Capítulo 5 _ Maksin


Furioso, não chega nem perto de descrever meu estado de horas atrás.

Sabem aquela sensação de fúria que parece ácido corroendo o estomâgo, a pele começa a ficar quente, e a visão vermelha, e tudo que você quer é socar, e socar, e socar  alguma coisa até  que toda a frustração e raiva se esvaiam do corpo? 

Eu não sabia que estava sentindo isso até sair do quarto de Dani. 

Passamos o resto da tarde juntos, o que significa que eu perdi as aulas de literatura,  bem na semana dos clássicos nordestinos, íamos discutir sobre "O Sertanejo" de José de Alencar. De qualquer maneira, na hora eu não pensei duas vezes em trocar uma produtiva discussão em prol do bem estar de Dani, e se for para pensar bem, eu não me arrependo, depois é só entregar meu resumo para a professora, e ela vai relevar.

Espero mesmo que releve, por que vinte e sete páginas foi o meu recorde nos seus trabalhos.

Assim que pisamos no quarto Dani se jogou na cama debulhando-se em lágrimas, ele até tentou se conter, mas foi impossível, então ao invés de consolá-lo ou conversar com ele, me deitei a seu lado e pacientemente esperei que ele se virasse para mim. O que foi feito depois de certo tempo, ele se deitou em meu ombro, ocasionalmente dando pequenos soluços, para  depois voltar a chorar copiosamente, parecia um ciclo interminável, pelo menos até ele se erguer, ir no banheiro, lavar o rosto. 

Depois volta, abre uma gaveta, extremamente bem trancada,  de seu armário e despeja na cama uma pilha de guloseimas e chocolates, perfeitamente lacrados.

No fim, acabamos enchendo a cara de doce enquanto assistiamos comédias romanticas, que não tinham nem um pouquinho de comédia, e só um tequinho de romance. Mas já o drama? Havia de sobra, para dar e vender, muito, muito drama, o que despertava uma grande vontade de estapear os protagonistas. 

Quer dizer, é cômico como, com apenas um diálogo simples eles poderiam resolver todos os problemas, mas nãooo... preferem deixar o drama densenrolar. E logo um probleminha se torna um boneco de neve problemático. E faz tudo dar errado, até um dos idiotas perceber que errou e voltar atrás e terminar da típica maneira  clichê.

Não entendo pro que Dani gosta desse tipo de gênero, sempre achei documentários, biografias e vida animal muitíssimos mais interessantes, e emocionantes, além de claro agregar alguma coisa mentalmente. 

Bom, compreendo que nem todos gostam desse tipo, mas o que que custa assitir um filme de ação, ou terror, ou até mesmo a boa e velha comédia, sem o "romance". Mas fazer o que? Como dizem gosto é igual bunda, cada um tem a sua. 

Enfim...

Quando o sol se pôs, Dani me "dispensou" disse que era melhor eu voltar para meu dormitório e que ele ficaria bem. Eu apenas o deixei porque sei muito bem como as vezes precisamos de espaço, mas  a expressão no rosto dele está marcada a ferro na minha alma. 

Seu rosto que, apesar de ter tido o sangue lavado,  não teve os cortes bem limpos e tratados, estava com a pele inchada e levemente arroxeada ao redor de cada machucado, em uma das bochechas, pouco abaixo do olho, uma bola roxa e preta indicavam o que teria sido um soco bem forte, seus olhos estavam muito, muito vermelhos e ainda um pouco lacrimejantes, a boca estava seca e com os lábios formando casquinhas de tão ressecados.

E  sua expresão... ele parecia abatido e depressivo. O pior foi quando sorriu fraco para mim, como se estivesse tentando me reconfortar, sendo que ele era o único que precisava de conforto e apoio.

Então sim, assim que bati a porta atrás de mim, tudo isso passou por minha cabeça em um baque, trazendo a fúria para minhas veias. E uma imensa vontade de socar alguma coisa.

O que me trouxe até aqui, a sala do clube de boxe, onde o saco de areia foi minha vítima. Bati nele com as mãos nuas, senti a pele romper e o sangue quente brotar das recentes feridas, e ainda assim continuei socando e socando. A cada batida podia sentir minha raiva diminuir, para logo aumentar, e só parei realmente quando consegui raciocinar e perceber a inutilidade do processo.

Eu realmente odeio quando sucumbo a esse tipo de ações primordias, instintivas e nem um pouco racionais. 

Já tive graves problemas antes por não conseguir controlar a raiva, aliás um dos motivos para que eu me exercite tanto e pratique tanto é justamente por essa questão de descontrole. Ambos ajudam em foco e disciplina, depois que eu comecei a me aprimorar minhas crises de raiva diminuiram para quase zero, na verdade contando com a de hoje, só houve uma vez que eu me deixei levar assim, no primeiro ano, e o causador dela foi justamente Gonzales. 

É irônico o fato de que ele esteve envolvido nesses meus surtos, da primeira vez de forma direta e dessa vez de forma indireta. E de ambas as maneiras sendo um puta pé no saco. 

Talvez essa vez seja como a da passada, apenas um caso isolado. Mas, por garantia, decido enviar uma mensagem para minha terapeuta, avisando o que ocorreu, realmente não quero ter futuros acidentes. 

Teclo uma mensagem rápida para a Sra. Stuart, relatando brevemente o que aconteceu.  E estou prestes a ir embora quando vejo que Arthur está ali no canto, parado e me encarando boquiaberto. 

— Há quanto tempo você está aí?— nem faço questão de ocultar meu descontentamento por ele me espionar, o que faz com que ele estremeça temeroso, pelo menos até recordar que somos amigos, e de pronto recuperar a coragem. 

— Bom, desde que você decidiu que o saco de boxe era seu auto declarado inimigo número um, e acabou com ele legal.

— Arthur... — falo em tom de alerta, mas ele me ignora e se aproxima tocando o saco.

— Na moral, ficou a marca da tua mão aqui, e olha isso, você deixou o negócio descosturado. — ele solta um assobio, perplexo . — Mermão, podia me dar um tiquinho dessa tua força, aí.  

— Não tô com saco para te aturar agora.

— Claro que não, você acabou de destruir ele. — ele gargalha da própria piada antes de continuar. — Cara, vou andar pisando em ovos com Dani, porque pelo visto quem mexer com ele tá  muito é lascado.

— Já parou? 

— Parei, parei. — ele fala levantando as mãos para cima como se estivesse se rendendo. 

— Ótimo, o que veio fazer aqui? — pergunto e rapidamente sua expressão muda de divertida, para uma mais séria.

— Vim ver se você tá bem, e se não queria ficar lá no meu quarto essa noite.

— Porque eu faria isso?

— Bom, por causa de Allysson e...

— Não vou sair do meu quarto só para agradar aquele babaca.

— Não pensei nisso como forma de você estar fazendo algo para agradar ele, só para não degradar mesmo.

— Degradar? Você acha que eu vou fazer o que? Bater nele?

Ele não responde, ao invés disso arregala os olhos, me encara e depois desvia os olhos para o saco, me encara e desvia os olhos para o saco, e faz isso suscetivéis vezes até eu ficar cansado. 

— Não vou bater nele Arthur, não estou com tanta raiva assim.

— Jura? Porque eu tenho um saco ali atrás que prova justamente o contrário, né não? — ele põe a mão no ouvido, como que para escutar melhor. — Né não? Saco de boxe? Saco de boxe? Porque tu não responde? Ah esqueci, depois dessas pancadas é capaz de ter ido a óbito. 

Apenas reviro os olhos com o teatrinho dele, e saio corredor a fora. 

— Olha eu só queria garantir que não teria de te visitar nos próximos anos na cadeia, depois de você ser preso por matar seu colega de quarto. 

— Não vou matar o Gonzales, Arthur, relaxa que eu já tô bem. — E é verdade, mesmo ficando frustrado por ter cedido a meus impulsos, tenho que admitir que bater em algo aliviou, em parte, meu estresse. E mesmo que agora eu ainda esteja um pouco irritado, as emoções não estão tão afloradas como antes. 

— Então você tipo imaginou a cara dele ali e socou? 

— Não... — o que é meio estranho porque da primeira vez eu realmente vi vermelho e queria bater nele, mas dessa vez eu apenas soltei a raiva, não vi o rosto de Gonzales ali, apenas vi minhas próprias emoções. 

— Bom, então acho que vai ficar tudo bem? — ele pergunta meio relutante em seguir para o próprio dormitório.

— Relaxa, Arthur, nos vemos amanhã.  — dou dois tapinhas em seu ombro como forma de despedida.

— Espero que na escola e não nos noticiários.  — ele fala, já correndo para longe. 

Apenas solto uma risadinha, mesmo me irritando, Arthur sabe como melhorar meu humor.  Aproveito e olho meu celular, onde a sra. Stuart, respondeu minha mensagem.

"Não deixe suas emoções acumularem assim. Já disse que só foco e disciplina não são o bastante, você precisa extravasar um pouco mais, na próxima vez que for ao clube de artes, lembre de colocar no quadro seus sentimentos, já fizemos isso antes recorda?"

Quando eu era menor fazia muito isso com ela, sem regras no desenho nem nada, apenas liberação. O problema é esse, as vezes eu ponho tantas regras em minha vida, que esqueço de que andar um pouco fora da linha, faz bem para saúde. 

"Tenho uma colega que trabalha nos arredores da cidade, tenta ir nela por enquanto, falar ajuda também."  

Peço para que ela marque com sua amiga para mim, o qual ela responde com um "Okay". Estou prestes a guardar o telefone quando meu celular vibra com uma nova mensagem. 

"Filho seu pai está me deixando louca, fala para ele que você entendeu meus motivos para não ir me despedir, você sabe que eu não consegui."

Faço exatamente o que ela pede, e de imediato vem a resposta do meu pai.

"Não precisa defendê-la, é muita irresponsabilidade dela te envolver nesses tipos de discussões."

Algo me diz que acabo de piorar a situação.

"Desculpe mãe, eu tentei."

Ela mandou alguns beijinhos, e meu pai me enviou um áudio falando que me ama, sua voz está rouca e embargada, sinal de que novamente ele estava chorando.

Às vezes, só gostaria de tudo ser mais simples, quando eu era pequeno minha mãe costumava trabalhar seguidamente também, mas sempre tirava no mínimo sete dias por mês para dedicar totalmente a nós, naquela época não havia tantas brigas entre os dois, mas o tempo passou e ela cresceu na carreira e cada vez mais ficava longe, teve uma vez que ficamos quatro meses sem nos ver.

Acho que o que entristece de verdade meu pai, é que o trabalho dele demanda tanto tempo quanto, afinal  ele é um dos maiores atores atuais, atuando a nível internacional, mas mesmo estando sempre cheio de trabalho, ele está sempre aqui por mim. Não importa se é uma competição, ou melhor, em suas palavras, um bando de loucos masoquitas que se reunem para ver quem apanha mais, ou um simples resfriado, ele deixa o que está fazendo e vem até mim. 

Teve até uma vez  em que ele estava na França, fazendo um papel super importante, eu tinha doze anos, acabei me ferindo no treino e o hospital ligou para ele. Meu pai pegou o primeiro voo de volta para cuidar de mim, atrasou as filmagens por três dias, e até me carregou ao estrangeiro com ele para ter certeza de que eu me recuperaria bem.

E é assim desde que eu era um bebê, porque mesmo recém nascido eu sempre passei mais tempo com meu pai. Depois que eu completei um ano, então? A licença maternidade da minha mãe tinha acabado e ela saiu para trabalhar, já meu pai, encerrou seus contratos por tempo indeterminado, e só foi voltar a trabalhar quando eu fiz quatro, ainda assim ele só pegava papéis regionais e só passou a viajar quando eu fiquei mais velho. 

Ele sempre fez o possível para que as viagens não atrapalhassem meu estudo e que ele não ficasse muito tempo fora. Ele foi uma figura super presente na minha infância, mesmo tendo que se desdobrar em quatro para fazer isso. 

E ele  dedica a minha mãe o mesmo singelo e precioso cuidado que tem comigo, sempre estando lá por ela. 

E talvez seja por isso que anda tão ferido, talvez sinta que seu amor não é retribuído da mesma forma.

Essas brigas constantes desgastam os dois, e a mim no processo, as vezes acho que seria tudo mais fácil se eles se separassem, o que provavelmente não ocorrerá, apesar de tudo ambos se amam demais, mesmo após tantos anos ainda mantém a mesma paixão, além disso, dona Olga é uma mulher bastante ciumenta e não vai deixar meu pai ir assim tão fácil.


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— Senhor Petrov, creio já ter passado do toque de recolher. — diz, em tom reprovador, Cleide a zeladora.

— Sim, sim, já estou subindo.

Ela assente com a cara torcida, e me segue com os olhos enquanto caminho escada acima, não demora muito para que eu entre no meu quarto, que aliás está diferente do dia da mudança, do lado da minha cama há uma pequena estante ao invés de uma cômoda, onde guardo meus livros favoritos, pregadas nas paredes há pequenas prateleiras de madeira onde coloquei fotos da minha família e meus troféus, e do lado da cama a mesa de cabeceira tem um pequeno abajur para quando quero ler a noite. 

Já o lado dele é o "oposto",  ele também substituiu a cômoda por uma estante, onde colocou seus troféus, foram pregados ninchos na parede onde ele colocou pequenas plantinhas, acho que é suculenta o nome delas,  adjacente a sua cama, foram pregados pôsteres de seu time de futebol e de homens como torso nu bem, bem malhados. Havia um único livro ali, supondo que ele provavelmente saiba ler, que completava sua decoração.

Meus olhos se guiam sozinhos para o último "item" do quarto. Ele.

Deitado completamente despojado em sua cama,  sem camisa, em todo o esplendor da pele parda brilhante, apenas utilizando um moletom folgado, com um daqueles fones de ouvido sem fio cobrindo as orelhas, e a manete de vídeo game na mão, mas o que me mata, é ver o cabelo úmido, pelo visto recém lavado, pingando nos lençoís e provavelmente deixando a parte acolchoada do fone futuramente fedida.  Além disso, ele não deveria lavar os cabelos a noite quando não vai usar um secador... não só vai deixar a cama mofada, como depois ele acaba adoecendo e não sabe o porquê. 

Antes eu não entendia o porquê dele não secar o cabelo, então perguntei a um dos integrantes do grêmio, que tem o cabelo estilo black,  e segundo ele, é por conta do secador que resseca o cabelo e estraga os cachos, por isso é melhor deixar ao natural. 

O que eu até entendo, o cabelo de Allysson é uma das poucas coisas fofas que ele tem, deveria tomar todo o cuidado para mantê-lo. Sendo assim, não custa nada, absolutamente nada acordar mais cedo e pentea-lo como qualquer ser humano normal, certo?

Quando abaixo o olhar vejo que Gonzales me encara como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, mas ignorando-o apenas pego um short solto no armário e sigo direto para o banheiro, aproveitando de um banho morno, uma boa esfregada, e dos curativos para enfaixar os machucados da minha mão. 

Quando saio de lá, ele já não está deitado ou com uma manete na mão, ao contrário, está sentado na cama as pernas em borboleta e o semblante pensativo.

— Maks? — ele pergunta, e eu fico surpreso com a falta  do cinismo típico que costuma usar para se dirigir a mim.

— O que quer? — minha voz sai automaticamente fria, transparecendo meus sentimentos sobre ele  por completo. 

— Sobre hoje...

— Não quero ouvir suas chulas explicações sobre nada.

—  Eu pensei que a gente podia tentar se entender.

— Mesmo se eu quisesse, e eu não quero, acho bom você recordar as regras que estabelecemos. - aponto para o papel pregado a porta. —  Não precisamos conversar.

— Isso foi algo que você quis! Eu acho meio tosco, mas fazer o quê? Tudo bem que não precisamos ser amigos...

— E não seremos. — cruzo os braços decisivo, se tem alguma coisa nesse mundo da qual eu possa ter certeza é que não quero ter qualquer vínculo com esse imbecil. 

— Mas conversar não mata.

— Não mata, mas cansa, olha só cara, estávamos de boa até você iniciar um papinho.

— Eu só não queria que as coisas ficassem estranhas! - ele chega a ser levantar pela exaltação, mas se senta de novo, passando as mãos pelo cabelo irritado. 

— Então porque iniciou esse assunto? — falo também exaltado, eu só queria ficar na minha puta paz caramba! — Ou melhor por que brigou com Dani, ele só tava tentando fazer as pazes!

— ISSO já não é da sua conta. — ele trava o queixo e cruza os próprios braços com irritação. 

— Passou a ser no momento em que você bateu nele, ou também se esqueceu do que eu te avisei. — Falo o relembrando do meu aviso de expulsa-lo.

— Sobre me expulsar? Cara cê deve achar que detém o poder do universo, não?

— Não sou Deus, mas posso muito bem dar um jeito nisso, quer apostar? — dessa vez quem cruza os braços em tom de desafio sou eu. 

— Eu...

— Dani insistiu para não levarmos esse assunto mais embaixo, mas tente tocar num só fio da cabeça dele novamente, e vai me pagar. — minhas palavras soam mais ameaçadoras ainda, contudo jogo isso as favas. Estou começando a me cansar de verdade.

— Pelo amor de Deus cara, para de agir como se ele fosse um santo.

— Dani não é santo, mas é uma pessoa muito boa e o eu vi sofrer demais por alguém que não vale nem a unha do dedo do pé dele.

— Maks...

— Não me chame por meu apelido, tem ideia de como odeio isso? —  e realmente odeio como ele fala meu apelido como se tivessemos algum nível de intimidade, como se ele fosse especial para mim, como as outras pessoas que o usam são. 

— Não sei o que fiz para merecer esse desprezo todo. — Ele resmunga para si mesmo.

— Eu começaria pelo fato de você ser um tremendo idiota com todos fora do seu círculo de amigos, por perseguir outras pessoas só por não gostar delas...

— Se estiver falando do Thales ele fez por merecer. — Ele interrompe.

— Por ser cruel e utilizar palavras ofensivas no intuito de ferir as pessoas...

— Isso já faz um tempão e cê nem sabe a história por trás.

— E também por utilizar da violência como resposta para tudo.

Ele suspira frustrado e me encara por algum tempo, cruzo os braços e me apoio na parede esperando-o falar, o que não demora muito.

— Tá, você tem todo uma, uma... ideia sobre mim, mas é pelo que as pessoas falam, cê não me conhece de verdade, ok?

— Não é pelo que as pessoas falam, é pelo que eu vi, a maioria dessas pessoas que você incomoda são meus amigos, tenho certeza que você também não ia querer conversar com o escroto desagradável que machuca pessoas com as quais você se importa.

— Você vê só dois lados da história, o seu e o deles e quanto a mim? — o fato dele estar convencido de isso ser um bom argumento me faz revirar os olhos.

— Eu poderia dar vários exemplos de como isso é uma idiotice, mas começarei pelo obvio, hoje, Dani foi lá pedir desculpas por algo que ele nem sabia ao certo o que era, e no final foi o motivo mais besta do mundo.

— Não foi algo besta!

— Deixar a amizade dele, pura e simplesmente, por ele não te mimar como sempre fazendo todas suas vontades? Sim, para mim, é algo besta.

— Não foi só por isso... — ele murmura com a voz ressentida.

— Então pelo que foi?

Ele morde o canto da boca, e me encara com os olhos grandes, o semblante de indecisão deixando-o com um toque de ternura. Mas rapidamente a expressão torna a ser a cínica de sempre.

— Ah, que se foda pra lá, não é da sua conta!

Esse garoto me cansa, nunca vi criatura mais irritante.

— Ótimo, mesmo assim nada nesse mundo te daria o motivo para sair socando-o, isso é coisa de homens das cavernas, um verdadeiro neandertal.

— Foda-se, se eu pudesse faria de novo e ainda pior, pegaria aquele imbecil e... — ele para de falar quando me vê espumando de raiva.

Aproximo rapidamente dele o dedo em riste apontando direto pro seu rosto, tenho a impressão que ele se encolhe, mas ignoro.

— Escuta aqui seu idiota, hoje deixei passar porque Dani não queria maiores confusões, mas se chegar o mais próximo de qualquer um dos meus amigos, seja Dani, Thales, Arthur ou qualquer outro e ameaça-los, pode ter a garantia de que não vai ficar barato.

Saio pisando duro, atravesso a porta, mas não desço as escadas para evitar qualquer encontro com a zeladora, ao invés disso sigo mais ao fundo do corredor e abro a janela respirando o ar arejado através dela. Precisava ficar longe daquele garoto, e de sua imbecilidade por pelo menos alguns minutos. Quando finalmente meu corpo abandonou qualquer resquício de raiva, e eu pude pensar claramente resolvi retornar. 

Afinal, babaquisses a parte, pelo menos ele tentou conversar feito gente hoje, e não com todo aquele deboche costumeiro.

O que não elimina ele ter ameaçado Dani. 

Quando entro no quarto vejo que ele se encontra na mesma posição de quando sai, encolhido sobre o próprio corpo, encarando fixamente o ponto onde minutos atrás eu me encontrava, e seria impossível não notar, mesmo de longe, seu corpo tremendo. 

— Allysson?

Chamo, mas ele nem sequer olha para mim, permancendo paralisado.

— Allysson? - tento novamenete. 

- Allysson?! Você tá bem? 

Quando ele não reponde, toco em seu ombro tentando chamar sua atenção, mas sua reação é  inesperada, estranha e assustadora, assim que meus dedos tocam sua pele, ele se joga para trás como se tivesse levado um choque, se encolhe ainda mais e usa os braços para proteger o rosto. 

Um claro gesto de vulnerabilidade e tentativa de auto proteção. 

— Allysson. — Falo suave, mas ganho apenas um estremecer do seu corpo. 

Tento me aproxiamr dele  devagar, mas a cada passo meu, mais ele se joga para trás, chegando ao nível de cair da cama,  mas não antes de bater com força na quina da cabeceira , o barulho oco e alto me preocupa, no  melhor dos casos ele ganhou apenas um garnde "galo" na cabeça, no pior alguns pontos e uma concussão. 

Só de pensar nisso minha aflição sobe alguns níveis. 

— Merda!! Allysson! 

Ergo-o facilmente do chão, uma grande bola de alívio saí do meu peito em forma de suspiro quando confirmo que ele não teve nenhum machucado. Mas logo a preocupação volta com força arrebatadora em meu peito, ele agora está completamente paralisado, e tremendo bastante, seu olhar transbordando indiscutível pavor.

Isso deixa meu peito apertado, nunca antes o tinha visto em estado de vulnerabilidade, ainda mais um tão grande.

— Allysson. — Falo, dessa vez utilizando de um tom baixo, que parece fazê-lo despertar.

— Eu t-tô bem. — Ele gagueja quando parece se situar no mundo real. — Me solta cara.

Eu não solto, ainda preocupado, algo que não entendo completamente, apenas sinto.

— P-por favor me solta. — Seus olhos ainda estão lacrimejando, e é só nisso que reparo. — Por favor.

Ele fala mais firme, e eu o solto a contragosto. Ele parece aliviado, se afasta de mim, mas o seu mancar o faz ir mais lento.

— Allysson, você não tá bem, o que foi isso?

— Nada. — Ele fala sem olhar para trás.

— Mas você estava em pânico, eu só quero entender.

— Só finge que não viu nada, ok? Você mesmo disse agora a pouco que não te interesso e deixou claro o quanto me odeia. — Ele fungou — Não preciso que sua pena te faça achar o contrário.

E dito isso ele se tranca no banheiro.

A noite foi longa e passei a maior parte em claro, ou pensando em Allysson e no que provavelmente causou tal reação nele.  Ou me amaldiçoando por colocar aquelas benditas regras na porta, ou me xingando por amaldiçoar por algo tão últil.

Mas o que era realemente pior, eram os sentimentos controversos que estavam lutando no meu coração, bastou um... apenas um olhar vulnerável e minha vontade foi de proteger Allysson do que o causara, de mim mesmo e da origem. 

Esse tipo de crise de pânico, o que será que o originou? É bem óbvio que eu despertei algum tipo de gatilho nele, mas... qual a origem de fato?

E porque eu me preocupo tanto? É óbvio que eu me preocuparia por qualquer um que se encontrasse nesse estado, mas porque com Gonzales esse sentimento é um pouco mais intenso?

Tudo tão confuso, tão sem lógica. Odeio coisas sem lógica exata, além de não conseguir interpretar a fundo os sentimentso que tenho pelo cara que mais odeio na vida, os soluços engasgados dele me perseguiram em meus pesadelos. 

Enquanto minha mente se organizava para as coisas que eu teria que fazer nos próximos dias, gravei para mim mesmo a imagem de do pavor de Allysson, e o único que pude prometer a mim mesmo, e assim acalmar meu coração, é que tentaria descobrir o que causara essa reação.

E nesse meio tempo, tentar entender o porquê de isso  tudo me afetar tanto.

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