02

Olivia

Deixo Alex em seu quarto, após mostrar boa parte da casa, em seguida volto para a recepção. A visita dele me pegou de surpresa, poucas pessoas vem para cá durante essa época de ano. Mas tudo bem ter mais um hóspede. Arrumo os papéis que derrubei no chão, e os guardo. Fecho a página de reservas do computador, e sento na cadeira.

Alex me lembra algo, mas não sei o que. Eu sei que ele é bonito, alto e negro com um olhar que hipnotiza qualquer um, e também não foi por eu ter o achado ainda mais gato por estar de roupa social, mas é que ele me lembra alguém, eu não acho que o conheci antes, posso só ter visto o seu rosto em algum lugar.

— Terra chamando Olivia! — minha amiga Vitória passa a mão em frente ao meu rosto.

— Oi, o que foi?

— Tava dormindo? Um ladrão poderia vir aqui, roubar o dinheiro no caixa e você nem o veria.

— Vira essa boca para lá.

— O que te deixou toda pensativa?

— Nada é só… — paro de falar ao ouvir passos descendo a escada, e em seguida Alex aparecer.

— Oi, eu esqueci umas coisas no meu carro — diz se explicando mesmo a gente não perguntando nada.

Assenti com a cabeça, já minha amiga se aproxima dele.

— Sou Vitória, e você?

— Alex.

— Ele é o novo hóspede daqui — explico.

— Que bom te conhecer, então.

— Digo o mesmo — sorri fraco, e eu faço um barulho com a garganta para chamar a atenção dos dois. — Eu vou indo.

Ao sair, Vitória volta a atenção a ele.

— Foi nele em que você estava pensando, agora eu entendi! — diz com um sorriso no rosto.

— Claro que não, quem disse que eu estava pensando nele? — respondo começando a ficar irritada.

— Sua cara já diz tudo. Não adianta negar.

— Você está viajando, só pode — suspiro. — Eu não estou “pensando” nele, só que quando ele chegou, eu senti que eu já o tinha visto em algum lugar.

— Bom amiga, você pode ter visto em algum lugar, agora eu nunca vi ele, e eu lembraria de um rosto bonito como o dele. Mas você acha que ele pode ser perigoso?

— Não.. não acho, eu devo estar pensando coisa. Ele parece ser tão inofensivo.

— É, pode ser. Mas agora mudando de assunto, eu consegui um jeito de fazer com que a minha irmã fique aqui nesse fim de semana, enquanto a gente vai à festa.

No fim de semana, vai ter uma festa no povoado, vem gente de fora, e alguns cantores. Eu só vou ir mesmo por sair, a Fernanda que fica aqui nos fins de semana, e em alguns dias da semana, e ela não vai poder ficar, então Vitoria estava tentando pedir ajuda a sua irmã, que não é muito de festas.

— O que você fez para ela ter aceitado?

— Deixei ela jogar no meu videogame por um mês, e comprei um livro novo para ela.

— Tem certeza que ela não vai achar ruim?

— Claro que não, ela não liga muito para essas coisas.

— Avise que eu vou pagar ela também.

— Ela disse que não precisava.

— Mas eu insisto.

Alex passa por nós com uma mala em mão, dessa vez ele estava concentrado no celular, e subiu as escadas. Após ele sumir da nossa vista, ela começou a falar:

— Ele até que é fofo também, um pouquinho tímido. Perfeito para você.

Balanço a cabeça negativamente.

— Ele pode ser perfeito para você!

— Não, ele não faz muito o meu tipo. Agora deixa eu ir, que eu tenho trabalho a fazer, vim aqui só para te avisar. E pergunta se ele não quer ir à festa com a gente no fim de semana — ela acena um tchauzinho com a mão e sai, antes que eu pudesse responder.

Chega, Alex acabou de chegar e já me deixou confusa, e não é só porque ele é “bonitinho”, que eu tenho que ficar grudando nele que nem chiclete. Eu não vou o convidar a ir para a festa com a gente, vou citar que tem e ele pode ir. Eu já tenho muita coisa na minha vida para resolver, ainda mais ficar pensando em uma pessoa, que amanhã ou depois, pode ir embora.

Ah não, ai eu já estou pensando demais, chega.

°

— Mãe, sim, eu sei. Eles não chegaram ainda e eu não estou atrasada, estava terminando de arrumar alguns papéis — falo com o celular apoiado no ombro enquanto escuto a minha mãe.

Não me diga, que você deixou para procurar aqueles papéis de última hora!

— Não, claro que não — minto na maior cara dura, mas não sei se ela acredita, mas não disse nada. — Eu só estava separando eles de outros papéis, que eu tinha deixado junto. E só para avisar, temos um novo hóspede, nunca vi ele aqui antes.

Deveria ter segurado a minha língua, não é como se todo o hóspede novo que eu tivesse, eu deveria contar para a minha mãe, ou o meu pai. Mas dona Júlia  e senhor Fernando, gostam de ficar atentos a cada movimento que ocorre aqui, essa foi a condição, para eles ficarem em paz na cidade, enquanto eu fico aqui cuidando de tudo.

Que ótimo, vou então aí amanhã com o seu pai dar umas boas-vindas, e saber se ele é realmente de confiança, ou não apresenta perigo a você.

— Mãe, sabe que não precisa.

Sempre insisto, não é muito bom eles pegarem as estradas quase todos os dias para vir aqui, ainda mais a noite, mas todos sabemos como é tentar convencer os pais a não fazer algo.

Precisa sim, você fica aí sozinha com esses hóspedes, eu preciso conhecê-los bem também. O inimigo sempre dá um jeito de se esconder, e não esqueça que meu sexto sentido nunca falha.

Alex entra na recepção e para ao me ver com o celular no ouvido.

— Eu falo com você depois — ele fala baixo, mas eu peço que ele espere.

— Tá bom então mãe, eu tenho que desligar. Até mais tarde — respondo rapidamente guardando o celular. — Oi, aconteceu alguma coisa?

— Não, nada de mais. Você poderia continuar na chamada, não queria ter que te interromper.

— Não foi nada, pode dizer o que aconteceu.

— É que eu queria saber mais sobre a região, lugares que eu possa visitar.

— Ah sim, claro — pego um dos panfletos em cima do balcão, e dou a volta indo em direção a ele. — Aqui tem os lugares mais visitados, restaurantes, lugares para foto, piquenique entre outros. E em baixo como você pode chegar lá. Inclusive, você conseguiu acessar a internet? — ele assente. — Dá para usar o maps aqui, ele está meio atualizado, e os lugares do papel estão bem marcados no maps. E qualquer coisa, caso se perda, pode perguntar para qualquer pessoa no povoado, eles são bem receptivos.

Por mais que estejamos afastados da cidade, a tecnologia e a internet também chegou aqui para ajudar, além de facilitar o acesso de mais pessoas.

Comecei a explicar mais a ele, quando três pessoas entraram chamando minha atenção. Já esperava a visita deles, mas não agora, ou eu que não prestei muita atenção no relógio.

— Gostaríamos de falar com Olivia. É você? — uma mulher alta, que trajava elegância dos pés a cabeça pergunta. Ao lado dela dois homens, um homem alto negro de cabelos já grisalhos, e atrás um mais novo também negro com um semblante de seriedade.

— Sim. Sou eu.

— Viemos tratar sobre a venda da propriedade.

— Vocês vão vender aqui?! — Alex pergunta um tanto surpreso.

— Não, é uma propriedade vizinha nossa. Não se preocupe. É... Vocês poderiam me acompanhar? — pergunto para eles que assentem. — Me desculpe Alex, mas acho que todas as informações que dei para você são suficientes. Mas qualquer coisa que devo voltar já, e recomendo que visite tudo de dia.

— Sim, obrigado. Eu vou deixar para amanhã mesmo. Te vejo depois.

Ao nos quatro ficarmos a sós, pego as chaves da casa atrás do balcão, e pego a pasta com os papéis. Os acompanhei para fora, em direção à casa ao lado. Segui na frente sentindo os olhares sobre a minha nuca, quase tropeço no caminho, mas consegui manter os meus passos firmes. Destranco a porta e deixo que eles entrem primeiro.

E lá vamos nós.

°

Pela minha infância, o pouco que eu me lembro, de termos morado aqui até que era bom, mas pelo fato dos hóspedes, decidimos ficar morando na pousada, o que agora se tornou o meu lar. Meus pais esperavam passar o resto das suas vidas aqui, depois que se aposentassem, como agora, assim como meus avós e bisavós, mas hoje em dia as dívidas, entre reparos aqui e na pousada que a gente tem que pagar, não foi muito possível manter esse lugar, e ter que vender dói em todos nós. Mas espero que o futuro morador, e futuro vizinho nosso, possa cuidar desse lugar com zelo, mas se depender desses que estão interessados, não tenho muita certeza sobre eles terem um bom cuidado.

Dos poucos minutos em que estou conversando com eles, eu já estou ficando com raiva da voz e da cara deles. Larissa Borges, a mulher que vai ser a futura proprietária da casa, diz ter um gosto refinado em decoração, é a cada mínimo canto ela acha um defeito. O homem que está acompanhando ela é o marido, e o filho que também é advogado. Ambos não dizem nada, já que ela já fala por três.

A casa aqui é grande, tem três quartos, um sendo suíte, sala e cozinha juntas abertas em um grande espaço. Tem bastantes vidros, nas janelas e portas. O que dá para ver a vegetação do lado de fora. Há alguns vasos de plantas, e a primeira coisa que ela disse é que vai tirar todos eles. Por ter árvores ao redor da casa, dá um pouco mais de privacidade, de quem estiver lá da pousada e olhar para cá.

— A casa não é muito moderna. Então vamos gastar uma boa grana para conseguir manter essa casa de um jeito mais sofisticado.

Aperto mais minhas mãos em punho, e evito revirar os olhos. Só espero que ela não seja aqueles tipos de pessoa que arruma toda a casa do zero, e depois vende a casa pelo dobro, e consegue vender ainda.

— Realmente, o antigo dono não tinha muito gosto — continua.

Estralo os meus dedos, contando até dez para evitar dizer alguma coisa, na qual eu possa me arrepender depois. Toda a decoração da casa é tão linda, e aqui é longe da cidade, qual é o sentido de deixar essa casa moderna? Solto o ar pelo nariz devagar. No fim tudo isso é por uma boa causa, como dizem. Meus pais estão contando que essa venda seja fechada, porque eles foram os únicos a quererem uma casa no meio do nada, por um preço satisfatório, porque as outras pessoas já desistiam pelo fato de não ser perto da praia, ou pelo preço.

Deixo eles observarem mais, e eu fico no canto esperando eles se decidirem. Olho no meu celular vendo que já são quase 17h, não imaginei que iríamos demorar mais do que duas horas, e eu ainda deixei a recepção sem ninguém.

— Vamos ficar com a casa — diz ela e eu quase pulo de felicidade. — Vamos dar início às papeladas?

  Deixo a raiva que eu estava sentindo de lado, e sorri.

— É claro.

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