Capítulo 30 _ Maksin
Alguém já se perguntou:
Qual o preço de ser salvo?
Não estou falando de filmes de super heróis, estou falando da realidade. Essa dura realidade que sempre me faz reviver as coisas desagradáveis que, por alguns instantes, eu apenas gostaria de jamais rever.
Isso faz com que aquela filosofia de yin e yang faça ainda mais sentido. Eu tenho memória eidética e isso é maravilhoso ao considerar diversos âmbitos da minha vida, quantas vezes eu já não ouvi falarem do quanto invejam essa característica minha?
Mas algumas bênçãos podem vir a ser maldições, principalmente quando são boas demais para serem verdades.
Eu não diria que gostaria de ter um cérebro de peixe, esquecido. Entretanto, por algum singelo momento, eu gostaria de fechar os olhos sem viver de novo e de novo os mais monstruosos momentos da minha vida.
Todo mundo tem um monstro e o meu é esta maldita pergunta:
Qual o preço de ser salvo?
Como num filme de terror antigo vejo o mundo em frente a mim, meio travado, embaçado, com as cores mascaradas em cinza. Essa não é a cena principal, não é o ápice, se trata do final. Caos. A palavra encaixa bem, com a confusão dos flashes das câmeras e de uma multidão mal contida pela polícia.
Ainda ao longe, assisto meu eu pequeno, coberto por um edredom grosso e pesado demais, sufocante. O garoto parecendo pequeno e frágil demais perante ao policial e a socorrista que o atende.
Sem me esforçar eu consigo lembrar a sensação... de alguma maneira, enquanto a mulher tratava dos meus machucados e com delicadeza o policial tentava conversar comigo eu me sentia em outro mundo, as palavras chegavam ao meu ouvido e eu não as processava, minha mente ainda flutuava em uma nuvem de pavor.
Eu não conseguia assimilar nada, mal, mal compreendi quando vi meu pai desesperado bradando fortemente e cruzando a barricada da polícia a força, com os olhos curiosos dos fofoqueiros e jornalistas o seguindo, tenho certeza de que vi como ele corria até a mim, mas só senti algo quando ele finalmente cruzou o espaço que nos separava e me abraçou.
Ainda que esteja assistindo, ainda que seja só o eu de agora, recordo muito bem a sensação do abraço quente que cortou o frio que o edredom não conseguiu cortar. Porque foi naquele abraço, depois das piores horas da minha vida, que eu finalmente senti que estava seguro.
E minha mente saiu do estado de choque e me mostrou a realidade novamente.
Uma triste e desesperadora.
Uma onde os monstros existem e que diferente dos contos de fadas eles não são tão óbvios. Eles só estão ali e você nunca sabe quem são eles, até que eles resolvam mostrar verdadeiramente quem e o quê são.
Esse é o mundo real.
Com meus olhos ardendo pelas lágrimas que cismavam de sair, me escondi entre os braços de meu pai, mas eu ainda precisava ver o mundo ao meu redor, não podia ficar cem por cento no escuro de novo.
Então ergui a cabeça e quando o fiz, vi Dominick ao longe, definitivamente mais machucado que eu, o sangue que escorrera da sua testa ao pescoço estava seco, mas ainda assim deixava um rastro de horror.
Por algum motivo, ele gargalhava e sua mãe gritava com ele.
Foi a primeira e única vez que tive o impulso de defender Dominik. Naquela época eu não entendia, mas hoje eu entendo o porquê, não era justo ela gritar com ele, não depois do que ele passou, mesmo que ele nunca tenha sido exatamente fácil de entender.
As repreensões da mãe de Dominik pararam quando os policiais cruzaram a porta com ele algemado, foi uma questão de segundos, mas eu vi tudo em câmera lenta. Senti como bile ácida subia por minha garganta, como de repente eu queria simplesmente esvaziar meu corpo de meus órgãos internos. E o maldito me olhou bem nos olhos antes de ser empurrado para dentro da viatura e sorriu.
E como eu gostaria de esquecer seu sorriso.
De maneira inconsciente apertei mais meu pai e ele me virou para o outro lado a tempo de eu ver a ambulância partir. Foi aí que eu vomitei, mais uma vez nesta fatídica noite.
Porque eu sabia que o veículo que partiu desesperado, com suas sirenes em alerta, levava um diminuto corpo coberto de sangue.
Um que estava entra, a gora compreendida, fina linha entre a vida e morte.
Com meros seis anos, naquela noite eu aprendi duas lições que levaria para toda a vida.
A primeira é que os monstros caminham entre nós.
A segunda?
É que a frase:
"Não podia deixar que ele chegasse em você. Não podia!"
Eternamente assombraria minha mente.
E sempre me recordaria uma coisa.
Que o preço de ser salvo é...
Algo que não estou disposto a pagar nunca mais.
Nunca mais.
Naquele dia, naquele momento, eu tomei a decisão:
Jamais serei fraco de novo.
E nunca mais precisarei ser salvo.
Por ninguém.
Estamos ao findar do segundo bimestre.
Os dias tem transcorrido de maneira, se é que assim exacerba de descrever, caóticos e um tanto quanto, pendendo, a emocionantes.
Claramente por causa e influência do Allysson.
Tudo em mim começou a desandar no instante em que firmamos aquela promessa. Agora somos amigos. E não é que eu não queira ser amigo de Allysson, óbvio que durante muito tempo eu não quis, entretanto o que pesa são os fortes sentimentos que nublam minha razão.
Infiro que esta está cada dia mais decadente.
No quarto nós conversamos, não há mais aquele clima denso e pesado. E é tão bom simplesmente escutá-lo, os momentos de silêncio são como um manjar, apenas nós dois, mas os momentos (e são muitos) em que ele apenas conversa comigo são deliciosamente espetaculares.
Não sei o que é pior, eu simplesmente amar ouvi-lo falar ou o frio na barriga que dá quando tenho que conter minhas enormes ganas de abraça-lo, beijá-lo e olha que nem falo sexualmente.
Eu só quero deitar agarrado ao Allysson escutando sua respiração contra meu corpo.
Mas obviamente também almejo durante muitos instantes fazer essa respiração acelerar, fazê-lo se derreter e me esbaldar nele.
Então eu lembro que somos só amigos, que não podemos ser mais que isso e embora minha razão fique pendida por um fio eu consigo lidar com isso, mas não é meu único desafio.
Quem dera se fosse.
Como eu gostaria que fosse.
Porque vê-lo nas aulas de dança é praticamente um teste de qual nível neandertal eu possuo em meu ser.
Ao mesmo tempo em que gosto de fazer aula com ele, vem este azedume, esta horrenda sensação, essa queimação que retorce meu estômago sempre que vejo as brincadeiras de sua turma.
Ok. Eu sei que o Allysson não é o único que se esfrega e nem o único que é esfregado no grupinho, todos se tocam e dançam de maneira sexual entre si, todavia não consigo controlar minhas emoções.
Minha parte racional grita: "Não temos compromisso!"
Mas o homem das cavernas que habita em mim quer afastar Allysson da outra pessoa, essa pessoa geralmente é Gustavo, que nome odioso. Que garoto odioso! Que não somente dança agarrado com o Allysson, é um pervertido que faz isso com todos ali! Definitivamente odioso.
Mas o pior mesmo é controlar meu ódio para com ele, visto que somos parceiros na aula.
Mesmo que minha mente racionalize que não há sentido algum nestes sentimentos idiotas, meu corpo e meu coração persistem em beber deste maldito vinagre.
E, assim como eu, Arthur não está melhor, ou melhor, está beirando o pior.
O fato é que, durante a aula, Renan e Dominik seguem tão próximos que nem durante a pausa para o descanso se desgrudam.
E meu perturbado primo, ultimamente está em um estado de constante mau humor. Mas a pior parte é a forma como ele está lidando com essa situação:
Com Dominik pagando o pato.
Denota-se que, mesmo fazendo apenas 18 graus, o garoto usa cachecol e constantemente blusas de gola alta, para esconder as marcas que o sociopata do meu parente deixa em seu corpo.
É de conhecimento público que estes dois sempre ficaram num jogo de gato e rato, mas graças a frustração de Arthur ao ver Renan com tanto chamego com outro cara, ele finalmente terminou com o jogo e o que eram só transas esporádicas se tornaram recorrentes.
E meu primo matou duas bolas numa tacada só:
Por um lado, desconta todas as suas frustrações de forma sádica no sexo, com um cara que gosta de receber dor.
Ao mesmo tempo em que "pune" o cara que está tocando sua paixão.
É a coisa mais saudável do mundo? Está longe de ser, mas não dá para conversar com Arthur sobre isso e eu nem posso, já que seria muita hipocrisia.
Afinal, claramente Allysson conseguiu derrubar boa parte dos meus muros internos e eu estou enlouquecendo com isso.
Cada pequena ação de Allysson ou desperta um novo sentimento em mim ou estremece os já existentes.
E eu não posso continuar a permitir isso.
Porque me deixar ser influenciado geraria uma catástrofe.
Me agarro a esse pensamento tentando amenizar minha raiva pelo agora.
Mas não adianta muita coisa.
Allysson se aferra a seu tornozelo puxando-o de em contra a seu corpo como se isso fosse fazer com que a dor que deve estar sentindo diminua, Renan praticamente debruçado em cima dele o acude. Em alguns segundos o treinador surge e Allysson é levado para longe da quadra, onde o treinador o auxilia.
Foi só uma falta, algo corriqueiro no futebol, exceto por, é claro, ter sido algo visualmente proposital. O garoto que acertou seu tornozelo no lugar da bola não disfarça ao rir com seus amigos do time, estes que formam um círculo ao seu redor o protegendo de uma possível retaliação nossa.
O jogo segue, ele permanece, recebeu apenas uma punição leve, um cartão amarelo. Meu sangue ferve em minhas veias e sei que não é pela adrenalina do jogo.
Mas não sou um ser irracional.
Ally vai para o banco, percebo, obviamente não me foco nos detalhes já que me mantenho atento a partida. Mas ainda assim consigo notar como a perna que está sendo enfaixada está bem inchada e também como, apesar do clima frio, e mesmo depois de dez minutos parado sem fazer nada, o corpo de Allysson está suado.
Muito provavelmente por conta da dor.
Isso é claro não está me incomodando nem um pouquinho.
Me concentro em fazer os passes corretos da bola, não demora muito para que Renan faça um gol, não que fosse algo de extrema necessidade já que estamos ganhando por uma margem de, agora, sete a três.
Com o final do segundo tempo se aproximando fatalmente, as chances de eles reverterem o jogo com nossas defesas estando tão acirradas é mínima.
Em algum momento eles também constatam isso e resolvem deliberadamente nos atingir ao invés de acertar a bola.
Eles jogam baixo e isso me enerva, mas não há muito que se possa fazer, o juiz não vai parar o jogo, é óbvio. Graças a meus reflexos aguçados, desvio da maioria das tentativas deles de cometerem falta "sem querer", mas o resto da equipe não vai tão bem assim.
Chega um momento que juro ver Renan espumar pela boca, prestes a perder os estribos. Antes que ele pudesse fazer algo que se arrependesse, eu, Marcus e Thales o impedimos.
Segundos antes do jogo terminar, Thales faz um gol. O ódio mutuo pelo time adversário faz com que todos, exceto Allysson, vibrem por ele. O juiz acede mais cinco minutos e o outro time parece vir com sangue nos olhos.
Nada que não posso aguentar.
Porém.
Sempre tem um porém.
Eles levam as coisas para o lado pessoal.
Percebi isso no momento em que o mesmo execrável indivíduo que acertou Allysson pela primeira vez, fez questão de mandar a bola num chute perfeito, tendo meu colega de quarto como alvo.
Dessa vez, mais do que proposital.
Ele estava no lado adjacente de onde Ally se encontra, todos os seus colegas estavam espalhados em direções completamente diferentes a de onde ele enviou a bola.
Em teoria nem faz sentido, falo de forma futebolística, dele ter chutado nessa direção. A menos que seu objetivo fosse o de acertar Allysson, o que de fato era.
— Da próxima vez eu acerto.
Escuto seu resmungar quando ele vê como Allysson agarra o projetil no ar. Este último ri debochado provocando ainda mais o outro, enquanto isso eu tento acalmar minha respiração, afinal não tenho motivos para ficar mais irritado.
— Esse aí não é o cara que quando bebe fica molestando os outros. — Marcus fala com Renan seu rosto e tom revelando o quão puto da vida está.
— Ele mesmo, por isso ele e Allysson não se bicam... — Renan responde, ambos passam por mim sem perceber que eu os ouço.
Por um segundo, minha mente fica em branco. Só de imaginar o infeliz assediando Allysson, sinto como se estivesse bebendo ácido.
— ...numa festa, Ally socou ele quando ele tentou beijar uma menina a força. — Ele complementa e parte da minha raiva esvai ao saber que não foi com Allysson o assédio.
— Além de ser sem noção no campo, é sem noção dentro do campo também.
A fúria fria por ele ser um molestador permanece. E ainda mais intensificada por ele descontar suas frustrações na pessoa errada, durante todo o primeiro tempo houveram pequenas faltas contra meu colega de quarto.
E como se não bastasse, ele acabou fazendo com que ele fosse para o banco.
E tudo isso porque é um assediador?
Quando a oportunidade surge eu não a perco.
A bola vem no alto, com o impulso correto nas pernas vou com tudo para cima e giro no ar, dando uma bicicleta, acerto na bola. Mas essa é só a primeira parte do movimento, aproveitando o peso do meu corpo dou mais um impulso na perna quando caio o que faz com que a pessoa abaixo de mim receba, "não propositalmente", um chute na clavícula antes de eu finalmente chegar ao chão.
É tudo muito rápido, enquanto o carinha que derrubou o Allysson sequer assimila a dor, Renan faz mais um gol e quando finalmente seu sistema nervoso assimila o impacto, já ganhamos o jogo e não há tempo para pausas por falta.
Com a vitória, agora estamos classificados para as inter estaduais, uma competição entre os estados do sudeste com o objetivo de vencer e ir para as inter regionais e ganhar o título nacional.
Enquanto Thales e Renan urram satisfeitos junto ao resto do time, minha consciência pesa.
O que estou fazendo aqui exatamente?
Todos nós temos lados bons e ruins. Por um lado, me regozijo ao ver a felicidade estampada no rosto de Allysson. Por outro lado, fico contente com a euforia dos nossos colegas. Há aquela parte que se sente culpada pelo garoto do time adversário que agora se encontra vermelho feito um pimentão, o mesmo estado que Allysson estava quando foi o acertado. E há aquela pequena e obscura porção do meu peito que sente uma leve satisfação por ele ter provado da própria medicina.
Eu não sou uma pessoa boa, disso eu tenho certeza há muito tempo.
Mas será que sou alguém pior?
O time adversário, após os devidos cumprimentos parte e nós permanecemos. Jogamos "em casa" o que faz total sentido.
Fico por algum tempo no campo reflexionando sobre minhas ações, até que chego à conclusão que mal ou bem, foi o que foi. E que apesar de tudo o que inflou meu ódio foi ele ser o errado da situação e ainda assim ter descontado fisicamente em Allysson.
Sigo então para o vestiário, pronto para trocar de roupa e ir resolver minhas coisas, hoje é sábado e eu posso sair da escola para passar um fim de semana relaxante no meu apartamento.
O barulho horroroso que provém do local para onde me dirijo só piora conforme me aproximo, até que meu campo de visão se amplia e vejo a algazarra. O time de futebol faz um círculo em torno de algo, gritando e se empurrando tentando assistir.
O treinador claramente não está aqui.
E eu não estou no clima, ou com a paciência, de assistir a monos se engalfinhando.
Entretanto, quando vejo Arthur ali no canto percebo que há algo de estranho nisso tudo.
Meu primo, obviamente estava na torcida, mas o que ele veio caçar no vestiário?
Quando vou em direção a ele, o grito de fúria de Thales me paralisa.
— Me larga Lucas!
Franzo o cenho e abro caminho chegando a tempo de ver Renan indo para cima de Thales, uma briga completamente injusta já que Lucas, um dos amigos de Renan, segura os braços de Thales o impedindo de se defender.
Minha cabeça lateja de dor e, com a paciência por um fio, nem questiono nada.
Com um chute que pega na lateral do seu corpo, Lucas solta meu amigo e cai em posição fetal no chão. Um exagero, já que não chutei tão forte. Mas cada um com seus dramas.
— Maksin! — Thales fala extasiado, mas eu cruzo os braços e não movo mais um dedo para ajudá-lo. Somos amigos, mas dadas algumas de suas ações, as vezes foi ele mesmo que provocou a briga.
Gosto de Thales, mas não vou passar a mão em sua cabeça. Então, se eles acham que trocar socos vai resolver qualquer que seja o problema, que se foda, podem brigar, mas que ao menos seja uma luta justa.
— Porque tá se metendo, porra?! — Renan grita jogando Thales para o lado com um empurrão e me olhando de frente. Nariz com nariz.
Estou prestes a afastá-lo de mim e manda-lo a merda quando uma gargalhada estrondosa chama a atenção de todos aqui. Principalmente a de nós dois, nossos olhares furiosos se desconectam quando viramos em direção ao som.
Arthur está em pé, com um tornozelo na frente do outro, o ombro direito encostado na pilastra e os braços cruzados. Uma pose bem slim/arrogante e as roupas em branco e bege reforçam a imagem que ele quer passar.
Meu primo ri vagarosamente e vejo como isso enfurece a Renan.
— Tá rindo de quê, palhaço?
— De você indo para cima de Maksin, quando deveria agradecê-lo.
— O quê? — A pergunta vem de Marcus, outro integrante do grupinho de Allysson.
— Obviamente meu caro Marquitos, não vê como Maksin protegeu a pouca honra que Renan tem?
— Do que você está falando, seu imbecil? — Renan fala feito um animal raivoso.
— Que se Maksin não tivesse impedido Lucas de segurar Thales e você batesse em alguém preso daquela forma, confirmaríamos o que você é de verdade, sabe? Um bunda mole, um covardão, um projeto de moleque que jamais vai chegar a ser um homem, etc. Mas relaxa, como Maksin impediu pode agradecer a ele. Teoricamente, você ser tudo isso permanece como suposição e não como verdade.
— Seu maldito covarde! Porque não vem aqui e fala na minha cara?
— Covarde? Eu? — Arthur coloca a mão sobre o peito e debocha. — Falou o garotinho que não consegue entrar numa briga sem seus amiguinhos de respaldo.
— Estou falando para você vir aqui e falar direto comigo.
— Ah Renan! Tantas pancadas amoleceram o que restava do seu cérebro? Não está vendo que já estou falando direto com você?
— Seu filho da puta! — Renan rosna e vejo como seus olhos estão ficando avermelhados. — Você tá cheio de si dando esse discursinho de merda, mas não passa de uma cópia fajuta do Maksin. Você só enche a boca para falar, mas nunca vai ser ele.
"Mas nunca vai ser ele"
Essas palavras reverberam em mim e nele, o choque transpassa minha espinha enquanto observo a reação de Arthur. Pelo olhar magoado que surge em seu rosto, Renan sabia como isso iria atingi-lo e soltou isso propositalmente.
O problema de quando Arthur se magoa, é que normalmente ele faz o possível para retribuir duas vezes mais. Então assim que abre a boca, sei que vem uma enorme enxurrada de merda em cima de Renan.
— Maksin costuma ser caridoso, já eu evito me envolver ao máximo com a ralé, imagina com a sujeira dela? — Seu olhar de superioridade só dá mais ênfase na arrogância que ele tenta impor na frase. — Não, não, não. Seria muito azar tocar em você, mesmo que eu tomasse cem banhos ainda estaria sujo.
Enquanto vários "uhhhhhh" típicos de adolescentes ressoam pelo local, eu lanço um olhar atravessado para Arthur. Não sei o que esses dois estão arrumando ou até onde estão se envolvendo, mas isso está começando a ultrapassar os limites. Não que eu me importe com Renan, mas o que Arthur disse foi bem baixo, subterrâneo aliás, se bem que o que Renan disse também foi.
Nunca é decente brincar com as inseguranças das pessoas.
Arthur odeia sem comparado comigo. Infelizmente ele sempre foi, desde quando era criança. E durante um tempo ele teve sim essa necessidade de me imitar e se envergonha disso até hoje. Lembrar ele disso é o mesmo que lembra-lo "que ele nunca vai ser bom o suficiente".
— Vai se foder! — O grito não vem de Renan, já que este parece ter entrado em estado de choque, com uma expressão tão magoada quanto a de Arthur outrora, mas sim de Allysson que parece tão furioso que, mesmo mancando, parte para cima de seu objetivo.
Antes que ele chegasse perto do meu primo, o agarro por sua cintura e o afasto de um Arthur com feições de claro arrependimento.
— Me larga Maksin!
— Não vou deixar você bater nele, caramba. — Mesmo que ele tenha sido um babaca, Renan também foi (e some isso as várias outras vezes). — Essa briga não tem nada a ver com você.
— Mas é claro que tem, Renan é meu amigo!
— E Arthur é meu primo!
— Primo? Como assim primo? Desde quando vocês são primos?
— Desde que ele nasceu. — Eu sou o mais velho, oras. Por poucos meses.
— Mas isso...
— Calem a boca! — Renan ruge há alguns passos de nós, depois vem correndo com o punho cerrado levantado parecendo um touro bravo.
Essa escola me faz questionar se a evolução do ser humano com a escrita e fala realmente foi necessária, tendo em vista que tudo aqui se resolve nos punhos.
Mas pelo amor de Deus no Renan, se eu tenho problemas de controle de raiva esse cara aí deve estar bem pior, ele não tem um grama de autocontrole.
Seu alvo é o Arthur e sabendo como o imbecil do meu primo apaixonado é incapaz de se defender, somado ao fato de ele estar se sentindo culpado por ter sido um merda. Ponho-me na frente para defende-lo.
O foco dele se torna eu, mas no último segundo do impacto chegar até mim e eu imobiliza-lo um grito de "Pare!" e um corpo se colocam entre nós dois. E Allysson cai contra mim, seguro a nós dois impedindo que caiamos no chão.
O filho de quenga do Renan pode não ser o mais habilidoso, mas é forte pra caramba.
— Allysson! — Esbravejo com raiva e preocupação virando seu rosto na minha direção, vejo como na linha baixo dos olhos a pele já começa a tomar uma coloração avermelhada e arroxeada.
— Aí! Puta que pariu! Isso dói, inferno! Merda, eu só queria dizer pro Renan parar. — Ele fala entre resmungos de dor. — Porra, acho que hoje eu acordei para ser saco de pancadas.
— Você não devia ter entrado na frente. — Um Renan ainda puto da vida fala.
— Se você acertasse o Maksin ele poderia retribuir e aí você taria ferrado, me agradece depois, ok? — Ele fala se desvencilhando dos meus braços e relutantemente o deixo ir.
— Allysson tá certo. — Quem fala é o Marcus, chegando perto e encarando a todos nós. — Essa discussão toda não vai levar a nada e você não pode sair socando todo mundo Renan. Vamo embora.
Dito isso ele segura os dois, Renan e Allysson, pelos braços e os arrasta para longe de forma grosseira. Lucas os segue, não sem antes lançar um olhar de ódio para mim e para Arthur.
Quanto a este último, nós dois trocamos um olhar sério e, passando a mão com frustração na cabeça, Arthur concerne.
— Vamos para o seu quarto.
— Pode me explicar o que foi aquilo?
Pergunto assim que a porta se fecha atrás de nós. Arthur ignora meu questionamento, vai em direção a minha cama, se joga nela, em seguida pega um travesseiro, coloca em frente ao próprio rosto e grita.
Assim que ele se acalma e retira o travesseiro do rosto, ergo a sobrancelha repetindo silenciosamente a pergunta.
— Eu e Renan tivemos um momento há algum tempo e eu acabei contando um pouco da minha infância... os detalhes não importam. Um assunto levou ao outro.
— E aí você revelou que seus pais viviam nos comparando?
— Sim. Ele foi legal e disse que eu era o melhor sendo eu, que não precisava me comparar com você e aí hoje ele foi um babaca e... eu fui um babaca e, porra Maksin! Porque eu não consigo simplesmente odiar ele?
— Porque você é um sadomasoquista.
Isso arranca uma risada de escárnio dele.
— Tem razão. — Ele suspira fundo fechando os olhos, mas isso não é o bastante.
— Então... quando foi que vocês ficaram?
Minhas palavras fazem com que seus olhos abram arregalados.
— Como foi que?
— Não costuma se envolver com a sujeira da ralé? Eu peguei o duplo sentido da frase e pela forma como Renan reagiu você deu uns dois socos psicológicos nele, não só um.
Imagina escutar do cara que você ficou que você é "sujo". E Renan não vai entender isso como referido a personalidade dele e sim pela sua pobreza.
— Eu fui tão escroto.
— Foi um pouco mais que isso, mas Renan também é, então foda-se ele.
— Ele nem sempre é ruim.
— Jura?
— Bom, nós ficamos Maksin, você tá certo, só que...
A frase é interrompida quando a porta é aberta e um maltratado Ally entra por ela. Seu olhar detido em mim se transforma em algo intensamente rude ao passar para Arthur.
— Não quero você no meu quarto.
Arthur se ergue da cama, sinalizo com minha linguagem corporal que ele pode me mandar mensagem mais tarde e seu menear de cabeça antes de ir em direção a porta indica que compreendeu e fará.
Antes que ele vá corredor a fora ele olha para Allysson.
— Me desculpa.
— Não deveria se importar em se desculpar com a ralé. — É não dá para esquecer que uma parte da frase englobou todo o grupo deles.
— Olha, eu... — Arthur começa, mas percebe que não adianta muita coisa, pois murmura outro sinto muito antes de sair.
O silêncio reina no quarto por alguns instantes. Allysson me olhar receoso e, mesmo de longe, eu avalio seus machucados.
— Você tem uma péssima escolha para amigos. — Ele fala após segundos me observando.
— Você deveria se sentar. — Rebato, vendo como ele claramente se obriga a se manter de pé ao invés de descansar.
Isso arrancar um bufar dele e seus olhos me escrutinam, mas me recuso a falar mais do que o já dito. Ele analisa meu rosto, bufa mais uma vez e depois caminha até sua cama se sentando. Mesmo com a cara contrariada, vejo o alívio em seu rosto com o ato e como seus músculos enrijecidos relaxam.
— Feliz? — Ele pergunta debochado.
Mas não respondo ao seu deboche, ao invés disso digo:
— Dentre todas as pessoas da escola, você é uma das últimas que poderia julgar minhas escolhas de amizade.
— Isso é absurdo.
— É a verdade. — Falo com frieza e ele reage com tal fúria que se ergue rapidamente da cama, apontando o dedo em minha direção.
— Arthur foi um capullo.
— Desta vez ele foi um capullo, mas Renan também foi um. — Defendo, com a injúria do meu primo ser comparado a aquele ser retorcendo meus órgãos. — E Renan não foi um imbecil só dessa vez, ele sempre é.
Desafaço a distância entre nós dois e pressionando a mão em seu ombro, faço com que ele volte a se sentar na cama. Allysson me olha ressentido, mas por suas bochechas ruborizadas vejo que não detestou por completo.
— Renan tem seus motivos.
— Arthur também. Então há de se convir, mesmo que a pessoa tenha seus motivos isso não vai fazer com que suas ações ou palavras sejam menos parvas.
— O que caralhos é parvo? — Quando abro a boca para responder ele interrompe com um gesto. — Quem se importa... vamos para de discutir sobre nossos amigos, isso não vai levar a nada.
Isso me arranca uma risada genuína e Allysson me encara com estranheza, sua expressão confusa me pedindo por uma explicação.
— Não, é só que eu e Dani tivemos uma conversação similar há um tempo. — "Sobre você", mas não completo, deixo subentendido.
— Ah sim, até suponho de que se tratava. — Allysson complementa risonho e meu coração se aquece.
Por podemos falar livremente dessas coisas.
Por sua reconciliação com Daniel.
Por ele parecer mais feliz ultimamente.
— Para de me olhar desse jeito. — Ele fala constrangido, mas vejo uma pitada de malícia exalando em seu ser.
Uma explosão de vergonha torna meu rosto vermelho feito pimentão. Não faz falta perguntar que tipo de olhar.
Se ao menos fosse sexual e não um perdido por ele. Talvez eu não me envergonharia tanto.
Por Deus! O que eu estou arrumando para minha vida?
Sem olhar para trás, marcho dali até o banheiro e relaxo contra a água fria tentando manter minha mente livre de Allysson. Não preciso dizer que não funciona muito bem, mas pelo menos dá certo o bastante e quando eu saio sinto que meu raciocínio flui mais lúcido.
Volto para minha cama, mas a figura retorcida do meu colega de quarto faz com que eu estaque no caminho e retroceda até ele.
Allysson está lívido, com os olhos marejados e com a respiração entrecortada, seu celular pende entre seus dedos e rapidamente vai ao chão sem que ele note.
— Allysson... — Sussurro preocupado e só aí ele parece notar que eu voltei para perto dele, suas mãos, num gesto automático, se agarram com força a meus braços.
Elas tremem e inevitavelmente eu puxo seu corpo contra mim e o abraço. Mantenho-o assim até que sinto como seu coração volta ao compasso natural como sua respiração flui melhor, como seus tremores aos poucos se desfazem.
Sei bem como Allysson não gosta de expor "essas fraquezas" então não tenho ideia de como vai reagir assim que se acalma, mas quando estou prestes a deixa-lo ir é ele quem me aperta contra si, inspirando profundamente em meu pescoço antes de recostar a cabeça ali.
— Eu não quero ficar aqui hoje. — Sinto o receio em sua fala e ele hesita um pouco antes de continuar. — Eu quero ir para outro lugar.
Ele poderia ir para outro lugar com qualquer outra pessoa, com qualquer um de seus amigos. Mas ele pediu para mim e embora eu saiba muito bem que ir com ele vai contra tudo o que minha razão pede, eu não consigo dizer não para ele.
Não quando sei que isso vai fazer com que ele fique mais feliz.
— Podemos ir passear e depois a gente passa a noite no meu apartamento.
— Obrigado. — Ele diz relutante e imagino que seja suas barreiras contra mostrar a própria fragilidade finalmente florescendo. — Vou só pegar umas roupas... e meu celular, aí a gente chama o uber.
— Já chamei.
— Quando? — Ele pergunta surpreso.
Meu corpo reagiu antes que minha mente e no momento em que ele disse que não queira ficar aqui eu já havia pedido o carro. Em pensar que eu ainda fiquei martelando sobre ir ou não ir, sendo que ao fim e ao cabo eu iria de qualquer jeito.
— Não importa, ele vai chegar é melhor descermos para os portões, eu ter empresto uma roupa. — Enquanto falo, recolho o celular no chão e entrego para ele.
— Tudo bem. — Ele sequer protesta, um novo sorriso surgindo em seu rosto.
Uma pontada de felicidade preenche meu peito que, por sua vez, queima de raiva e preocupação. Não houve segundas intenções minhas ao recolher o objeto do chão, mas ainda assim eu sem querer vi um vislumbre da tela.
"Alejandro".
O motivo do ataque de pânico de Allysson.
✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨
Quem diria... Alejandro outra vez. O que será que ele fez agora?
No próximo capítulo haverão algumas revelações bombásticas (ou não kkkkkk).
Mas o que vocês estão achando da relação do Allysson e do Maksin? Sei que não tem relação oficial kkkkkk, mas tô com medo de ter evoluído rápido demais kkkkkkkk.
Enquanto Renan e Arthur... meio complicado saber que há um futuro romance entre eles, né? KKKKKKKKK. Eles sim tem (e terão) um verdadeiro enemies to lovers.
Aliás no próximo capítulo revelo o nome do meu próximo livro.
Enfim, chegamos a um ponto onde quase todos os segredos de Allysson foram revelados, mas como viram no início do capítulo, ainda há um buraco a ser preenchido na história do Maksin.
O segundo arco logo chegará ao fim e...
Espero que estejam preparados para sofrer um pouquinho mais no terceiro e último arco dessa história.
Beijos e até a próxima. 🥰
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