Capítulo 4 _ Allysson


— Cara, relaxa. — Renan sussurra no meu ouvido, um braço enrolado em meu ombro juntando nossas cabeças suadas. — Perder a cabeça durante o treino é praticamente um pedido para que te rebaixem,  mesmo antes que os testes iniciem.

É ele tá certo, mas isso não impede que eu fiquei irritado, hoje é aquele tipo de dia em que tudo, absolutamente tudo, dá errado. Na hora em que fui tomar café derrubaram minha bandeja, durante a aula de matemática levei uma bela bronca do professor por cochilar em alguns momentos, recebi uma nota negativa em uma prova de linguagens que eu fiz e para completar com chave de ouro, meu primeiro período finalizou comigo recebendo uma detenção do supervisor por falar palavrão no corredor.

Pensei que treinar fosse a solução, já que jogar futebol é literalmente a única coisa que sei fazer direito, a única pelo qual tenho talento, e que pode vir a me dar um futuro, não que seja minha paixão, mas é algo em que sou bom, e são poucas as coisas em que posso dizer isso. Na verdade tenho até uma lista. 

1- Sou bom em futebol.

2- Danço bem.

3- Cozinho bem, e confeito melhor ainda.

4- Sou bom nos games.

5- Limpando esterco.

E acabou.

Mas infelizmente o azar de hoje recaiu sobre isso também. No  caso, eu estou falando do futebol, não das outras quatro coisas, já que até agora eu não consegui me dedicar a nenhuma delas,  o que é uma pena por que se tem algo pelo qual sou apaixonado é...

— Merda, Allysson, vê se acorda!!! Deixou a droga da bola passar!!— Craig grita comigo, e vejo que ele quase tomou um gol por minha culpa. 

Viu?? Esse é o problema, não estou conseguindo focar em nada! E futebol é uma das poucas coisas em que sou capaz de prestar atenção!

E isso me irrita bastante, era para eu vir aqui e mostrar que sou bom em algo, mas ao invés disso eu só estou fazendo merda atrás de bosta. Qual é meu maldito problema?

Tirando a falta de atenção, mesmo quando eu foco, ainda assim não consigo jogar direito, meus dribles saem errados, não posso tirar a bola do pé de meus adversários, e infelizmente essas são duas coisas extremamente importantes quando se está na posição de zagueiro.

O que no caso é a posição que estou ocupando, zagueiro. 

— Que perna de pau, Gonzales, tá todo duro, não consegue chutar uma bola direito, mas quando precisa abrir elas parece aluno de yoga, né? 

O babaca que fala isso, e sai trombando no meu ombro é Thales Ribeiro, meu parceiro do time e, no exato momento, a fonte da minha vontade de cometer homicídio doloso... ou seria o culposo?

Ah, quer saber? Deixa pra lá. 

A questão aqui é que o  treino de hoje está marcado por minhas faltas constantes, por perder a bola, e pelo maldito Thales estar ali por perto zoando cada erro meu, para piorar a situação o treinador não tira os olhos de mim, observando minuciosamente e calculando milimetricamente cada gafe minha, tenho certeza que logo mais ele vai explodir e me xingar na frente de todo mundo.

— Concentração, Ally, ou nosso time vai perder. — Novamente Renan vem até mim. — Foque os olhos naquela bola, e não a deixe passar por você.

Com um tapa em minha nuca ele segue para sua posição, o apito soa e jogo reinicia, Renan junto a Lucas e a Marcus fazem um jogo de passes perfeito, lançando a bola em direção ao campo adversário, nas poucas vezes em que a mesma é roubada logo é capturada com sucesso, dando um chapéu em um dos jogadores Renan chuta para Marcus que intercepta a bola e a lança em direção ao gol, o goleiro rebate fazendo com que ela caia nos pés de seu zagueiro, Issac, e o jogo começa a inverter, agora estamos na defensiva e não no ataque. Meu foco vai todo para a bola que passa de um para o outro, sem permanecer nos pés de ninguém de nosso time por muito tempo, e se aproximando cada vez mais de mim.

Corro em direção a um dos prováveis atacantes o marcando, quando a bola vem em nossa direção o ultrapasso, a intercepto com o joelho, domino e a lanço para um de meus parceiros, que fica com ela poucos segundos antes de perde-la, faço meu trabalho de novo corro em direção ao outro jogador e lhe retiro a bola, quando estou prestes a chutá-la longe, em direção ao campo inimigo, ela já não está li, ao invés disso os gritos ecoam no campo e Thales urra de alegria, tendo feito o último gol antes do final da partida.

Retiro minha camisa, limpando meu suor com ela, a frustação da derrota me deixando em pleno mau humor, me jogo nos bancos e tomo uma garrafinha de água gelada, permaneço assim por um minuto, apenas desfrutando da sensação da água gelada escorrendo minha garganta, antes de lança-la por minha cabeça e torso.

— Tomamos uma surra feia. — Fala Lucas se jogando ao meu lado no mesmo estado que eu, sem camisa, suado e molhado. Ou seja, absolutamente nojento.

— Esse cara se acha. — Indico a Thales que corre todo campo felizardo, urrando e abraçando seus amigos como se tivesse ganhado uma liga.

— Ele se acha? Eu diria que é pouco para descrevê-lo, o cara tem o ego mais inflado que as bochechas do fofão.

— Faz alguns gols e se sente o próprio Messi.

— Ele nem é tão bom assim. — fala concordando comigo.

— Eu não diria isso, ele é bom de bola. — Quem chega o defendendo é Marcus.

— Agora tá tomando o partido do cara? — minha testa franze denunciando minha indignação, e Marcus suspira antes de passar a mão no meu cabelo para me "acalmar". As vezes tenho certeza de que me confundem com um cachorro. 

— Não tomei partido de ninguém, anãozinho, mas admite que o cara é bonzinho jogando.

— Mesmo se fosse, ele se acha demais e fica aí zoando os outros, falta de profissionalismo.

— Profissionalismo pra quê? Estamos treinando no campo da escola.

— Ainda assim, o campeonato interestadual precisa de um pouco de profissionalismo por parte dos jogadores.

— Cara, a competição para o regional ainda nem começou, é daqui a três meses, e depois disso teríamos de vencer a estadual, e só aí competir no Inter, cê não tá criando expectativa demais não?

— Para de encher o saco, você entendeu, se ele continuar assim torrando a paciência dos adversários vai acabar levando um dia desses.

— Acho que ninguém teria um gênio forte assim. - Marcus fala. 

— Você que pensa, deixa eu escutar só mais uma provocação por parte dele, pra você ver.

Levanto dando um soco no ar demonstrando a meus amigos que não levaria desaforo dele para casa, ou melhor, por dormitório. E os fazendo cair em risadinhas estranguladas, entrando na brincadeira comigo, logo Lucas se levanta e montamos um pequeno teatro onde eu era eu, e Lucas representava Thales, que no momento choramingava após uma surra. 

Estávamos prestes a seguir por segundo ato, quando um arrepio cruza minha espinha, e pelo visto não fui o único a sentir, já que meus amigos também paralisaram no lugar. Uma sombra enorme cobre meu corpo, minha ansiedade é tamanha que minhas mãos começam a suar pelo nervosismo, e minhas pernas a bambear. Considerei por um segundo, sair de fininho fazendo a egípcia, contudo um pigarro extremamente mal humorado, me fez perceber que já tinha perdido a chance. 

Eu deveria me virar, mas... 

Permaneci parado no mesmo lugar, afinal o que a gente ignora não existe, certo? 

Errado. Um resmungo, ou melhor, uma metade resmungo, metade grunhido se faz ouvir, e já preparando meus ouvidos viro meu corpo e encaro a fúria do treinador.

— Gonzales. — ele fala com um olhar tão duro que me faz vontade de sentar e chorar.

— E aí treinador! Como cê tá, e a família, tudo de boas?

— Gonzales, eu não estou pra brincadeiras.

— E nem eu, estou apenas sendo genuinamente sincero. — meu tom "sincero" não colou com o treinador, infelizmente. 

— Já que gosta tanto de ser sincero, me diga do que vocês estavam conversando. 

Merda, merda. O que estavamos conversando, vai Allysson pensa! Allysson, que tem A, e a letra A tem em alecrim, que me lembra energia que me recorda a... alergia!

— Sobre pessoas com alergia? — Ai Deus,  me mata agora por favor, pessoas com alergia? Meu irmão tava certo, mamãe me deixou cair do berço quando nasci, só assim para ser tão burro. 

— Pessoas com alergia? — ele bufa incrédulo. — E como surgiu tal assunto? 

— Como s-surge qualquer as-ssunto, oras. —- gaguejo pelo nervsosimo, me entregando totalmente. As vezes eu só queria ter um pá, para bater em mim mesmo com ela sempre que faço essas merdas. 

— Bem, especifique. — ele fala de braços cruzados, a essa altura todos no campo já nos encaravam. 

—Tipo, anh, tipo... — gaguejo tentando pensar em alguma coisa, porque tipo eu não conheço muito de alergia, exceto pelo fato de eu ter alergia a amendoim... espera!! É isso. 

— Então, fessor,  tipo nós estávamos conversando sobre amendoim, e sobre esquilos, porque tipo, não conhecemos muitos esquilos, mas sempre vemos esquilos nos filmes, que nem em Alvim e os esquilos,  e eles gostam muito de amendoim, bom, não em Alvim e os esquilos, tô falando dos filmes em geral, porque em Alvim e os esquilos eles nunca fizeram uma referência a amendoim, mas imagino que devam gostar, principalmente o Theodor, mas do que ele não gosta, não é mesmo? Enfim, estávamos falando de filmes e amendoim, e daí pensamos "Nossa! Tem gente que tem alergia a amendoim!", e foi daí que surgiu o assunto. 

A aura de raiva do treinador é tamanha que vejo alguns dos meus colegas se afastarem sutilmente,  coisa que eu gostaria muito de fazer, mas meu corpo não colabora, insistindo em ficar paralisado. 

Bom, pelo menos eu me esforcei na história, mas pensando bem... não teria sido mais fácil eu simplesmente falar que eu tenho alergia a amendoim? 

— Acha mesmo que vou acreditar nessa ladainha?— Ele praticamente grita. 

— Não, mas não custa tentar, né? 

Isso arrancar um rosnado do treinador, e meu corpo finalmente reage recuando alguns passos. Ao menos, antes tarde do que nunca, pelo menos para alguma coisa meu cérebro presta.

— Eu tenho cara de palhaço ou de idiota, Gonzales? 

— Isso é  tipo uma pergunta retrógrada? 

— Uma pergunta o que?

— Retrógrada, sabe tipo quando as pessoas perguntam algo que não precisa de resposta, mas perguntam ainda assim.

— É reTÓRICA que se fala, Gonzales. — ele fala tão alto que tenho certeza de que meu ouvido estava sujeito a sangrar. 

— Que seja, isso aí, foi uma pergunta re, re...

— Retórica. — Marcus complementa atrás de mim. 

— Exato, então fessor, foi?

— Nem lembro mais o que te perguntei Gonzales. —  ele fala visivelmente cansado e irritado, coisa que infelizmente eu só percebo depois de soltar um:

— Me perguntou se eu achava que você tinha cara de palhaço ou idiota, me avisa se é para responder mesmo, porque eu já tenho uma opinião formada sobre isso.

— Ah é? E qual é?

— Depende, se eu falar o que penso, estou sujeito a suspensão? Porque se for assim...

— JÁ BASTA, GONZALES!!! — ele grita tão alto que até mesmo o porteiro deve ter escutado. — Estou farto de suas gracinhas, não pense que eu não sei o que estava acontecendo aqui. 

— Uh, treinador... — tento falar, mas ele me interrompe. 

— Ao invés de estar discutindo algo construtivo como por exemplo, as melhores maneiras de melhorarem aquela porcaria que chamaram de jogo, ou como você pode se esforçar mais, ou como suas péssimas jogadas atrapalharam seus colegas de time, ou como você foi disfuncional no dia de hoje. Você além de ter ameaçado um colega de equipe, que de longe jogou melhor que você, ainda estava zombando dele?  —  ele colocou o dedo em riste, apontando para mim. — É melhor você transferir toda essa irritação que tem contra Ribeiro para melhorar seu foco e habilidades ao jogar, ou não precisará se incomodar em permanecer no meu time.

Permaneço aturdido e calado, mas ele continua, dessa vez mais baixo, de forma que só eu e meus amigos podemos escutar. 

— E isso vale para qualquer outra gracinha, não sei seus amigos acham essa sua sagacidade engraçada, mas no meu campo é melhor manter o respeito, Gonzales, ou eu vou ensinar a você como mantê-lo. — esse é o maldito azar de ter um ex-militar como professor, eles são estritos, mandões e quando você sai da linha te mandam fazer  cem flexões. 

O treinador assopra seu estridente apito de estimação, Tito,  para chamar atenção do resto do time, o que foi absolutamente desnecessário, pois todos nos encaravam escutando seu discurso. Foi difícil não ver que cochichavam me encarando, tentei fingir que ignorava, mas foi impossível já que os idiotas nem fizeram questão de disfarçar, exceto pelos calouros que depois da pegadinha tinham um pouco de senso de auto preservação. 

A vergonha e a humilhação que eu sentia foi tamanha, que acabei permanecendo parado no mesmo lugar, enquanto todos seguiam para o meio do campo. Eu simplesmente havia me esquecido de como caminhar, e se não fosse por Renan que chegou passando o braço ao redor dos meus ombros, e praticamente me carregou até onde o grupo se reunia nos esperando, eu ainda estaria lá, paralisado. No caminho ele sussurrou palavras de ânimo que foram reforçadas por Lucas e Marcus, de forma que eu já estava bem menos nervoso quando entramos em meio a roda que o treinador formara ao seu redor.  

— Daqui a duas semanas, o teste para a entrada no time inicia, e é obrigatório para todos aqui que quiserem permanecer no clube. — Ele dá uma pausa de alguns segundos. — Foquem no que eu digo, estou falando que o teste é obrigatório se quiserem permanecer no clube. O que quer dizer que nem todos entrarão no time. 

— Como assim treinador? — um calouro pergunta. 

— O que vai acontecer é o seguinte, todos farão o teste, avaliarei seu nível de habilidades, e dependendo de como vocês sairão, os colocarei ou no time, composto por onze integrantes, ou na reserva composta por doze integrantes. 

O mesmo aluno, levanta a mão, mas o treinador continua sem o permitir falar. 

— E agora vocês me perguntam, se são onze no time e doze na reserva, como ficarão os que sobraram? — sua voz sai fina, como ele sempre faz ao imitar a voz de um estudante. —  Simples, não estarão nem no time, nem na reserva, mas permanecerão no clube, treinando, e caso melhorem suas habilidades podem acabar substituindo algum reserva.

— Então, somos os reservas dos reservas?

— Exato.

— Mas isso é injusto treinador! Somos novatos, vai me dizer que não tentará privilegiar os que estão prestes a formar? 

— Você não me conhece garoto, meu foco é ser um vencedor, e ter no time principal apenas os melhores, dos melhores dos melhores, então não se preocupe o teste vai ser todo em base as habilidades de cada um, desconsiderando o ano em que estejam, ou qualquer necessidade egoísta.  —  Ele fala em tom sério e neutro. —  Este ano veio rico de gente talentosa, e será uma competição acirrada e muitos dos veteranos, graças ao bom Deus, sairão do time principal, então sem ladainha e mi-mi-mi, se você não é capaz de ir para o time principal não culpe a nada além da sua inaptidão e falta de habilidades.  

Desalentador, não é? O treinador sempre foi assim, deixa bem claro que o que importa é o time ficar forte e bom. "Maus jogadores são como ervas daninhas, devemos arrancar pela raiz.". Ele não costuma dar oportunidades, de acordo com ele, sua parte é fazer o melhor possível para nos treinar, enquanto nossa obrigação é fazer duas vezes mais o que ele faz. É um homem muito rígido e duro, o que eu acho que é só falta de sexo mesmo, todo santo dia eu rezo para que ele ache algo para se ocupar e ser um pouco menos chato, que seja um cu, uma boceta ou uma rola, mas que se afogue neles e se esqueça um pouco do seu hobby de atormentar adolescentes inocentes.

— Durante esse tempo, esses campos estarão disponíveis para vocês treinarem, uma vantagem que se forem espertos usariam para tentar melhorar. Ouviu isso Gonzales?

Novamente os olhares de todos em mim, apenas assenti com a cabeça, minhas bochechas queimando com a vergonha.

— Dispensados!

Todos seguiram seu próprio caminho, Thales soltando algumas gargalhadas provocadoras que me deram um súbito desejo de moer sua cara com socos, e iria até tentar fazer isso se não o tivesse visto...

Vestido com uma calça perfeitamente ajustada, uma blusa simples que demarcava os perfeitos músculos, junto a gravata azul que está ligeiramente frouxa no pescoço. Meu colega de quarto seria capaz de desmaiar corações de todas as pocs existentes na escola, o cabelo loiro liso, como sempre, está em um topete  natural que combina com o rosto perfeitamente simétrico, de lábios perfeitamente alinhados, e perfeitamente beijáveis também, maxilar firme, nariz reto e lindo demais, e é claro, os olhos... ah, os olhos de Maks  que sempre desprendem uma aura nebulosa, igual a de um céu trovejante, que está a um  passo de despejar uma enorme tempestade... ou melhor um dilúvio. 

Os olhos de Maks são a ameaça de um dilúvio, destruidor e aniquilador. 

De todas as formas, perdi a vontade de bater em  Thales, quando vi meu colega de quarto. E não só porque os olhos dele dão uma vibração ameaçadora, mas porque ele é uma ameaça mesmo. E ninguém pode me julgar por isso.

Me diz quem é o louco que bate em alguém quando se há um cara por perto que treina tantas artes marciais que poderia sair no punho com uma onça e vencer? Bom, eu não sou esse cara. Maks e Thales são amigos, e infelizmente Maks tem um longo histórico de fazer qualquer coisa em prol de defender os amigos.  

E eu não estou a fim de levar uma puta de uma surra, só por causa do idiota que novamente está rindo de mim!!! Os calouros também começam a rir discretamente de algo que ele fala, e pelos  gestos e trejeitos que faz percebo que ele está a fingir uma imitação minha, o que novamente leva seus amigos a gargalharem.

Talvez... só talvez, apenas um soquinho, bem de leve, apenas para arrancar um dente. 

Dou um passo a frente, para ter o gostinho de saborear minha ideia. A imagem mental de Thales com um olho roxo e um dente caído da boca ensanguentada, me regozija, contudo a aproximação de Maks me intimida.

Socar ou não socar, eis a questão. 

Se por um lado, eu quero fazer com que ele engula suas malditas provocações...  por outro lado o dia já tem sido perfeitamente humilhante sem que eu precise acrescentar apanhar nele também.

É, é isso mesmo. Forço a mim mesmo a engolir minha irritação e sigo em frente tentando ignorar o Ribeiro. 

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Os vestiários estão cheios, como sempre aguardo todos tomarem banho e se vestirem antes que eu mesmo faça isso, normalmente eu usaria uma das cabines, mas alguns idiotas as quebraram ano passado e a escola se recusa a construí-las de novo. Tudo foi acordado na reunião me mestres e responsáveis que acreditam que os alunos precisam saber que suas ações terão consequências. Ou seja eu não quebrei, mas acabei me fudendo  de todo jeito. Um saco. 

Quando finalmente tudo se esvazia, entro no chuveiro e ligo a água no quente, afinal  toda adrenalina que tinha no meu corpo já passou, deixo a água escorrer e minha mente viajar por alguns instantes. Tento recordar tudo o que fiz de errado, o que é meio vago, já que eu não estava prestando muita atenção, mas pelo que posso perceber  em alguns momentos eu fui rápido demais, outros lentos demais e alguns movimentos foram bruscos demais. Bom, mais tarde eu marcaria um treino com Renan, e isso com certeza me ajudaria. 

— Tenho que perguntar quando ele estará disponível e... — Sussurro comigo mesmo, antes que um barulho oco capture minha atenção.

Olho para trás e ali vejo, Daniel meio que caído e encarando abobado minha bunda.

Sem evitar soltar um chiado irritado, desligo o chuveiro e cubro minha cintura com a toalha, sem um segundo sequer tirar meus olhos do rosto do maldito traidor.

— O que cê quer aqui?

—Eu vim ver se você tá bem. — Ele fala gaguejando. Argh, me irrita mais só de pensar que ele possa ter visto em primeira mão a humilhação que passei, aposto como ia adorar isso, 

— Não acho que isso seja da sua conta, Yamamoto.

— É claro que é, nós somos amigos, não somos?

Lhe entrego uma risada fria, embora esteja chocado com sua cara de pau.

— Pensei que tinha deixado claro nas férias. 

— Não, não deixou, se tivesse respondido e conversado comigo, talvez estivesse tudo às claras. — Ele fala, e pelo tom de voz está bastante irritado, e muito chateado.

— Não conversar com você deixou tudo às claras, não compreendeu? — Quando se ignora alguém significa que não quer saber da pessoa, e isso é uma noção geral.

— Sim, eu entendi que você pode ser infantil a esse ponto, mas se você está com raiva de mim ao menos permita-me saber o porquê.

— Não se faça de desentendido, até parece que não sabe. — não posso evitar ficar pasmo com sua falta de vergonha na fuça. 

— Mas eu não sei!

— Foda-se, se você não sabe mesmo, significa que nem sequer pensou em mim quando o fez.

— Mas do que merda você está falando?

Estou falando de você transar com meu ex-namorado, que partiu meu coração e com quem ainda me importava, e com o garoto por quem estava — estou — apaixonado na mesma noite, sabendo exatamente como eu me sentia em relação a eles. Gritei na minha mente.

Quer saber, não vou discutir... vou apenas ignorar.  Tô bem, tô zen. 

É só dar uma cortada.

— Não disse que veio aqui para ver como eu tava? Já viu agora cai fora.

— Pelo amor de Deus, Ally, eu só quero conversar!

— Mas caso não tenha ficado claro o bastante, eu não quero.

Dito isso, sigo a passos firmes em direção a porta do vestiário, mas Daniel impede se colocando na minha frente, irritado, passo por ele mesmo assim, inevitavelmente trombando em seu ombro, mas ele não se dá por vencido e novamente impede minha saída. Sinceramente? Minha cabeça já tá quente e ele é uma das últimas pessoas que eu iria desejar querer ver hoje, então me deixo levar por minhas emoções por um instante e, quando dou por mim, já o tinha socado, bem no rosto.

Bom, uma das poucas coisas que se deve saber sobre Daniel Yamamoto é que ele não costuma levar desaforo para casa, então não foi surpresa acabarmos saindo no tapa ali mesmo.

— Merda! Qual a porra do problema de vocês?

Somos separados, mas infelizmente, não antes que eu receba um consagrado chute no saco, me encolho no chão, esperando a alucinante, porém momentânea, dor passar. Vejo que Maks, Thales e outro garoto ficam ao lado de Daniel, não consigo evitar a pontada de ciúmes quando vejo a preocupação nos olhos de Maks ao ver os cortes no rosto do maldito.

— Cara cê tá bem, consegue se levantar? — Renan fala, tento me mover, mas agulhas parecem estar se revirando debaixo da pele onde o desgraçado me acertou, então enrolo meus braços ao redor do pescoço de Renan e o mesmo me puxa, apoiando suas mãos em meus quadris para que eu fique em pé.

— Desgraçado! — Maks ruge, vindo em minha direção.

Lucas, surgido do nada, prontamente se coloca em minha frente, em um gesto de proteção, já Renan me aperta mais contra seu corpo e recua alguns passos para trás. Marcus logo aparece, e se põe ao lado de Lucas, impedindo ainda mais que Maks se aproximasse de mim.

— Para Maks, fui eu quem começou.

— Não nasci ontem Dani, você nunca que ia começar uma briga. — Suas palavras fazem meus olhos se revirarem, é um saco como ele sempre põe uma auréola na cabeça do idiota.

— Eu dei o soco, mas você me encheu o saco, eu te disse que não quero mais assunto.

— Eu não estou te enchendo o saco, eu só me importo com você, me importo com nossa amizade. Droga, Ally, somos amigos!

— Não somos! Você deixou isso de lado ano passado.

Ele para estático por alguns segundos, antes de seu rosto se iluminar com as lembranças.

— Só por isso? É sério, dezessete anos de amizade jogadas no lixo, só por que apoiei Maks em sua campanha. — Ele fala triste e irritado, o que me deixa muito irritado, não poderia acreditar que ele simplesmente esqueceu da droga daquela festa, e das suas malditas atitudes.

— Esse é um dos motivos. — Falo, porque sim, ele ter escolhido concorrer contra mim foi como uma facada nas costas, mas estava decidido a perdoa-lo e conversar, pelo menos até ter visto aquilo.

— Você é um babaca! Ele tem direito a ter outros amigos, e não precisa necessariamente fazer suas vontades o tempo todo.

— Sim, eu tenho. - Daniel fala, com os olhos lacrimejantes. — Estou muito decepcionado com você Ally.

— Pega essa decepção e enfia no rabo. — Levanto o dedo médio. — Me erra, Yamamoto.

E dito isso saio mancando, com Renan e os outros em meu respaldo, definitivamente não preciso de me sentir mal comigo mesmo por causa dele. Mas é inevitável, sinto um amargor na garganta, e minha consciência pesada, enquanto minha mente contra a minha vontade martela o mesmo pensamento, "Será que não fui duro demais?".

Respondo para mim mesmo todas as vezes: Não, não fui.

E daí que não respondi nenhuma das suas mensagens de texto, naquela noite mandei várias que não foram respondidas, já que ele estava se ocupando com outras coisas.

E daí que não escutei seus áudios, pelo visto ele também não escutou nenhum enquanto eu estava na fossa falando do meu amor não correspondido.

E daí que não atendi suas ligações, ele também não atendeu nenhuma, ocupado demais com o novo amigo, quando meu irmão quis descontar toda a sua frustação em mim, e eu fiquei dias na cama sem nem mesmo conseguir levantar.

Dessa vez mordo meus lábios com força suficiente para arrancar sangue, enquanto lembro daquela noite. Ele disse que ia para uma comemoração com Maks, mas que bastava eu ligar e ele atenderia. Forma onze chamadas, e todas foram direto para caixa postal.

Definitivamente não estou pronto para esquecer de nada disso.

Absolutamente nada. 

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