Cap. 22 - Conectados
No dia seguinte, a primeira coisa de que lembrei foi do colar que podia sentir tocando minha pele. Um sorriso despontou em meu rosto e deixei que o sentimento tomasse conta de mim por algum tempo, depois me levantei e corri para me arrumar o quanto antes. Precisava encontrar Ally. Agora íamos juntas para o colégio e tinha um motivo a mais para não me atrasar. Não esperei tia Annie acordar e também não pude fazer o café hoje, demorei demais no banho, por isso tive que correr ainda mais. Saí correndo e segui para a casa ao lado, toquei a campainha e esperei. Quem atendeu foi a mãe de Ally, que era completamente meiga e gentil e me convidou para entrar, ficando comigo na sala, enquanto as filhas terminavam de se arrumar, pois tinham se atrasado também. Acabou descobrindo que conhecia Shane e me perguntou desesperada se sabia onde estava, porque fazia alguns dias que não aparecia em casa. Senti um enorme aperto no coração por não poder informar a verdade.
— Ele está bem, não se preocupe. Está hospedado na casa de uns amigos, estão preparando algum tipo de surpresa. — Sorri tentando não parecer forçada. — Logo deve voltar para casa...
— Ah! Que ótimo! Fiquei tão preocupada.... Não é de se afastar da família assim. — A voz dela era de choro, mas estava se mantendo firme.
Ally desceu no momento que terminamos esse assunto e sua irmãzinha estava ao seu lado. Me cumprimentou sorrindo e Mina correu para me abraçar. Nos despedimos e saímos pela rua em direção a escola.
— Ally, posso contar com você, não posso? — Ally olhou para mim e Mina fingiu desinteresse.
— Claro que pode.
— Tenho uma coisa para perguntar e preciso que seja sincera comigo. — Resolvi diminuir o tom da minha voz.
— É claro que serei sincera. Pergunte.
— Seu irmão foi me visitar ontem...
— Meu irmão foi visitar você? — Mina e Ally perguntaram juntas.
— Sim. E me deu esse colar. — Parei de caminhar e mostrei o colar.
— Que lindo! — Mina sorria. — Acho que gosta mesmo de você.
— Eu já vi esse colar. Não é um colar comum... — Ally me lançou um olhar significativo.
— Como assim? — Mina falou curiosa.
— Esqueça. — Disse Ally e voltou a andar rapidamente. O olhar de Ally dizia que me explicaria isso depois. Mina ficou emburrada. — Era só isso, Ani?
— Não era só isso. — Abaixei a cabeça, sem graça.
— O que era então? — Ally diminuiu o passo para ficar ao meu lado.
— Não sei como dizer isso... — evitei ao máximo olhar qualquer uma das duas nos olhos.
— Diga logo! Odeio suspense! — Ally resmungou.
— Ally, já beijei seu irmão e acho que gosto dele. — Falei mais rápido do que achava possível. Por um longo momento Ally me encarou assustada e confusa, depois começou a rir.
— Sério? Era só isso? — Gargalhava tanto que estava com o corpo dobrado.
— Como foi o beijo? — Mina estava me encarando com os olhinhos brilhando. Ally parou de rir no mesmo instante.
— Como assim? — Se virou para a irmã tão rápido que Mina estremeceu.
— Foi rápido ou como os de filmes? — Falou e ficamos boquiabertas.
— Quem te disse isso, Mina? — Disse Ally com calma.
— Escuto suas conversas e as dele também. — Deu de ombros rindo.
— Ok. Depois falamos sobre isso. — Ally lançou um olhar zangado para a irmã. — Agora, Ani, já sabia disso.
— Sabia? — Não pude deixar de gaguejar. Meu rosto estava vermelho, tinha certeza.
— Sim. Ele já tinha me contado. — Deu de ombros.
— Já tinha... contado? — Me sentia estranhamente atrasada e aliviada. Pelo menos ainda falava comigo, apesar de saber a verdade.
— Sim. Mas qual o problema disso? Não gostou do beijo? — Riu da minha cara e desviei o olhar.
— Não é isso. Só estou preocupada...
— Está com medo que fique brava com você, não é?
— Sim.
— Não precisa. Sei que você não se aproximou de mim só por causa dele. Aliás, fui eu quem foi atrás de você. — E colocou a mão no meu ombro e sorriu. — Fico feliz que tenha sido você...
— O que quer dizer com isso? — Não pude deixar de interrompê-la.
— Opa. Esqueça. — Sorriu sem graça e começou a andar mais rápido, mas a detive pelo braço.
— Não! O que você quer dizer com isso?
— Bem... meu irmão estava no bosque naquele dia por um motivo. — Fez uma pausa. — Eu o mandei lá.
— Por que fez isso?
— Sabia que naquele dia morreria, mas sua linha da vida não acabava por ali. Isso me deixou intrigada. Na noite anterior, havia sonhado com uma garota, alguém que não conhecia. Essa garota salvava a vida do meu irmão de uma maneira diferente... — me deixou raciocinar por um tempinho.
— Os rapazes disseram que não haveria medicina do meu mundo que pudesse curá-lo... — fitei o chão sentindo uma sensação estranha tomar conta do meu corpo.
— Se não fosse você, ele teria morrido. — Completou. — Morrido de verdade. Qualquer outra pessoa teria chamado uma ambulância, mas você não fez isso. Chamou seus novos amigos por algum motivo. E só eles poderiam ter salvo meu irmão.
— Então não fui eu quem salvou a vida dele...
— Se você não estivesse lá, o animal o teria encontrado de qualquer maneira, mas não haveria alguém para salvá-lo. E mesmo que tivesse os médicos normais não conseguiriam salvá-lo. Suas vidas, suas almas, estão conectadas pelo destino.
— Parece até história de filme! — Gritou Mina com os olhinhos brilhando.
Tínhamos acabado de chegar ao colégio, por isso não pude perguntar mais nada. Sabia que Ally era vidente, mas não tinha ideia que podia prever tantas coisas assim.... O que mais sabia sobre a minha vida? Mudamos o rumo da conversa, mas meus pensamentos não se desviavam do que acabara de me dizer, até que meu olhar captou uma figura entrando correndo pelo portão quase fechado da escola. Esperávamos o sinal da segunda aula, já que havíamos perdido a primeira. Mina entrava mais tarde e conseguira chegar a tempo.
— Jamie, o que significa isso? — Ally perguntou o encarando surpresa.
— Vou fazer teste para o time de basquete da escola! O que acharam? Bonito o uniforme, não? — Deu uma volta rápida e bateu a bola laranja algumas vezes no chão. Pelo visto tinha certeza de que entraria para o time...
— Acho que isso só pode ser um teste de paciência... — murmurei. Jamie me ouviu e fez uma careta.
— Ingrata!
— Não te pedi para ficar me seguindo!
— Acabaria pedindo se alguém já não estivesse um passo a frente de você. — Mostrou a língua em sinal de deboche. Ally caiu na gargalhada com a minha cara, havia aberto a boca para dizer alguma coisa, mas não possuía mais argumentos.
A coordenadora fez sinal para que entrássemos no colégio quando o sinal tocou. Jamie seguiu para a quadra, era sua aula de educação física. Ally e eu seguimos para literatura. Nós saímos e almoçamos juntos em uma lanchonete do centro, depois Jamie nos levou para casa. Fiz meus deveres, tomei outro banho, assisti a um filme com a tia Annie, jantei e deitei na cama com os fones de ouvido.
Estava impaciente, não queria dormir, pois esperava a visita dele novamente. Não sabia se viria, mas precisava aguardar. Ouvi toda a playlist duas vezes, olhei para o relógio ao lado da cama e notei que já era meia noite. Suspirei. Com certeza não viria hoje e o sono estava me dominando. Tirei os fones e me ajeitei para dormir, virei-me para a sacada na esperança que aparecesse no último minuto, mas nada aconteceu.
Na manhã seguinte procurei pelo quarto qualquer vestígio de uma suposta visita, mas não encontrei nada. Senti a decepção tomar conta de mim, fazia meu coração pesar e meus olhos ardiam. Toquei o colar, que não tive coragem de tirar desde o momento em que me dera. A preocupação rondava minha mente, por que não tinha vindo? É claro que não precisava aparecer todas as noites, mas.... Uma sensação estranha tomou conta de mim de novo, um arrepio correu minha coluna e os pelos da minha nuca se eriçaram. Olhei por instinto para a janela, porém não havia nada ali. Tinha alguma coisa muito errada e precisava descobrir o que era.
A semana passou depressa e em nenhum dos dias viera me visitar. No sábado iríamos ao baile de Alana e tentaríamos descobrir coisas para incriminá-la. Meu coração se agitava com a ideia. Sabia que era perigoso, mas alguma coisa me dizia que era o certo a se fazer. Era noite de sexta-feira e tia Annie prometera me ensinar alguns truques, mas houve um imprevisto e apenas deixou comigo um livro pesado e antigo. Era impossível conseguir ler o título na capa, estava muito desgastado, só consegui notar que as letras já foram douradas e a capa, vermelha.
Levei o livro para o quarto e comecei a folheá-lo. Tia Annie havia saído e estava sozinha em casa. Uma chuva fina caía lá fora e não era suficiente para fazer barulho no telhado. Tossi um pouco no começo, sentindo os efeitos do pó e do mofo acumulados nas páginas antigas, então tive a ideia de ligar o ventilador e melhorou um pouco. Fiquei decepcionada ao perceber que o livro estava em latim, mas me animei quando vi nos rodapés as traduções. Também tinha um aviso: para o feitiço funcionar, deve ser pronunciado em latim. Que ótimo.... Acabei pegando no sono com o livro no colo, acordei no dia seguinte, com tia Annie me chacoalhando e pedindo para que acordasse.
— Querida... acorde. Preciso te contar uma coisa.
— Que horas são? — Resmunguei ainda envolta pelo véu do sono.
— São nove horas. Acorde. O baile foi adiado para a semana seguinte.
Essa notícia conseguiu me acordar, sentei-me rápido na cama e por mais que perguntasse qual tinha sido o motivo, tia Annie insistia que ninguém sabia. Havia se encontrado com o Senhor Helsten no dia anterior, que informara a filha querer fazer um baile por mês até o final do ano, mas estava ocupada demais com outros assuntos e teve que adiar o primeiro para a semana seguinte. Perguntei se achava que Alana sabia de nosso plano, mas ela negou. Disse que de qualquer forma isso era bom, pois havia se esquecido de fazer nossas roupas e esse tempo a mais ajudaria bastante.
Um fato importante sobre essa semana que passou sem grandes acontecimentos, foi que meus pais permitiram que ficasse na casa de tia Annie pelo tempo que precisasse. Trabalhou em nossas roupas com tanto empenho que mal a vi durante a semana toda. As aulas de feitiço também foram adiadas, mas me pediu para continuar a ler o livro e para decorar os que estavam grifados, qualquer dúvida era só perguntar. Não conseguia fazer feitiço nenhum, embora já tivesse decorado os dez feitiços grifados no primeiro capítulo do livro.
Fazíamos algumas reuniões para acertar o que faríamos no baile, mas tia Annie não nos deixava ver as roupas de maneira nenhuma. Como conseguiria acertar as medidas? Em um dos dias de reunião, o Senhor Helsten apareceu em casa e ficamos espionando a conversa dele com minha tia. Tivemos medo de que talvez estivesse tentando ameaçá-la, suborná-la ou algo do tipo, porém só falavam sobre plantas e alguns avanços da investigação do ataque da festa das flores. Ainda assim ficamos cismados e decidimos colocá-lo em nossa lista negra de pessoas cúmplices da Alana. Admito que nos sentíamos espiões, mas dessa vez não era como brincadeiras de criança. O irmão de Ally estava desaparecido e Alana com certeza era uma psicopata. Saímos perguntando para muitas pessoas na cidade sobre o paradeiro de Shane, mas ninguém sabia dele e nem o havia visto recentemente. Não conseguia controlar minha aflição, sentia que precisava fazer alguma coisa, mas o quê? Era apenas uma inútil.... Talvez tivesse ajudado uma vez, mas agora não podia fazer absolutamente nada. A família dele já havia dado queixa na polícia, o caso parecia muito com um sequestro. Não tinha nenhum avanço na investigação e isso não colaborava para nos deixar mais calmos.
O dia do baile chegou e meu coração estava aos pedaços. Vinha chorando todas as noites e mal conseguia dormir pela preocupação. Minhas lembranças sobre ele pareciam vagas e distantes e precisava me aproximar novamente, mas não havia como. Duas vezes tia Annie me pegou chorando e sempre inventava desculpas tolas para não perceber meu verdadeiro estado de espírito. Minha aparência provavelmente estava deplorável.
Jamie iria levar a Ally, mas quando me informaram que meu par seria o Bryan não pude deixar de lembrar as vezes que me atacou e acho que os outros perceberam e trocaram os pares. Ally e Bryan, George e Ellen, Shawn e Mari, Jamie e eu. Shawn e George protestaram sobre me levar junto, mas eram minoria, portanto tiveram que aceitar. Sentia-me entorpecida pela angustia e pela falta de notícias, os dias pareciam se arrastar e nem fazia tanto tempo assim... Não entendia minha reação desesperada, apesar de saber o motivo. Todas as roupas serviram perfeitamente e me perguntei como tia Annie fizera isso, se não havia tirado nossas medidas em momento algum. Os ternos eram pretos, mas as gravatas dos rapazes combinavam com as cores de nossos vestidos. Shawn e Mari foram de púrpura, George e Ellen foram de verde-água, Bryan e Ally foram de vermelho escarlate, Jamie e eu fomos de azul Royal.
Não sei como, mas os meninos arrumaram carros luxuosos para irmos à mansão: dois carros pretos, um carro prata e um azul marinho. Chegamos à mansão, que era a casa de Alana, e senti um forte aperto no coração ao passarmos pelo portão. Colocamos nossas máscaras ao descer dos carros e adentramos o salão de baile. Alana não tinha o perfil de quem fazia bailes com valsas e músicas clássicas, mas foi exatamente isso que encontramos ao entrar. Tentei disfarçar o choque e deixei que Jamie me arrastasse para a pista de dança. Perguntei-me se tocaria a mesma coisa durante a festa toda, mas logo a música mudou e algumas pessoas se afastaram da pista. Tocava algo que me lembrava jazz e nem todo mundo sabia dançar isso, mas alguns ainda se aventuravam. Avistei Alana sentada em uma cadeira que parecia mais um trono, estava com um vestido dourado de decote fundo, era longo e quase cegava por causa do brilho. Também não economizara nas joias e na maquiagem pesada, muito menos no salto fino que calçava nos pés. Desviei o olhar ao perceber que estava cerrando os punhos, com raiva.
Pedi a Jamie que me deixasse ir ao banheiro, o que permitiu meio a contragosto e pediu para que assim que saísse fosse atrás dele. Quando saí do banheiro minha atenção foi voltada para o palco e vi que Alana havia sumido. Dei uma rápida olhada pelo salão, nenhum dos meninos estava a vista e meu sexto sentido dizia que precisava vasculhar a casa. Deixei os sentidos me guiarem e saí por uma das portas laterais do grande salão. Me vi em um corredor longo e escuro, cheio de portas à direita e janelas enormes à esquerda. Apenas a luz do luar iluminava o local. Ouvi uma voz no final do corredor e me escondi atrás de uma das cortinas, mas não havia ninguém ali. Uma luz foi acesa na última porta do corredor. Respirei fundo algumas vezes, tentando decidir se ia até lá ou se voltava ao salão. Precisávamos investigar.... E se isso fosse uma prova? Onde será que estava a câmera de tia Annie? No escuro conseguiria captar alguma coisa? Gravaria áudio, ou apenas vídeo? Não dava tempo para raciocinar, fui me movendo pelas sombras do corredor, alguns vasos enormes de plantas eram colocados dos dois lados de cada porta, me escondi atrás do último vaso, ao lado da porta em que a luz estava acesa. Duas pessoas conversavam no cômodo, um garoto e uma garota. Reconheci a voz de Alana, mas a voz do rapaz era baixa e muito rouca... Parecia estar fraco e descontente, falavam sobre o baile.
— Você vai ser meu par sim! Assim que melhorar dessa... coisa que você tem. — Alana parecia uma criança mimada.
— Não. Já disse que não vou fazer isso. — Dizia o rapaz. Meu coração havia disparado e minhas mãos estavam frias, o sangue latejava em minhas veias e minha respiração era ofegante. Tentei me controlar.
— Vai sim! Agora diga o que quero ouvir! — A voz nojenta de Alana se tornara sedutora. Pelo menos o jeito de falar... a voz ainda era irritante e nojenta.
— Não vou dizer. Você sabe que não é verdade. — O rapaz falava com dificuldade.
— Tudo bem. Ainda está um pouco abalado, amor. Agora diga o que quero ouvir, bem aqui no meu ouvido... — ouvi o barulho dos saltos dela dando uma pequena corridinha e meu coração pareceu parar por um instante.
— Você é louca.
— Só se for por você. — Alana soltou alguns gritinhos histéricos.
Precisava chegar mais perto.... Precisava espiar pela porta e gravar o que estava acontecendo, mas... E se ela saísse e me visse? Estragaria tudo. Não sabia se o alcance da câmera era suficiente para pegar a conversa que ouvi e não havia gravado nada demais em vídeo. Mesmo com a máscara, talvez Alana me reconhecesse. Sequestrar alguém era loucura, mas tinha quase certeza de quem era a pessoa que estava ali e certeza que estava contra a própria vontade. Prendi a respiração ao ouvir o som dos saltos dela se aproximando da porta, arrumei um jeito de me enfiar atrás do vaso e rezei para que estivesse bem escondida.
Alana desligou a luz e notei uma chave brilhar em suas mãos, trancaria a porta. Fechei os olhos com medo que me visse, mas no instante em que colocou a chave na fechadura, ouvimos um grito vindo do salão. Retirou a chave e saiu correndo. Será que...? Esperei que se afastasse e sumisse pelo corredor, saí de detrás do vaso e fiquei parada em frente à porta, sem saber se devia ou não continuar. E se fosse uma armadilha? Ignorei qualquer sinal de alerta e segurei a maçaneta, virei com cuidado, tentando não fazer qualquer ruído. Abri a porta e entrei, notei que não havia maçaneta por dentro e a única janela, quase do tamanho da parede, estava fechada e selada por grades do que parecia ser ferro. A porta só se abria por fora e a janela não era rota de fuga. A pessoa estava presa aqui, com certeza. Será que a câmera estava conseguindo gravar algo? Não podia ligar a luz, mas o luar iluminava o cômodo. Alguém estava em pé em frente a janela e puxava as enormes e grossas cortinas. Não! A luz... não precisava mais da luz para saber quem estava sendo mantido preso ali, mas a câmera teria conseguido gravar todos os detalhes?
— Você não deveria estar aqui. — Sua voz tentava parecer indiferente, mas notei a preocupação e o medo.
— Você também não. — Não sei como consegui manter minha voz firme. Meus olhos ardiam e minhas pernas estavam bambas. Notei que se movimentava e senti sua mão tocando minha bochecha. Não conseguia entender como ainda estava de pé, minhas pernas pareciam gelatina.
— Não deveria estar aqui. — Repetiu sem conseguir disfarçar o tom de voz dessa vez.
— Então finja que não estou. Por que você... Alana o sequestrou, não foi? — As lágrimas escorriam pelo meu rosto e sabia que isso era um erro. Ainda bem que a máscara cobria a metade superior do meu rosto e disfarçava meus olhos úmidos pelo choro. Ele estava em silêncio e parecia que não iria me responder. Não consegui mais me conter, pulei em seus braços abraçando seu pescoço e o beijei, mas ele me afastou com um empurrão e quase caí sentada. Consegui me reequilibrar, mas minha mente estava atordoada e meu coração parecia que iria se contrair até desaparecer.
— Está usando o colar que te dei. — Sua voz não estava controlada, parecia sofrida, mas por que deveria achar isso agora?
— Não sei mais se deveria... — me dirigi para a porta tentando não tropeçar em nada, mas não conseguia parar de chorar. Sabia que precisava me recompor antes de voltar ao salão, mas não sabia se conseguiria fazer isso tão cedo.
— Não é o que parece, está bem? Por favor, confie em mim. — O ouvi dizer, mas não queria mais ouvir nada. Meu coração estava disparado, mas parecia morto. Minha mente estava em turbilhão, mas parecia desconexa. Meu corpo estava rígido, mas parecia maria-mole. Desisti de me recompor e procurei Jamie pelo salão.
— Preciso ir embora. — Puxei o braço dele e passei a arrastá-lo até a porta da mansão.
— Está tudo bem? Você estava chorando? — Continuei o arrastando até o carro e só contei o que havia acontecido quando estávamos sentados e bem trancados. — Não podemos ir embora agora, precisamos esperar os outros.
— Tudo bem. Pode ir atrás deles.
— Primeiro me conta o que aconteceu.
— Eu encontrei Shane. — O choro havia cessado e me esforçava para manter uma expressão neutra.
— Encontrou? Onde? Como? — Jamie me encarou surpreso.
— Desobedeci suas ordens e fui atrás de Alana sem contar a vocês. Os encontrei conversando no último quarto do corredor da direita do salão...
— Ela te viu? Ele te viu? — Jamie estava alarmado e segurava meus ombros com um pouco mais de força que o normal.
— Ela não, mas ele sim...
— Alana vai descobrir.... Vocês estão em perigo. Preciso tirar você daqui antes que seja tarde. — Jamie ligou o carro e começou a dar marcha ré.
— Ele está em perigo? Não me pareceu que estivesse... — estava com raiva e prestes a falar uma enorme besteira. Não estava feliz ali e sabia disso pelo tom de sua voz, mas aceitava ficar ali por algum motivo.
— Sim, talvez esteja em perigo, mas você está mais. — Me passou um telefone celular e me lançou um olhar de quem sabe das coisas. — Ainda preocupada com a família dele? Ligue para um dos meninos e avise-os para sair o quanto antes. Diga para se encontrarem na casa da sua tia.
Não respondi a acusação dele, porém fiz o que pediu e avisei George para tirar os outros dali assim que pudesse. Durante todo o caminho me senti estranha e Jamie evitou falar comigo, me deixou sozinha com meus pensamentos. Até que em certo momento começou do nada a me contar fatos sobre a vida de Shane e um deles era que Ally não era irmã dele, era prima. A mãe dele e da Mina era da Itália. Ela morreu e o pai os abandonou com a tia. Itália? Não notei qualquer traço italiano nele.... Talvez o pai fosse de outra nacionalidade. Pelo menos isso explicava os desenhos do caderno...
Chegamos à casa da minha tia e entramos, ficamos sentados na sala e explicamos porque havíamos voltado mais cedo. Os outros estavam demorando a chegar. Tia Annie disse que iria se retirar para o quarto e orar pedindo que chegassem logo, mas desconfiei que faria suas feitiçarias e não orações. Seja lá o que fez, deu certo e depois de cerca de vinte minutos os demais chegaram.
— Graças a Deus vocês chegaram! — Abracei Ally e Mari de uma vez só, aliviada.
Contei a todos o que havia acontecido e me repreenderam por não ter cumprido as ordens, mas logo desviamos o assunto e começamos a planejar o que faríamos em seguida. Tia Annie finalmente desceu e nos informou sobre o Baile de Outono que o Senhor Helsten faria daqui a seis semanas. Pedira a filha que desistisse de fazer outro baile dali a três semanas, mas não quis e ainda disse que não seria um baile de máscaras. Decidimos que nesse próximo baile seria bom se não fôssemos todos, apenas Mari e Shawn, George e Ellen. Os demais estavam proibidos de ir.
Os meninos foram embora e levaram Mari para casa, Ally foi para a casa dela e tia Annie ficou comigo na sala. Estava sentada parada e olhando fixamente o chão, não dizia nada, apenas a ouvia contar que o baile de outono seria lindo, assim como o da primavera, que era o seu favorito. O Senhor Helsten havia liberado a mansão e convidado muita gente pela cidade, mas as pessoas para o lado de onde minha família morava não seriam chamados. Fiquei com raiva e comecei a compará-lo com a filha, mas tia Annie explicou que o baile de outono era apenas para criaturas mágicas. Comecei a calcular quantas criaturas mágicas existiam por ali, mas tia Annie desviou minha atenção.
— Querida... sei que está preocupada e chateada com seu amigo, mas tenha a certeza de que está fazendo isso para protegê-la. Por que acha que se aproximaria de você e depois se afastaria tão de repente senão para isso? Ele se preocupa com você. Acredite. — Sua voz era doce. Havia retirado os brincos das minhas orelhas e a maquiagem do meu rosto, agora escovava meu cabelo com delicadeza e tentava me convencer a ir para o quarto descansar, mas eu não queria.
— Você não viu como ele me empurrou...
— Também não ouvi o tom de sua voz.... Parecia angustiado? Aflito? Com medo? Preocupado? — Estava calma e invejava seu autocontrole perfeito.
— Sim. Parecia um pouco de tudo isso. — Disse me sentindo derrotada. — E parecia triste...
— Tenho certeza que não está feliz em ficar longe de você, da família e dos amigos... — soltou meus cabelos e sentou no braço do sofá ao meu lado. — Vamos subir agora? Estou com sono.
— Vamos. — Deixei que me arrastasse escada acima, ajeitou minha cama enquanto trocava de roupa e me cobriu após me deitar. Desejou uma boa noite e seguiu em direção a porta, mas parou por um instante e me olhou novamente.
— Esse colar... ele quem te deu?
— Sim.
— É um colar especial. Esta pedra é mágica e possuí algum tipo de magia para proteção. Ainda acha que não gosta de você?
Tia Annie saiu do quarto sem me dar tempo de responder, sentei na cama e pensei por um longo tempo em tudo que havia acontecido entre nós dois até agora. Então me lembrei da pulseira escondida debaixo do travesseiro, peguei a caixinha de veludo com cuidado e a abri. Fitei a pulseira por um longo tempo e decidi que não deveria usá-la, pois me pediu para guardá-la e não mostrar a ninguém, o colar já serviria para me proteger. Guardei novamente a pulseira e a caixinha, deitei e fechei os olhos puxando nas lembranças todos os momentos bons que tivemos, mas minha mente voltava a se perturbar com imagens terríveis do que Alana poderia estar fazendo. Repreendi-me por dentro por ter seguido Alana e encontrado Shane. Se descobrisse que estive ali, o que poderia fazer com ele? O que faria com os seguranças que não me viram passar? O que poderia tentar fazer comigo ou com tia Annie? Estremeci e comecei a rezar para que nada de mal acontecesse com as pessoas que amo. Lembrei-me do que Ally havia dito sobre o destino e nossas vidas estarem conectadas, não sei por que pensei nisso naquele momento, mas pensei. Uma calma estranha tomou conta da minha mente e do meu corpo e senti o véu do sono me embalar. Adormeci sem nem perceber.
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