Cap. 30 - O Baile de Outono
(Shane)
A manhã seguinte não foi exatamente como havia planejado. Acordei um pouco tarde, como não fazia há um bom tempo. Alana não estava no quarto, provavelmente ocupada demais com os últimos detalhes da grande festa que seria dada à noite pelo pai. Era hoje o dia "D". Tinha esperanças de que conseguiria escapar também, se Analice estivesse livre e a tia dela cumprisse a promessa de proteger minha família, não havia mais nada que me prendesse a esse lugar.
Havia algo de estranho no ar da mansão esta manhã e só consegui reparar quando consegui escapar por alguns segundos e sair no jardim dos fundos. Aquilo parecia impossível! Esfreguei os olhos algumas vezes, talvez fosse alguma ilusão de ótica, mas não era. Ainda estava lá quando os abri novamente.
No lugar da mansão estava um enorme castelo, era feito com pedras de mármore claro, tão grandes que pareciam ter sido postas ali por algum gigante. No interior não era notável a mudança, no entanto, ao sair pude ver perfeitamente as alterações na estrutura da casa. Magia. Só podia ter acontecido isso com magia. A superfície das pedras era recoberta por uma espécie de musgo ou líquen, mas ao invés de verde, era laranja como a cor do outono. Era magnífico, mas obviamente alguém notaria a mudança e atribuiria isso a alguma espécie de bruxaria. Talvez só tenham convidado seres mágicos.... Os jardins e o labirinto ainda pareciam os mesmos, Alana aparentemente não alterara o paisagismo. Para entrar no salão de bailes, você era obrigado a subir uma escadaria que passava pelo enorme portal da entrada, completamente entalhado e enfeitado com flores laranja, amarelas e cor de creme.
Entrei novamente, só que dessa vez pela porta da frente, e acho que fui lançado em alguma espécie de feitiço, pois agora o interior estava mudado também. O piso era branco e liso, as paredes eram decoradas com enfeites de folhas de outono douradas, as mesmas flores laranja da entrada decoravam a parte de dentro, as janelas pareciam ser vitrais e os desenhos imitavam tochas, dando a ideia de iluminação. Ao fundo do salão, se erguia uma espécie de segundo andar, semelhante a um palco, estava a quatro metros acima do chão, pela esquerda e direita desciam duas escadarias brancas com pilastras de apoio e corrimão decorados com arabescos dourados. Se usou magia, provavelmente não gastou dinheiro com tudo isso, mas ainda assim era um absurdo de tanto luxo.
Informaram-me que Alana estaria ocupada pelo restante do dia e que poderia ficar livre pela casa. Pretendia ser coroada a rainha do baile e desejava que fosse seu rei. Não tenho palavras que expressem o quão ridículo era isso. Decidi continuar observando o novo ambiente para ver se não poderia acabar alterando nosso plano. Por que não me informou sobre tal mudança? Estaria desconfiando de algo?
O salão principal possuía dois corredores laterais, os corredores não haviam sido alterados por enquanto, talvez alguns convidados ficassem para dormir, já que ali ainda havia os quartos. Subi até o segundo andar e verifiquei algumas portas. Encontrei uma porta diferente que revelou uma escadaria que levava, até o alto de uma suposta torre. O cômodo no alto da torre era uma espécie de escritório, apesar de parecer que a torre era alta, se localizava no máximo no terceiro andar da mansão e a parede de vidro do lugar dava uma visão privilegiada do labirinto no jardim dos fundos. No centro do labirinto estava a maior fonte que já vira na vida, era simples, mas muito grande. Acredito que para conseguirem localizar o ponto central com mais facilidade.
Andei pelo local a tarde toda e quando a noite começou a cair percebi que o jardim dos fundos se iluminava com luzes prateadas, imitando o luar, enquanto a frente brilhava com luzes douradas, imitando o sol. Voltei bem devagar ao quarto, pensando se daria mesmo tudo certo. Repassei partes do plano na minha mente enquanto me arrumava, nada poderia dar errado...
O corredor da esquerda não seria usado, de acordo com o que descobri e continuava assim, portanto ficaria completamente escuro e sem enfeites, um sinal claro para os visitantes de que não era para entrar lá. O corredor havia sido alterado, ao contrário do que pensei, as portas se tornaram mais espaçadas e enormes quadros foram colocados nas paredes, imaginei que para cobrir as portas restantes e "secretas". Essa tarde havia fiscalizado cada um dos quadros, até encontrar a porta que havia gravado para nos ajudar a fugir dali. Os dois primeiros quadros da direita e esquerda não escondiam absolutamente nada atrás deles, o terceiro quadro da direita finalmente revelou a porta que estava procurando e me senti automaticamente aliviado. Ainda conseguiríamos fugir por ali.
Havia me atrasado um pouco e Alana reclamava por estar demorando. Me arrastou para o salão de bailes assim que terminei e começou a me apresentar como namorado dela para os convidados que já haviam chegado. Completamente maluca.... Poucas pessoas me conheciam e estas perguntavam porque havia sumido de repente, diziam que minha família estava preocupada e me procuravam por todo o canto. Fui obrigado a mentir e Alana fiscalizava cada palavra que dizia para garantir que não diria a verdade. Não sei se acreditaram em mim, mas não perguntaram mais nada.
Os músicos já tocavam algumas notas para animar os que haviam chegado cedo e algumas pessoas dançavam no centro, as demais se sentaram nas mesas ao redor de toda a extensão do salão. Fui arrastado para o suposto palco que nos deixava acima dos convidados normais e em meio ao tédio me perguntei se Alana queria ser a Rainha do Outono ou a Rainha do Glitter, já que não havia mais onde colocar brilho nela. Com certeza sentia-se carente e queria chamar a atenção, parecia mais um pavão querendo acasalar...
Desisti de olhar para ela e passei a olhar para um ponto fixo do salão, pensando se os meninos conseguiriam trazer o corpo da Analice até o local que combinamos. Havia tomado todas as providências para que conseguissem.... Notei o grupo deles chegando junto a uma leva de convidados e esperei Alana me deixar a sós, o que não foi difícil, para ir atrás de Jamie, que estava ao lado da mesa de aperitivos. Aproximei-me disfarçadamente e olhei em outra direção ao falar. Descobri que o baile seria de máscaras para os demais convidados, exceto para os anfitriões.
— Conseguiram trazer o corpo dela?
— Sim. Está no local combinado.
— Não largaram lá sozinha, não é? — Acenei para um desconhecido que sorria para mim.
— Bryan está lá. — Enfiou um dos petiscos na boca. — Sua acompanhante está em algum lugar da festa. Não vão reparar que está sozinha. — Deu de ombros. — Nem vai lembrar com quem veio mesmo...
— Mexeram na mente dela?
— Sim. — Demonstrou indiferença. — Não vai se importar, tenho certeza. Foi necessário.
— Está bem. Meia noite, então?
— Sim. Chame-a ao terminar a valsa.
— Caso não consiga sair... a passagem secreta é no corredor da esquerda e fica atrás do terceiro quadro da direita. — Enchi uma taça com o que parecia ser vinho. — Só mais uma coisa. Bryan está sozinho com ela?
— Não se preocupe. Não fará nada de errado dessa vez.
Afastei-me tentando acreditar no que Jamie dissera, mas não confiava mais em Bryan depois do que fizera. Tentei desesperadamente não olhar para o enorme relógio pendurado na parede dos fundos, o tempo parecia estar parado e minha angustia só crescia. Alana me convidara para dançar e me esforcei muito para não recusar e parecer, no mínimo, feliz. Começamos a rodopiar pelo salão. A hora marcada se aproximava e avistei a Senhora Annie e o Senhor Helsten saindo do salão, para que Alana não notasse, beijei-a sem aviso prévio e se mostrou surpresa, mas logo retribuiu e não queria mais parar. Minha sorte foi a orquestra contratada ter começado a tocar a última música lenta da noite, uma valsa. Alana estava ansiosa para fazer tudo perfeitamente bem, pois seria com essa música que elegeriam a rainha e o rei do baile de outono, ideia exclusivamente dela e realizada sem o consentimento do pai, que achou ridículo. A valsa se encerrou e fomos coroados, mas ao invés de nos apresentarmos em outra dança, resolvi colocar o plano em prática.
— Amor... — tentei soar o mais carinhoso possível e segurei-a pela cintura. — Queria dar uma volta pelo jardim dos fundos...
— Por quê? — Soava desconfiada e meu coração se acelerou por um instante.
— Queria te contar uma coisa... — obriguei-me a parecer calmo a apaixonado. Pareceu ceder quando acariciei seu rosto e deixou que a puxasse para fora do salão. Caminhamos em silêncio até a entrada do labirinto, onde parou abruptamente e não conseguiu mais conter a impaciência.
— Pode me contar, querido. — Seus braços envolveram meu pescoço.
— Ainda não. — Tentei parecer indiferente, mas era cada vez mais difícil conter a ansiedade. — Aqui não. Precisa ser no labirinto, quero que seja especial...
— Ah! Claro! — Pareceu completamente surpresa e passou a me arrastar rumo ao labirinto e à armadilha de resgate que planejamos...
(Analice)
Hoje era o dia! A chance que teria de sair desse corpo horrível e ter minha vida de volta. Não seria exatamente normal depois de tudo o que descobri sobre mim e o mundo que me cercava, mas era melhor do que viver aprisionada. Finalmente minha angústia teria fim e não podia me permitir esquecer a promessa que fiz ao Senhor Helsten, de que não deixaria mais a filha dele cometer esse tipo de coisa com mais ninguém. O ajudaria a aprisioná-la de alguma forma e talvez curá-la. Daríamos a chance da cura, que tia Annie havia descoberto, mas se recusasse.... Bem, não haveria alternativa além de exterminá-la para sempre.
Estava me esforçando para não deixar toda aquela energia armazenada escapar antes da hora. Alana se arrumara com a intenção de parecer uma linda borboleta, mas ficou parecida com um pavão. O vestido era tão rodado, que as pessoas que a cumprimentavam mal conseguiam se aproximar, e brilhava tanto que parecia mais uma árvore de natal. O modelo era de um rosa pink quase neon e fizera questão de encher de brilho exageradamente, além de usar joias que brilhavam mais que a decoração e um sapato prateado de salto realmente alto, mal conseguia andar com esse conjunto. O cabelo estava tão cacheado que parecia mais uma peruca. Estranhei que tivesse se vestido tão mal, apesar de odiá-la precisava admitir que costumava se vestir muito bem, apesar de carregar demais na maquiagem.
A hora combinada estava chegando e pouco antes percebi que Shane ficava cada vez mais ansioso. Alana o havia puxado para dançar e parecia querer fugir no mesmo instante. Conseguiu sentir o desconforto que sentia perto dele agora, mas não sabia que isso era por causa da energia que tentava conter, sempre que me aproximava dele, parecia querer explodir de uma só vez e precisava me esforçar ainda mais. Percebi que pensava já ter vencido a guerra interior, pensava que já estava quase pronta para me subjugar.
A hora estava cada vez mais próxima e agora dançávamos a última valsa antes da meia noite. Escolheram a Valsa do Imperador, de Johann Strauss II, e era difícil me controlar. Shane beijou Alana de surpresa e só faltava se derreter de alegria, ria de mim mentalmente por isso e às vezes deixava esses risos escaparem, mas Shane fingia não perceber. A valsa se encerrou e foram coroados rei e rainha do baile, depois os dois seguiram para o jardim dos fundos e senti que Alana acreditava que Shane declararia seu amor ou algo do tipo. Acreditava ter vencido. Acreditava que em breve teria a alma dele também. Entraram no labirinto e ele sabia exatamente para onde ir, tirou uma venda do bolso e então nos vendou. Alana estava ansiosa e sentia um pouco de medo, mas acreditava que planejava uma surpresa maravilhosa.
Voltamos a caminhar e só paramos ao chegar ao centro do labirinto, o local combinado. Ele a conduziu com cuidado e ouvimos o barulho do vento se agitar ao nosso redor balançando as copas das árvores que ficavam ao redor da fonte grande, uma brisa gélida soprou de repente e senti algumas presenças em torno de nós, formando um círculo. Alana estava inquieta, mas acreditava que tudo isso fazia parte da surpresa. Shane a abraçou por trás e sussurrou:
— Tenho uma surpresa para você...
Ele a soltou e o coração dela estava disparado. Seu emocional parecia abalado e ansiava por obter logo a confirmação do amor dele e assim, sua alma e o poder que lhe daria. Senti que ele se afastava e ouvi as primeiras palavras do feitiço. "Frangere Coperunt Agri". Alana ergueu os braços devagar para tirar as vendas dos olhos, ainda não havia compreendido o que estava acontecendo.
"Excipio Anima"
"Communatio Corpora"
"Redit ad Corpus"
"Anima Fovenus"
Deixei toda a energia escapar como uma explosão e assumi minha parte do feitiço quando Alana finalmente tirou a venda. Gritei com todas as minhas forças junto às demais vozes:
"Vim Anima Libertatem!"
Alana caiu no chão, sem forças, ao ouvir essas palavras, e seu corpo se contraiu com uma dor terrível. Senti como se uma força invisível me puxasse para todos os lados sem saber exatamente para onde ir e me lembrei de que estava presa no medalhão. Um desespero terrível tomou conta de mim, mas senti alguém se aproximar e de alguma forma vi a imagem de uma mão estendida pegando o medalhão do pescoço de Alana, parecia estar com raiva pela maneira agressiva com que o fez, depois o ergueu e jogou com força no chão fazendo a pedra que me prendia estilhaçar.
Nesse momento senti outra forma de energia tomar conta de mim, dessa vez se contraindo o máximo que podia para depois se expandir com toda a força. Abri meus olhos novamente e notei que flutuava acima da cena, em minha forma "fantasma". Vi Alana desacordada no chão, um labirinto ao redor da cena, uma fonte enorme ao lado do corpo dela, um círculo de pessoas estava ao redor da garota e a olhavam com raiva. Reconheci minhas amigas, Mari e Ally, que pareciam rezar em silêncio. Shawn e Jamie pareciam concentrados em alguma coisa, Bryan parecia assustado e George o segurava pelo braço. Minha tia abraçava o Senhor Helsten e notei um enorme círculo dourado contornando toda a cena, incluindo também uma espécie de banco de pedra onde havia o corpo de uma garota deitado. Espera... O meu corpo! Usava um vestido de baile frente única, de um tom de laranja como o das folhas do outono, tinha detalhes em dourado e havia uma segunda camada do vestido cor de champanhe. Era maravilhoso, mas estava com uma aparência cadavérica. Meus cabelos escuros estavam soltos e contrastavam com minha pele excessivamente pálida, meus olhos estavam fechados como se dormisse em sono profundo. Não tive coragem de olhar para Shane, mas notei que fazia parte do círculo. Voei para perto do meu corpo e senti-me puxada em sua direção. Fechei os olhos e deixei que me puxasse.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top