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— BEBE mais um pouco — Ali enche a minha taça até não sobrar quase nenhum espaço vazio. Eu tomo um longo gole e o vinho agora está consideravelmente mais suave.
— Eu não acredito que estraguei tudo com ele... — solto um suspiro.
— Não seja tão pessimista pitico. Sei que quando a cabeça dele esfriar, esse tal de Rodrigo vai perceber que vocês dois são feitos um para o outro e vocês vão conversar e acabar se resolvendo... Esse encontro de vocês parece algo escrito naqueles filmes de romance que você diz que não assiste, mas que sabe o roteiro de cór. Não vai acabar assim.
— Só espero que você esteja certa.
— Eu normalmente estou. E se ele não voltar, eu vou ter o maior prazer de apresentar a ele meus punhos. Quero ver se ele vai comprar isso!
— Deixa pra lá. Vamos deixar esse assunto de lado, quero beber e me assustar até esquecer que respondi aquele anúncio! Mas desculpa te fazer vir aqui pra casa, sei que você queria mesmo é sair.
— Relaxa pitico! De um lado até que foi bom, pois com certeza o seu pijama emprestado é bem mais confortável que a roupa que estava planejando usar hoje à noite! E outra, com certeza eu vou beber muito mais e gastar muito menos! Só vi vantagens!
— Obrigado por ter vindo — dou um abraço apertado na minha amiga.
— Sempre que precisar estarei aqui — ela me dá um beijo na têmpora e voltamos a assistir filmes de terror, nos embriagando de vinho.
Não lembro que horas apaguei no sofá.
A minha cabeça é a primeira que acorda praticamente a marteladas. Acho que meu celular está tocando ao fundo, mas não tenho certeza. Abro os olhos e o apartamento está escuro, e Ali está dormindo agarrada com um travesseiro. A luz do celular me mostra onde ele está, e mesmo sendo a última coisa que quero nesse momento, vou olhar quem é.
Resmungo um palavrão baixinho quando vejo o nome do meu chefe piscando na tela.
— Finalmente você atendeu Miguel! — Tavares diz apressado e consigo murmurar algo como "desculpe eu não vi", ou espero que tenha sido isso. Vou até a cozinha e bebo água para ver se apaziguar um pouco a dor de cabeça. — Vou até ignorar o fato que você está atrasado e te dar uma folga hoje pois a matéria que você enviou está um sucesso de visualizações em nosso site! Trouxe novos patrocinadores, e nossos anúncios estão bombando!
— C-como?
— A matéria que você me enviou ontem de madrugada! Tinha mais errinhos de digitação do que estou acostumado de receber de você, mas nada que impedia de ser a matéria de capa. Parabéns! Vá pensando no segmento que você quer colocar no jornal!
— Mat-matéria de capa? Segmento?
— Parece que você ainda não acordou, ou talvez tenha usado tudo o que tinha para escrever ontem! De qualquer jeito, aproveite a folga de hoje e nos vemos amanhã! — ele nem espera que eu me despeça e já desliga.
Pisco algumas vezes atordoado, e só então percebo o meu computador aberto e a taça de vinho vazia ao lado. Merda!
Não posso lidar com isso agora! Tomo um banho para relaxar o corpo e a água quente leva o restante do álcool que ainda tinha no meu corpo. Depois de colocar uma roupa limpa, vou até a cozinha, e a Ali já está acordada, fuçando na minha geladeira, buscando algo para comer.
— Vou fazer uns ovos mexidos para gente. A torradeira está em cima do balcão. No armário tem o pão e o remédio pra ressaca! Ainda tem um restinho de pó pro café, dá pra nós dois. Tem leite na geladeira se quiser.
— Preciso de café, depois eu vejo o resto!
Como um bom par de amigos cheios de ressaca, fizemos o nosso café da manhã e comemos em silêncio. Ali vai tomar um banho e eu fico ali na cozinha lavando a louça por medo ainda de olhar o que eu mandei para meu chefe.
Ruim não pode estar, já que ganhei a capa.
A dor de cabeça vai embora e minha amiga volta com um novo conjunto de roupas limpas minhas. Senta-se ao me lado na bancada da cozinha.
— Por que você está olhando pra esse computador com essa cara de desespero pitico?
— Ganhei a matéria de capa do jornal...
— Mas isso é incrível! — ela me abraça.
— Só que eu não lembro de escrevê-la, e sinceramente estou com medo de que o que eu escrevi aniquilou de vez as minhas chances de voltar a falar com o Rodrigo.
— Coragem pitico! Você só vai saber se olhar! Estou aqui do seu lado para o que der e vier. Começa a ler, e se for demais pra você, eu continuo, pode ser?
— Tá certo — ela então posiciona o computador na minha frente e abro a página do jornal. Pisco algumas vezes por conta do título.
"Jornalista arrependido. Compro perdão. Perdão específico e raro. Pagamento a devolver"
O que vocês fariam se estragassem a chance da vida de vivenciar um amor inexplicável, intenso e eu já falei inexplicável?
Bem, posso dizer que eu, Miguel Sousa, estou vivendo isso e quero pedir a ajuda de vocês, leitores desse belo jornal, pois nesse momento ver essa chance escapar entre os meus dedos está me destruindo. Será que algum de vocês tem uma resposta? Uma saída? Confesso que nesse estado de desespero estou aceitando tudo.
Quando estamos escrevendo algo para ser publicado no jornal, seja uma cobertura de evento, uma notícia, ou até mesmo uma coluna social, temos que ser o mais imparciais possível, porém, nós não podemos fazer nada quando o coração dá um pontapé em todas as portas que estavam fechadas e ele fala o que quer.
E o meu coração chegou na frente quando eu encontrei aqueles olhos. Sinceramente, acho que nem tive tempo de reação, quando percebi, já era. De uma maneira misteriosa, as barreiras que sempre estão ativas, foram desarmadas silenciosamente com o seu sorriso. E pelos céus, como eu quero ver novamente esse seu sorriso para tapar o buraco que a sua tristeza deixou em mim.
É estranho escrever isso para uma pessoa com quem eu compartilhei apenas umas poucas horas, mas não me importo de ser esquisito se isso, de qualquer forma me trouxer de volta você.
Sim, eu te quero de volta. Desesperadamente.
Porém vou entender caso não me queira mais. Vou sofrer muito. Muito mesmo. Mas vou entender. E espero que consiga superar. Só espero que você consiga encontrar o seu caminho! Faça um novo se for necessário. Dê meia volta se quiser. Apenas aproveite cada curva brilhante e siga firme nos trechos escuros!
Mas quero que no meu caminho possa haver mais uma chance para nós. Por isso que estou aqui, comprando, pedindo, implorando esse perdão. Esse perdão específico. Ele é tudo o que desejo agora. Não me interessa nenhum outro. Nenhum outro vai encaixar.
E caso nossos caminhos não se cruzem mais, seja você o seu caminho!
Leio uma, duas, três vezes o que escrevi. Nunca fui tão sincero com meus sentimentos. É inquietante saber que agora tanta gente sabe tão explicitamente sobre os meus sentimentos.
— Uau, você arrasou pitico! Sério. Se ele não vier falar com você agora, eu realmente vou ter que fazê-lo comprar meus punhos!
— Não exagera Ali, e nem me dá esperanças.
— Tá certo, eu não vou falar mais nada. Quer dizer, só mais uma coisa... O seu celular está tocando.
Olho para a tela e vejo um número familiar, mas desconhecido brilhando. Atendo com o coração além de acelerado. Ali ergue os dois polegares e entra no meu quarto, para me dar privacidade.
— Oi! Estou ligando por conta do anúncio! Eu tenho esse perdão específico e raro que você está buscando — nem acredito que estou escutando a voz dele. Essa voz firme e tranquila me varre com um sentimento de esperança.
— E você está disposto a me dar esse perdão? Eu pago o preço que for necessário por ele.
— Não vai algo tão barato assim, acho que será mais fácil você me pagar por ele em parcelas. Quem sabe o tempo que vai demorar?
— Tudo bem. Pode ser o tempo e o custo que for, a recompensa vale a pena.
— Entendo... Estou livre agora, quer buscar o seu perdão enquanto ainda está fresquinho?
— Adoraria! Para a sua segurança e para a minha, conheço um supermercado perto do centro da cidade que pode ser um ponto ideal para que eu possa receber esse perdão.
— Por mim está perfeito. Te encontro na seção dos chocolates.
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