Capítulo 28 _ Maksin


Oiii de novo! 

Gostaria de começar este capítulo mostrando o desenho maravilhoso que adquiri na lojinha do ProjetoSirius , feito com carinho pela Fernanda_Franco936. Ficou muito lindo e é uma das representações Ally x Maks. 

Aliás o quadro acima, se chama "Meu Limão" é da Beatriz Milhazes e um dos que recorda Ally quando Maks o vê.


🧡💛💚💙💜🧡💛💚💙💜


Apenas quando estou finalizando a mesa de jantar, ouço os passos receosos de Allysson. Ele surge da porta do quarto, com bolsas levemente avermelhadas embaixo dos olhos, o rosto inchado e marcado pelo lado em que dormiu no travesseiro tal como os cabelos cacheados que se encontram amassados.

Por alguns segundos ele se escora no batente e boceja, me fazendo bocejar também, com aquela leve torpeza causada pela sonolência, seus olhos viajam pelo lugar, mirando todas as coisas do apartamento antes de recaírem sobre mim.

— Maksin, que cheiro é esse? — A pergunta vem seguida do roncar de seu estômago e eu contenho um sorriso. Pelo visto foi isso que te acordou.

— Caldo de abóbora. — Dez segundos depois o respondo, a demora obviamente é causada por uma batalha comigo mesmo sobre contestar uma pergunta que, apesar de simples, tem muito peso para mim.

Mas enfim, decido ser coerente com minha anterior promessa.

Só por hoje.

— Caldo de abóbora? — Ele repete a frase e ignoro o tom de pergunta, já que se trata de uma reação comum que ele sempre tem.

Como se precisasse repeti-la para entender seu significado.

Dou as costas para ele, voltando minha visão para o fogão e, com uma concha, sirvo a comida em duas cumbucas para em seguida leva-las à mesa. Sendo que, esta última, há muito, já está devidamente posta.

E com devidamente posta quero dizer: literalmente montada, meticulosamente organizada, exageradamente ajaezada, descomedidamente nímia.

Não sei o que deu em mim para a enfeitar tanto. A primórdio, usei velas, algumas aromáticas e coloridas, até que peguei o castiçal (este que até pouco tempo chamei de inútil) e posicionei de forma a deixar tudo mais elegante. Só nisso ela ficou bonita, mas já não era o bastante.

Coloquei um forro de linho em tom creme, complementei com guardanapos do mesmo tecido, embora em tons mais escuros que se encaixaram impecavelmente, ainda mais  quando os finalizei com um anel de madeira escura.

Basicamente, usufruí de todas as regras de etiqueta que aprendi com minha avó.

Ainda recordo que, na época, ela afirmara contundentemente que um dia eu as usaria com alguma garota, de todo errado ela não estava.

Aproveitei e estreei os sousplats bordados a mão que minha dita cuja predecessora tinha me presenteado, tal como os pratos de cerâmica (também artesanais). Todos foram postos na norma básica: souplast, prato principal, prato de entrada e por cima a tigelinha de caldo.

Ao lado foram devidamente organizados os talheres, em sua ordem especifica, os garfos, as colheres e as facas. Também obviamente foram colocadas as três taças, uma para água e duas para vinho, sendo uma para vinho tinto e a outra para o branco.

Ainda montei, em uma bandeja de madeira limada, um conjuntinho de entradas que combinam com o prato servido. Uma variedade notável de pães, queijos, presuntos, geleias e salames. Ainda que geleia e sopa não são exatamente um conjunto decente, a primeira é uma perfeita entrada, por isso também agreguei frutas secas como damascos e figos. Além disso adicionei em potinhos de porcelana, guarnições de torresmo, bacon, cebola crispe, cheiro verde, etc.

Tudo isso já era uma bela visão, mas o que de fato se destaca são as flores.

Quando fui ao supermercado comprar os ingredientes não estava exatamente nos meus planos passar de frente pela floricultura (que aliás sempre passo, mas nunca me antes me chamara atenção) e ser hipnotizado pelas flores da entrada.

Normalmente, sua fachada é recheada de rosas e nada contra, são belíssimas flores, mas apenas isso. Belas. Contudo, dessa vez não consegui tirar os olhos.

As cores lembravam tanto a energia de Allysson.

Girassóis, de um amarelo vibrante.

Gerberas de um laranja fulgurante.

Astromélias, rosas e brancas, parecendo tão puras e delicadas.

Rosas vermelhas e champanhes, em tons beirando o luzente.

Íris azuis e violetas, em cores pulcras e intensas.

Todas tão diferentes entre si, mas a dona Rosa da floricultura fez três arranjos tão lindos que não consegui não as trazer. Agora vendo-o perto delas não posso me arrepender já que combinou muito com ele.

É ridículo o tanto que já estou apaixonado por ele.

— Sente-se. — Aponto para mesa e Ally faz bem devagar, mais uma vez observando todos os detalhes tão rápido que, com a forma que seus olhos se movem, não sei como não fica tonto.

— Você caprichou, hein? — Sua voz sai em sussurro que mistura surpresa com empolgação, seguido isso ele solta mais e mais comentários animados.

Relego o aquecer que recai sobre meu peito ante a sua reação.

Sem deixar de falar, ele tamborila os dedos sobre a mesa, mexendo nos pães, no torresmo frito (que tive que escolher a dedo no açougue para não vir só gordura), nas pequenas vasilhas com as guarnições. E um sorriso quase desponta nos meus lábios quando vejo a cena, mas me contenho, pego a sopeira ainda fumegante e ponho sobre o descanso de madeira.

Sentamos frente a frente e eu por um instante me permito observar sua apreciação, é satisfatório ver como seus olhos brilham mais contra a luz das velas, ou como seu sorriso aumenta gradualmente a medida em que vê algo que o agrada, ou simplesmente gosto de admirar como os cachos desfeitos de seu cabelo agregam um ar de inocência em suas feições e o tornam ainda mais atraente. Mas é apenas quando nossos olhares se encontram e um frio se apossa do meu estômago que resolvo quebrar seu monólogo e meus devaneios.

— Vai querer o caldo?

— Sim, está cheirando muito bem.

— Cebolinha? Torresmo? Bacon? Calabresa? — Vou perguntando e à medida que ele responde sim, acrescento um pouco de tudo em seu prato.

Allysson encara com estranheza a ação e eu mesmo não me compreendo, mas cumprindo minha palavra de não me questionar sobre ele (ou o que faço por ele) ignoro os pensamentos invasivos e me permito sentir aquela pontada de felicidade corriqueira que ocorre sempre que o garoto a minha frente abre um de seus sorrisos com covinhas.

— Que cavalheiroso.

A forma um tanto quanto maliciosa com que fala, fisga meu peito, minhas partes baixas e me faz enrubescer. Disfarçando meu rosto, sirvo o que eu quero a mim mesmo enquanto o ouço quase choramingar de prazer quando prova a comida.

— Isso é tão boooom. — Ele sorri, como sempre alonga as palavras. — Não sabia que você sabia cozinhar.

— Não sei, não muito.

— Mas isso aqui é tão bom, como pode dizer que não sabe cozinhar? — É engraçado como ele tenta falar tudo entre seu engolir e a próxima colherada.

— Saber cozinhar um único prato, não é o mesmo que saber cozinhar. — Respondo para, em seguida, começar a comer também.

— Hum, e porque você só sabe cozinhar um único prato? — Mais uma vez a pergunta que pode levar a contextos pessoais demais.

— Porque esse é o legado do lado Beaumont da família.

— Legado? — Dessa vez o tom foi o de quando ele não reconhece, ou não lembra, o significado da palavra. Conhecendo-o, é melhor falar de uma vez a história do que ficar explicando o vocábulo.

— Bem, era outra época e comumente para tal, minha bisavó foi negociada por meu tataravô a se casar. Seu marido, meu bisavô, era um Beaumont. Assim ela acabou sendo uma prisioneira de todas as tradições da nova família. — Conto como se fosse um conto, a pequena história passada de geração em geração. — Teresa, este era o nome dela, não conseguiu manter nada de sua antiga família, nem sequer o sobrenome, exceto por uma coisa: o caldo que sua mãe fazia para ela quando ela estava triste.

— Então é uma sopa para a tristeza? — Sua pergunta só vem quando eu termino, já que enquanto eu falava ele mantinha os olhos levemente arregalados e parecia manter total foco em minhas palavras.

— Basicamente, bom, Teresa ensinou minha avó que ensinou meu pai que me ensinou. Na infância toda vez que estava chateado ele fazia isso e eu ficava mais contente só por compartilharmos o momento. — As palavras saem um tanto quanto nostálgicas e eu continuo de forma tão natural que até me surpreendo de mais cedo estar hesitante de falar sobre este prato. — E então eu fui crescendo, os problemas no casamento dos meus pais também e, de repente, me vi fazendo esta comida para ele, várias e várias vezes. Me tornei um especialista.

A todo momento observo suas expressões, de fato são interessantes, principalmente como ele muda de um polo a outro em questão de segundos. No iniciar seu rosto transparecia felicidade, no findar tristeza.

— Sinto muito.

— Não precisa sentir, não é como se ele fosse um mal pai, está bem longe disso, ele está lá para tudo o que eu preciso e sei que é a única pessoa que vai me apoiar e amar incondicionalmente. Ele tem seus momentos de fraqueza, mas quem não tem? Antes de ser pai ele é um ser humano também e eu não preciso que ele seja meu herói cem por cento do tempo.

— Tem razão, mas uh, sem querer ofender, ele não tem vergonha de chorar na sua frente? — A pergunta sincera e sem maldade quase arranca uma risada, não a contenho de todo e Allysson olha para mim embasbacado antes que eu o responda.

— Bem, não. Meu pai e meu tio sempre foram muito sensíveis, isso é por causa da minha avó que apesar do temperamento forte sempre os protegeu e mimou muito, no fim eles não lidam muito bem com os sentimentos ruins. — Dou de ombros, continuando. — Cuidando dele, no fim, acabei ficando bem mais independente e isso me alivia. A ideia de ser totalmente dominado por meus sentimentos é meio desagradável.

Allysson sorve o líquido com delicadeza, parando com a colher na boca e me observando languidamente.

— Aposto que sua bisavó era como seu pai. Deve ser um lance de pular geração pôr geração.

Dessa vez não contenho a risada.

— Deve ser isso mesmo.

— É tão estranho ver você rindo assim abertamente perto de mim. Gosto disso. — Ele fala praticamente murmurando, mas quando vê que eu o escuto, seu rosto escurece, corado, e ele muda de assunto. — E sua mãe?

— Minha mãe, está sempre viajando, quase nunca a vejo.

— Ela não é uma boa mãe?

— Depende do que se caracteriza. Ela nunca esqueceu um aniversário meu e se lembra de tudo que eu gosto, em suas voltas sempre costuma me trazer algo novo, vez ou outra é um professor de artes marciais. — Sua expressão curiosa vacila na minha segunda frase. Porque exatamente?

— Um professor?

— Sim, a primeira vez foi quando ela voltou da China trazendo um mestre em Kung Fu. Meu pai quase surtou.

— Você parece ter bons pais. — Ele fala genuinamente feliz, não há pontada de tristeza ou amargura em sua voz, apenas a frase que me pega.

Não é: Seus pais são muito da hora.

Ou: Queria que minha mãe fosse mais assim.

É uma constatação como se isso fosse algo fora da realidade.

— E o seus? — Pergunto o que sempre quis saber e ele enrijece.

— Bem, minha mãe morreu. E meu pai bem... eu fiquei sem ver ele por quatro anos e ele não sabe muita coisa de mim, nem as mais importantes, como, por exemplo, que eu posso morrer se eu comer uma barrinha de chocolate com amendoim.

A primeira parte não é novidade, mas a última informação me pega de surpresa. 

Finalmente o quebra cabeça dos ocorridos de hoje se encaixa na minha cabeça. Qual é o exato problema dessa família? Pai, irmão, avô... não é atoa que Allysson se tornou o que é. E não é de hoje suas feridas, não consigo dimensionar o quanto ele deve estar magoado. 

Aquele chocolate... que espécie de monstro não sabe o mínimo sobre o filho?

— Foi ele quem você viu hoje? — Pergunto olhando em seus olhos, controlo meu tom de voz para que saia sereno, embora empático. Não desejo demonstrar o quanto sua tristeza abalou meu coração. 

— Como você sabe?

— Eu apenas associei os fatos.

— Ah, entendi. — Ele remexe o caldo, parecendo desanimado, mas quando sorve dele seu rosto se ilumina. E isso remexe com meu interior.

Allysson não é dado a falsidades, ele é sempre tão expressivo que não sei direito como interpretar isso. Se é pela história, talvez seja um efeito placebo:

Ele acredita que consumir a comida o fará mais feliz, por isso fica genuinamente feliz.

Já a segunda... "Eu gosto de você". As palavras ressoam em meu ouvido outra vez, como se ele as pronunciasse agora. Se esta mudança de expressão é por causa disso, então...

Sinto meu rosto se avermelhar só de considerar a possibilidade.

— Quer falar sobre isso? 

— Não nesse momento. — Apesar de dizer isso, logo ele prossegue  e parece tão afetado pela situação que sua voz se torna gradualmente mais agitada. 

— Sei lá, é tão estranho, para ele sempre foi ele, entende? É Deus no céu e a carreira de Hernando Gonzales na terra, acima de tudo e de todos! Nada que pudesse envergonhá-lo passava em branco. Foi por isso que ele expulsou meu irmão de casa.

Apenas escuto, sem opinar. Pelo visto Alejandro tem suas dores, mas ainda continua um infame merdinha para mim. Além do mais Allysson parece estar em outro mundo, um em que ele apenas quer botar tudo isso para fora.

Mi madre y yo fomos os próximos, éramos imperfectos para sua carrera como gobernador num estado de extrema homofobia y grande conservadurismo, pero ahora que ele quer ser presidente, necesita intentar complacer a todos. E graças a la evolución humana, metade de los estados discordam de su anticuado punto de vista e él tiene que mejorar su imagem. Y AHORA ME NECESITA!

Ele soa cada vez mais revoltado, mas sempre muito entristecido.

Fueran años, anos sem que hablasse conmigo, sin siquera se esforçar em mantener uma conversación. No teniámos toques afetuosos, nada, nin siquera cuando mi madre murióTan solo indiferencia. ¿ Pero, de repente, le sirvo?

As palavras saem acompanhadas de bruscos gestos, como se pare ele fosse insuficiente dizê-las, se nota sua necessidade para expressá-las com tanta frustração.

— ¡Él ni siquera parapadeó duas vezes antes de entregar mi tutela a mi hermano, pero ahora surge de qualquer buraco e exige quitarle mi custodia ! Joder, ¡ tengo dicienueve años! ¡Eso siquera es possible! Él jodido ni sabe mi edad.

No início ele até estava tentando consumir o caldo, mas agora já deixou de lado, concentrado em sua dor. 

¡Ahora está tratando de convencerme de ir con él, para que vea la importancia de toda esta mierda! ¡ Qué ande al carajo! ¡Mi hermano estaba ahí, no él! ¡Mi hermano! Tengo mis problemas con Alejandro, pero si tuve algún padre fue él. Hernando no puede aparecer de la nada y decir lo siento, darme una barra de chocolate y fingir que somos una familia feliz. Él no puede. ¡Nosotros no lo somos! ¹

Quando termina de falar está ofegante e furioso, de uma forma bem diferente a que eu estou acostumado. Allysson está revoltado e muito justamente. Que tipo de indivíduo pode se considerar pai de alguém quando nem sabe sua idade? Ou suas alergias? 

Vendo-o tão frustrado, tão perdido, tão raivoso. Faço a única coisa que não me imaginei fazer, o abraço.

Tento não focar na sensação cálida que é tê-lo entre meus braços, mas é praticamente impossível. Allysson se encaixa perfeitamente ali, seu rosto de encontro a meu peito e seus braços envolvendo minhas costas. Sinto o macio que é seu cabelo e como sua pele parece quente em contraste com a minha, reconheço as batidas de seu coração, aceleradas, e as sinto gravadas para sempre em minha mente, tal como seu odor ou o suspiro que dá em minha camisa antes de erguer o rosto ruborizado em minha direção. A expressão é tão vulnerável e confusa que me perco.

Me perco no que faço. Estou lhe consolando ou estou gostando demais da situação? Não que eu não tenha odiado, com cada grama de meu ser, o pai de Allysson. Não que eu não tenha detestado seu sofrimento. Entretanto o súbito conforto que é enlaça-lo me faz sentir culpado, tal como a felicidade que me aflige à medida que vejo sua tristeza se esvair simplesmente por estar comigo.

— Desse jeito todas as reservas de água do mundo secarão.

— O que? — Pergunto sem ter certeza de ter escutado direito.

— Sim, isso aqui. — Ele meneia com a cabeça indicando onde nossas peles se tocam. — Deve incumprir umas sete leis do universo.

Isso quase arranca uma risada minha, com delicadeza nos solto deste abraço e falo, apenas para não perder a pose:

Incumprir, não existe no dicionário da língua portuguesa.

— Existe na espanhola. 

— Não, não existe. — Eu sei disso porque também falo espanhol.

Sua resposta para mim, é um mostrar da sua própria língua e sinto a minha própria dançar enquanto pensamentos invasivos e descabidos do que fazer com aquela atrevida língua de Allysson viajam por minha mente.



Depois que terminamos de comer, organizei tudo na lava louças e seguimos para a sala, com a bandeja de aperitivos que meu convidado fez muita questão de levar. Adjunto a isso vieram três garrafas de vinho que ele também foi bem enfático em pedir. Por fim, Allysson tomou a liberdade de se jogar no tapete e ligar a televisão, embora passou o tempo todo falando sobre vários assuntos aleatórios, até que:

— Que tal jogarmos verdade ou consequência?

O não que estava na ponta da minha língua morre assim que analiso a empolgação em seu rosto e ao invés disso falo:

— Ok.

Uma das garrafas vazias é centralizada no meio do tapete, sentamos um de frente para o outro e Allysson mal se contém em seu lugar, em sua típica agitação natural.

— Ok. Eu começo a girar.

Num movimento fluido a garrafa gira pelo tapete até parar na minha frente.

— Verdade ou desafio, Maksin? — Ele pergunta com um sorriso astucioso brotando no rosto.

— Desafio.

— Te desafio aaa... beber uma taça de vinho inteira em trinta segundos.

Franzo as sobrancelhas, confuso e meio decepcionado. Isso não é bem a cara de um desafio, talvez fosse um se a bebida fosse refrigerante, mas ainda que fosse, não parece ser muito a cara do Allysson.

Cumpro facilmente o que foi proposto e desta vez giro a garrafa, a ponta dela aponta para o Allysson, então desta vez é minha vez. Para seu infortúnio ele escolhe verdade.

— Qual foi a pior coisa que você já fez?

Sua expressão chega a ser cômica, ele arregala os olhos como num filme de comédia e depois balança a mão em frente ao rosto, se abanando como se subitamente sentisse muito calor.

— Você realmente pega pesado, hein. — Ele ri meio sem graça, bebe uns dois goles de vinho e hesita mais um pouco antes de responder, por fim. — Transei com um professor.

Porque isso não me pega de surpresa?

Diferente de certa pessoa que conheço não sou ciumento sobre o passado das pessoas por quem nutro afeto romântico, embora vergonhosamente devo admitir que posso sentir o maldito ciúmes caso o passado ainda seja presente. E, pouco me contendo, questiono:

— Qual?

Mais uma vez a surpresa cruza sua expressão antes dele converte-la em malícia, se inclinar sobre a garrafa, aproximando seu rosto de mim. Por um curto instante, corto a respiração, não notável o bastante para que ele perceba, Allysson fica mais um tempo perto demais antes de se atirar para trás girando a garrafa ao mesmo tempo que solta:

— Uma pergunta por vez, baby.

Quando aquele pedaço infeliz de vidro para de girar, por crueldade do destino, a maldita ponta está apontada para mim e quando escolho verdade, a pergunta sai singela:

— E você? Qual foi a pior coisa que já fez?

A reposta, muito amarga, sai rapidamente. Tal como o arrancar de um band aid.

— Fui preso depois de quebrar a coluna de um garoto. — As palavras  duras e difíceis, lhe arrancam um ofegar horrorizado e, de mim, a necessidade de me justificar. — Ele não era exatamente uma boa pessoa, poderia até chama-lo de cruel, mas o que eu fiz nunca terá justificativa, não importa os motivos. Ele se recuperou, não cheguei a romper a médula, mas ainda não parece o bastante. E foi por causa disso que eu comecei a fazer terapia de controle de raiva e entrei no mundo das artes marciais.

— Não foi o mundo das artes marciais que te meteu nessa?

— Não exatamente, mas foi com a disciplina dele que eu aprendi a me conter e a ser razão e não emoção, a conhecer minha própria força sem me ultrapassar ou exagerar e a escolher minhas batalhas. Além disso meu descontrole foi culpa minha e só minha, não se trata das ferramentas e sim do usuário.

— E o que o garoto fez? Como é a cadeia? — Ele pergunta bem menos chocado e muito mais curioso e isso trás um pouco de felicidade em meio as ácidas lembranças daquela época.

Uma em que eu era movido apenas pela raiva e desespero.

Onde minha mente era um total caos.

E eu só queria culpar alguém pela morte dela. É claro que acabei me engalfinhando com o cara que não só mais a atormentava como foi o que fez questão de levar toda a escola a fazer o mesmo. Como se brigar com ele fosse trazê-la de volta.

— Só uma pergunta por vez, não é mesmo?

Ele está prestes a protestar, mas ao invés disso ele cruza os braços e bufa injuriado. Rio com ele, mas realmente não estou disposto a falar sobre meus percalços com Maria Antonieta e afins. Erros são erros e, ainda que não tenham redenção, deles vem o aprendizado.

Giro a garrafa que cai sobre mim de novo, Allysson ri mas se decepciona quando escolho desafio. Porém, parece que tão rápido como vem o sentimento se esvai, assim que me desafia a dançar.

A dançar funk.

Não é exatamente meu tipo de dança. 

Na verdade, nenhuma dança é meu tipo, sou muito bom nas clássicas porque minha avó fez questão de me ensinar, mas no geral não tenho apego algum as outras. Ainda assim, cumprindo com o dito, eu danço o que algumas risadinhas de Allysson e uma frase que chega a esquentar minhas orelhas:

— Como mesmo desengonçado cê consegue ficar tão gostoso?

Paro imediatamente, um pouco avermelhado, admito. E finjo que não escutei. Giro a garrafa que malditamente cai sobre mim e, dessa vez, sou desafiado a imitar um gatinho. Valha humilhação! Felizmente na próxima cai nele e, com tanta empolgação, Allysson acaba se esquecendo sobre minha pergunta e escolhe a verdade.

Mais ansioso do que estou disposto a admitir para mim mesmo, faço a pergunta.

— Bom, foram dois na verdade, um deles até foi expulso da escola porque o caso foi exposto para todo mundo. Levei trinta dias de suspensão. E quanto ao outro, é bem... o treinador.

Isso me pega de surpresa, contudo antes que eu pedisse mais detalhes importantes, que de qualquer forma imagino que ele não daria, Allysson gira a garrafa que para nele.

Bobo ele não é, escolhe o desafio. 

Deveria desafiá-lo a me dar mais detalhes?

Só que isso seria estupidez e insensatez.

Contudo, minha mente ainda em choque não consegue a criatividade necessária para formular um bom desafio. Treinador. Como?

Mas não posso deixar esses questionamentos me tirarem da linha. Afasto o racicínio sobre isso e deixo a emoção se esvair, embarco de corpo e mente na brincadeira e isso me recorda que desta vez é minha hora de me "vingar".

— Dance funk. — Para mim. Completo em minha mente.

Allysson nem questiona, aliás a expressão de deleite que cruza seu rosto me indica que isso não foi bem uma vingança. O que de certa forma, só torna tudo melhor. Vejo como ele se ergue em um pulo e remexe os quadris num ritmo característico do estilo musical. E mesmo sem os toques, fico absorto em seus movimentos.

A performance que ele faz me recorda o clipe de Sentadona.

Isso deveria ser tão vulgar, mas quando Allysson faz deixa apenas... erótico.

Sem tirar os olhos dele, associo as reações simultâneas que meu corpo tem ante a isso. Minha boca seca, meu coração bate com mais força e quando Allysson está se sentando de cócoras para poder girar a garrafa, meu volume pulsa dolorido contra minhas calças.

O suspiro de prazer que sai de mim rouba seu olhar atento quando, mais uma vez, a garrafa para apontada para ele. Pelo seu olhar esperançoso e desejoso, sei que gostou do desafio e espera por outro de igual nível.

E se eu seguir nesse jogo, nessa linha será muita, muita burrice.

De fato, muita burrice.

Entretanto, pelo visto sou incapaz de não ser burro.  Minha mente, maldita memória fotográfica, viaja para cenas de um passado não muito distante e por essa memória falo:

— Dança para mim que nem dançou no ensaio. — Minha voz sai rouca demais e isso lhe enrubece, Allysson deve achar que eu quero algo a mais que isso. Porém neste momento egoísta o que mais desejo é suprir essas lembranças por outras.

Ele se aproxima de mim, põe uma mão em cada lado do meu ombro e sutilmente mexe os quadris e a pélvis num rebolado cativante, só essa aproximação aquece todo meu corpo, ele murmura alguma música que não reconheço e vejo que segue o ritmo dela quando dá um pulo no próprio lugar e gira, encostando a bunda macia contra meu quadril.

Ele ofega, parecendo surpreendido pelo contato extra, e eu cerro os punhos ao lado do meu corpo. Me encontro totalmente perdido na vontade de tocá-lo, mal, mal me contenho e o único que posso ver e ele, ele e o desejo insano que me toma de querer alisar sua pele, de almejar apertar a carne macia. A tentação queima como fogo em minhas veias e piora a cada segundao em que Allysson faz quadradinho com nenhum milimetro de pele sobrando entre nós.

Embora, imagino que estaria tão demente quanto ainda que ele estivesse do outro lado do quarto ou da rua.

A música em sua cabeça muda de ritmo mais uma vez e ele cai. Mãos contra o chão, bunda ainda elevada e encostada na minha  pélvis.  O atrito entre minha calça, a carne sensível e minha mentem no momento deturpada, é efetivamente ampliado graças a visão que é tê-lo assim.

Não sei quando a música em sua cabeça acaba, só sei que que quando ele sai dali estamos ambos avermelhados e ofegantes. Na palma da minha mão, meias luas marcadas indicam a força com que tive de me refrear para não levar isso mais além.

Montei uma armadilha para mim mesmo.

Allysson dá dois passos para trás, jogando uns poucos cachos caídos sobre a testa para o lado, seus olhos entrecerram, formando uma linha fina. 

— O que foi isso, Maksin? — Eu, finalmente enlouquecendo, pelo visto.

— Um desafio. — Me limito a responder e minha voz sai com tanto desejo reprimido que até me assusto.

Ele balança a cabeça de um lado para o outro, totalmente desacreditado. 

— Você sabe que não foi isso, você me quer, eu senti.

Querer não é poder.

— Não vai acontecer.

Isso lhe arranca uma risada de escárnio.

— Você só fala.

— Como é?

— Você fala que não se importa, mas cuida de mim. Você diz que não se lembra, mas lembra. Você diz que me odeia, mas está em todos os momentos que mais preciso. Você só fala, Maksin, mas age de forma completamente diferente.

Ele sussurra todas as palavras de forma quase erótica enquanto se aproxima de mim rapidamente, não me sinto intimidado, estou pronto para provar meu ponto, mas Allysson para a centímetros de mim e sorri.

Não o sorriso debochado que sempre traz um fogo raivoso e desejoso para mim.

Nem o triste que me gela.

Não, ele me sorri com uma cordialidade, com uma suavidade que ao mesmo tempo é tão intensa. Sorri docilmente. E isso eletrifica todo meu corpo.

— O que contam são as ações. — Ele fala ainda de forma dócil se afasta um, dois passos, e solta um gemido sôfrego. — Tem certeza que você não me quer?

Fecho os olhos com força, tento espantar as sensações. O desejo descontrolado do meu corpo e ofego. O cheiro dele, os gemidos dele, tudo vem à tona e quando o ouço se afastar mais, instintivamente o agarro.

Quando abro os olhos seu sorriso volta a ser o debochado e o desmancho com minha língua, Allysson se derrete docemente em meus braços e parece certo, tão certo. E eu tomo mais dele, mais de sua boca, mais de seus gemidos e quando o solto ele parece estar nas nuvens meio atontado.

Uno nossas testas, apreciando o som de sua respiração entrecortada e, mesmo não querendo quebrar o momento, tenho que falar.

— Isso.

— É só amizade. — Não, não é. — Podemos tentar de novo, Maksin, podemos ir com calma. Não vou te decepcionar dessa vez.

Talvez seja pelas histórias compartilhadas. Talvez seja pela perfeição de tê-lo entre meus braços. Talvez seja porque a muito estou cansado de não tê-lo por perto direito, de não ouvir sua voz, de vê-lo tão distante. Talvez seja porque ele pareceu de verdade ter se arrependido. Talvez seja tudo isso e mais um pouco.

Mas acredito nele.

Só mais uma chance.

Allysson sorri, tão contente, quando eu concordo que a vontade de beijá-lo novamente ganha qualquer ímpeto racional e eu tomo sua boca mais uma vez.

É doce.

É quente.

É perfeito.

E não pode ser mais do que isso.

Exceto por...

Não, não pode ser mais do que isso.

Amigos, apenas.



Num futuro não muito distante...

Sinto a minha boca secar enquanto corro meu nariz por sua nuca, deixando selinhos em cada traço de pele disponível, até chegar na sua orelha que mordisco lhe arrancando um ofegar de prazer, antes de dizer:

— Tire sua roupa, Bonito. — Dito isso me afasto, ele começa a fazer o que pedi, mas o interrompo. — Faça isso dançando.



¹ - Mas agora ele está tentando me convencer a ir com ele, a ver a importância de toda esa merda! E que vá para a puta que pariu! Meu irmão estava lá, não ele! Meu irmão! Eu tenho meus problemas com Alejandro, mas se tive algum pai foi ele. E Hernando não pode simplesmente surgir do nada e dizer eu sinto muito, tome uma barrinha de chocolate e finjamos ser uma família feliz. Ele não pode. Nós não somos!



🧡💛💚💙💜🧡💛💚💙💜


E mais uma vez estamos aqui.

Agora posso afimar que o passado do Allysson foi praticamente todo revelado.

O que acharam do pai dele? Neste arco da história vocês o verão com mais recorrência.

Ah e, pelo visto, Maksin adquiriu um novo fetiche. (Vão ver mais sobre isso no futuro, principalmente os que gostam de ler hot)


Curiosidade Sobre os Personagens:

Maksin

Ⅰ - As ações do Maksin no início do capítulo são provindas de seu coração 45% apaixonado.

Ⅱ - As linguagens de amor dele são: Atos de Serviço; Tempo de Qualidade; Palavras de Afirmação; Presentes e Toque Físico. Ou seja, todas.

ⅡⅠ - Ele é teimoso como uma mula e realmente acha que vai aguentar ser só amigo de Allysson, mas como puderam ver esta determinação não vai muito longe (nem um capítulo direito kkkkkkkk).

 🧡💛💚💙💜🧡💛💚💙💜


Espero que tenham gostado.

Estou pensando em colocar também outras referências, mas só de personagens principais deste livro (Maksin e Allysson) e de personagens que terão seu próprio livro no futuro.

Um destes é Dominik e estes dias eu escutei uma música que deu um click na minha mente, não só é a total vibe do Dominik, como chega a ser uma referência para o romance (futuro) dele.

Então vou deixar aqui o vídeo.

https://youtu.be/yOb9Xaug35M

I wanna Be Your Slave - Maneskin.


(Proximamente a história será publicada)

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top