1º Capítulo
Um. Dois. Três. Quatro minutos se passam e a garota parece jorrar palavras feito um candidato fazendo promessas para futuros eleitores.
Será que esse era o objetivo dela todo esse tempo? Falar sem parar para me confundir? Se for, com certeza pode se dar por missão comprida. Odeio quando as pessoas conversam com os outros como se estivessem falando consigo mesmas. Sem perguntas ou argumentos. Apenas um monólogo.
Para início de conversa, nem sei como Catrina acabou aqui em casa. Não somos amigas. Longe disso. Porém, algo me faz lembrar do comentário que fiz, sem pensar, de chamá-la para passar aqui em casa qualquer dia desses.
O que eu podia fazer? Era o último dia de aula, a menina não parava de falar sobre as incríveis coisas que ia fazer no verão e eu estava desesperada para me livrar do peso da minha mochila.
As coisas que falo na presença de uma pessoa tagarela não deviam ser levadas em consideração. É como naquele seriado da Netflix, do qual as pessoas tentam provar a sua inocência depois de confessarem um crime que juram não ter cometido. Eu entendo o porquê de terem feito isso.
Tudo para se livrar da pressão.
—Nossa, não acredito!—Repito pela milésima vez enquanto dou um sorriso amarelo. Venho fazendo isso a cada dez segundos para fingir entusiasmo nas suas palavras.
Admito que não estou agindo de bom coração, mas não é por mal. Eu simplesmente não consigo acompanhar o que ela diz. Só entendo no final das frases um baixinho e dito por mau gosto: "Tadinha, mas ela é gente boa". Se cada pessoa que Catrina diz ser ''gente boa'' fosse realmente, não haveria duas guerras mundiais.
Pelo menos, ela é adorada por todos pela sua ''burrice espontânea''. E isso é sério, a chamam assim desde o primeiro ano do Ensino Médio e Catrina parece adorar. Segundo ela, destrói o estereótipo de que toda asiática deve ser inteligente.
Eu não concordo. Acho que a maioria dos estereótipos nos ajudam a nos identificar, a como agir. Claro que isso não deva ser considerado uma regra, logo todos nós somos diferentes em certos pontos de vista.
Mas, é interessante como alguém pode resumir todas as suas limitações, pensamentos, dificuldades, inteligência e dedicação em uma única frase e irá classificá-la em todos que pareçam fisicamente com você, ou melhor ainda, nascerem no mesmo país que você.
Seria cômico se não fosse trágico.
Meu pai e minha madrasta acham que essas correntes de pensamentos que me cercam não são boas ou saudáveis. Acredito que seja porque não são similares às do meu irmão.
Eu vivo em um mundo totalmente diferente deles. E sim, prefiro mil vezes viver aqui dentro do que na realidade que eles vivem. Leah, minha psicóloga, recomenda-me a abrir esse mundo para os outros. Ela disse que ele é colorido e cheio de esperanças. "Injustiça seria você esconder isso da humanidade".
Chega até ser engraçado o modo com que ela escolheu as palavras. Não tenho uma mente mista de Albert Einstein, Jane Austen e Van Gogh. Bom seria. Mas eu superestimaria a mim mesma.
Não sou um gênio, exemplo de criatividade ou algum tipo de prodígio. Apenas uma garota medíocre maximizada pelo pai que quer acreditar que sua filha não seja a "ovelha negra" da família. Talvez seja por isso que apresenta-me a todo momento um novo programa de estudos ou de sociabilidade e excursões em faculdades.
Isaac, meu irmão mais velho, não é humano. Ele é perfeito em tudo. Os olhos do meu pai chegam a lacrimejar ao falar dele. Também, não é todo dia que nasce um ser humano de mil e uma utilidade.
"Campeão Estadual de tênis, 1º aluno da sala do Ensino Médio, 1º Classificado em Engenharia Civil na UCLA e mais quatro universidades, fluente em três línguas e no seu tempo livre dá aula de monitoria para alunos do Ensino Médio. Além de que não teve revolta alguma para se relacionar com Marcy, a nossa madrasta."
Não tem como competir com isso e eu nem quero. Pelo menos, consigo assobiar com dois dedos na boca e ele não. Sem contar o ciclo social do meu "irmãozinho" é bem maior que o meu, fazendo meu pai e Marcy pensarem que sou uma garota reclusa depressiva e não simplesmente alguém que prefere a própria companhia.
Ainda bem que existe Jasper, meu irmão mais novo, para eu não me sentir tão perdida.
Quando Isaac estava no Ensino Médio, ano retrasado, seus amigos viviam aqui em casa. Todos iguais a ele, isentos, viviam me provocando. Para ser mais específica, ainda há três que continuam sendo amigos dele e por pura coincidência (ou não), vão para a mesma universidade.
Mike Taylor, Jason Kay e Noah Sawyer.
De todos, o meu favorito, com certeza, seria Noah. Ele sempre foi muito gentil e compreensível comigo. Posso até dizer que tenho uma paixão platônica por ele. A quem estou querendo enganar? Está mais do que na cara. Todos já perceberam. Menos ele.
Talvez seja porque Sawyer namora com a mesma garota desde dos seus 16 anos. A formosa, Greta Irving.
—Sabe o que seria legal?—Pergunta Catrina com um sorriso malicioso em seus finos lábios. Nem preciso ter uma bola de cristal para saber ao quê ela está se referindo. Mas mesmo assim dou de ombros para que termine seu raciocínio.—Se eu desse uma festa e seu irmão fosse.
Reviro os olhos com um sorriso bobo brotando em meus lábios.
Por mais que eu seja somente dois anos mais nova que Isaac, eu bem sei que ele nunca iria para uma festa em que eu estivesse. ''É a mesma coisa de uma mãe enterrar o filho, quebra a ordem natural das coisas'''.
—Não sei o que isso teria de tão legal, Cate.—Resmungo ao pegar uma uva de sua Tupperware. Não me pergunte porque ela trouxe uma.
Na verdade, talvez eu saiba o do porquê seria legal a presença do meu ilustre irmão em sua festa. Mas, quero afastar um pouco a ideia já que milhares de garotas se passaram por minhas ''amigas'' apenas para se aproximar de Isaac.
Sei que Catrina vem tentando se aproximar de mim por meses e em nenhum momento ela tocou no nome do meu irmão. Somente agora. Admito que se tudo isso for por interesse em Isaac, infelizmente, não estaria surpresa.
Catrina cerra seus olhos que são suficientemente pequenos pelo fato de ser descendente de japonês e eu abraço meu travesseiro em uma falsa esperança de que ela mude de assunto.
—Se eu o chamar, Noah estará lá e por isso seria legal.
Fecho os olhos ao ouvir a suavidade que seu nome soa em independente da boca que o chama. Por milésimos de segundos eu me arrependo por tê-la contado sobre a minha queda de penhasco por Noah Sawyer. Mas esse sentimento se afasta ainda mais rápido do que chegou. Às vezes, é divertido ter com quem dividir seus segredos sujos. Mesmo que esse "alguém" seja a Catrina Akita.
—Eu não acho que ele....—Sou interrompida pela porta de meu quarto que se abre abruptamente pelo meu irmão. Sempre tão educado.—O que foi, Isaac?
Isaac é tão alto que me pergunto de que lado ele puxou essa genética. Não que eu seja baixinha, eu tenho um tamanho mediano, mas ele....é gigante.
—Sua presença está sendo requisitada no meu quarto.—Diz ele intercalando o olhar entre mim e Cate.
O modo com que ela o observa é muito cômico. Parece que está vendo um Deus Nórdico. Isso é tão vergonhoso.
Isaac está quase rindo, sei disso pelo fato de seus olhos estarem piscando freneticamente, como quando éramos crianças e ele evitava de rir quando mamãe imitava meu pai falando para provocá-lo.
Franzo o cenho enquanto pego outra uva e a mastigo lentamente. O que seria de tão importante que ele necessitasse da minha ajuda? Geralmente, é o contrário.
Isaac é o físico e crânio da casa enquanto eu sou a figurante que é apreciada pela pureza. Não estou me rebaixando, não. É só um fato difícil de engolir.
—A impressora estragou de novo?—Indago com um sorriso irônico em meus lábios.
Uma das únicas coisas que eu sei fazer e ele não, é consertar a impressora. O que é óbvio que não deixo tão barato para meu irmão e ele sabe que tem um preço para se pagar. Porém, pelo seu sorriso convicto sei que não é nada envolvido com a impressora.
—Hoje não, Sienna.—Cantarola Isaac enquanto encosta a lateral gigante de seus ombros no batente da porta e cruza os braços fazendo Catrina fadigar.—O seu amigo, Connor, está no telefone querendo falar com você.
Connor? Me ligando? Meu melhor amigo nunca ligaria na minha casa pelo simples fato: Isaac atenderia. Os dois nunca se deram bem. Acho que me meu irmão o provoca por ciúmes, Isaac ainda me vê como sua irmãzinha que sai engatinhando pela casa.
—Por que o telefone está no seu quarto?
Isaac dá de ombros enquanto analisa Catrina de um forma intimidadora. Reviro os olhos me levantando.
—A maioria das ligações são para mim.—Murmura ainda encarando Cate que parece estar hipnotizada. —Cadê o Jazz?
Aí, que nojo.
—Ele saiu com a Marcy. Cate, já volto.—Anuncio mesmo que ela não tenha escutado.
Saio do quarto meio incerta porque sei que meu irmão vai tentar "atacá-la" de certa forma, mas sei que não seria algo que Catrina renunciaria. Ela é tonta, mas nem tanto. De qualquer jeito, uma parte de mim (enorme, por sinal) deseja o contrário.
O quarto do meu irmão fica de frente para o meu e era para termos a mesma dinâmica de cômodo, porém depois de ter ganhado o campeonato de tênis, papai decidiu que era o momento de expandi-lo.
Por mais que digam que quarto de menino é bagunçado, Isaac torna esse ditado popular um mito. O ambiente é impecável, chega até causar certa inveja em mim.
A parede branca deixa o ambiente ainda mais organizado e pacífico, a cama de casal posiciona-se no meio do cômodo com cochas e lençóis verdes dobrados sobre ela. As prateleiras de livros e troféus parecem cintilar de tão limpos. Os pôsteres de jogadores de tênis, os supostos "ídolos", estão grudados na parede de uma forma simétrica, como se qualquer centímetro para o lado esquerdo poderia destruir a humanidade.
Ao lado das prateleiras, encontro o telefone antigo, do qual mamãe e papai ganharam em seu casamento. Não sei como Marcy ainda não jogou ele fora. Quando minha mãe morreu, a nova esposa de papai fez questão de apagar qualquer rastros maternais dentro de casa. Às vezes, eu ainda acordo de manhã com a certeza de que mamãe estará na cozinha com Jasper em seu colo enquanto faz panquecas.
"Não faz muito tempo. Eu tenho o direito de ainda estar de luto. Cinco anos não é muito tempo." Repito silenciosamente para mim mesma.
Fora do gancho, logo o alcanço e coloco sobre minha orelha, rapidamente ouvindo o guinchar de meu melhor amigo do outro lado.
—Connor? Por que ligou para o telefone de casa e não para o meu celular?—Pergunto sem nem pensar duas vezes.—Aconteceu alguma coisa? Você está bem? Não me diga que se meteu com os jogadores de basquete novamente.
Ouço o garoto rir de uma forma graciosa que só ele sabe fazer, logo um sorriso aparece em meus lábios afastando a repentina preocupação.
—Nada disso. Na verdade, aconteceu uma coisa sim.—Murmura de modo desalentado fazendo-me fechar os olhos. Lá vem encrenca.
Connor é tão inquieto, parece que toda semana ele aparece com um problema para eu resolver.
—Meu carro estragou e não funciona mais. Eu tentei de tudo, literalmente, mas não consegui. Estou no meio da rodovia e não passa um carro sequer, a única coisa útil que encontrei foi esse Orelhão. Para a sua felicidade ou infelicidade, o único número que eu sei de cor é o fixo da sua casa.
Não disse que era encrenca? Connor e eu sempre fomos opostos um do outro. Para começo de conversa, só viramos amigos pelo fato de sermos vizinhos por muito tempo. Connor é o garoto mais divertido que já vi, sem ele minha vida não teria graça.
—Eu não sei dirigir, Redford. Esperava o quê? Que eu fosse com meu patinete te buscar?—Tento pensar em outra solução e então um sorriso maléfico se forma em meus lábios.—Mas, eu posso pedir para Isaac te trazer, pode ser?
—Que Isaac, o quê? Tá louca? Não estou pedindo para vir me buscar, Sienna, estou pedindo sua companhia.—Exclama me assustando e fazendo-me rir. Como eles podem se odiar tanto? Chega até ser engraçado.—Pega um ônibus, ou sei lá o quê e vem aqui.
—Como você parou aí para início de conversa? Você definitivamente tem que me contar essa história.—Sem nem mesmo ver seu rosto sei que revirou os olhos.—Vou ficar te devendo essa, Connor, não posso sair de casa sem Isaac. Você conhece as regras.
O silêncio que se instala na linha faz-me pensar que ele desligou na minha cara, mas sei que não é do feito dele.
—É, realmente, não traz essa mosca morta que você chama de irmão.—Rio de sua comparação e ouço-o pigarrear.—O que eu faço, então?
Passo os olhos pelo quarto de Isaac como pudesse encontrar respostas escondidas.
—Já tentou ligar para o guincho? O número de telefone está no porta-luvas.
—Não vou nem perguntar como sabe disso.—Consigo escutar uma movimentação e presumo que ele esteja à procura da sua "salvação".
—Foi eu quem colocou aí, seu besta!—Solto uma risada e ele me acompanha.
—Sienna mais uma vez salvando o meu mundo. Obrigado, Sisi! Amo você—E desliga.
Agora fiquei curiosa para saber o final dessa história. Sorrio e coloco o telefone de volta ao gancho.
Nunca entendi como ele entra nessas furadas. Sorte a dele de sempre conseguir sair delas. Além de não se dar bem com meu irmão, Connor não aguenta nem por dois segundos a Catrina. Acho que eles, Connor e Isaac, são um pouco parecidos e Redford parece se ambientar melhor com coisas diferentes dele.
—Sienna?—Ouço a voz estridente atrás de mim.
Solto um suspiro colocando o telefone no gancho.
—Sim? O que foi?—Murmuro de volta enquanto dou uma última olhada nos troféus do meu irmão.
—Então, esse é o quarto do Isaac?
Viro-me para encará-la. Seus olhos chegam brilhar por ver um pedaço do mundo do meu irmão. Julgo, rapidamente, que os dois se pegaram nesses últimos três minutos. É fácil reconhecer alguém que acabou de ficar com Isaac. E também seus lábios vermelhos e inchados me ajudaram a chegar a essa conclusão.
—De quem mais seria?—Resmungo revirando os olhos.
Sinto meu corpo ferver e cada célula se agitar. Eu sabia que a "amada e querida" Catrina Akita não apenas queria a minha amizade (se é que realmente um dia quis) e sim beijar ou ao menos conhecer meu irmão. Devo admitir que a garota é realmente esforçada. Quatro meses me amolando. Não é para qualquer um.
—Por que você está ficando vermelha, Sienna?—Pergunta com uma voz tão dócil que por segundos pensei ter diabetes.
Cruzo os braços e ando em direção a sala de estar. Ouço seus passos rápidos e curtos tentando me alcançar.
—Aconteceu um imprevisto! Sinto muito, Catrina, mas você vai ter que ir.—Falo em um tão metódico que a garota, confusa, fica me analisando por uns cinco segundos a mais.
Dou um sorriso amarelo e abro a porta de entrada.
—Espera, preciso pegar as minhas coisas que ficaram no seu quarto.—Exclama tocando em meu ombro, de reflexo o balanço.
Arregalo os olhos enquanto empurro seus pequenos e magros ombros para fora.
—Não se preocupe, te entrego qualquer dia desses.—Quando ela finalmente está fora dos limites da minha propriedade, Catrina franze o cenho e eu dou de ombros.—Não é como se eu realmente gostasse de Tupperware.—E tranco a porta respirando fundo.
—Dessa vez não foi minha culpa! Eu te prometi que não ia mais ficar com suas amigas, Sienna!—Defende meu irmão com as mãos para o alto se rendendo. —Ela, literalmente, me atacou.
Encosto a parte de trás da cabeça na porta e dou um sorriso melancólico. Isaac está com os lábios vermelhos e borrados de batom, seus cabelos loiros que sempre estão alinhados, estão bagunçados.
Queria muito odiar meu irmão por quebrar nosso trato, mas não quero ficar chateada com ele mais uma vez. Daqui dois meses começa as aulas dele na faculdade e estarei "sozinha" mais uma vez nessa casa. Querendo ou não, sinto a falta da sua companhia.
Sei que botei o nome dele na fogueira para vocês, porém ele é uma das pessoas mais incríveis que conheço e além do mais, é meu irmão.
—Ela não é a minha amiga, Isaac.—Murmuro rolando meus olhos e caminho em sua direção deixando-o tenso.
Quando eu fico brava com ele, temos um combinado de que posso pedir qualquer coisa e Isaac terá de cumprir. Vice-versa.
—Poxa, Sienna, não vai pedir para eu assistir "O que fazemos nas sombras" de novo! Aquele filme é legal, mas vê-lo três vezes seguidas já é demais.—Balbucia fazendo um bico que o deixa extremamente infantil.
Chega até ser irônico o modo com que um homem de 1,80 cm de vinte e dois anos esteja agindo feito uma criança birrenta.
—Ninguém mandou você vacilar comigo mais do que deveria!—Respondo dando um soquinho em seu braço magro.
Isaac sempre teve um corpo "definido" para não atrapalhar suas partidas de tênis. Ele é um clássico exemplo de um atleta tenista; esguio e forte.
—Fica tranquilo, não vou pedir nada dessa vez.
Meu irmão franze a testa e dá um passo para trás me analisando, como se a qualquer momento sairia um apresentador de TV dizendo que era uma pegadinha.
Reviro os olhos com um sorriso perambulando os meus lábios.
—Quem é você e o que fez com minha irmã?—Isaac balança meus ombros me fazendo suspirar. Como ele é bobo.—Qual é, Sisi? Você nunca perde uma oportunidade de me humilhar publicamente ou fazer com que eu comece odiar um filme que amava.
Cruzo os braços me jogando no sofá atrás de mim. Mamãe quem fez o design dele. Ela tinha o maior cuidado com ele. Sinto um aperto em meu coração ao sentar. É como se eu estivesse um pouco mais perto dela.
Isaac percebe a minha repentina melancolia e se senta na poltrona ao meu lado. Silenciosamente, ele segura a minha mão e dá um sorriso amarelo.
—Você lembra do quanto tínhamos que ter cuidado com esse sofá?—Pergunto e me arrependo no mesmo momento. Minha voz sai rouca e baixa. A típica voz de quando você está segurando o choro.
Com o papel de irmão mais velho, eu sinto que Isaac o segue muito cegamente. Ele se preocupa demais comigo e Jasper. Então, já esperava que apertasse minha mão e desse seu sorriso solidário.
—Eu lembro.—Balbucia enquanto aperta ainda mais a minha mão.
Logo percebo o quanto isso o afeta também. Isaac nunca foi alguém de demonstrar suas emoções, na verdade, no dia em que mamãe morreu eu nem o vi chorar. Ele só ficava estático sem dizer uma palavra sequer enquanto me abraçava junto com Jasper, lembro que eu chorava tanto que faltava ar em meus pulmões.
Tombo a cabeça o analisando. A única coisa que nós realmente temos de semelhança física são os olhos, os famosos olhos azuis que herdamos da mamãe, fora isso somos totalmente diferentes; Ele é loiro, eu sou ruiva, ele é o que soluciona os problemas e eu sou a que os causa.
—É, mas mesmo assim você e Mike acabavam o sujando com chocolate.—Recordo-me com um sorriso perambulando meus lábios.
Com toda a certeza não ia esquecer dessa lembrança, qualquer deslize de meu irmão faz-me sentir menos extraterrestre.
Isaac desvia o olhar para nossas mãos e dá um riso nasalado.
—Isso foi uma única vez, Sienna! A mamãe tinha ficado tão brava que....—Ele faz uma pausa ainda com o olhar distante e tira sua mão da minha para morder o canto de seu dedo anular.
Isaac pegou esse hábito em seu processo de luto, todos nós adquirimos algo em troca do que perdemos, infelizmente essa mania que acabamos pegando não supre a perda.
Jasper começou a ficar mais elétrico, não para nem um minuto como se desse uma pausa por um segundo tudo viesse à tona e....Bom, sinceramente não entendi direito o que aconteceu com meu irmão mais novo.
Papai apenas comentou com Isaac que só deu-me uma explicação prévia do que, tenho certeza, não compreendeu nada. Connor acha que eu também tive um "efeito colateral", ele diz que fiquei mais retraída e ansiosa, mas não percebi nenhuma mudança em meu comportamento, apenas um vazio.
—Para falar a verdade, eu nunca a vi brava. Teve uma vez que o Noah e eu, acho que tínhamos nove anos ou menos, fomos jogar basquete com os garotos da rua e acabamos entrando em uma briga porque eles não tinham aceitado ter perdido o jogo.—Isaac sorri com a lembrança e seus olhos brilham de saudade, talvez? Porém seu semblante parece expressar outro sentimento não decifrável.
Não lembro dessa história, nunca em minha vida imaginei que Isaac entraria em uma briga. Franzo a testa tentando desvendar os mistérios de sua expressão e dos fatos que meu irmão nunca me contou.
— Mas, sabe? Nem foi tão sério, eu levei uma mordida no ombro e Noah foi mais azarado e levou um murro no queixo que nem foi forte o suficiente para ficar marca. —Ele ri dando de ombros.—Como éramos crianças, nós ficamos desesperados como se tivéssemos sido espancados e viemos correndo para a mamãe, eu jurava que ia ser a primeira vez que ela ficaria brava comigo. Eu estava com medo dela me proibir de sair com meus amigos ou algo do tipo. Para falar a verdade, estava mais preocupado com sua reação do que com o meu ombro roxo latejando.
Finalmente Isaac se vira para mim e percebo que seus olhos estão lacrimejando ao mesmo tempo em que sorri melancolicamente. Sinto parte de meu coração murchar. Sei que tem todo direito de ficar triste, mas ver Isaac nesse estado faz-me perguntar se sou forte o suficiente para superar a morte da mamãe. Mesmo depois de todo esse tempo.
—Mas, eu estava enganado.—Meu irmão segura a minha mão novamente e a aperta.—Eu me lembro de cada palavra, é sério. —O loiro assegura quando ri duvidando.—Ela se agachou na nossa altura e segurou bem firme a minha mão e a de Noah dizendo: "Vocês sabiam que são únicos? Há sete bilhões de pessoas nesse planeta, mas existem somente um Noah Sawyer e um Isaac Bancroft?". Eu lembro que ela deu uma pausa de impacto, aquela que sempre fazia para a gente pensar.
Sorrio lembrando de quando mamãe fazia isso comigo. Eu chorava com aquele silêncio e seu olhar mortal que parecia saber todos os seus segredos mais profundos.
—"Meninos, vocês têm somente uma chance nessa vida para fazer valer a pena a sua passagem por aqui. E por isso eu quero que nunca, nunca deem o braço a torcer por suas vitórias porque são merecedores do mundo e estão aqui para provar tal fato."—Isaac retomou a citação falando cada palavra com a boca cheia fazendo-me conseguir escutar a voz da minha mãe por trás delas. Sinto meus olhos arderem e então aperto sua mão.—Eu não tinha entendido nada na época, obviamente, só fiquei feliz que não tinha sido punido ou conhecido a ira da mamãe.
Meu irmão sorri e olha nos fundos dos meus olhos. Se eu encará-lo por muito tempo, posso pensar que estou de frente para os olhos azuis da mamãe.
—Mas, agora, parece que cada vez mais isso está latejando em minha cabeça. Acho que ela sempre soube a minha necessidade daquelas palavras, a mamãe tinha dessas, né?
Concordo com a cabeça e as lágrimas caem dos meus olhos fazendo um percurso por minhas bochechas. Isaac pisca freneticamente para espantar a sua vontade de fazer o mesmo e me abraça tão forte como nunca antes.
—Eu te amo, Isaac—Cochicho de uma forma abafada por causa do meu rosto afundado em seu moletom.
Meu irmão beija o topo da minha testa e me afasta somente o suficiente para olhar nos meus olhos.
Percebo que os dele estão vermelhos, mas qualquer vestígio de lágrima que antes tinha foi desaparecido, a força que Isaac me fornece faz com que me sinta tão pequena perto dele. Realmente queria dar a mesma segurança, mas nem consigo passar isso para mim mesma.
—Eu também te amo, Sisi.
Ficamos abraçados por um minuto a mais até que eu tenha me recomposto e parasse de soluçar. Passo a manga do meu casaco em meu nariz e fungo.
—Ainda não passou tempo suficiente, Newton.
Isaac sorri como se doesse e aperta meu ombro.
—Acho que nunca vai.
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