Cap. 21 - Nova Casa
Acordei um pouco grogue na manhã seguinte e percebi que Mari já havia levantado, por isso decidi primeiro tomar um banho para depois descer para o café. Os aranhões eram um pouco mais profundos que o normal e senti minhas pernas e meu pescoço arderem bastante ao lavá-los. Sabia como Jamie precisaria me curar, portanto ao invés de calças, coloquei um short jeans e uma regata preta. O dia prometia uma temperatura agradável e isso melhorou um pouco meu humor, pelo menos não passaria frio. Calcei meus tênis de sempre, um All Star preto, e desci para tomar café, mas havia uma presença além do que esperava na mesa do café.
— O que o Senhor faz aqui? — Falei abruptamente e todos se viraram na minha direção.
— Querida! Que modos são esses? — O olhar de tia Annie era de repreensão. Por que ainda queria que o tratasse bem? — Que falta de educação!
— Oh... os machucados deixaram marcas. Sinto muito, mocinha. — O Senhor Helsten estendeu a mão em minha direção, ainda sentado na cadeira da cozinha, seu olhar era de pena, mas não estava interessada nisso.
— Eu estou bem. — Me afastei rápido da mão dele. — Vou ao dermatologista esta manhã, aliás, a consulta é daqui a pouco. Estou atrasada.
— Está bem. Entendo. — Sorriu complacente. — Caso deixe cicatrizes, já conversei com sua tia sobre uma plástica por minha conta.
— Não vou precisar. — Disse tentando disfarçar a irritação. — Obrigada.
Havia perdido a fome, então simplesmente tomei um copo de suco de laranja e segui para a porta ao som dos protestos de tia Annie. Não me importava. Não faria sala para aquele homem de novo e não acreditava que nem sequer desconfiava que a filha fosse uma psicopata. Saí pela porta da frente o mais rápido que pude e percebi que Mari corria para me alcançar. Bastou um olhar para entender que não queria conversar.
Os vizinhos de tia Annie despertavam e saíam na varanda para sentir o ar fresco da primavera, ao se depararem comigo e Mari, nos cumprimentavam sorrindo, mas não pude deixar de notar certo receio ao notarem os machucados em minhas pernas e no meu pescoço. Talvez tivesse sido melhor me cobrir dos pés a cabeça...
Continuamos a caminhar pelo centro da cidade e passamos em frente à floricultura da Senhora Jasmine. Ouvimos um grito lá de dentro e paramos imediatamente. O que estava havendo? Logo soubemos a resposta, a Senhora Jasmine correu até a frente da loja e me perguntou o que havia acontecido comigo. Pude notar que deixara um cliente esperando no caixa. Inventei uma desculpa esfarrapada, mas pareceu convencida e nos desejou um bom dia enquanto voltava para dentro, de volta ao cliente que aguardava pacientemente.
Atravessamos o centro da cidade e a todo o momento notava os olhares curiosos das pessoas ao nosso redor. Ninguém parou para perguntar, mas era perceptível a dúvida em seus olhares. Chegamos ao bosque após pegar um caminho alternativo, por trás das casas do outro lado da rua, tentando evitar minha casa e as perguntas da minha mãe. Adentramos a trilha principal e logo encontramos a trilha escondida que levava à casa dos meninos. Estava desconfortável por Ally não ter vindo conosco, não tínhamos ideia se havia alguma presença estranha por ali. Por um milagre chegamos a casa deles sem nenhum contratempo. Jamie atendeu a porta com cara de sono e pela milésima vez me perguntei por que vampiros sentiam sono.
— Desculpe acordar você. Os outros também estão dormindo? — Disse segurando o riso.
— Sim, mas eu acordo eles. Relaxa.
— Não! Tudo bem, não precisa! — Falei rápido enquanto nos deixava entrar. — Só preciso que cure meus ferimentos. Não posso ficar assim.
— Ah! Sim, devia ter terminado o serviço ontem. — Esfregou a nuca, pensativo. — Só imaginei que não gostaria muito da ideia. Sabe como é.
— Sei. — Sorri um pouco sem graça. — Mari, gostaria de dar uma olhada no jardim? Lá é muito bonito.
— Vou sim. — Entendeu a deixa e saiu na direção que Jamie apontou.
— Recebeu alguma visita ontem? —E nos sentamos no sofá.
— Não. Ele não apareceu. — Tentei disfarçar o desapontamento, mas acho que foi em vão. — Ele veio para cá?
— Não. E também não está na própria casa... Ally telefonou para nós hoje de manhã para saber se estava aqui. — Jamie falava bem devagar, sabia o peso dessas palavras sobre mim.
— Não gosto nada disso. Estou com uma sensação ruim. — Minha voz soava aflita e tentei ignorar meu estômago se revirando. Com certeza havia algo errado.
— Não se preocupe. Eu e os rapazes vamos procurá-lo assim que todos acordarem.
— E onde pensam em procurar?
— Temos um lugar em mente...
— Onde?
— Desculpe, não posso dizer. Você quereria ir até lá e é perigoso demais...
— Então ele corre perigo? — Não consegui deixar de interrompê-lo.
— Não vou mentir para você. Sim, há uma grande possibilidade disso. — Jamie esfregou os olhos com o polegar e o indicador. — Mas vamos logo ao que veio fazer aqui.
Assenti e permaneci em silêncio. Começou o processo de cicatrização e tentei não resmungar ou me mexer muito. Em determinado momento fui vítima de um ataque de risos e os outros acabaram acordando, ninguém se importou com a cena incomum na sala de estar, seguiram para a cozinha e foram tomar café. Vampiros tomavam café? Jamie disse uma vez que podiam comer, mas não sentiam o gosto. Era indiferente para eles, mas gostava da sensação de morder algo que não fosse carne humana ou animal, como doces ou batatas fritas.
— Obrigada. — Havia terminado e Mari voltara ao cômodo. Os rapazes haviam saído para procurar Shane e me senti uma inútil por não poder ir junto.
Jamie nos ofereceu uma carona de carro e resolvemos aceitar. Voltar todo o percurso a pé não seria muito divertido, já que ainda estávamos cansadas da vinda. Fomos para a casa de tia Annie e quando estávamos chegando pedi que não estacionasse na frente da casa, mas um pouco antes. Mostrei o carro dos meus pais estacionado em frente à casa e expliquei que minha mãe pensaria coisas erradas sobre nós novamente. Disse não entender, mas aceitou meu pedido e se despediu de nós, saímos do carro e caminhamos até a casa da minha tia.
Não consegui evitar as perguntas da minha mãe e inventei que fomos fazer uma caminhada matinal, porque estávamos com a consciência pesada por comer tanto na noite anterior. Meu irmão estava brincando na casa de Mina e tia Annie e meu pai discutiam algo muito importante enquanto minha mãe viera atender a porta. Pararam de falar o que quer que fosse quando entrei e resolvemos almoçar, depois voltamos para a sala e minha presença foi solicitada.
— A casa de vocês é um pouco longe da escola... — Tia Annie começou.
— Mas ela pode ir até lá sozinha. Não tem perigo. — Meu pai argumentou.
— Ainda acho melhor se morar mais perto da escola...
— E o que a Senhora sugere, então? — Minha mãe não parecia muito contente.
— Poderia vir morar comigo. Estou muito cansada e ficando velha. Preciso de ajuda para cuidar do jardim e Analice pode me ajudar com isso. Ela ama flores. — Sorriu para mim. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo. — E minha casa é bem mais perto da escola.
— Mas ela é muito nova para sair de casa! — Minha mãe me olhou em busca de confirmação, mas fingi não perceber.
— Ela não está saindo de casa. É como se viesse passar as férias aqui, mas ao contrário. — Tia Annie usava um tom racional que não dava margem a dúvidas. — E me sinto tão sozinha ultimamente...
— Eu não sei... — minha mãe ainda me observava em busca de apoio.
— Se ela quiser... — meu pai voltou o olhar para mim.
— Eu quero. — Falei estando ciente de que seria melhor assim. Se Alana me odiava e queria me fazer mal, não hesitaria em machucar minha família, mas se estivesse distante e fingisse não me importar com eles, talvez estivessem a salvo de sua fúria. Tia Annie saberia se cuidar, não havia problema em morar com ela e assim colocá-la em risco. Sabia que seria arriscado, mas era o único plano que tinha para proteger minha família no momento. Além do mais, precisava aprender magia com tia Annie e isso levaria algum tempo.
— Vamos fazer uma experiência. Você fica aqui essa semana e vê se dá tudo certo, caso contrário você retorna para casa. Certo? — Minha mãe sugeriu.
— Tudo bem. — Aceitamos o acordo. Meu pai disse que precisava voltar para casa e pegar mais roupas e alguns pertences que havia deixado lá, que talvez precisasse. Buscamos meu irmão na casa de Ally, deixamos Mari na casa dela e finalmente chegamos em casa. Passei a tarde toda arrumando as malas e ao anoitecer meu pai me levou de carro de volta à casa da tia Annie.
Sentia um enorme aperto no coração ao deixar minha família, minha nova casa e minha melhor amiga para trás. Mari não seria mais minha vizinha, mas expliquei o porquê estava fazendo isso e ela entendeu. Ally me esperava na porta da casa da minha tia quando cheguei, estava feliz por sermos vizinhas agora. Meu pai e ela ajudaram a levar as malas para dentro e após uma série de recomendações dele, finalmente foi embora. Não queria abandonar a companhia deles, mas era necessário. Ally me ajudou a colocar tudo no lugar e depois foi embora, pois já estava bem tarde e tínhamos aula no dia seguinte. Tomei um banho, jantei com tia Annie e depois fui dormir.
Ao acordar no dia seguinte com o som do despertador, demorei um tempinho para lembrar que estava na casa de tia Annie. Contei até três e levantei num pulo, não estava com vontade de sair da cama, mas precisava fazer isso. Tomei um banho relaxante e demorado, agora tinha mais tempo. Coloquei minha roupa, depois desci para tomar o café. Tia Annie ainda não havia acordado. Por isso, eu mesma arrumei tudo para o café dela, como uma forma de retribuir sua ajuda. Isso fez com que me atrasasse um pouco e desisti de comer alguma coisa. Escovei os dentes e corri até a casa de Ally, já que ela fazia questão de irmos juntas. Toquei a campainha e esperei. Hoje a irmã mais nova dela também começaria as aulas e iria conosco. Espera. Meu irmão também começava as aulas hoje e minha mãe o levaria. Por que me deixou morar aqui se poderia me levar junto? Não entendi como deixou isso passar, mas desisti de encontrar uma resposta. A irmã de Ally atendeu a porta e me abraçou forte, Ally saiu em seguida e fechou a porta. Estava com uma cara estranha, parecia preocupada e exausta.
— Está tudo bem, Ally?
— Sim, só estou com sono.
Chegamos à escola bem mais cedo que o habitual. Mina foi procurar crianças para brincar e nós seguimos para nosso lugar favorito, o banco embaixo da árvore. Não pude deixar de perguntar novamente se Ally estava bem.
— Estou preocupada com meu irmão.
— Por quê?
— Não dormiu em casa ontem e nem essa noite. Liguei para os meninos, mas também não estava lá. Telefonei e ele não atendeu. — A voz dela estava aflita e comecei a me sentir assim também. A sensação de que havia algo errado tomou conta de mim de novo e meu coração se apertou.
— Fique calma, Ally. Vamos conseguir localizá-lo e tenho certeza que vai estar bem. — Disse para tentar acalmá-la, mas a verdade é que não tinha essa certeza, apenas um mau pressentimento.
— Sim. Eu espero que... O que é aquilo? — Ally observava o portão do colégio com uma expressão incrédula. Um garoto vestido com roupa de colegial, cabelos escuros e despenteados e olhos azuis como o céu de verão, entrava na escola caminhando como se fosse popular.
— Jamie?!? — Quase engasguei quando parou ao nosso lado.
— Oi, garotas bonitas. Sou novo na escola e.... — segurei seu braço com força e o obriguei a sentar.
— O que pensa que está fazendo? — Disse entre dentes. Ally ainda estava chocada demais para dizer alguma coisa.
— Estou vindo até um centro de ensino para fazer novos amigos e adquirir conhecimentos em diversas áreas de...
— Você ainda estuda? — Ally finalmente se recuperou.
— Não. — Esticou as pernas relaxadamente e se espreguiçou. Ao perceber que apenas o encarávamos, completou a resposta. — Convenci a mulher da secretaria a me aceitar novamente no último ano.
— Por quê? — Falamos juntas.
— Depois do que houve na festa é melhor que esteja por perto para ficar de olho em você, Ani. — Passou a uma postura séria e se ajeitou no banco.
— Vai me seguir para todo o lado agora? — Disse indignada.
— Sim, mas antes que queria me matar, isso não foi ideia minha. — Sorriu de leve.
— Então foi ideia de quem? — Falei desconfiada.
— Dona Annie e Shane me pediram para protegê-la a qualquer custo.
— Meu irmão falou com você? Quando foi isso? — Ally estava realmente angustiada e percebi que também teria feito essa pergunta.
— Foi no dia da festa. Passou por mim e sussurrou isso. — Jamie explicou e percebi os ombros de Ally desabarem pela decepção. O sinal tocou e fomos obrigados a seguir para as salas de aula.
A primeira aula era de biologia e a segunda era de história. Prestei mais atenção que o normal, com intenção de não pensar em todos os problemas que rondavam minha mente. A manhã passou bem rápida e logo pudemos sair. Esperamos Jamie terminar sua última aula e depois seguimos para o Coffe's Point.
— Jamie, por que precisa nos seguir até a escola se Alana nem estuda? — Ally falou enquanto fazíamos nossos pedidos.
— Ela é louca. Você sabe disso. Pode colocar alguém lá para fazer mal a vocês duas, mas no momento o alvo principal dela é a Ani.
— Por que eu?
— Quer se vingar de você. Não sabemos ainda o motivo exato, mas sabemos que está no topo de sua lista negra. — Explicou.
— E que está fazendo algo de ruim com meu irmão. — Ally completou dando um soco na mesa. A garçonete sorriu sem graça e pediu para que não destruísse o lugar. Ally se encolheu e pediu desculpas. Jamie acenou animadamente para uma garota que entrava no recinto no momento e a apresentou como Ellen. Era a garota que George levara na festa da tia Annie. A moça nos cumprimentou sorrindo e sentou ao lado de Ally. Jamie explicou que era vampira e a namorada de George, que mora na cidade vizinha, mas veio passar um tempo com eles por causa dos acontecimentos. Queria ajudar a deter Alana.
Ellen se ofereceu para nos levar para casa e acabamos aceitando a oferta, mas ao invés de ir para a casa de tia Annie pedimos para visitar os meninos. Seguimos juntos e discutimos por um bom tempo, mas ainda não haviam descoberto nada sobre o paradeiro de Shane, o que só nos deixou ainda mais preocupadas. Ellen se ofereceu para nos levar até em casa de novo e como desculpa disse que havia se esquecido de comprar algumas coisas na cidade e que estava indo para lá mesmo. Aceitamos a oferta, sem alternativas. Agradecemos a carona, entrei e resolvi ligar para Mari. Era para as aulas dela começarem hoje... por que não estava na aula?
Mari me contou que a mãe a matriculara na escola errada e se recusava a mudar novamente. Portanto só conseguiria transferência no ano que vem. Contei a ela sobre Jamie estar estudando com a gente e conversamos até bem tarde. Tomei um banho, jantei e resolvi fazer as tarefas de inglês, biologia e história. Eram onze e meia e só havia feito metade de tudo, meus olhos ardiam e soltei o lápis um pouco para descansar. Desisti de continuar e resolvi me deitar, mas assim que encostei a cabeça no travesseiro uma voz soou lá de fora, na sacada.
— Posso entrar?
— Quem é? — Meu coração havia disparado anormalmente e me levantei no mesmo instante, já sabia quem era.
— Shane.
— Entre.
— Você está bem? — O observei enquanto adentrava o quarto.
— Por que não estaria? — Não consegui disfarçar o sorriso de felicidade por vê-lo.
— Só para saber... — Deu de ombros, mas notei o alívio em sua voz.
— E você? Como está?
— Bem... na medida do possível. — Sorriu para parecer descontraído, mas notei que estava tenso.
— Conheci a Ellen hoje. — Não sabia por que achei importante dizer isso, mas sempre ficava nervosa com sua presença.
— Ela é muito simpática e inteligente. Uma boa amiga.
— Sim.
— Te trouxe um presente. — Falou após um longo tempo em silêncio. Ergui os olhos para encará-lo.
— Não posso aceitar...
— Pode sim. E vai. — Tirou um colar dourado do bolso, com um pingente de coração feito com uma pedra vermelha muito brilhante para ser normal. Possuía um brilho quase mágico...
— É lindo... — desisti de me conter e o abracei forte. — Obrigada.
— Posso colocar no seu pescoço?
— É claro que pode. — Me afastei ainda sorrindo como boba por vê-lo.
— Ficou lindo em você. — Não pude deixar de arrepiar quando sua pele tocou a minha ao colocar o colar.
— Já era lindo antes de colocar em mim. — Ri de leve tentando disfarçar o rubor do meu rosto.
— Fica melhor no seu pescoço do que em uma vitrine.
— Por quê? A embalagem perfeita para um lanche vampiro? — Tentei fazer piada, mas não achou graça. — Desculpa. Pensei que fosse rir.
— Jamais a veria como um lanche. — Olhei seu rosto pelo espelho e percebi que seu olhar estava triste.
— Não fique assim. Eu sei que não... — virei-me e segurei seu rosto entre as mãos. Ele parou de falar ao sentir meu toque e notei que seu corpo estremeceu.
— Você ainda tem medo de mim.
— Não tenho.
— Então por que estava tremendo enquanto colocava o colar? — Seu olhar estava fixo no meu. Fiquei em silêncio, sem saber como explicar que não tremia por medo, mas por outro motivo. Não sei o que entendeu de meu silêncio, mas se afastou de mim em direção à sacada. Corri atrás dele, querendo prolongar a visita o máximo que pudesse, mas simplesmente fez que não com a cabeça, me deu um selinho e foi embora. Assim que me recuperei da consequência de seu beijo rápido e inesperado, voltei para a cama e adormeci sorrindo ao tocar o colar e entender que se importava comigo mais do que pensava. Suas visitas eram rápidas com a intenção de me proteger. Preocupava-se comigo assim como me preocupava com ele. Sabia o nome do sentimento que vinha tomando conta de mim pouco a pouco, sem que percebesse, até ser tarde de mais. Estava apaixonada. Era amor. E era correspondido.
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