Capítulo 24 _ Allysson


 — Hora, hora, hora... O que temos aqui? — Uma voz rouca de fumo ressoa atrás de mim. Sem ânimo algum, viro-me e me deparo com pessoas ali que, provavelmente, viram tudo o que aconteceu. — Isso que eu chamo de show!

Relamente! Era só o que me faltava!

Um bando de viejos intrometidos.

O homem, um senhor eu diria, com sua barriguinha de cerveja, entradas que dão para ver mesmo com o boné e de pele queimada do sol, começa a aplaudir. Como se estivesse mesmo  assistindo a um show.

Os outros o seguem, aplaudindo e zombando.

Rerivo os olhos para eles.

Primeiro porque são ridículos.

Segundo porque: Eca!

Juro. Parecem a quadrilha da má higiene. O que é bem sério vindo de mim. Bom, não é que eu seja sujo, o que dá a entender por essa frase, porque eu não sou, mas não sou de reparar nessas coisas.

Com esses caras não tem como não reparar.

E eu tentei!

Tem um com unhas enormes e nojentas, meio baixinho e bem parrudo. Vou chamar ele de Buchinho. Outro de pele escura, tranças e muito, muito barbudo, o mais limpinho deles. Vai ser O de Tranças. Lado a lado, os mais jovens, um loiro malvestido, com a roupa suja e o cabelo revuelto e um com cabelos vermelhos puxados pro laranja, parecendo uma vassoura, com um cheiro de cecê potente.

Vão ser o Bananão e o Laranjão.

Por fim, o último e o pior, um com dentes amarelos e até alguns faltando, que daqui consigo sentir o hálito de desmaiar defunto, esse vai ser: o Podre. O primeiro eu vou chamar de o Velho, mesmo.

— Mas que merda, me deixem em paz. — Praticamente rosno as palavras quando me recupero do choque e da vergonha de ser pego neste tipo de situação e de ficar encarando eles, é claro.

Devo ter encarado por muito tempo, já que quando fui "rosnar" as palavras, eles tavam me olhando daquele jeito: Será que esse menino é doido? 

É, eu já conheço este olhar de có e salteado.

Por isso ele tem esse nome.

No caso, o nome é: Será que esse menino é doido? 

Embora, talvez eu mude para: Olhar de que estão questionando minha sanidade.

Não. Este ficou ainda maior.

— Que gracinha, ele quer paz. —Pera o quê?  Daí vejo, o Velho rindo, seguido dos seus comparsas. — Se queria paz não deveria ter entrado no meu território.

Eu mereço.

— E por acaso vocês são o quê, cachorros?

Talvez, apenas talvez, esta não tenha sido a melhor coisa a se responder, porque eles avançaram, em grupo, na minha direção. Seis homens de trinta e poucos anos, com braços fortes, tatuagens e pinta de que não são boa coisa.

Normalmente, normalmente eu sou um cara corajoso.

Mas até eu sei reconhecer que não é uma boa ideia provocar alguém quando se está sozinho, num local desconhecido e sem sinal de telefone.

Porém, é claro que a vida queria provar de forma física o quanto eu me ferrei.

A resposta para minha pergunta foi um soco. Bem na lateral do rosto, rápido demais para eu conseguir desviar. Fui derrubado no chão por uns instantes, meio tonto, meu corpo convulsionando enquanto vomito tudo que bebi hoje.

Consigo me erguer a tempo de me desviar de um chute, aproveito o cambalear do cara para dar um soco nele, bem no estômago, o que faz com que ele se curve tossindo e mostrando a careca, chuto ele, com a sola do pé, bem ali.

Outro, o de Tranças, veio tentar me acertar, desvio ao mesmo tempo em que lhe dou um pontapé bem dado. O Bananão e o Podre também atacaram, consigo escapar do primeiro, porém o segundo me desequilibra. Vamos ao chão em meio a socos e cotoveladas, finalmente ele dá uma brecha na defesa e acerto suas partes baixas, giro no chão forçando os músculos a me erguerem quando um braço envolve em meu pescoço.

Apertando e me imobilizando ao mesmo tempo.

Um mata leão.

Tento me soltar, unho, arranho, tento soca-los, mas acerto apenas o ar. Então tento me remexer, balançar.

Nada funciona, ao contrário, a sensação de sufoco se torna cada minuto pior.

Maldito seja o babaca que inventou a porra desse golpe!

Tudo por nada.

Sou arrastado pelo chão, minhas roupas rasgadas pela briga mal ajudam a que eu não sinta os arranhões das pedras e garrafas quebradas. Entramos em um beco, escuro e pouco estreito, sinto um arrepio no estômago pelo medo.

O primeiro soco é o menos doloroso, vem seguido de tantos golpes que não consigo nem contar, ou me desviar. Apenas sofro soltando, vez ou outra, grunhidos de dor.

Mas quando o Bananão, acerta um forte chute nas minhas costelas, um grito estridente de dor corta o ar. Sei que veio de mim, mas não consigo ficar constrangido. Só posso focar nas sensações, já que de repente saboreio o roxo e enxergo apenas pontinhos pretos. Puta que pariu! Que dor.

— Isso está ficando entediante — O Velho veio rindo. — O que vamos fazer com ele?

— Tava até divertida a luta. — O Podre disse, gargalhando. — Porque não continuar? Solta ele, João.

João me solta, caio ofegante no chão. Escuto os passos dele quando se afasta e o olho — quando isso acabar vou enforca-lo de vingança — João é o Buchinho.

— Vamos lá garoto, levante e lute como um homem.

— Qual o problema de vocês? — Tusso as palavras que saem com gosto de dor por minha garganta.

— Somos da frente do almirante vermelho e você entrou na nossa área.

— Mirante Vermelho?

— Almirante Vermelho. — O Bananão corrige parecendo muito ofendido pelo erro.

— Ah! Que se foda o nome! Que merda é essa? — Eles não podem me julgar por estar puto, cada pedacinho do meu corpo dói e isso é porque eu tô no auge da adrenalina!

Vejo eles se olharem entre si, como se se perguntassem: Vamos responder à pergunta?

O velhote é o que dá  o passo à frente antes de me responder:

— Não temos que explicar nada garoto. — ele fala a última palavra com nojo. — Agora você vai lutar? Ou é uma putinha?

Putinha?

É sério mesmo?

Eles têm algum tipo de problema mental, juro.

— Vocês são loucos. — Solto, sem brava, já que eles parecem loucos.

Percebo, dois segundos depois, que não foi uma boa ideia. Loucos não gostam que as pessoas os chamem do que eles são, pelo visto. É isso ou o Velho acha que socos no queixo valem mais do que respostas faladas.

Caio no chão feito saco de arroz murcho.

— Levanta e luta viadinho. — Eles riem sem motivo nenhum, coringas de Taubaté. — Temos vagas abertas para putinhas, sabia? Assume que é mais fácil!

Meu limite é esse. Então, tento fazer o que eles falam, não porque sou um pau mandado, mas porque eu não vou apanhar sem revidar. E nem vou ser ofendido por estes malditos cabróns.

Até consigo acertar um soco no Velho, seguido de um chute no centro da barriga do Buchinho. Porém quando avanço para ir punho a punho com o Podre, sou acertado. Dois socos nas minhas laterais, nas minhas costelas, o que me fez retorcer de dor no chão ali mesmo.

Golpe baixo.

Porra! É como se meus pulmões estivessem esmagados. Se eu apenas pudesse me erguer faria com que Bananão e Laranjão (que também pode ser chamado de Laranjinha Cheirosa, porque só por Deus nesse suvaco....) engolissem seus dentes por terem vindo pelas costas.

Nisso o líder, ou seja, o velhote, que se levantou em algum momento vem e me chuta. Minhas costelas são acertadas uma e outra vez enquanto ele pergunta:

— Levanta! Tu vai lutar feito um homem ou é uma putinha? Vai levantar ou é uma putinha?

Carajo, se eu apenas tivesse a chance de me erguer e acabar com a raça dele. O que é impossível já que só a ideia de me mexer agora que me cause ânsias por desmaiar e não acordar nunca mais.

— Eu que pergunto. — Meu coração acelera no momento em que escuto essas palavras. Caralho! Não pode ser! — Vocês gostam de atacar um cara sozinho estando em grupo. Vocês são homens ou ratos?

Eu reconheceria esta voz grave, rude que trasnborda terror, em qualquer lugar.

Maksin.

E pelo timbre.

Dios mío.

Ele tá puto de raiva.



— Isso não tem nada a ver com você, garoto. — O Velho meio que ameaça Maksin.— Não banca o herói e vê se cai fora antes que se machuque.

É, ele não sabe com quem tá mexendo.

Maksin não dá uma resposta, ao invés disso, ataca o mais perto dele, o Podre.

Com um soco, o indivíduo cai no chão. Em seguida, o Buchinho tenta avançar, mas acaba indo pra longe com o chute rodado que Maks dá. Segundos depois ele (tô falando do Maks) corre, avançando com um movimento que parece, caratê?

Tanto Laranjão quanto Bananão, vão para o "tatame".

É tatame que se usa no caratê?

Enfim.

Tenian lá ilusion de que podrían contra él.

Maksin desvia do soco do Tranças, aproveita o impulso, lança o corpo para trás e já sobe socando o Velho que cambaleia meio tonto. O Laranjão, que levantou, tenta ataca-lo por trás e recebe uma cotovelada que, pelo barulho, quebra o nariz dele, o Bananão tenta ajudar, mas Maks o acerta com dois socos seguidos na barriga, finalizando com um bem na traqueia.

Esse não levanta mais.

Ainda sem desistir, o de Tranças, junto com o Buchinho (que depois do primeiro golpe ficou só parado, observando) atacam em conjunto. Grito alertando Maks, porém nem fez diferença: em um reflexo que nunca vi antes, com uma rasteira Maks desestabiliza o primeiro, lança ele pelo ombro, o joga no chão e o desmaia com um soco (deve ter acertado em um daqueles pontos principais).

O Buchinho, paciente, aproveita quando Maks meio que abaixa a guarda para avançar, e consegue acertar dois socos seguidos nele, antes de que Maksin agarre seu punho, o torça girando seu corpo, para finalizar com um chute bem dado nas costas.

Buchinho vai com tudo contra a parede e também cai no chão, sem parecer querer levantar.

Restam três.

Eles formam um círculo, mas parecem hesitar, o primeiro a tentar algo é o mais velho. Maks desloca o braço dele (a coisa mais nojenta que eu já vi), depois quebra a perna (o barulho de um osso quebrando é algo que a gente nunca esquece), para logo o lançar contra o Podre que tava tentando acertá-lo nas costas.

Os dois batem contra a caçamba e ali ficam, paradinhos.

Acho que chegamos no nível de: Para quê tentar?

Bom, também pode ser porque o Velho por tá ferrado da perna e o outro bateu a cabeça no ferro.

Agora.

As finais:

Maks contra o Laranjão (também conhecido por ser cheirosinho).

Então vejo. O cara tira algo do bolso, brilha. Uma faca? Um canivete?

Mas que merda!

Meu coração para por um segundo. Meu corpo gela. A mera possibilidade de Maksin sair machucado...

Me preparo para avançar, minhas costelas gritam de dor.

Porém. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.

Antes que ele tentasse alguma coisa, Maksin avança feito um tigre: lançando um jap, que faz com que ele solte a lâmina, seguido de um golpe nas pernas e, por fim, um que nunca vi antes: Maks pega o cara pela nuca e o abaixa, ao mesmo tempo em que o acerta com uma joelhada muito forte no rosto.

Esse também vai de "arrasta pra cima".

— Cacete! — Deixo escapar, por estar, bem... chocado.

Já vi Maksin bater assim nas pessoas antes, mas é diferente quando você assiste o lugar de ser o que apanha dele.

Porque, bem, porque, porque...

Né possível.

Esse menino tem que ter um passado sombrio ou algo do tipo. Conheço gente que faz artes marciais e nem por isso elas sabem bater assim nos outros, ao menos não numa quantidade tão grande.

Eu hein! Que tipo de escola de lutas ele foi colocado quando era criança?

Nasceu socando o ventre da mãe ou o quê?

— Você! — Maks praticamente ruge, apontando o dedo para mim como se me acusasse.

— Eu não fiz nada! — Choramingo, já que tô sendo injustamente acusado (eu acho).

— Não tenho tempo para isso. — Ele praticamente grunhe. E caminha até mim a passos duros. 

Ele reduz um pouco os passos, até parar na minha frente. Olho no olho. Cara a cara. Vejo suas íris passearem por meu rosto e corpo, parecendo cada vez mais enfurecidas, automaticamente me encolho. 

Já briguei antes. 

Muitas vezes, alías. 

Mas Maksin sempre teve um diferencial para mim, desde aquela vez que me bateu, porém, agora? Ele bateu em um cara que tinha uma faca. Uma Faca.

Porém, normalmente esse olhar de ódio e raiva, me lançaria em um estado de caóticas lembranças que eu gostaria de esquecer, desta vez não ocorre. Talvez pelo fato de Maks apertar seus punhos fortemente contra a lateral do próprio corpo, como se estivesse se contendo.

Se contendo de tentar me bater? Ou...

Não, seria estupidez, já que ele me salvou. E Maksin não é estúpido.

Mas o "ou", a outra possibilidade seria muito idiotice minha sequer considera-la.

Eca. Considera-la. Tô falando igual a Maksin. Embora, tecnicamente não estou falando e sim pensando. Enfim, pera, eu acabei de usar tecnicamente?

— Vamos! — Ordena e agarra meu braço. Quando me situo, vejo que estou sendo puxado para longe dali, sem protestar e nem falar nada, porque... bom, nem sei o porquê.

Talvez porque ele te salvou, idiota?

Minha mente fala, me xingando.

E por acaso eu pedi por isso?

Respondo, porque isso é lógico.

Só para de reclamar e vai.

Mas não estou reclamando!

No pensamento está! Então para de pensar!

Como se isso fosse possível. Eu tô falando com você e você sou eu!

Vai a merda!

Tá bom, isso não é normal.

Vamos em direção a um táxi.

Ele contorna a porta do motorista e abre a do passageiro, indicando com a mão para que eu entre. Olho para o banco de couro convidativo, mas a pulga atrás da minha orelha me faz duvidar se entro ou não.

Aqueles caras acabaram de tomar uma surra, tão desmaiados ou estão sem conseguir levantar, mas uma hora vão acordar e aí? O que se faz? E se alguém aparecer e nós sairmos como errados?

Embora, Maksin pratique artes marciais, o que ele fez ali pode ser considerado abuso de poder? 

Porém da última vez... não foi considerado. E olha que ele bateu em pessoas bem influentes, o próprio pai do Caio, o menino que Maks quebrou o braço em três partes, que é um político importante não quis levar a frente o processo. E os que tentaram, perderam.

Bom, Maks estava certo, a gente fez um cara comer merda, deu uma surra nele e tals. Mas tem uma coisa na lei de quem faz artes marciais não pode exagerar, certo? Bom, os advogados da família do Maksin e a influência dela contornam essa lei com gosto.

A sorte é que o Maks não é um cara tipo eu ou o Renan...

Mas ainda assim, se acabar envolvendo a polícia meu irmão vai acabar saber e isso vai ser uma merda. Bom, porém tirando os caras desmaiados (e as pessoas escondidas dentro de suas casas que parecem que em nenhum momento, pensaram em sair dali), não tem nenhuma alma viva ali naquela rua além da minha e da dele.

Bom, os caras do beco estão vivos.

Eu acho.

E espero.

Devo ter ficado muito tempo encarando o interior do carro, porque Maks arqueja irritado antes de me dar o olhar de: ou tu senta ou eu te sento.

Ok.

Isso ficaria ótimo em outro contexto.

— Cadê o taxista? — Pergunto, ainda sem entrar.

Maks não me responde, ao invés disso dá um leve chutinho na minha perna dominante o que me desequilibra o bastante para ele me segurar, levantar e depois enfiar dentro do carro.

 Basicamente ele me põe lá dentro e depois fecha a porta. Como se eu fosse uma criança, um saco com ferramentas ou a mochila dele, se ele usasse mochila.

A questão é que eu não gostei!

Bom, que teve uma pegada sexy, teve. 

Mas não gostei e só não resisti porque a essa altura do campeonato que que adiantaria?

— Fica aqui. — Ele fala naquele tom mandão irritante que me faz ter vontade de mandar ele se foder e sair batendo a porta.

Meu corpo quebrado é o único que me impede de fazer isso.

Do lado de fora, vejo Maksin fazer uma ligação para alguém, eu gostaria de entender o que eles falaram, mas foi em outro idioma, talvez alemão ou russo?

Depois ele segue para o beco e fica lá. 

Dois.

Quatro.

Cinco. 

Sete minutos se passam. Nesse tempo eu fico escutando alguns barulhos indistintos, que fariam qualquer um ficar curioso, mas as casas com luzes apagadas estavam e com as luzes apagadas ficaram.

Então, um camburão de polícia, com as sirenes apagadas e as luzes desligadas, aparece. Maks troca uma breve conversa com o policial e depois vem na minha direção, consigo ver de canto o sujeito fardado trazendo o ruivo amarrado, com um fio de poste? — ah, então foi isso que Maksin foi fazer dentro do beco — Mas onde ele arranjou um fio de poste?

Quer saber nem vou pensar nisso, porque envolveria muita lógica e... Eles também tão amordaçados?!

Ah, foram amordaçados com as próprias camisas.

Por falar em camisa... Como Maksin conseguiu ficar ainda mais gostoso do que estava hoje de manhã?

Ou hoje na balada?

A camisa, diferentemente de como estava na festa, não está completamente desabotoada, mas agora não está totalmente abotoada. Tenho uma visão do início da tatuagem, uma ramificação, como os galhos de uma árvore num desenho elaborado e bem sombreado.

Maks puxa a blusa, cobrindo a tatto, acho que é porque percebe que eu tava observando. Ele entra, toma o banco do motorista, ajusta a chave e arranca o carro, de uma forma suave, não indo muito depressa.

Resolvo não começar o assunto pelo fato de eu estar secando ele.

Nem pelo que ocorreu na festa.

Já que, pelo visto, ele ainda tá puto.

Mas ele sempre tá puto mesmo.

— Maks, que é isso? — Resolvo questionar, já que eu confuso e dolorido, não dá para esquecer o dolorido, e não é pouco não.

— Põe o cinto. — Ele nem me olha quando fala.

— Não, primeiro me fala, desde quando você tem um táxi?

Ele suspira, lança a cabeça para trás e a balança de um lado para o outro, impaciente. Quando vou abrir a boca para perguntar de novo, porque devo ter batido a cabeça com muita força e agora estou propenso a brincar com o perigo, ou pior, já não sinto perigo quando se trata de Maksin Petrov, a voz dele me interrompe:

— Desde uns, aproximadamente, cinquenta minutos.

— O quê?

Dessa vez ele vira a cabeça para o outro lado, mas juro que antes dele fazer consegui enxergar a sombra de um sorriso surgindo em seu rosto. 

Sinto meu coração até palpitar mais forte.

Palpitar... a palavra veio tão naturalmente... Normalmente é latir. Latir em espanhol se refere a batidas do coração, foi estranho descobrir o significado de latir no Brasil.

— O táxi, Gonzales, o tenho desde mais ou menos uns cinquenta minutos.

Pera, o quê? Ahh sim!

— Por que?

Vixe! 

E de novo falo a coisa errada.

Minha pergunta deve ter ativado algum modo fúria na mente dele. Suas mãos apertam o volante com mais força e juro que consigo escutar dentes trincando, pela raiva. Dessa vez sem sombras de sorrisos...

 Automaticamente, ele para de dirigir e joga o carro no acostamento.

— Porque o maldito taxista não queria vir na direção deste bairro a essa hora da noite por ele ser conhecido como extremamente perigoso, e adivinha? — Ele me olha com as íris trovejantes. Juro. Tem uma tempestade ali. — Você veio! Já que não escutou o segurança.

— Que segurança?

— O da boate, aquele que te alertou para não andar nesta direção.

— Tem certeza?

— Tenho, foi com ele que eu me informei.

— Se ele estivesse tão certo o taxista que trouxe eu e os meninos não teria vindo por aqui.

— Allysson, ele não veio. O taxista pegou o caminho do centro, que era a rua lateral a que você resolveu caminhar.

— Tem certeza? — Não é possível que eu seja tão burro assim.

— Tenho.

— Bem, faz sentido. — Eu realmente sou burro assim.

— Faz sentido?! — Maksin me disse que me daria um dicionário de presente, um dia lhe darei um chazinho de camomila, eu hein.

— Foi o que eu disse... sabe? Você parece meio bravo.

— Porque eu estou!

Eu poderia perguntar o porquê, mas meu sentido aranha me sussurra que não seria uma boa ideia. Ele sempre diz que eu não penso, então desta vez eu vou raciocinar.

Mas porque ele estaria assim?

Ah, já sei...

— Tá bravo porque você meio que roubou um táxi?

— Eu comprei a droga do carro, Allysson!

— Você o quê? — Ok. Tô chocado. Minha família é rica e não saímos por aí comprando carros como se não fosse nada demais.

Principalmente se estes carros não são nada demais!

Ele não me responde, apenas revira os olhos sem voltar a dirigir ainda. Ótimo! Ainda por cima vou ser ignorado, que maravilha de noite!

Posso aturar bem a raiva dele, mas ser ignorado de novo? Não. Isso já é doloroso demais, e eu não preciso sentir dor emocional quando meu corpo tá implorando por algum analgésico ou seria anestésico?

— Vamos para o hotel, senão vamos perder o ônibus. — Murmuro injuriado e cruzo os braços frente ao peito, e logo descruzo quando sinto uma pontada de dor, tentando ser marrento.  

— O ônibus já foi há mais de uma hora seu inconsequente

— Como assim?

Ele aperta a ponte do nariz, como sempre faz quando muito frustrado comigo. Balança a cabeça de um lado ao outro umas duas vezes e depois volta o rosto para mim.

— Já é meia noite e quarenta. O treinador não ia ficar esperando por você, é maior de idade e assinou os termos da escola.

— Então você ficou para me procurar?

— Depois que o segurança disse que você foi em direção a um bairro perigoso e todos os taxistas, não importava a quantidade de dinheiro oferecida, se recusaram a ir até lá? É claro!

— Ah, obrigado. — Gaguejo, sem entender bem. Quer dizer, não consigo entender o porquê de ele ter feito isso e, caralho, isso me deixa com uma sensação boa no estômago, mas...

Eu não consigo gostar de alguém como você.

Isso afunda meu estômago em desesperança, assim como a meu coração.

— Obrigado?! —Ele grunhe a palavra como se não acreditasse que eu estivesse agradecendo. — Você podia ter morrido!

— Mas não morri!

— Porque eu cheguei lá a tempo.

— Vai ficar se achando agora?

— Não estou tentando me presumir, só estou falando que você tem que ter mais bom senso!

— Você não manda em mim!

Ele suspira exasperado e recosta a cabeça no volante, escuto ele murmurar consigo mesmo, mas novamente não consigo entender em qual idioma fala.

— Põe o cinto!

— Já disse que você não manda em.... — Antes que eu pudesse terminar a frase, Maks já estava sobre mim, o braço roçando em meu corpo e logo eu estava de cinto.

Paraliso com a sensação elétrica que percorre meu corpo, graças a um simples toque tudo já estava mais caliente, meu coração batendo mais rápido e as borboletas no meu estômago voando descompassadas.

Embora, borboletas não tenham compasso.... Eu acho.

Maks paira ainda sobre mim, me observando. Vejo raiva ali, mas também tem preocupação, e talvez... algo mais? 

Maksin sempre me enche de dúvidas.

Principalmente  nestes momentos em que se aproxima demais e nubla meu raciocinio, não sei se são seus os olhos e o poder que eles têm de estremecer tudo em mim, ou a boca macia... talvez seja as lembranças daquele beijo e o intenso desejo de repeti-lo.

Mal noto quando me aproximo mais, nossos lábios quase se roçando, a distância entre eles seria como a folha de um papel. Eu poderia avançar mais um pouco e cortar essa distância, eu poderia beijá-lo mais uma vez...

Mas haveriam consequências.

Porém eu não cheguei até aqui pensando nas consequências...

O depois será o depois, o agora, bem...

Eu avanço.

Pronto para tocar o paraíso mais uma vez. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top