Cap. 18 - Confiança

Era estranho que me sentisse a salvo ao lado de alguém que poderia me matar a qualquer segundo, mas era assim que me sentia ao lado dele. Talvez me sentisse assim porque sabia que já fora humano, mas se realmente fosse ver por esse lado, Bryan também já fora humano e mesmo assim já me atacara mais de uma vez. Não era por isso. Sentia que não me machucaria apesar de poder fazer isso.

— Algum problema? — Seu olhar era sereno, mas ainda parecia preocupado e mais alguma coisa que não consegui decifrar.

— Sim. Preciso da sua ajuda. — Pareceu surpreso e como ficou em silêncio resolvi continuar. —As amigas da minha tia vão a casa dela hoje para um chá das flores as três da tarde e minha mãe disse que desenharia algumas flores para mostra-las, sem que precisassem ir ao jardim.

— E qual o problema nisso?

— Não sei desenhar.

— E...?

— Menti para minha mãe. Ela viu os desenhos que você me deu e falei que eu havia feito.

— Ah. — Um sorriso leve despontou no rosto dele, mas logo desapareceu. Ouvi o som de vários passos apressados e virei-me na direção do som. Logo Mari, Ally e Jamie apareceram correndo por entre as árvores.

— Graças a Deus você está bem! Ficou maluca? Quer se suicidar? — Mari pulou em mim e me abraçou forte, depois fingiu me bater e se afastou para recuperar o fôlego.

— Irmão! Você a encontrou! — Ally sorria contente.

— Desculpa Mari. Se dissesse, vocês não iriam permitir e Bryan consegue me rastrear mais facilmente porque já bebeu meu sangue.

— Onde você estava? — Jamie perguntou ao Shane.

— Não acho que seja da sua conta. — Shane deu de ombros e desviou o olhar.

— Tudo bem. Mas saiba que George e Shawn não serão assim tão compreensivos. — Jamie lançou um olhar de advertência. — E já tenho ideia do que está acontecendo.

— O que é? — Falei imediatamente prestando atenção nele.

— Sinto muito, não posso compartilhar isso com vocês. — Estava com a expressão mais séria que o normal, mas seu olhar era de desculpas.

— Elas precisam voltar para suas casas. Vamos logo. — Shane começou a caminhar em uma direção qualquer, mas ninguém o seguiu.

— Vamos? Você não está pensando que vai junto, não é? — Jamie encarou Shane, que parou de andar e virou novamente para nos olhar melhor.

— É claro que vou. Ela precisa de mim. — Shane balançou a cabeça em minha direção e Jamie me encarou confuso.

— É verdade. Preciso mesmo.

— Tudo bem. — Jamie suspirou pesadamente e deu de ombros. — Vamos.

— Estamos na casa da minha tia, mas vocês sabem disso, não é? — Disse. Eles assentiram e começamos a caminhar.

— Para que precisa dele, Analice? — Jamie se aproximou de mim para não ser ouvido ao perguntar isso.

— Preciso que desenhe algumas flores para mostrar às amigas da tia Annie no chá das flores hoje à tarde.

— E como vai explicar a presença dele? Sua mãe não estará presente? Ela vai questionar sua companhia...

— Não tinha pensado nisso.

— Acho que tive uma ideia. — Jamie falou após um tempo em silêncio.

— Diga.

— Vocês podem parar de sussurrar? — Shane parecia descontente, mas sua expressão era indecifrável.

— E se fossemos ao chá com vocês? Pode convencer sua tia a fazer uma espécie de baile ou festa das flores e adiar um pouco para dar tempo de todos arrumarem pares. Assim poderíamos ir sem qualquer questionamento. Seríamos convidados e você estaria ajudando a fazer sala. — Jamie ignorou o comentário de Shane, mas de certa forma, conseguiu ouvir nossa conversa e todos passaram a prestar atenção. Não fazia mais sentido sussurrar.

— É uma boa ideia. Mas quem vai acompanhar quem? Preciso dos desenhos antes que cheguem e meu acompanhante não pode estar comigo antes dos outros convidados chegarem, senão vão desconfiar.

— Acalme-se! — Jamie ria de meu desespero. — Tenho um plano.

— Sinta-se à vontade para nos contar. — Suspirei cansada.

— Shane vai se oferecer para os preparativos da festa e vai levar Ally como acompanhante. Assim permanece tempo o suficiente para ajudá-la e se adaptar aos novos aromas da casa. Vou pedir a um dos rapazes para acompanhar sua amiga...

— Quem vai comigo? — Falei.

— Eu. — Jamie respondeu sorrindo.

— NÃO! — Shane gritou e notei que todos estremeceram de susto.

— Por que não? — Jamie o observou confuso.

— Por que... é que... ela precisa da minha ajuda, então quem deveria acompanha-la sou eu. — Seu tom de voz estava um pouco alterado ainda.

— Mas a mãe dela não te conhece. O que vai pensar se você já chegar lá acompanhando a filha dela em uma festa? — Jamie explicou.

— Que sou amigo dela. — Shane não estava nada feliz e achei melhor intervir.

— Fique calmo. — Cheguei mais perto dele, mesmo com um pouco de medo de sua alteração.

— Como posso ficar calmo? Ele não confia em mim! Por isso não quer que a acompanhe! Não entendo porque não confiam em mim! Bryan perde mais o controle que eu!

— Mas ele tem razão. Minha mãe ia estranhar mesmo... — sabia que não era a coisa certa a dizer, mas também não tinha ideia de como contornar a situação. Pareceu infeliz, mas parou de discutir e começou a andar mais rápido, nos apressamos para segui-lo.

— Na verdade, sempre estranhei isso. — Jamie sussurrou ao meu lado novamente.

— Isso o quê? — Observei-o rapidamente pelo canto do olho, sem tirar os olhos de Shane.

— A maneira como Shane consegue se controlar melhor que o Bryan.

— Acho que tem uma motivação. — Ally entrou na conversa.

— Motivação? — Perguntamos juntos, mas ele entendeu a resposta antes de mim e desatou a rir juntamente com Ally.

— Do que estão rindo? Não vejo graça! — Protestei.

— É claro que não. — Ally ainda ria quando finalmente entendi a piada. A motivação era eu e fora a última a entender isso.

Atravessamos a cidade o mais rápido que nossas pernas permitiam. Shane não dissera mais nada o caminho todo. Jamie, Ally e Mari conversavam animadamente, mas também permaneci quieta, pensando de que maneira seria uma motivação. Chegamos à casa de tia Annie e só depois de tocar a campainha foi que me lembrei de que havia dito que traria flores para o chá dela.

— Olá, meninas! Já voltaram? Onde estão minhas flores? — Ela sorria como se já tivesse entendido nossa mentira, mas não pareceu se importar com isso. — Olá, queridos! Entrem, por favor. — Falou quando viu os rapazes também, fui a última a entrar e sussurrou em meu ouvido. — Entendi porque esqueceram as flores.

Não tentei mentir, apenas sorri sem graça e entrei. Tia Annie seguiu para a cozinha e nós cinco ficamos na sala em silêncio, até nos lembrarmos da sugestão de fazer uma festa no lugar do chá. Chamamos tia Annie e explicamos a ideia.

— Gostei muito da ideia. Um baile... sim. — Sorriu animada. — Os rapazes e as moças estão convidados! Será às seis da tarde! — Depois retornou para a cozinha.

— Irmão, você está tão quieto. O que houve? — Ally sentou ao lado de Shane.

— Não sei se vou poder vir hoje à noite...

— Mas você estava até brigando para trazer a Ani! — Ally deu um tapinha no braço dele.

— Sim, mas não sei se posso vir. — Repetiu. — Tenho que pedir permissão.

— Não se preocupe. Acho que os rapazes não vão se importar. — Ally sorria.

— Não é por eles. Tenho outros... compromissos. — Parecia desconfortável e não consegui decidir se mudava ao não de assunto. Me olhava fixamente e isso me fazia congelar, não conseguia raciocinar direito assim. Por isso abaixei a cabeça e passei a encarar o tapete. Percebi pelo canto do olho que Jamie o encarava sombriamente e isso aguçou ainda mais minha curiosidade, mas a contive da melhor maneira que pude.

— Não vai poder me ajudar, então? — Encontrei minha voz, finalmente.

— Vamos desenhar agora à tarde. Jamie, Ally e sua amiga podem ajudar com a decoração? — Shane encarou os três, que assentiram vigorosamente. — Ótimo.

— Muito bem... — Ally lançou para mim um olhar brincalhão, seu sorriso era malicioso. — Enquanto nós trabalhamos, vocês dois namoram.... Desleal! — Quase todos riram, menos Shane e eu. Aliás, quase engasguei com o ar.

— Pare com isso! — Pedi sem graça, o que só a fez rir ainda mais. — Não vamos namorar. Estamos fazendo isso porque é preciso!

— Por que você se meteu nessa! — Acusou Ally ainda rindo.

— Por culpa do seu irmão! — Todos me encararam. — Se não tivesse me dado os desenhos, minha mãe não teria visto e não precisaria ter inventado que os desenhei! — Sabia que estava agindo como uma mal-agradecida, mas não conseguia controlar minha língua.

— Você mentiu para sua mãe? — Questionou tia Annie, vindo da cozinha.

— Eu... é que... não iria acreditar se dissesse que ele é apenas meu amigo, por isso não contei a verdade. — Suspirei.

— Não se preocupe, querida. Compreendo. — Tia Annie era com certeza um anjo. — Isso é assunto seu. Sei que o rapaz não fará mal a você e te dar desenhos é uma maneira de demonstrar afeto. Como as cartas de amor no meu tempo...

— Não! Não eram como cartas de amor! — Me apressei em dizer.

— Por enquanto... — Deu um sorriso travesso e voltou para a cozinha antes que pudesse responder.

— Desculpe por isso. — Falei a Shane. Os demais apenas nos encaravam em silêncio, tentando segurar o riso.

— Não precisa se desculpar. — Sorriu de leve e senti meu rosto esquentar. — E não precisa ter vergonha de mim...

— Vamos começar logo os preparativos? — Sugeri tentando fugir daquela situação. Todos levantaram e enquanto Jamie, Ally e Mari seguiam para os armários onde tia Annie guardava as decorações de festas, Shane e eu seguimos para o jardim dos fundos da casa. Ao chegar lá, notei que não havia muitas flores e perguntei a minha tia o que havia acontecido, que me informou levar as flores ao sótão para protegê-las do frio e fiquei pensando se não havia enlouquecido. Como as flores sobreviveriam lá? Seguimos para o sótão e relutei um pouco antes de ficar trancada com ele lá em cima, mas logo me acalmei e percebi o quanto estava sendo ridícula. Esperava encontrar as flores mortas e murchas, mas no sótão havia uma luz forte e quente que provinha da única lâmpada amarela no alto. Em cima das mesas que apoiavam as flores, estava um complexo sistema de canos e me perguntei se aquilo seria algum método de irrigação. Tia Annie fez uma estufa no sótão, mas se esqueceu de que as plantas precisavam de sol e não apenas do calor. Fiquei completamente chocada quando notei no fundo do sótão uma árvore de porte médio onde floriam uma variedade impossível de flores, e não por estarem parasitando, pois floriam diretamente dos galhos da árvore.

— Isso é impossível... — sussurrei chegando mais perto e tocando as pétalas de uma das flores. Pensei ter visto fagulhas de uma espécie de brilho diferente e dourado, mas raciocinei que deveria ser efeito da luz no teto. O sótão todo parecia um reino escondido que pertencia a fadas e elfos. Era lindo e... impossível.

— A existência de vampiros também era impossível para mim até me transformar em um deles... — Shane estava logo atrás de mim, quando o fitei por sobre o ombro percebi que também estava maravilhado pelo que via. Rodamos por todo o sótão e finalmente escolhi duas flores para ele desenhar. Foi então que notamos que não trouxemos caderno e nem lápis. Como num passe de mágica um caderno e um lápis apareceram em uma das mesas, mas descartei a ideia de magia e pensei que apenas não o notamos antes. — Acha que podemos usar?

— Creio que sim. Está em branco. — Disse folheando o caderno. Ao lado estava uma caixa de lápis aquarela, perfeita para pintar os desenhos. Entreguei o caderno e sentei em uma das mesas enquanto fazia o desenho. Permaneci em silêncio para não o atrapalhar e notei que me olhava de relance algumas vezes. Cada vez que notava esses olhares, meu coração saltava e meu rosto esquentava.

— Quer saber o nome das flores que escolheu? — Falou ao terminar e me entregar os desenhos. Eu assenti. — A primeira se chama Acácia Amarela e a outra é a Flor de Sino. — Sorriu de uma forma que não compreendi sua intenção e continuou. — A Acácia Amarela possui o significado de "amor secreto".

— Superstição. — Dei de ombro e virei o rosto para o outro lado para disfarçar o rubor.

— Como acreditar na existência de vampiros? — Provocou.

— Claro. Apenas loucos acreditam nisso!

— Você acredita...

— Nunca disse que era sã. — Dei de ombros e acabei rindo da própria piada, e por educação ou não, ele riu também.


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