Cap. 32 - Recupero a Memória
Quando George passou a dirigir pelo bosque perto de onde recordava ser minha casa, o terreno ficou um pouco mais acidentado e era complicado se segurar no lugar. Parecia que todos os meus órgãos internos estavam se revirando dentro de uma batedeira. Sabia que não estávamos indo para minha casa, mas foi estranho passar por lá direto. Estacionamos em frente a um casarão antigo, mas muito bem cuidado. Tinha três andares e todos os cômodos do segundo e terceiro andar possuíam varandas. O telhado era feito com telhas pintadas de marrom e as paredes eram claras.
Senti-me um pouco insegura ao me aproximar daquele lugar, sabia que já havia estado ali, mas era uma lembrança muito vaga e me deixava frustrada e nervosa. Shane percebeu minha apreensão e segurou uma de minhas mãos com um sorriso calmo no rosto. Seu sorriso era bonito e acolhedor, mas era como se o visse em um completo estranho, o que me deixava ainda mais confusa. Me sentia atraída por esse rapaz e não era algo apenas no plano físico, era muito bonito, mas não era apenas a beleza que me atraía nele e não conseguia entender o que mais poderia ser se não me lembrava de conhecê-lo. Sentia que conhecia todas essas pessoas, mas não me lembrava delas.
— Até que enfim! — A garota, irmã de Shane, desceu os degraus da varanda exterior da casa e correu em nossa direção. Só então notei o outro carro parado ao lado do nosso indicando que alguém já havia chegado.
— Como chegaram antes de nós? — O rapaz chamado George falou.
— Atalho. — Bryan, o menino dos cachos, deu de ombros com uma expressão indiferente e percebi que evitava nos olhar.
— E com isso despistamos os carros que nos seguiam. — A garota completou.
— Entrem todos! Jamie já deve estar chegando, estava logo atrás de nós! — George anunciou.
Assim que entramos, notei a senhora, que diziam ser minha tia, sentada ao lado do homem de cabelos grisalhos, o pai da garota louca. Estavam com xícaras de chá nas mãos e apoiava a cabeça no ombro dele. Quando entramos, nos olharam e sorriram, pareciam aliviados por nos ver ali.
A senhora ainda nos observava, segui seu olhar e percebi que observava nossas mãos unidas. Sem saber o motivo, arrumei um jeito de me soltar de Shane e pareceu achar graça, mas disfarçou bem. Assim que me afastei dele, a mulher veio em minha direção e me abraçou forte, senti-me obrigada a retribuir o abraço. Todos nos acomodamos e a campainha tocou novamente, era o pessoal que estava no carro do... Jamie, eu acho.
— Conseguimos! — Outra garota, que ouvi chamarem de Mari, correu para me abraçar. Assustei-me um pouco com o comportamento e acabei esquecendo de retribuir o abraço.
— É... – Me obriguei a sorrir. — Conseguimos.
— Ela ainda não se lembra? — A garota perguntou sem rodeios e lançou um olhar confuso em direção à Senhora Annie.
— Não, meu bem..., mas estou preparando um feitiço para acelerar o processo. Nós vamos precisar dela o quanto antes, Alana ainda está por aí. — A senhora falou. — Enquanto isso, vocês podem tentar contar alguns fatos importantes de sua vida.
— Como assim? Qualquer coisa? — A garota falou.
— Coisas importantes... uma situação muito engraçada que passaram juntas, uma viagem, um desafio que enfrentaram juntas, um grande susto que tomaram, um gosto que compartilhem... — senti-me um pouco desconfortável quando todos os olhares se viraram para mim, provavelmente pensando no que iriam me dizer.
— Quase como uma consulta ao psicólogo? — Mari sorriu ao ver a senhora assentindo.
A Senhora Annie chamou o homem mais velho para acompanhá-la na cozinha e os demais me guiaram até um dos quartos no segundo andar. O cômodo tinha paredes brancas, a sacada ficava ao lado direito da cama, duas mesinhas ocupavam os dois lados da cama de solteiro forrada com lençóis cor de champanhe, havia uma penteadeira com espelho, um armário grande de madeira entalhada, um tapete da mesma cor dos lençóis e uma porta que imaginei levar ao banheiro. Sentei-me na cama e todos saíram de uma vez me deixando sozinha. Comecei a sentir um medo estranho do que poderiam fazer comigo, mas não possuía outra opção, uma garota maluca me caçava lá fora. A primeira pessoa a entrar foi a garota chamada Mari.
— Oi, Ani! — Sentou ao meu lado com um sorriso animado no rosto.
— Oi.
— Bem... meu nome é Mariany, sou sua amiga desde os cinco anos de idade e foi você quem começou a me chamar de Mari. Você disse que sou sua melhor amiga e quando mudou de cidade, comecei a entrar em depressão outra vez, por isso minha mãe decidiu que nos mudaríamos para cá também. — Fez uma pequena pausa, esperando que compreendesse o que dissera. — Um fato engraçado do qual me lembro, foi uma vez que fomos juntas fazer compras de natal no shopping da nossa antiga cidade e, como queríamos comprar presentes para nossas famílias, decidimos ir de metrô e voltar de ônibus. — Deu um risinho tímido. — O problema é que nenhuma das duas tinha certeza absoluta de qual parada tínhamos que descer e acabamos descendo no ponto final. Aí descobrimos que o nosso ponto era três paradas antes, mas como nosso dinheiro tinha acabado tivemos que voltar a pé, só que aí começou a chover e nos abrigamos em um bar com cheiro de bebida e cigarro. Desistimos de bancar as independentes e telefonamos para minha mãe nos buscar. Ela ficou muito brava com a gente por termos escolhido um bar para nos abrigar. — Mariany ria muito ao se lembrar da história, mas não conseguia fazer o mesmo. Não que não fosse engraçado, só que não conseguia recordar nada disso.
Parou de rir meio do nada, respirou fundo e me abraçou forte. Quando me soltou percebi que chorava e fiz um esforço para tentar fazê-la se sentir melhor. Antes que saísse, falei baixinho "É bom saber que sabia escolher minhas amizades tão bem.". O próximo a entrar se apresentou como Shawn. Me contou quando supostamente nos encontramos na floresta atrás da casa da garota louca, Alana, e que havia ido até lá para descobrir se fora ela quem sequestrara Shane. Ao ver minha expressão de espanto, parou de falar, apertou uma das minhas mãos entre as dele, me lançou um olhar compreensivo e depois saiu.
George entrou em seguida junto com Ellen, sua namorada e me contou de um encontro no bosque quando me mostraram que Shane estava bem, mas assim que ia dizer certa palavra, Ellen o cutucou e passou a narrar o dia em que nos conhecemos. Depois deles a irmã de Shane entrou, sorrindo timidamente como se eu fosse uma celebridade ou algo do tipo. Achei necessário sorrir e me esforcei para parecer sincera. Relaxou um pouco e começou a me contar sua história.
"Certa vez, matamos aula para procurar meu irmão e levamos meu celular como GPS. Entramos no bosque perto da sua casa e quando estávamos no meio da mata fechada o GPS parou de funcionar. Comecei a sentir uma presença estranha... acredito que tenha sido Alana." A interrompi questionando o fato de ter matado aula, depois questionei sobre ter ido atrás do irmão dela. Por que faria isso? Me pediu para ter paciência que logo me lembraria de tudo e assim voltou a narrar. "Ficamos desesperadas e então você mandou que fugisse para buscar ajuda, enquanto você ficaria para distrair a tal presença que havia sentido." Tentei não a interromper outra vez, mesmo que essa história de sentir uma presença soasse estranha para meus ouvidos. "Quando voltei, você estava caída perto de uma árvore, toda encolhida e muito assustada. A ajuda que encontrei foi a de meu irmão e ele a carregou no colo até essa casa. Apesar de você ter medo dele, você o agradeceu e vocês tiveram uma conversa muito fofa enquanto te trazia para cá." Não consegui me calar e perguntei porque tinha medo do irmão dela. Ela pareceu congelar no mesmo instante, mas ao se recuperar, se despediu depressa e saiu da sala rapidamente, sem me responder.
Jamie, Bryan e Shane entraram juntos para mais uma sessão e perguntei porque entraram os três de uma só vez. Eles me explicaram que eram os últimos e que Bryan requereria mais atenção, além do mais, me contariam uma coisa que não era muito fácil de acreditar.
— Tudo bem. Depois da história da irmã dele, acredito até em coelho da páscoa. — Falei apontando com o queixo na direção de Shane.
— Eu começo. — Jamie não pareceu achar graça da minha piada e sentou-se ao meu lado com a expressão séria. — Nós nos conhecemos na cafeteria da cidade, o Coffe's Point. Eu e os rapazes nos sentamos à mesa com você e conversamos por pouco tempo, mas a convencemos de nos dar seu telefone. Você precisou ir embora as pressas por algum motivo e ao levantar derrubou a bandeja que o garçom trazia com minha porção de batatas fritas. Felizmente resgatei a porção antes que caísse no chão. — Fez uma cara engraçada e não pude deixar de rir.
— Já é minha vez? — O garoto dos cachos falou se aproximando da cama, de cabeça baixa, Jamie se afastou e o rapaz ocupou seu lugar. Parecia relutante e evitava me olhar, mas assim que começou a falar seu olhar se voltou para mim. Parecia estar envergonhado. — Eu... bem, Jamie vou contar aquilo que te falei. — Bryan olhou para trás e Jamie assentiu devagar.
— O que vai dizer? — Notei o tom alarmado na voz de Shane.
— Quieto. Não é sua vez. — Jamie fitava Bryan fixamente como se esperasse que fizesse algo de errado. Shane cruzou os braços em frente ao corpo, descontente.
— Vou te contar e já pedir perdão ao mesmo tempo. — Bryan tornara a olhar em meus olhos.
— Perdão?
— Sim. Eu... fiz algumas coisas ruins com você. — Pude sentir de verdade sua tristeza e arrependimento.
— Tudo bem. Eu o perdoo. — Sorri de leve e ele pareceu surpreso.
— Mas nem sabe o que está perdoando.
— Isso importa? — Suspirou e passou as mãos pelos cabelos antes de começar a falar outra vez.
"Eu a ataquei algumas vezes. Na primeira, precisava de sangue e você me oferecera na noite anterior, mas acabara desistindo de doar. Você me deixou preso no seu porão e quando voltou, no dia seguinte, para me ver, a cacei para satisfazer minha sede." Tive que interromper para perguntar que história era aquela sobre beber sangue e me caçar, mas me pediu para que o deixasse continuar, depois Jamie ou Shane me explicariam isso. "Na segunda vez em que a ataquei, você e suas amigas tinham vindo até aqui para dizer alguma coisa. Estava sozinho e era minha hora de caçar. Vocês foram minhas presas, mas não consegui te caçar, pois Shane a encontrou primeiro. Tentei ir atrás de suas amigas, mas já tinham conseguido ajuda." Notei os olhos dele marejarem, toquei sua mão de leve por instinto e observou o gesto com os músculos tensos. Parecia estar com medo de alguma coisa. "A terceira vez foi a pior.... Estava sendo controlado pela magia de Alana, que me fez persegui-la na floresta. Você estava indo em direção à mansão dela, onde ocorria um baile e seus amigos estavam lá procurando uma maneira de incriminá-la para salvar Shane. Você enxergou a armadilha, só não viu que era para você. Você tentou conversar comigo e percebeu que estava sendo controlado, mas não dei ouvidos." Jamie colocou a mão no ombro dele para incentivá-lo a continuar e me obriguei a continuar sorrindo, mesmo que de leve. "Eu a derrubei no chão e dilacerei seu pescoço, bebi quase todo o seu sangue, deixando o suficiente apenas para não a matar. Alana não queria você morta naquele dia. Queria sua alma e para isso você precisava estar em uma situação de quase morte." Algumas lágrimas escorriam pelo rosto dele e por mais que as coisas que me contava parecessem dignas para que o odiasse eternamente, não consegui sentir nada além de pena. "Por favor, me perdoe por isso tudo... não deveria ter feito nada disso, mas Alana me enfeitiçou..." Falava rápido e alguns soluços escaparam, parecia desesperado e de alguma forma isso me assustou mais do que se tivesse pulado no meu pescoço para tentar me matar outra vez. Segurei suas mãos com cuidado e o obriguei a olhar nos meus olhos.
— Não precisa se desculpar... já disse que o perdoo. — Sorri, e dessa vez não foi forçado. Talvez não me lembrasse de nada daquilo, mas isso não interferiria na minha capacidade de perdoá-lo. De certa forma a culpa não era nem mesmo dele, mas sim da garota, Alana. Tentei dar mais credibilidade e o abracei, assim que fiz isso pude sentir todo seu corpo tenso. Ele não retribuiu o gesto. Soltei-o um pouco sem graça e parecia surpreso. Jamie o fez levantar e o guiou até a porta, depois voltou sozinho para dentro.
— Você se recorda do que te disse? — Jamie parecia me analisar.
— Não.
— Entendo... — Jamie assentiu e Shane sentou ao meu lado.
— Realmente não sei o que dizer... — segurou minhas mãos e observou o gesto com um misto de emoções passando pelo seu rosto.
— Comece pela verdade. — Jamie ordenou e Shane apertou minhas mãos entre as dele, concordando com a cabeça.
— Pode parecer loucura ou talvez pareça assustador, mas posso garantir que é verdade e que não somos nós seus inimigos. Não somos nós a ameaça. — Seu olhar tornou-se sério e passou a me observar. — Sua tia não é humana, é uma feiticeira. Alana é uma bruxa. Eu e os rapazes somos vampiros, assim como Ellen... Ally, minha irmã, é médium e você... você herdou os poderes mágicos da sua tia. Também é uma feiticeira.
— Por que deveria ter medo disso tudo? — Acabei por surpreender-me com minha coragem, mas o fato é que tinha razão. Nenhum deles era meu inimigo. A ameaça que me cercava no momento era aquela garota maluca.
— Não tem medo de mim? — Sua expressão estava confusa.
— Não.
— Mas antes...
— É melhor não comentar isso agora. Vai se lembrar disso mais tarde. — Jamie o interrompeu.
— Por que deveria ter medo de vocês? Por que tinha medo antes? A ameaça é claramente essa tal de Alana.
— Sim. É verdade. — Jamie sorriu.
— É tão bom que não tenha mais medo de mim... — Shane me abraçou forte e quando me soltou, percebeu que sorria e repetiu o gesto.
— Agora é melhor nos prepararmos para dormir. Está realmente tarde e talvez o dia amanhã seja bem cheio. — Jamie se dirigiu para a porta vagarosamente. — Vamos Shane!
— Tudo bem. Boa noite, princesa. — Shane beijou minha testa e levantou da cama.
— Espere! — O detive pelo braço sem saber o que estava fazendo.
— O que foi?
— Não pode ficar aqui? Não me sinto segura com aquela garota maluca lá fora... — abracei meu próprio corpo ao sentir um arrepio correr minha coluna.
— Você tem certeza? — Shane parecia não acreditar no que estava ouvindo e Jamie não parecia muito diferente.
— Tenho. — Os dois rapazes se entreolharam, então Jamie saiu e fechou a porta atrás de si. Shane se dirigiu para a cama e sentou novamente ao meu lado. — Esse quarto tem banheiro?
— Sim. Aquela porta. — Apontou com o queixo enquanto tirava os sapatos. Cheguei mais perto dele e notei que estava tenso, mas não entendi qual era o motivo disso. Parecia desconfortável...
— Você está bem?
— Você não entenderia... — sua expressão se fechou novamente e pensei ter visto um traço de tristeza em seu olhar, mas achei melhor deixá-lo sozinho. Me dirigi ao banheiro após caçar uma roupa no armário. Tentei não raciocinar muito, quando o armário brilhou e ao abrir as portas revelou exatamente o que pretendia vestir. Aproveitei a banheira para relaxar, enquanto estava no banho ouvi algumas vozes no quarto, mas não compreendi o que diziam. Saí do banho e vesti o pijama que o armário me dera. Não encontrei Shane em lugar algum, o que me deixou apreensiva.
Ignorei meus sentimentos conflituosos e segui para a sacada, me agradava ver a lua no céu. Era tão bonita.... Senti uma leve brisa bater, fechei os olhos e abri os braços como Rose faz em Titanic.
— Você está linda. — Uma voz disse logo atrás de mim, me causando um leve sobressalto.
— Ah. É você. — Virei-me para Shane com o coração aos saltos e o puxei pela mão para sentir a brisa comigo na sacada. Parecia relutante e sua expressão se fechou novamente. — Algum problema?
— Nenhum... — se posicionou ao meu lado e depois de um tempo abraçou minha cintura com um dos braços. Ignorei o arrepio que percorreu meu corpo e rezei para que não tivesse percebido. — Isso não está certo...
— O que não está certo? — Virei-me até ficar de frente para ele. Encarei seus olhos cor de âmbar por um tempo, mas fui obrigada a desviar do olhar ou me afogar nele.
— Sou um egoísta.
— Por quê?
— Sua tia me disse que o feitiço está pronto e que você já pode descer para recuperar sua memória...
— Você não parece muito feliz com isso... — o observei atenta e dessa vez foi ele quem evitou me olhar.
— Não exatamente...
— Então me diga o motivo. Por que não quer que recupere a memória?
— Você tinha medo de se aproximar de mim, mas agora deseja a minha companhia. E não tinha medo dos outros rapazes, era só de mim. Não entendo... — seu rosto estava sombrio e parecia triste. — Mesmo depois de tudo... sabia que fui eu quem deu este colar a você?
— Eu sei o que é o medo. — Abaixei a cabeça para fitar o colar em meu pescoço. — Nós temos medo de coisas que podem nos machucar...
— Eu posso te machucar. — Me interrompeu, mas ignorei seu comentário.
— Uma arma... uma espada... o oceano... o fogo... a altura...
— Um vampiro. — Completou amargamente.
— Eu sei que você pode me machucar, mas sinto que não vai. — Soltei o colar e toquei seu rosto com uma das mãos, acariciando suavemente.
— Como pode ter tanta certeza? É como confiar que um leão não seguirá seus instintos de atacar uma presa ou algo que o ameasse...
— Não preciso ter certeza se for capaz de sentir isso. — Me aproximei e encostei meus lábios nos dele suavemente, senti suas mãos segurarem minha cintura com cuidado. — Se minha antiga eu tinha medo de você... era uma completa idiota.
— Não importa qual das duas está comigo agora, amo você de qualquer jeito e jamais seria capaz de machucá-la. — Me puxou para ainda mais perto e me beijou. Um beijo envolvente que dizia muito mais que as palavras que pronunciamos há pouco. Um beijo que misturava todos os sentimentos contidos até então. Um beijo que poderia até ser chamado de magia, devido a todo o poder que parecia emanar de nós. Assim que nos separamos, sorriu e segurou minhas mãos, guiando-me até a porta do quarto.
— Para onde vamos?
— Você precisa recuperar sua memória.
— Mas...
— Tudo bem... — parou por um instante e pressionou dois dedos em minha boca para me calar. — O importante é você estar viva e bem. Se tiver ou não medo de mim não é relevante. Você precisa lembrar de como fazer todos os feitiços que estudou para se proteger de Alana e derrotá-la de uma vez por todas.
Shane me guiou até a cozinha da casa, onde a Senhora Annie e o homem que a acompanhava nos esperavam ao lado de um enorme caldeirão de bruxa, colocado sobre uma mesa de mármore preto polido. Logo todos os outros estavam ao meu redor e a mulher pediu para que me deitasse na mesa. Assim que fiz isso, enfiou a mão no caldeirão e espalhou a calda amarelada ao redor do meu corpo, sem tocar minha pele. Começou a colocar alguns ramos de plantas que desconhecia nos cabelos dos que estavam ao redor da mesa e se não fosse meu nervosismo, teria rido da cena. Shane segurava minha mão durante todo esse tempo e quando finalmente soltou, sorriu para me passar confiança e ouvi a voz da Senhora Annie gritar de forma melodiosa:
— Redimitis Memorie!
Fechei os olhos e senti como se de repente congelassem meu cérebro para logo em seguida derreterem o gelo com fogo, o choque causado por essa reação se espalhou por todo o meu corpo em forma de faíscas e quando abri os olhos novamente, sentei-me bruscamente, assustada. Várias mãos se estenderam em minha direção obrigando-me a deitar outra vez.
— Tia Annie? O que aconteceu? — Sorriu para mim e notei algumas lágrimas se formarem nos cantos de seus olhos. O Senhor Helsten a abraçou e flashes de lembranças começaram a passar em minha mente, deixando-me um pouco tonta.
— Funcionou! — Ally gritou e abriu caminho para me abraçar. Mari também correu para fazer o mesmo. Passei a observar os rostos de todos quando as meninas me soltaram. Bryan parecia fazer uma reza em silêncio. O ar começou a faltar em meus pulmões e pedi para Shane me soltar. Nem tinha tomado consciência de que ele me abraçava...
— O que funcionou? — As lembranças ainda apareciam e desapareciam em minha mente e sentia que iria vomitar a qualquer momento.
— O feitiço para que recuperasse a memória. — Shane sussurrou em meu ouvido, havia afrouxado um pouco o abraço, mas sua cabeça ainda estava apoiada na curva do meu pescoço e estranhei esse tipo de comportamento. Principalmente em público...
— Ah... — meu coração estava disparado agora que havia percebido a proximidade dele.
— Que ótimo que agora você se recorda de tudo! — Disse o Senhor Helsten com um sorriso no rosto. — Mas acho que é hora de todos dormirmos um pouco. Está realmente muito tarde e tenho certeza que estamos todos muito cansados. Teremos um dia e tanto amanhã... digo, hoje... mais tarde.
Todos concordaram e subiram até o andar de cima lentamente, no corredor lá em cima começaram a discutir quem ficaria em qual quarto. Tia Annie e o Senhor Helsten ficariam juntos, George e Ellen também, obviamente. Mari teria um quarto só para ela, assim como Shawn e Bryan. Ally não queria dizer, mas arranquei dela que dividiria o quarto com o Jamie. A casa era enorme, não havia quartos para todos?
— Bem... boa noite, então! — Ally me abraçou, depois Mari fez o mesmo. Todos já se dirigiam para seus quartos, menos Ally, Jamie, Shane e eu. — É bom ter você de volta. Já sabe onde vai dormir?
— Ah... espero dormir numa cama. — Falei rindo.
— Não, sua boba! Vai dormir sozinha ou dividirá o quarto com alguém?
— Ah. Precisamos dividir? Não há quartos para todo mundo?
— É claro que s....
— Não! — Ally deu um soco no estômago de Jamie e tentei disfarçar minha reação assustada. — Você vai dividir o quarto com meu irmão!
— Ahn? O que disse? — Ally me empurrou com força para dentro do quarto onde o irmão dela acabara de entrar e ouvi o barulho da chave na porta. — Ally! Não acredito nisso! — Comecei a socar a porta, mas acabei desistindo. — Não acredito que fez isso...
— Ela piorou um pouco depois de tudo que aconteceu... — Shane deu de ombros e chutou os sapatos para longe. Finalmente parei para observar o quarto e percebi uma coisa realmente importante. A cama era de solteiro. Encarei a cama, boquiaberta. — Ally nos trancou no quarto errado.
— Jura? — Tentei não descontar minha raiva nele. Seria mesmo tão ruim dividir o quarto com ele?
— Ela deveria ter nos trancado num quarto com cama de casal, pelo menos. — Entrou no banheiro e começou a jogar água na cara, depois enxugou o rosto e voltou a me olhar. — O que foi?
— Por que acho que não foi sem querer? — Disfarcei um pouco minha reação por ter sido pega o observando por tanto tempo. Desviei o olhar.
— Fico na poltrona, relaxa. — Deu de ombros e se dirigiu para a poltrona preta no canto do quarto.
— Não. — Falei antes que meu cérebro conseguisse controlar minha língua.
— Não o que? — Nem se deu o trabalho de olhar na minha direção.
— Não precisa ficar na poltrona. Pode ficar na cama. — Fiz uma pequena pausa e abaixei a cabeça, sem graça. — Não me importo de dividir.
— Não vai ficar com medo? — Forçou um sorriso e senti meu sangue gelar.
— Não. Tudo bem... já passei por coisas piores. — Sorri tentando demonstrar calma enquanto se aproximava, mas estava falhando terrivelmente. Minhas mãos tremiam e tentei escondê-las segurando os lençóis da cama. — Não que isso seja exatamente ruim. — Senti meu rosto corar instantaneamente ao perceber o que havia dito. Estava deitado na cama com as pernas esticadas por sobre a coberta, as mãos apoiando a nuca. Percebi que me olhava de lado, ao perceber que também o observava, sorriu de leve, convencido.
— Não vou te machucar. Prometo. — Pareceu achar graça no comentário, me ajeitei debaixo das cobertas e percebi que era impossível não encostar nele com o espaço que tínhamos. — Boa noite.
— Boa noite. — Minha voz saiu mais baixa que um sussurro e achei melhor desligar o abajur. O quarto passou a ser iluminado apenas pela luz do luar que provinha da janela. Era capaz de ouvir meu coração martelar e tive receio de que ele também pudesse ouvir. Minha respiração estava descompassada e temi que acabasse concluindo que estava com medo dele. Não era exatamente isso...
— Está nervosa? — Sussurrou em meu ouvido e senti seu hálito quente em meu pescoço. — Se quiser posso pular a sacada e trocar de quarto...
— Não precisa. — Juntei todas as minhas forças para que minha voz não soasse trêmula.
— Tem certeza? — Virei-me de frente para encará-lo, mas talvez isso tenha sido um erro. Estávamos a centímetros um do outro.
— Sim. — Minha voz já não soava mais tão segura quanto antes, agora que era capaz de enxergar seus traços através do luar. Fechou os olhos devagar. Fitei seu rosto por um longo tempo, até que tomei uma decisão que espantou até a mim. O abracei forte como se pudesse evaporar a qualquer momento, notei que se assustou, mas também me envolveu num abraço e acabamos adormecendo assim.
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