Cap. 20 - Revelações
A sala ainda estava parecida com um salão de danças, mas as músicas agora eram para casais e um pouco mais lentas. Mari e Shawn, Ally e Jamie, George e a garota que trouxera, dançavam animadamente no canto da "pista" e mal notaram quando entrei com minha tia. No sofá, que havia parado ao lado da porta, estavam sentados um homem de meia idade e uma garota de cabelos ruivos. A garota não me parecia estranha.... Tia Annie continuou a me arrastar em direção àquelas duas figuras e tentei demonstrar algum ânimo em conhecê-las.
O homem parecia alto, tinha cabelos grisalhos e pouquíssimas rugas no rosto, a pele era clara e o sorriso era simpático, mas parecia nervoso ao mesmo tempo. Usava um terno preto que parecia ter sido muito caro, os sapatos lustrados não pareciam exatamente baratos também. Voltei a observar o rosto do homem e notei que seus olhos eram claros, mas não consegui definir a cor, pois minha atenção voltou-se para a garota. Tinha a pele até mais branca que a minha, os olhos eram castanhos claros, estava com uma maquiagem exageradamente pesada, mas ainda sim seu rosto parecia o de uma boneca de porcelana. Tinha uma expressão de tédio e seus olhos se reviravam como em reprovação a todo o momento. Estava com um vestido vermelho curto demais para ser chamado de vestido e saltos mais altos que o que parecia ser normal. Ninguém a avisou que era para usar roupas formais? Pelo menos usava algumas joias para dar um tom mais formal... se não brilhassem mais que o lustre da sala de estar.
— Senhor Helsten. — Tia Annie sorria feito boba. — Esta é minha sobrinha, Analice.
— Olá, mocinha. Prazer em conhecê-la. — O homem sorriu educadamente e com simpatia. Sorri de volta ao responder um "oi" mais tímido que o normal. A garota ao lado dele passou a me observar com o olhar gélido. Senti um arrepio correr minha coluna, mas estava disposta a não me deixar abalar. — Esta é minha filha, Alana. Meu nome é Edmund.
— Olá, Alana! — Rezei para meu sorriso e meu entusiasmo fingido não serem percebidos. A garota apenas me encarou de cima a baixo e virou a cara para outro lado.
— Ela é assim no começo, não se preocupe. — O Senhor Helsten parecia realmente muito desconcertado e tive pena dele. — Sua sobrinha é muito bonita, Annie.
— Obrigada. — Senti meu rosto corando.
— Sim... e é muito prestativa e educada também, por isso vai apresentar as amigas para Alana. Tenho certeza que se darão muito bem. — Tia Annie me lançou um olhar que dizia que não tinha outra opção.
— Não quero saber quem são as amigas dela, mas ficarei menos entediada se quiser me mostrar a casa. — Disse Alana enquanto se levantava e jogava o cabelo por sobre o ombro. Tia Annie e o Senhor Helsten fingiram não notar o comportamento dela e me vi sem opção. Lembrei-me do alerta de Shane e decidi tomar cuidado com essa garota.
— Vamos? — Sorri tentando demonstrar simpatia, mas me ignorou, passou por mim batendo em meu ombro e se dirigiu para a escada. — Acho que vai gostar de conhecer o jardim...
— Odeio plantas. — Sua voz era fina, aguda e anasalada.
— Então podemos ver....
— Quero conhecer o andar de cima. O seu quarto. Vamos? — Não esperou minha resposta, agarrou meu braço com as unhas longas e pintadas com a mesma cor do vestido e me arrastou escada acima. Como conseguia andar tão rápido com aqueles saltos?
— Esse é o quarto da minha tia. Ali é a pequena biblioteca. O quarto de visitas... — comecei a explicar quando chegamos ao segundo andar e finalmente me soltou.
— Quero ver o seu quarto. — Virei-me imediatamente para encará-la.
— Por que tanto interesse no meu quarto? — Me lançou um olhar frio e astuto.
— O quarto de uma garota é onde ela guarda seus maiores segredos. — Um sorriso esnobe se formou no rosto dela e meu sangue ferveu.
— Só que não moro aqui.
— Isso não importa. — Deu de ombros e passou na minha frente. Resolvi me vingar. Corri um pouco para passar na frente dela e com um sorriso falso, indiquei a porta do meu quarto, as quando ia começar a entrar, puxei com força a maçaneta e a fechei num baque. Enquanto Alana esfregava o nariz pequeno e arrebitado, tranquei a porta e guardei a chave na mão fechada em punho. Assim que se recuperou, me olhou com ódio e pensei que fosse começar a chorar de raiva, mas assim que seu rosto mudou de vermelho para branco novamente, passou a sorrir maliciosamente e pensei ter notado em seus olhos um brilho estranho e dourado. Parecia muito com uma psicopata. Então veio o choque: Alana era a garota que me encontrou na lanchonete e escondia o cabelo e o rosto para não ser reconhecida. Como não percebi isso logo de cara? Não consegui evitar engolir em seco e infelizmente ela percebeu. Seu sorriso só aumentou, mas não parecia sorrir para mim agora. Virei-me a tempo apenas de ver uma sombra me agarrando com braços fortes e não consegui gritar em meio ao pânico. Quem era essa pessoa? Como havia entrado? O que fazia ali? Percebi que era um homem e estava vestido como um segurança particular. Fazia sentido, mas como havia chegado ali sem eu perceber? Sem que alguém percebesse?
O homem agarrou meu pulso com força após me imobilizar com apenas uma das mãos e minha chave caiu no chão com um tilintar abafado pela música lá embaixo. Recuperei minha voz e me preparei para gritar, mas senti uma forte dor de cabeça e apaguei no mesmo instante.
Quando acordei novamente, não estava mais no corredor. Estava amarrada no beiral da varanda do meu quarto, estava deitada no concreto frio e tremia por causa dessa friagem. Meus braços e pernas estavam arranhados, pareciam os arranhões de um gato, mas eram um pouco maiores e sangravam mais que um simples arranhão felino. Ao lado do beiral estava um homem de terno e óculos escuros, o cabelo estava raspado e sua postura era rígida. Minha cabeça doía.
— O que significa isso? — Queria que minha voz soasse irritada, mas saiu trêmula.
— Senhorita, ela acordou. — Disse o homem sem alterar seu semblante de pedra.
— Então você pensou que poderia se meter comigo, não é? — Alana veio até a sacada e a encarei tendo plena certeza de que era maluca.
— Você é louca. Socorro! — Gritei, mas ela tampou minha boca um pouco violentamente. Mordi a mão dela até sentir o gosto de sangue e meu estômago embrulhou involuntariamente.
Ela bateu com força em meu rosto com a mão ensanguentada e depois rasgou a gola do vestido frente única para arranhar meu pescoço. Gritei novamente e ela mandou o segurança me soltar. Espera. Soltar? O que ia fazer? Será que estava pensando em me jogar dali? Gritei outra vez. Estava solta e tentava me levantar, mas meus músculos vacilavam. Alana pulou em cima do segurança como se lutasse contra ele. A porta do quarto foi arrombada e ela bateu no segurança com mais força. Assim que a madeira da porta atingiu o chão, o segurança empurrou Alana e pulou pela janela, sumindo na noite.
— O que houve? Quem era aquele cara? — Shawn fora o primeiro a entrar, seguido por Mari, Ally, Jamie, George, a garota que o acompanhava, Bryan, tia Annie e o Senhor Helsten.
— Aquele homem! — Alana estava chorando e acabava de se levantar do chão com a ajuda do pai. — Ele nos atacou! Não sei o que queria com a Analice, mas tentei ajudar e me trancou aqui também!
— O quê? Como assim? Não foi isso que... — Tentei explicar, mas Jamie correu até mim e me colocou em pé enquanto sussurrava para que apenas ficasse em silêncio. Observei-o indignada, mas me abraçou forte para abafar minhas palavras.
— O que fizeram com você, Ani? — Gritou mais alto que meus sons abafados de protesto. — Quem fez isso vai pagar caro!
— Mas... — finalmente me soltou e me encarou fixamente com seus olhos azuis e penetrantes.
— Aceite a versão dela. — Sussurrou e me abraçou novamente, depois me soltou e com cuidado e limpou o sangue que sujava minha bochecha onde Alana havia me batido com a mão ensanguentada.
— Nós vamos chamar a polícia. — Disse tia Annie horrorizada e abraçou o Senhor Helsten e Alana com cuidado, guiando-os para fora do quarto.
— Sim... é melhor dar queixa. — Sussurrei tentando ignorar todas as perguntas em minha mente.
Assim que todos os convidados foram embora e a confusão dispersou, minha tia, o Senhor Helsten, Alana, os meninos, Ally, Mari e eu sentamos no sofá para discutir. A discussão mal havia começado, quando Alana fingiu um desmaio. Ao acordar, pediu para ir embora e o pai obedeceu. Pediu desculpas para tia Annie e para mim e foi embora. Os policiais tinham acabado de ir embora, o que me fez pensar que Alana só quis ficar para dar a queixa da maneira como acreditava que haviam acontecido as coisas.
Jamie ficou ao meu lado o tempo todo e junto com Mari e Ally, ajudou a limpar meus machucados e a cicatrizar a maioria deles. Pelo menos o que era possível sem parecer constrangedor. Faltavam apenas os arranhões nas pernas e os do pescoço. Jamie também estava me ajudando a me controlar e não dar com a língua nos dentes sobre o que havia acontecido, enquanto Alana e o pai não iam embora. O pai de Alana se oferecera para pagar os melhores detetives para tomar conta do caso e nós só pudemos aceitar e agradecer. Assim que voltou da porta, após os dois irem embora, tia Annie soltou um profundo suspiro ao sentar-se no sofá e todos me encararam, sérios.
— O que aconteceu de verdade? — Minha tia perguntou calmamente.
— Alana queria ver o meu quarto e não deixei, mas arrumou um jeito de entrar e me apagou. Quando acordei estava amarrada no beiral da varanda e o segurança estava ao meu lado. Meu corpo estava todo arranhado, mas não satisfeita, também rasgou o vestido para arranhar meu pescoço. Tentou tapar minha boca para que não gritasse e mordi a mão dela. Com raiva, me deu um tapa na cara. Acabei conseguindo gritar de novo e quando vocês chegaram, pulou em cima do segurança e fingiu lutar com ele. Depois inventou aquela mentira toda. Não sei se era mesmo um segurança, mas parecia bastante. — Parei para respirar e não percebi que falara tudo tão rápido.
— Isso é horrível... — Mari tampou a boca com as mãos para expressar seu horror.
— Por que não contaram a verdade a polícia?
— Não adiantaria. Não seria presa e ninguém acreditaria na sua explicação, Ani. Alana sabe mentir muito bem e também sabe como convencer os policiais a fazerem o que quer. Fora que o Senhor Helsten jamais deixaria a filha ser presa. — Jamie explicou.
— Mas isso não pode ficar assim! — Ally parecia muito irritada. — Essa garota é louca!
— Ela vai ter o que merece Ally, acalme-se. — Pediu George com a voz perfeitamente controlada. — Mesmo porque, não temos provas de que foi ela quem atacou a Ani. Não podemos acusá-la agora.
— Não temos provas? — Ally gritou indignada. — Olha o pescoço dela! Isso são arranhões de unhas femininas!
— Havia muitas mulheres na casa, Ally. — George suspirou.
— Mas só havia uma trancada com ela no quarto! — Ally parecia a ponto de socar alguém.
— Não adianta. Ela sabe manipular os policiais. — Bryan tentou acalmá-la, mas parecia inútil.
— E vai sempre sair impune? — Não sabia se Ally queria chorar, rir ou quebrar alguma coisa. As luzes da sala começaram a piscar, mas logo voltaram ao normal. Será que vai acabar a luz? Todos ignoraram o ocorrido e continuaram a conversa.
— Desde que chegou com o pai aqui, há dez anos, é sempre assim. Parece que a cidade é apenas um brinquedo para ela. Adora mexer com as vidas das pessoas e faz isso como se fossem todos apenas bonecos. — Explicou Jamie.
— Já faz tempo que estamos tentando acabar com isso. — George completou. — Mas sempre arruma um jeito de escapar.
— Mas por que tudo isso? Por que faz isso? — Não conseguia controlar minha voz, estava indignada. O que tia Annie estaria pensando disso tudo? Não parei para perguntar.
— Existem muitas versões, mas isso não vem ao caso agora. — Jamie colocou a mão no meu ombro e me lançou um olhar que dizia para me acalmar.
— O maior problema é que Alana é uma bruxa. Conhece muito bem magia negra e isso atrapalha nossos esforços. — Bryan cruzou os braços em frente ao corpo. Todos na sala congelaram por alguns segundos e depois olharam para tia Annie ao mesmo tempo. Tia Annie não deveria saber sobre essas coisas de magia!
— Não se preocupem queridos. Uma bruxa entende um pouco de magia negra, mesmo que não a pratique. — Sorria sinceramente e todos estavam boquiabertos. Então entendi um pouco tardiamente o que isso queria dizer.
— Você... não pode ser. — Balancei a cabeça tentando afastar a ideia.
— Esqueça isso por hora querida. Talvez os rapazes devam saber que conheço o segredo deles. — Lançou um olhar esperto e os rapazes pareceram paralisar por uns dois segundos.
— Então todos nessa sala sabem sobre nós? — Shawn foi o primeiro a se recuperar.
— Sim. — Tia Annie ainda estava sorrindo e demonstrava calma e compostura.
— O que vamos fazer? — Ouvi minha voz perguntar antes que pudesse notar o que estava perguntando.
— Precisamos de um bom plano para pegar essa garota de vez. — George falou encarando um ponto na parede.
— Eu sei como pegá-la. — Tia Annie estava com o olhar entristecido e fitava o chão. Todos a encaramos.
— Como? — George falou, aflito.
— Precisamos nos infiltrar na casa de Alana e tentar pegá-la no flagra. É melhor que façamos isso na casa dela para que não tenha nenhuma desculpa do tipo "foi tudo uma armação". — Tia Annie retribuía cada olhar atento. — Descobri com o Senhor Helsten que a filha adora festas e que finalmente liberou fundos para que a garota faça seus bailes. Ela quer se sentir uma rainha. Só os mais ricos da cidade serão convidados e sei que seus amigos vampiros estão na lista. Eles têm uma casa afastada, mas uma conta bancária bem avantajada. — George assentiu com o rosto corado. — Vocês terão o direito de levar acompanhantes e serão ainda mais pessoas para ficar de olho nos passos da garota. É a maneira mais discreta de conseguir um flagra que a polícia não poderá ignorar.
— Mas ela tem dinheiro para pagar a fiança, tia. — Ao mesmo tempo senti-me sem esperanças.
— Minha querida, seus amigos não falavam da nossa velha polícia humana. Estavam com certeza falando da polícia que controla os delitos das criaturas mágicas que utilizam magia negra. Isso é proibido. — Sorria solidariamente.
— Não me acostumei com a ideia de que minha tia é uma bruxa... — passei as mãos no rosto para tentar me acalmar um pouco e absorver toda a história.
— Dona Annie, sua ideia é incrível. Mas quem poderíamos levar como acompanhantes? É arriscado demais... — Shawn começou a dizer antes de ser interrompido por Ally.
— Eu vou! Sei que essa garota está envolvida com os sumiços do meu irmão e quero saber o porquê.
— Eu também vou. — Me ouvi dizendo e logo em seguida ouvi a Mari dizer a mesma coisa.
— Essa garota machucou minha melhor amiga e não vai se safar disso. — Mari estava realmente decidida a fazer alguma coisa e sorri de leve, agradecida.
— Você e Ally não podem ir, Ani. — Disse Jamie de repente.
— Por quê? — Falamos juntas.
— Alana vai reconhecê-las. — Disse.
— Não, querido. Alana aprecia bailes de máscaras para não revelar sua identidade a ninguém. — Tia Annie falou.
— E como vamos pegá-la assim? — Disse angustiada.
— Precisaram fazê-la tirar a máscara. — Explicou. — E por mais que odeie admitir isso, é crucial que Analice vá. É a única capaz de fazer Alana perder a cabeça de raiva a ponto de se entregar.
— Eu? — Quase engasguei com a perspectiva de ser capaz de enfrentar aquela garota outra vez.
— Você conseguiu isso hoje. Arrancou sangue dela e fez com que perdesse a compostura apenas por aparecer em sua frente. Conheço a garota e ela não age daquela maneira como agiu com você na festa, ao serem apresentadas. Por algum motivo, tem muita raiva de você. Te odeia profundamente a ponto de quase ser pega ao tentar atacá-la... — comentou pensativa. — Vou instalar câmeras em seus trajes para ajudar.
— Filmadoras? — A encarei, incrédula.
— São feitas de magia. São praticamente invisíveis. — Deu de ombros. — Também posso ensinar magia para você, querida.
— Me ensinar magia? — Arregalei os olhos.
— Está no seu sangue e você precisa manifestá-la agora. Sua mãe não precisou, mas você sim. Aceite seu destino. — Me encarava com uma expressão tão séria que não ousei discordar, apenas assenti. Respirei fundo e resolvi deixar para entender tudo isso mais tarde. Sabia que seria como uma avalanche devastadora tentar aceitar tudo isso agora.
— Por que nunca me disse tudo isso? — Disse confusa.
— As coisas acontecem sempre ao seu tempo, certo Ally? — Sorriu para ela, que retribuiu com um sorriso cúmplice.
— Ally? O que Ally sabe sobre isso? — Falei ainda mais confusa.
— Ally pode prever o futuro. Tem poderes de mediunidade que estão começando a desabrochar e o primeiro foi a visão do futuro. — Tia Annie explicou. Esperei que Ally negasse e dissesse que não sabia de nada, mas não o fez.
— Desde o começo sabia muito do que viria a acontecer, Ani. — Ally estava de cabeça baixa, parecia envergonhada. — Por isso me aproximei de você do nada e me tornei sua amiga tão rapidamente. Conhecia muito sobre você antes mesmo de te conhecer, porque previ muitas coisas sobre o seu futuro.
— Ok. Já chega! É muita coisa para a minha cabeça! — Segurei a cabeça com força, sentindo que meu cérebro ia explodir e depois escondi o rosto com as duas mãos.
— Não esperava que aceitasse tudo de uma vez, querida. — Tia Annie trocou de lugar com Jamie e me abraçou de lado. — Saiba que só escondi tudo isso de você para o seu próprio bem.
— Não duvido disso. — Murmurei.
— E eu sabia que era uma boa pessoa, Ani. Não me aproximei de você apenas por obrigação. Você é mesmo minha amiga. — Ally pulou para o braço do sofá e me abraçou um pouco desajeitadamente. Mari se juntou a elas e disse estaria sempre ao meu lado.
— Obrigada. Jamais duvidaria de vocês. De nenhum de vocês. — Fiz com que meu olhar abrangesse todos na sala e sorri como maneira de controlar as lágrimas que queriam sair, não me demorei no rosto de ninguém, pois isso causaria uma choradeira sem fim.
— Tem mais uma coisa que precisa saber... — Jamie começou.
— O que é? — Pelo tom de voz dele sabia que não era nada de bom.
— Acredito que Alana esteja chantageando Shane. — Disse. — Provavelmente sabe do segredo dele, já que sabe do nosso. Não é bem um segredo para as criaturas mágicas, nós conseguimos nos reconhecer. O problema é que existem alguns humanos por aqui e por isso nos escondemos.
— Ela o está chantageando? Por que está fazendo isso? — Falei sentindo o sangue ferver novamente.
— Não sabemos. — Sabia que Jamie estava mentindo, pois, antes de responder, lançou um rápido olhar na direção de Ally. Prometi acreditar neles, por isso não questionei sua mentira.
— Onde vamos arrumar trajes de gala? — Disse com a intenção de mudar de assunto. — A festa provavelmente será chique.
— Farei os trajes para vocês! — Tia Annie falou animadamente.
Agradecemos a ela e quando os rapazes estavam indo embora me ocorreu uma coisa. Foi Alana quem machucou Shane. Os arranhões nas costas dele eram como os que fez em mim, mas os meus não eram tão profundos, do contrário me matariam e pelo jeito não queria isso... ainda. Não quis contar minha suspeita, que era quase uma certeza, pois já havia acontecido muita coisa essa noite. Decidi que diria isso outro dia, quando a poeira baixasse um pouco em minha própria mente. Talvez fosse apenas impressão minha por causa dos choques de informações e acontecimentos que sofri essa noite. Os rapazes foram embora e Ally também, restamos apenas tia Annie, Mari e eu.
— Tia, você vai dizer alguma coisa para minha mãe? Não tenho ideia de como dizer tudo o que está acontecendo...
— Não acho que deva dizer e não precisa se preocupar, vou acobertá-la nessa missão. Vai dar tudo certo e sua mãe não saberá de nada, mas precisa curar esses arranhões em seu pescoço e suas pernas. Sei que parece nojento ou constrangedor, mas seu amigo vampiro precisa terminar o serviço. Sugiro que o procure amanhã.
— Eu vou. — Disse enquanto a ajudava a colocar os últimos móveis no lugar. Abracei tia Annie com força e fiz o mesmo com Mari, que estava quieta até então. Queria demonstrar minha gratidão, mas sabia que nada jamais seria suficiente para agradecê-las por toda a ajuda e preocupação.
— Agora é melhor vocês duas irem dormir. Foi um dia bem agitado. — Tia Annie falou enquanto se dirigia para a cozinha.
Mari e eu nos despedimos dela e subimos, mas devido a tudo o que aconteceu essa noite, Mari me convidou para dormir no quarto dela e não recusei o convite. A cama era de casal e caberíamos com muita facilidade. Agradeci mentalmente por não precisar ficar sozinha essa noite e quase cogitei a ideia de chamar tia Annie para dormir conosco, mas reparei que as luzes lá embaixo ainda estavam acesas, ou seja, ainda não havia ido para o quarto.
Tiramos as roupas de festa e colocamos roupas mais confortáveis. Não conversamos antes de dormir e embora não estivesse sozinha fisicamente, minha mente estava sozinha com os pensamentos que ignorei mais cedo. Tudo que achava que sabia sobre minha tia era falso. Tudo que achava que sabia sobre mim também era. Sangue de bruxa? Magia? Como isso era possível? Ok. Acreditei facilmente em vampiros, mas isso porque não era uma vampira. Acreditar que poderia ter poderes mágicos era com certeza uma coisa completamente diferente. Então eu não era normal? Era mais fácil aceitar que meus amigos não eram normais. Que minha tia não era normal. Mas eu? Sempre fui fraca, medrosa e... sempre acreditei que tudo isso pudesse ser real. Talvez realmente tivesse recebido sinais desse suposto destino. Como não percebi nada disso antes? Meu Deus! Não podia ser tão burra assim, podia? Como nunca percebi que minha tia era uma bruxa? Como não percebi que Ally tinha poderes sobrenaturais? Como não percebi que eu mesma tinha magia?
Estava confusa e cansada, fechei os olhos e adormeci sem perceber. No meio da noite acordei, olhei para o lado e Mari ainda dormia profundamente. Fiquei quieta olhando para o teto e tentando ouvir algum som que pudesse ter me despertado, mas estava tudo estranhamente silencioso.
Sentei-me na cama com cuidado para não acordar Mari e fiquei pensando sobre o que aconteceu no dia anterior. Como, de uma hora para a outra, minha vida havia mudado tão radicalmente de novo? Em menos de um ano, mudo de cidade, faço amigos vampiros, faço uma amiga médium, conheço uma garota que me odeia, mesmo que não saiba o motivo, descubro que minha tia é uma bruxa e que também posso ser. E também havia Shane...
Levantei-me da cama e saí na varanda do quarto de Mari para apreciar o céu da madrugada, que estava repleto de estrelas. Não tinha qualquer nuvem à vista e a lua minguante brilhava como um sorriso no céu escuro. Era tão bonito que parecia um sonho bom, daqueles que trazem uma sensação de suavidade, alegria e paz. Era quase mágico, mas agora saber que magia era real me fazia pensar diferente sobre a afirmação de algo ser "mágico". Percebi que estava feliz ao constatar que magia era real, mesmo com as novas preocupações que essa confirmação me trazia.
Estava preocupada e não era comigo. Sabia que Alana estava envolvida de alguma forma com o Shane, o que me deixava preocupada. O que estava fazendo com ele? E o que ele fez para ela? Tinha medo por ele, mas isso era minha motivação. Conseguiria fazer essa garota pagar por todas as pessoas que fez ou que ainda fazia sofrer. Por todas as pessoas que machucou e que ainda machucava. Queria poder afastá-lo de tudo isso, até essa maluca ser presa, mas sabia que não me deixaria fazer isso. Dissera que estava tentando me proteger e agora compreendia que queria me proteger dela, mas por que poderia me proteger dela?
Queria que me visitasse agora.... Uma leve brisa bateu e por um segundo pensei que meu pedido tivesse sido atendido. Imaginei-o vindo até a varanda e notando os arranhões. Saberia que não segui seu conselho. Tentaria mentir, mas conseguiria deduzir a verdade. Não pude deixar de pensar se não estava fazendo tudo isso por causa do incidente no bosque. Será que achava que me devia alguma coisa por ter telefonado e pedido ajuda? Isso era ridículo! Ele me salvou e não o contrário.
Esperei sua visita durante um longo tempo, mas não apareceu. Senti uma dor diferente da dor dos arranhões. Era meu coração que doía pela ausência dele e não conseguia acreditar o quanto ridícula estava sendo. Havia o visto noite passada e mesmo assim estava sentindo sua falta. Senti meus olhos arderem e minha garganta pareceu fechar. Deixei que as lágrimas escorressem pelo rosto e só retornei para o quarto quando finalmente consegui controlar novamente minhas emoções. Pensei que não conseguiria dormir, mas consegui.
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