Cap. 2 - O Bosque

Voltei para casa pensando se por acaso aqueles rapazes eram assim tão simpáticos com todo mundo ou se tinham alguma espécie de interesse em especial. Mantive os pensamentos neles durante o restante do dia, até o momento de dormir. Minha mente insistia em retomar a lembrança da conversa e do salvamento das batatas..., o segundo acontecimento sempre me fazia rir. Não tive dificuldades para dormir, já havia me habituado a cama nova.

No dia seguinte recebi uma ligação. Era George e meu pai atendeu.

— Alô?

— Alô! É da casa da Analice? Poderia falar com ela?

— Sim, é da casa dela. Quem seria?

— Diga que sou o George. Ela me conheceu ontem no Café aqui da cidade.

— E o que você quer com ela?

— Queria falar com ela... por favor.

— Minha filha não está disponível no momento. Passar bem.

Ouvi toda a conversa pela linha de telefone que ficava no quarto dos meus pais, mas não tive de coragem de dizer nada. Quando ouvi a voz de George, prendi a respiração e passei apenas a escutar. Assim que me recuperei do choque por ter de fato me telefonado, fiquei com muita raiva da maneira como meu pai o tratara, mesmo que isso parecesse o mais seguro a ser feito. Não estava preocupada com segurança.

Desci a escada correndo e perguntei ao meu pai quem era no telefone, fingindo não saber e não ter ouvido nada. Porém, quando começou a fazer perguntas demais sobre o tal garoto, fiquei irritada e acabei entregando que ouvira a conversa. Como não o respondi de uma maneira muito educada, me deixou de castigo até o fim dessas minhas férias provisórias, que durariam ainda mais tempo, agora que ocorrera outro problema com a minha matrícula. Já que meu pai não me permitira mais sair de casa por causa do castigo, resolvi telefonar para meu novo amigo com o número que salvara em meu celular.

— Alô? George?

— Não. Shawn.

— Shawn?

— Sim. Quem fala?

— É Analice. Conheci vocês ontem no Coffe's Point. George disse que esse era o telefone dele...

— Ah. Então é isso... sempre passa o meu telefone ao invés do dele.

— Por quê?

— Porque nunca leva o celular quando sai de casa, sempre esquece.

— Parece até eu...

— Quer que passe o telefone para ele?

— Sim, por favor! Se não for incomodar...

— Não vai. GEORGE! — Shawn gritou ao telefone e depois pediu desculpas diversas vezes por ter gritado no meu ouvido.

— Tudo bem. — Insisti todas as vezes até convencê-lo de que não me deixara surda.

— Aqui está ele. Tchau!

— Tchau! — Fiz uma pequena pausa. — George?

— Alô. Analice?

— Sim.

— Seu pai me disse que...

— Desculpe por isso. Ele pensou que fosse algum tipo de trote ou talvez um sequestrador...

— Ah! — Ouvi sua gargalhada pelo telefone. — Mas o que você queria me falar?

— Nada. Você quem me ligou, lembra?

— Ah, é! Então... gostaria de dar uma volta comigo e os rapazes para te apresentarmos a cidade?

— Não posso...

— Por quê?

— Meu pai me proibiu de sair de casa até minhas aulas começarem.

— Já não deveriam ter começado?

— Minha matrícula deu problema e acho que só vou poder estudar daqui umas duas semanas...

— Podemos sair quando estiver livre dessa proibição, então?

— É claro!

— Ótimo! Essa cidade tem muitos lugares bonitos!

— Certo. — Disse rindo. — Então está marcado.

— Sim! Até mais!

— Até!

Desliguei o telefone e uns dois minutos depois meu pai entrou no quarto dizendo que ia buscar minha mãe e meu irmão na casa de nossa tia, que já morava aqui há bastante tempo. Sempre vínhamos passar os feriados de fim de ano na casa dela e algumas vezes vínhamos nas férias também, embora não viéssemos com muita frequência há uns cinco anos. Esperei ele sair de casa, aguardei alguns minutos para que se afastasse e então decidi sair e explorar os arredores de meu novo lar.

Minha nova escola ficava a uns trinta minutos de caminhada da minha casa, de acordo com o que minha mãe dissera. O bosque que notara assim que cheguei aqui, ficava bem mais perto e aproveitei a oportunidade para visitá-lo. Estava cada vez mais frio. O outono chegara bem mais cedo esse ano e as folhas das árvores começavam a cair. O bosque parecia sombrio e imenso. Senti um forte arrepio correr meu corpo, quando a ideia de o adentrar passou como um raio pela minha mente. Mesmo com medo, segui em frente. Meu pai demoraria um pouco para voltar, mas esse tempo seria suficiente para entrar no bosque, dar uma olhada rápida e voltar para casa. Me chame de louca se quiser. Sempre quis uma experiência como essa, mas meus pais nunca me deixaram fazer trilha ou acampar.

Segui pelo caminho de terra e cascalho e passei por diversas árvores altas, com copas pontudas e alaranjadas por causa da estação. Enquanto entrava no bosque, pensava nas casinhas pelas quais havia acabado de passar, que pareciam sobrados e precisavam ser pintadas novamente. Eram muito bonitas, cada uma pintada de uma cor diferente. Conforme caminhava pela trilha do bosque, algo em meu interior me dizia para não continuar. Admito que estava morrendo de medo, pois acredito plenamente no meu sexto sentido e quando ele diz "não vá", é melhor mesmo não ir. Ignorei o aviso do meu lado consciente e mergulhei na vontade do inconsciente, a de seguir a diante. Andava apenas pela trilha, sem desviar do caminho principal por medo de me perder, além do mais, já estava ficando tarde e logo meu pai estaria de volta. Precisava voltar para casa e me perder não era uma opção. Segui pelo caminho principal até encontrar um lago, que estava parecendo levemente congelado e isso atraiu minha atenção. Não estava tão frio a ponto de congelar a superfície da água.... Aproximei-me do lago me afastando mais da trilha principal e debaixo da fina camada de gelo que o cobria, pude ver peixes nadando.

Ajoelhei-me na beira do lago e observei os peixes nadando. De repente, ouvi o barulho de galhos se quebrando e senti um vento forte e frio soprar por entre as copas das árvores. Prendi a respiração sentindo meu coração disparar e fiquei atenta ao que viria a acontecer em seguida. O barulho veio de trás de mim, como pude perceber, mas ainda estava longe de onde me encontrava. A dúvida sobre permanecer ou não imóvel sondou minha mente e me concentrei demais nela.

Estava com tanto medo que podia jurar que meu corpo inteiro tremia e já era incapaz de me controlar. Agia puramente por instinto, deixando a adrenalina me controlar. Soltei a respiração lentamente e levantei-me devagar, prendi novamente a respiração. Ouvi o urro feroz de algum animal selvagem e fiquei instantaneamente paralisada. Então era isso. Seria esse meu fim. Morta num bosque por um animal selvagem. Fechei os olhos e esperei o golpe ao ouvir o som de patas pesadas correndo pela vegetação. Adiantaria correr? Sim? Não? Até que ponto manteria vantagem? Quando imaginei que receberia o golpe final, ouvi um grito humano vindo do outro lado da trilha principal e abri os olhos, assustada.

O grito que obviamente expressava dor e agonia e era uma voz masculina. O rapaz ainda gritava, mas não ouvi qualquer barulho que indicasse que o animal ainda estivesse o atacando. Segui o som dos gemidos de dor do rapaz e do outro lado da trilha principal, um pouco afastado do caminho na verdade, encontrei-o caído no chão por cima de uma enorme poça de sangue. Senti meu estômago embrulhar, mas ao notar que o quer que fosse que o atacara não estar mais ali, segui em frente para prestar-lhe socorro. Havia realmente muito sangue. Controlei a náusea da melhor maneira que pude e não sabia se estava sendo controlada por meus instintos ainda ou não. Aproximei-me do corpo caído e ajoelhei ao seu lado, cautelosa. Ao notar minha presença, sussurrou quase sem forças:

— Busque ajuda....

— Mas... não posso deixá-lo aqui! Você....

— Por favor! — Levantou a mão com muito custo e sua pele morena estava ficando mais fria que o normal. Observei seu rosto bonito e encarei seus olhos cor de mel enquanto tocava meu rosto com cuidado. Senti seu toque por um momento e afaguei com cuidado seus cabelos escuros e macios. Um arrepio correu minha coluna e despertei da espécie de transe que nos envolveu momentaneamente. Peguei a mão dele e tentei medir sua pulsação que já era quase imperceptível.

— Não posso te deixar aqui. E se o bicho voltar....

— Ele não vai.... Rápido! Por favor....

— Eu.... Como se chama? — Falei rapidamente em estado de desespero, mas não respondeu nada e meu pânico só cresceu. — Ei! Acorde! Meu nome é Analice! Fique vivo, por favor!

— Alice...

— Não! Analice!

— Alice...

— Ok, como quiser. Vou buscar ajuda! Resista, por favor! — Retirei o casaco que vestia e o cobri sem olhar para os ferimentos em sua pele. Depois levantei e dei uma última olhada no rapaz antes de disparar pela trilha principal em direção a minha casa e a um telefone. Ao chegar em casa meus instintos me guiaram a discar um número de telefone e não percebi para quem estava ligando até completar a ligação. Fiquei confusa, mas não havia tempo.

— Shawn! George! Qualquer um! Preciso de ajuda!

— É o Shawn! O que houve? Está ferida? Em perigo?

— Não, mas um rapaz que encontrei no bosque perto da minha casa está! Ele foi atacado! Está muito ferido e acho que vai morrer! Por favor, ajudem! Meus pais não estão em casa e não conheço nenhum vizinho!

— Está bem! Fique calma. Vamos encontrá-lo e ajudá-lo!

— Vocês sabem como chegar?

— Sim! Sabemos! Até mais!

— Até.

Não me questionei sobre como Shawn sabia onde encontrar o tal rapaz, mas deduzi que conhecia aquela cidade muito bem por morar ali bem antes de mim. Depois daquele dia assustador, não quis mais voltar ao bosque e não sei porquê, mas não comentei nada com meus pais também. Liguei para Shawn todos os dias, mas não atendia. Ouvi no jornal que jovens estavam sendo atacados no bosque que cercava a cidade e me senti ainda mais aflita. Queria notícias, mas não sabia como obtê-las além de telefonar todos os dias para Shawn e os outros garotos. Quando finalmente me atenderam, acabaram dando uma desculpa de que não podiam falar no momento e desligaram na minha cara. Estava ficando irritada e sem esperanças. Minhas aulas começariam logo e talvez conseguisse encontrar algum dos garotos do Coffe's Point...








Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top