha causa. Eu te amo, Ani.

Apertei-o em meus braços ainda mais forte e o beijei novamente. Depois de esperar pacientemente nossas demonstrações de afeto, tia Annie nos convidou a sentar para tomar o café, enquanto nos contava tudo o que havia acontecido na semana em que permanecemos inconscientes.

Todas as criaturas haviam retornado para suas casas em segurança, o Senhor Helsten fora eleito prefeito oficial da cidade e tia Annie, juntamente com outros feiticeiros da polícia mágica, haviam apagado as memórias dos humanos da cidade e marcado uma assembleia para explicar tudo que ocorrera para as criaturas mágicas. Minha amiga Mari estava entre as pessoas que teve a memória apagada e não me opus a isso. O mundo mágico era mesmo perigoso para humanos.

Tia Annie e o Senhor Helsten marcaram seu casamento para dali um mês e convidaram meus pais para serem os padrinhos por parte da noiva, George e Ellen seriam os padrinhos do noivo. Tudo havia voltado ao normal e a cidade estava protegida por magia pura outra vez, livre dos humanos de fora. Apenas os que já viviam ali poderiam continuar, mas sempre que saíam eram enfeitiçados para não trazer ninguém quando retornassem. Ally e Jamie acabaram ficando juntos e começou a fazer piadas sobre os dois também estarem conectados pelo destino. De alguma forma, sentira que o irmão voltaria a viver e que sua visão estava equivocada por algum motivo desconhecido. Em breve nossas vidas voltariam ao "normal". Pelo menos o normal para criaturas mágicas como nós.

Mudanças... acontecem o tempo todo... mesmo que pareçam ruins no começo, talvez possam se tornar as melhores de sua vida. Se nunca tivesse me mudado para cá, jamais teria conhecido Shane, Ally, os meninos... jamais teria descoberto meu sangue mágico... jamais teria ajudado essa cidade a se livrar de sua tirana adolescente maluca e poderosa. As coisas acontecem exatamente como devem acontecer. As mudanças ocorrem sempre por algum motivo e esse motivo é que no final, tudo e todos estão conectados de alguma maneira pelas linhas do destino.

"No final, tudo se conecta." — Two Dots.

FIM.

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