Capítulo 36
Domingo é dia de fazer as devidas reparações.
Comemos pizza fria no café da manhã, porque nada foi tocado na noite anterior. Sam se recusa a sair da cama até o início da tarde, então o colchão grande está com uma caixa de pizza aberta, livros didáticos espalhados, dispositivos e seus carregadores conectados a qualquer tomada mais próxima. É por um bom motivo, porque nós transamos como se fosse um duelo até a morte. Sam deu o troco. Ele nunca fez alguma coisa para me marcar, mas um olhar para trás no espelho revelou que minhas costas parecem o arranhador de um gato raivoso. Meus ombros, braços e peito são uma colcha de retalhos de marcas de dentes e hematomas, que…
… me deixa excitado de novo, sério. E ele estava daquele jeito desbocado também.
Parece que uma nuvem escura e terrível caiu sobre nossas cabeças. Não sou ingênuo o suficiente para pensar que não haverá outros problemas a serem superados, mas esse foi um grande problema. Vou aproveitar a sua resolução.
Minha punição estendida foi passar quase todo o domingo recuperando o atraso em tarefas e estudando para os próximos exames. Há mais dois jogos agendados entre agora e as férias de inverno, então estudar não é necessariamente uma maneira ruim de passar meu tempo. Parece apenas um desperdício quando estou com Sam, no que é praticamente o último dia que teremos juntos até o Natal.
— Quais são as três seções de uma demonstração de fluxo de caixa?
O ambiente do Sam é extremamente multitarefa. O Quizlet* está aberto em seu telefone, que está apoiado na tela de seu notebook, enquanto ele trabalha em sua própria tarefa. (N/T: Quizlet é uma plataforma de ensino que ajuda a aprender novos vocabulários e a melhorar a memorização.)
— Operações, financiamento e investimentos.
— Hum.
Deixando meu ombro cair contra o dele, inclino meu rosto.
Ele revira os olhos, mas obedece, fechando os poucos centímetros entre nós para dar um beijo rápido na minha bochecha.
— Esse é o último.
— Você disse isso da última vez.
— Dessa vez estou falando sério.
Antes que eu perceba, nosso feriado prolongado acabou.
Tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo, que pareceu uma eternidade e um piscar de olhos. Tento ser grato por tudo terminar bem, por ter me dado todo esse tempo extra para começo de conversa, mas isso só me deixou mais ganancioso. O que dificulta voltar. Em vez de sobrecarregar Rishad com outra viagem para Fresno, Sam se oferece para me levar.
Aparentemente, em todas aquelas mensagens bêbadas que enviei para ele na sexta-feira à noite, Rishad deixou a nota de voz mais estranha do mundo para que Sam soubesse que eu tinha sobrevivido à farra. Ele parece achar que Rishad merece um tempo de mim. Independentemente do motivo, humilhante ou não, estou nas nuvens.
Anteriormente, ele estava cauteloso em ser visto comigo em qualquer um dos nossos terrenos do campus. É um passo na direção certa, no que me diz respeito. Mas, até mesmo a viagem parece mais curta do que o normal. Com toda a minha merda no banco de trás, um indicador gritante da conclusão do nosso fim de semana, uma hora parece passar em quinze minutos ou menos. Vendo meu dormitório utilitário se elevando através do para-brisa do nosso carro estacionado, não quero deixá-lo. Este espaço apertado e confinado tem o cheiro do sabão de Sam. Nossas mãos estão entrelaçadas. Finas, quentes. Talvez a mudança sombria no meu humor seja mais óbvia do que quero, porque ele me aperta.
— São apenas algumas semanas. Você tem que fazer o seu melhor.
— EU…
…estava prestes a gritar com ele, como um idiota de merda. O dia em que eu descontar minhas frustrações nele de novo é o dia em que vou me castrar. Suspirando, abaixo minha cabeça contra o resto.
— Eu sei.
Quando me viro para olhar para ele, ele está imperturbável. Compreendendo. Arrasto sua mão em direção à minha boca, mordiscando seus nós dos dedos.
— Eu te amo.
Ele fica nervoso, e isso é algo nele que eu não espero que mude nunca. Rapidamente, com o rosto virado para o outro lado, ele admite:
— Eu… também te amo.
— Olhe para mim. Diga de novo.
— Uma vez é o suficiente. — Ele bufa, olhando para trás com uma carranca envergonhada.
— Diga de novo, Sammy. — Eu me inclino sobre o console e, antecipando sua retirada, rapidamente coloco minha mão em sua nuca. Seus olhos cortam em direção ao para-brisa, disparando nervosamente. Há mais do que alguns alunos entrando e saindo, mas não estamos estacionados diretamente em frente ao dormitório. Mesmo se formos vistos, eu não teria nem um pouco de tempo para perder.
— Dean, pare, tem…
— Mais uma vez — murmuro contra o canto da boca dele. — Nunca vou me cansar de ouvir isso, Sam.
— Eu te amo. — A frase vem em uma respiração trêmula e hesitante, e um arrepio corre pela minha espinha. Eu o faria dizer isso uma centena de vezes se tivéssemos momentos de sobra. Se eu já não estivesse arrastando isso.
— Você também vai sentir minha falta?
— Deus, sim, vou sentir sua falta, então…!
Ele tenta se afastar de onde eu o prendi em um beijo forte e cortante, mas as ressalvas de Sam estão mais rápidas para murchar ultimamente. Menos de um minuto de atenção determinada, e ele está derretendo com um ruído doce e abafado. Suas mãos delicadas se acomodando sob meu queixo disparam um calor formigante pela minha garganta, em meu rosto. O atrito no deslizamento úmido de nossos lábios, línguas esfregando, dentes afundando em qualquer carne que esteja entre eles, a respiração quebrando duramente nas bochechas um do outro. Minha cabeça está girando para caralho.
É sempre tão bom, mas nunca o suficiente. Se há um ponto final, não é o suficiente. Mas, a vida não funciona assim, e eu digo a mim mesmo que vou apreciar esses momentos ainda mais por ter que esperar. Mesmo que seja a maior merda. Todas as coisas acabam, isso não significa que eu tenha que gostar. Menos do que isso, mal consigo aceitar.
Como ele disse, são apenas algumas semanas. Meu humor não é nem bom, nem ruim, muito parecido com o de um homem que passa o dia todo se esforçando. Responsabilidades que não podem ser evitadas. Aulas, academia, treino, interação com meus colegas, ligações obrigatórias para casa. John é minha companhia preferida, pois ele está ciente de cada faceta do meu relacionamento com Sam. Posso reclamar e gemer o quanto quiser, mesmo que ele faça um grande show sobre o quão pouco se importa. Irritá-lo faz parte da diversão.
Embora, mais tarde naquela noite, ele tenha se metido o suficiente em meus negócios para me acusar de mulherengo. Perto das oito, John está preparando sua mochila para os cursos de amanhã. Estou distraidamente tirando minha camisa, de costas para ele, pretendendo tomar banho. Ele faz um barulho assustado, e eu não percebo ser voltado para mim até:
— Jesus Cristo, Dean!
Pulando, olho para trás com uma meia carranca.
— O quê?
A expressão dele é uma que você reservaria para um perpetrador de algum crime hediondo: assassinato de criança, abuso de animal, estupro. Até onde sei, não cometi nenhum dos itens acima. É razoável defender a própria inocência, então pergunto com um pouco mais de mordacidade:
— Por que diabos você está me olhando desse jeito?
— Com quem você estava neste fim de semana?
— O qu…?
Minha afronta se transforma em pura confusão.
— Por quê…?
— Como você pôde… trair, depois de tudo?
Minhas sobrancelhas se erguem, boquiaberto. Pela minha vida, não consigo entender por que estou sendo acusado de infidelidade pelo meu colega de quarto. Certo, ele só voltou para o nosso quarto há vinte minutos, e não era uma prioridade sentá-lo para um interrogatório sobre o fim de semana. Ainda assim, ele deveria saber que eu estava com Sam.
— Do que diabos você está falando? Eu estava com Sam.
— Besteira. Olhe para você! Suas… costas…!
Oh!
Nunca voltei da casa do Sam com essa aparência. Embora tenhamos mais do que nossa cota justa de sexo, ele sempre se sentiu desconfortável em deixar evidências no meu corpo. Ele não quer me colocar em posição de responder perguntas sobre isso, ou não quer ser o responsável por sinais duradouros de um ato que o faça se sentir culpado. Não consigo evitar uma gargalhada. Sorrindo, repito:
— Eu estava com Sam.
John faz uma pausa. Ele fica cético por mais um momento, mas estou transbordando orgulho demais para ele ignorar. Ele limpa a garganta, envergonhado.
— Ah. Desculpe.
— É, calma aí, cavaleiro branco. Ele não precisa que você beije a bunda dele.
Ele me mostra o dedo do meio.
— Não sonharia em roubar seu emprego.
— E não se esqueça disso. — Mas isso… me deixa curioso. — Qual é a dessa reação? Quase me fez pensar que eu tinha te traído.
John fica nervoso com a insinuação, mas rapidamente se recompõe. Ele fica em silêncio por alguns segundos, analisando o que deve ter sido uma reação impulsiva.
— Bem — ele começa, estranhamente sério — …se você traísse, eu acho, para mim, significaria… que o amor verdadeiro é muito raro para se ter esperança, ou não existe de jeito nenhum.
A profundidade desse comentário não passa despercebida para mim, e me infla com uma confiança recém-descoberta. John pode agir de modo descontente com minhas palhaçadas apaixonadas, mas ele as confundiu com a imagem que ele tem de mim. Você teria que ser Hellen Keller* para entender mal a profundidade dos meus sentimentos por Sam, quer você veja isso como cego e surdo ou inexistente. Se alguém tão insuportável quanto eu pude se desviar, quem acreditaria novamente nessas palavras frágeis e transparentes de “eu te amo”? (N/T Hellen Keller foi uma escritora surdocega)
Infelizmente, isso não define o tom para a semana seguinte.
Há uma mudança no ar.
Desde que a puberdade me atingiu na cabeça, sempre chamei algum tipo de atenção. Tornou-se exponencialmente mais sufocante desde que fui para Fresno. Em casa, embora eu fosse notável de várias maneiras, é uma cidade que testemunhou minhas transições. Primeiros passos para o campeão estadual. Aqui, sou uma novidade. O esporte com o qual cresci está no topo do totem na cultura universitária, e se destacando, pois me colocou no caminho para o estrelato. Estou acostumado a ser notado, observado e discutido.
No entanto, conforme a semana avança, os olhares e murmúrios são mais especulativos do que de admiração. Mais do que em qualquer outro lugar, sinto isso durante os treinos da tarde, entre a equipe. Não estou sendo ignorado descaradamente, mas há uma rigidez. Onde costumava haver camaradagem superficial e simplista, agora há uma parede sutil. Pressão. Desconforto. No começo, ninguém é ousado o suficiente para me trazer para o assunto, mas eles não precisam. Se sou uma fonte de fofoca, há apenas uma razão para isso.
Cecília nos dá a notícia nada surpreendente durante nossa hora de almoço.
— Como é ser o próximo ícone gay? — ela pergunta por trás do canudo, já que costuma mastigá-los entre os goles.
— Eu não saberia. — Levanto meu rosto de uma rolagem desatenta pelo meu telefone. — Todo mundo tem sido muito covarde para tocar no assunto.
Ela joga a cabeça para trás com uma risada alta e genuína, atraindo alguns olhares extras.
— Deus, eu queria ser tão blasé quanto você.
— Quer dizer, qual é a boa notícia? Fotos? Boca a boca?
— Boca a boca, até onde eu sei. Se alguma foto está circulando, eu não vi. Você foi supostamente visto enfiando sua língua na garganta de um cara na frente do seu dormitório. Em um carro, pelo menos. Você tem isso trabalhando a seu favor. Visibilidade ruim, sem fotos. Nem todo mundo acredita nisso. A menos que…? Quero dizer, você estava tentando…?
— Nah — dou de ombros. — Eu só queria enfiar minha língua na garganta dele. Sem segundas intenções.
— Em plena luz do dia? Mataria você se exercesse alguma discrição?
— Sim. Não era nem um dia claro, e o sol já estava praticamente baixo.
É algo que estou perfeitamente contente em ignorar. Boatos infundados tendem a morrer por si. Mesmo que isso não aconteça, não é problema meu, desde que eu possa continuar com minhas rotinas sem interrupção. Embora eu seja amigável com meus companheiros de equipe, estou preocupado apenas com a capacidade deles de pegar um passe e completar uma jogada. Se eles nunca mais falarem comigo fora de campo, é um resultado com o qual posso conviver. Felizmente, parece não ser o caso. Quase todo mundo no meu dia a dia se envolve como de costume, se não um pouco mais afetado. A semana passa para o fim de semana, e vencemos nosso jogo fora de casa contra Michigan.
Ganhamos todos os jogos em que joguei.
Então, ainda menos motivos para me importar. Estou confiante de que cheguei a um ponto em que, mesmo que eu transasse abertamente com Sammy no vestiário, isso não importaria. Minhas estatísticas valem mais do que os riscos sociais de contratar um quarterback “gay”. Eles estariam atirando no próprio pé caso se livrassem de mim, sem mencionar o potencial clamor público. Esta é a Califórnia, lembro a mim mesmo. É por essa razão que tenho certeza de que meus companheiros de equipe não trouxeram isso à minha cara, apesar de alguns deles terem expressado alguns sentimentos abertamente homofóbicos no passado.
Ou talvez eles sejam simplesmente covardes.
Dito isso, há alguns caras que não gostam de mim mais do que qualquer outra coisa que eles possam sentir. Ou seja, Collin Ortega, o quarterback que efetivamente coloquei no banco. Não me entenda mal, ele tem um bom motivo. Terminar uma carreira no auge, por mais sem brilho que seja, é digno de mijar em um túmulo inevitável. Com uma fonte renovada de combustível, ele e seus amigos não têm vergonha de me olhar com desdém, zombar e rir baixinho ao alcance dos meus ouvidos. Isso geralmente cria uma atmosfera desconfortável antes e depois dos treinos, mas até que haja um confronto direto, me chame de Hellen.
Na terça-feira da semana seguinte, o clube está animado com conversas, já que quase todo mundo tomou banho e está feliz por terminar o treino cardiovascular pesado do dia. O armário de Jaylin fica abaixo do meu por dois, e embora eu tenha certeza de que sua divagação é direcionada a mim, é apenas ruído branco. Ele está passando desodorante agressivamente sob os braços, o movimento de seu cotovelo fazendo cócegas no canto do meu olho. Com um fone de ouvido, estou sentado no pequeno banco conectado ao meu. Parei no meio da troca para responder a uma mensagem de Sam, então me distraí rolando pelo Spotify. Nem preciso dizer que não estou prestando atenção em nenhuma abordagem maliciosa. Não noto Ortega até que seus sapatos apareçam na minha visão periférica.
— E aí, Saunders.
— E aí? — respondo sem levantar os olhos. Não importa o que ele tenha a dizer, encontrar a música certa é muito mais importante. Já corri essas playlists até cansar, merda.
— Só estou curioso, cara, sabe?
Alguém precisa de uma aula sobre como chegar ao maldito ponto. Eu deveria ter percebido que algo estava errado. Isso é culpa minha. Primeiro, Ortega diz cerca de três palavras para mim por semana, e ele já excedeu isso. Alto o suficiente para ninguém sentir falta:
— Você é bicha?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top