Capítulo 20 _ Allysson



Arranho meus próprios braços no meio do desespero.

— Ângelo, por favor! A gente tem que descer. — Grito vendo o cabeçudo ir para cada vez mais perto da beirada.

— Não enche, Ally, isso é aventura! Que nem o Papi Higor faz. — Ele fala rindo, caminhando mais para cima.

Sigo ele, não tenho outra opção do que não seguir ele e tentar ajudar. E se ele se perder? E se eu me perder? E se a gente cair?

Olho para baixo, vendo a água azul escura e estremeço. Normalmente ela estaria seguindo o curso tranquila, mas não hoje. Tinham se passado algumas semanas de chuva e o rio estava violento, com correntezas fortes. Não algo que seria impossível de nadar, nadamos nele esses dias para trás, mas com Alê e Higor por perto.

Sempre indicando onde a gente podia ir, onde tinham pedras, esse tipo de coisa.

Se a gente cair...

Não quero pensar nisso...

Mas...

— E se a gente cair?

— Não vamos.

— Mas, e se a gente cair?

— Não vamos. — Ele fala sem nenhum tom de irritação. O que me irrita.

— A gente têm que descer, tamo indo muito no alto.

— Eu gosto de me aventurar.

— Eu não!

— Você veio porque quis.

— ¡Solo vine porque tu no podrías venir solo!

— Então aguenta. — Ele dá de ombros, um riso em sua boca, mostrando as covinhas em sua bochecha.

Ângelo tinha completado nove anos há pouco e sempre gostava de aprontar, mas eu ainda sou o mais velho.

— Eu sou o mais velho, me obedeça.

— Só por dois anos bobão. — Ele mostra a língua para mim e ri. — E eu ainda sou o mais inteligente.

As palavras me enfurecem. Garoto chato! Chato! Chato! Se quer arriscar se machucar, que arrisque, mas eu não vou!

Mais inteligente e mais estúpido também.

— Tô indo embora e vou falar com meu irmão o que cê tá fazendo, ele vai te tirar daqui rapidinho. — Ameaço, mas ele só dá de ombros.

Viro as costas, descendo com cuidado a ladeira cheia de pedrinhas e folhas molhadas, com a certeza de que se eu desse mais uns passos logo ele me seguiria e, se não, eu teria que ir correndo no meu irmão para falar para ele colocar juízo na cabeça do pestinha.

— Allysson! — O grito estrangulado dele me paralisa.

Volto correndo e escorregando pelo mesmo caminho, tentando subir rápido mesmo que não adiante porque logo um "tibum" soa. Ele caiu do penhasco.

Corro para beirada tentando ver onde meu primo está, seu vulto se debatendo era o que dava para enxergar, ele caiu próximo as pedras em uma correnteza forte. Talvez se eu corresse....

— Alejandro. — Grito a todos pulmões, já descendo pela beirada sem tirar meus olhos do meu primo. — Alejandro! Alejandro!

Escorrego nas folhas. Pedras, galhos e os troncos das árvores bato contra todos eles sentindo os arranhões na pele e as pancadas dolorosas por todo meu corpo e, de repente, um frio de doer a alma, tento lutar contra a água, mas ela me empurra cada vez mais para baixo e para frente.

Minha sorte é quando choco contra uma pedra, a dor que irradia por meu braço é forte, mas ignorada. Uso de todas as minhas forças para me erguer por cima da pedra e respirar depois disso é tão bom.

Nunca percebi como respirar é bom.

Tusso e cuspo toda água em meus pulmões que ardem. O som de outra pessoa fazendo a mesma coisa me enche de felicidade.

— Ângelo! — Grito pela felicidade, mesmo que minha garganta esteja estranhamente dolorida.

Meu sobrinho está a alguns metros de mim, agarrado também há uma pedra. Seu rosto cheio de arranhões, no corpo também.

— Ally. — Ele grita com cara de choro e preocupação. Não tenho certeza do porquê e não quero descobrir, só tínhamos que dar um jeito de sair dali.

Volto a chamar por Alejandro, Ângelo que não é besta faz o mesmo.

Minutos se passam ele não chega. Meu corpo já está duro pelo frio, meus membros cansados, a vontade de simplesmente se deixar levar pela água só aumenta. A dor do meu braço que antes estava suportável, só piora. Ele pulsa.

Ângelo não consegue deixar de olhar para ele e a cada segundo se torna mais difícil manter naquela pedra, a dor é muito forte. Abaixo a cabeça querendo ver o estrago.

— Não olha Ally, não olha. — Ângelo fala ofegante, antes de gritar forte. — Pai! Pai! PAI!

Decido ajudar a ele e grito de novo por meu irmão. Porém, não consigo mais resistir e o olho: um galho atravessa meu braço, que agora pelo visto é roxo feito berinjela, sangue escorre ao redor do "machucado" e meu ombro, com certeza meu ombro não tinha esse formato antes de eu cair.

Só a visão me faz querer desmaiar e por incrível que pareça a dor que eu sentia antes parece dobrar.

— Ally, resiste. — Ângelo grita para mim, seus lábios azuis e seu rosto cada vez mais pálido. — Allysson!

Eu gostaria de tentar, de verdade que gostaria, mas a correnteza fica mais forte, muito mais do que eu tenho capacidade de resistir.

Sou levado por ela, batendo entre as pedras, a dor ficando tão intensa que eu nem sentia mais.

Eu escutei em algum lugar que quando você se afoga a primeira coisa que faz é lutar, e isso faz seus pulmões queimarem, mas quando você deixa a água entrar tudo para de doer.

Eu paro de lutar.

E deixo a água entrar.


Três meses.

Três muy malditos meses.

A professora tá se recuperando, bem longe da escola e com licença maternidade. Mesmo assim, eu e nada para Maks somos a mesma coisa. No dormitório só conversamos o básico, nas aulas sou ignorado, o futebol é a única parte em que nos entrosamos mais e ainda assim é apenas o suficiente. Parece até que voltei há dois anos atrás, na versão em que Maksin não tinha um ódio profundo de mim, mas que eu era um zero à direita, ele me trata como se eu fosse um desconhecido, não é grosseiro, nem agressivo, mas é curto, frio e seco.

Poderia contar nos dedos as palavras que trocamos ao longo desse tempo.

Ok...

Foi exagero... só um pouquinho. Mas essa não é a questão, porque não tá sendo fácil. Tipo nem um pouco fácil.

Tipo, caraca, velho, eu tô passando mal! Não do corpo, mas tipo assim da cabeça. Porque aquele beijo... aquela droga de beijo foi outro nível. Como um vício. E eu nem posso provar de novo!

Todos os dias sonho com aquele beijo. Todos os dias acordo necessitado de um desejo que vai além do que dá para entender. Todos os dias levanto da cama e o observo esperando que ele me olhe de volta, uma única vez, não acontece. Todos os dias o cumprimento ansioso por uma resposta, por ouvir a voz dele, e recebo somente um aceno. Tento e tento de novo, procurando por pelo menos uma faísca da amizade que um dia tivemos, qualquer coisa, e nunca, nunca encontro nada.

Não posso ter sua amizade. Não posso ter outro beijo. E para terminar de ferrar com minha mente, a queimação em meus lábios, a maldita e doce sensação, o fantasma do beijo que tomei, permanece. E isso está me deixando louco!

De novo!

— Mais foco, Gonzales. — Thalles ruge em meu ouvido, trombando em meu ombro e me levando ao chão.

Caio junto com minha dignidade e minha atenção volta rapidinho, na minha frente consigo focar a visão de novo e vejo as pessoinhas correndo de um lado para o outro.

O treinador apita e, com a mão, indica para que eu me levante e siga o jogo, faço isso com irritação e vontade de pegar aquela bola e socar na cara do idiota. Ou melhor dos idiotas. Volto a focar no treino, corro para perto da formação, pego a bola que Leclerq me passa, driblo um dos babaquinhas da reserva, dou o chapéu no seguinte, arrumo a bola e chuto para o gol, Lucas defende. A bola volta para o campo, mas Thalles está por perto, domina e chuta para o gol. Ela entra na rede.

Tão idiota.

Ele corre com um sorriso gigante, tira a camisa e roda por cima da cabeça, pulando no tronco de Maksin para comemorar a vitória, o restante do grupo que tá formando o time vão juntos abraçar eles. Todos menos eu.

— Não vai comemorar? — Marcus fala, o peito subindo e baixando rápido, graças a correria.

— E dar razão ao babaca? — Pergunto com muita, muita raiva. — Jamais!

— Razão? Ele fez o gol.

Ao mesmo tempo Lucas, que também se aproximou, grita com braveza:

— Isso aí Ally, não dá razão para ele.

— Bom, ele fez mesmo o gol. — Renan aparece do nada e já entra na conversa. E para defender a droga do Thalles. O que tira de mim e do Lucas olhares de: Vou te matar.

— Cala a boca que nem sabe do que a gente tá falando. — Bufo, cruzando os braços.

Renan ergue as sobrancelhas, me entrega um sorriso azucrinante, — azucrinante... aprendi esta aí quando fui assistir o ensaio do teatro, passa uma vibe chique — e uma risada engasgada de deboche. O olhar travesso me faz saber que ele vai continuar cutucando minha paciência.

— Do Thalles, é claro. O nosso incrível co—capitão, o melhor jogador do time, o bambambã da parada.

— Um merdinha. — Lucas e eu falamos ao mesmo tempo.

— O melhor! E não sou eu quem diz isso, mas o treinador, os olheiros... tem que admitir.

Lucas dá de ombros concordando. O que faz com que os dois puxa sacos traíras de merda olhem para mim esperando alguma coisa. Fico em silêncio porque não sou obrigado, mas a vontade de falar é insuportavelmente grande quando se passam trinta segundos.

— O cara é bom. — Sinto um gosto amargo na boca só de que falar algo bom do sujeito. — Mas se acha demais.

— Porque é bom. — Marcus fala como se fosse o óbvio.

— Foda—se, ele não é o Maradona. — O que eu falo faz com que Marcus solte uma risada engasgada. — O que que foi? Pareço palhaço, por acaso?

— Você está fazendo biquinho. — Responde com um meio sorriso no rosto, depois estica o dedão e passa ao longo da minha boca. Mostrando para mim que eu estou fazendo biquinho. — Adorável.

Estapeio a mão dele, já apontando um dedo de "nem vem que não tem" para Renan. Cada vez mais esses dois abusados ficam pegando mais e mais no meu pé. E apesar de ser brincadeira, sempre existe má interpretação dos outros e eu não quero que ninguém pense que estamos juntos, porque.... Porque... porque.... Bem, não tem um "porquê", mas que se dane.

— Adorável é minha bunda. — Resmungo tentando mostrar que ele pode enfiar o "adorável" no cu, mas isso só aumenta aqueles malditos sorrisos deles. Deles porque a gralha do Renan ri também.

Puta que Pariu, na vida passada devo ter jogado pedra na cruz.

— Também. — Marcus afirma sabendo que meu humor só vai azedar mais. — Olha aqui, o biquinho aumentou.

Quando ele estende a mão para meu rosto, novamente a afasto com um safanão. Os olhos dele brilham em desafio e novamente ergue os braços, sorrio aceitando e, quando ele está prestes a chegar perto, me preparo para afastá-lo. Porém, uma leve queimação na minha bunda me faz pular.

— Hey. — Falo com acusação, já que ele se aproveitou da minha concentração para usar a outra mão e me beliscar. O que é trapaça.

Todos os palavrões que eu ia rosnar, ficam presos na minha boca quando, de repente, Renan empurra Marcus e me dá um selinho. Tiraram o dia para me atazanar, só pode.

— Oxe! — O loiro, tô falando do Marcus, porque ele pintou o cabelo, fala indignado. Renan chuta sua canela como resposta e depois me abraça contra seu corpo, sorri para Marcus e fala com um tom brincalhão:

— Nada de oxe, tu tava passando dos limites e eu não gosto de dividir o que é meu.

— Como se ele fosse só seu... — Marcus joga os cabelos para trás, colocando uma falsa pose de ciúme. 

Eu sei o que eles tão fazendo, brincando e zoando comigo até eu esquecer que eu tava puto com o jogo, com meu time e com a bosta do Thalles. Então sim, minha irrtação com tudo já passou, e não me julgo, porque quem não entra em brincadeiras é puramente amargado.

— Não sou de vocês não, cacete. — Resmungo demonstrando minha falsa indignação. E continuo brincando: — Lucas, me defende.

Lucas não me defende. Lucas não solta nem um pio. Lucas... Pera. Cadê o Lucas?!

— O Lucas saiu tem alguns minutinhos, o treinador chamou ele.

— Como? Quando? Como??

— Você não percebeu? — Renan pergunta, erguendo meu rosto e me apertando mais contra ele.

Porque ele pergunta o obvio? É claro que eu não percebi, senão não teria perguntado. Aliás como alguém é tão desatento quanto eu? Outro dia mesmo eu tava cozinhando e troquei o sal pelo açúcar na receita, ou seja, ela deu toda errada, mas nãoooo, na verdade eu tinha trocado os rótulos e na verdade a minha troca estava destrocada. Ou seria o contrário? Não importa, o problema foi ter perdido pontos pelo o que a professora disse ser um desperdício de ingredientes, já que eu tinha começado a fazer outra receita.

Por falar em receita, porque se diz receita federal? Não é como se fosse uma receita, receita. Sei lá eles não podiam ter outro nome, não? Tinha que ser receita? Eu gosto bastante da palavra receita.... Acho que eu poderia fazer um bolo floresta negra com recheio de frutas vermelhas e creme de ninho para a prova de confeitaria e....

— O que temos aqui? — A voz debochada de Thalles vem de trás de nós, ele olha para mim de cima a baixo.

Minha vontade de mandar ele tomar no cu morre assim que vejo quem o acompanha. Maksin está mais bonito do que nunca, não que eu já não o veja todos os dias. Ou quase todos os dias, porque as vezes nossos horários não batem. Mas tipo ele tá gato, gato, gato.

A camisa de futebol grudada no corpo, porque ele não tira apesar do maldito calor do jogo. E não sei o que é mais quente ele com a camisa toda colada ou ele sem com aquele tanquinho a mostra e a tatuagem... como eu queria ter a vista completa dela. Um choramingo cresce no meu peito porque sei que nunca vai acontecer, não depois da última vez...

— Agora entendo porque não estava focado no treino, Gonzales.

Gonzales. Gonzales. É meu nome.

— Pera? O quê? Oi? Do quê tá falando?

Ele revira os olhos como se eu fosse, fosse.... Sei lá. Maks permanece com a cara fechada, apenas observando tudo com aqueles olhos cinzas...

— Que é difícil para você focar no treino, Gonzales.

Thalles fala passando os olhos de mim para Renan, numa indireta. É. Provavelmente uma indireta. Que eu não entendo exatamente qual é, mas sei que é uma indireta.

— Porque?

— Eu acho que deve ser difícil focar quando se está pensando muito com a cabeça de baixo.

Ah sim. De novo essas de que eu tô coisando com o Renan. Thalles foi um dos primeiros a passar esses boatos e isso desde a época em que estávamos no primeiro ano. 

Agora, alguém fofocou que eu, Renan e Marcus estamos juntos.  Já ganhei o apelido de a garota deles. E eu sei que foi esse babaca que começou tudo, o mais ridículo é me chamarem pelo feminino. Porra eu não me identifico nem um pouco como uma garota!

— Bom, e eu acho que você pensa muito na minha cabeça de baixo.

— Olha aqui seu... — de um segundo a outro ele vai de debochado para puto e faz que vai avançar em mim. Me preparo para a briga, mas ela não chega.

— Basta.

Maksin fala com a voz mais grave que o normal, colocando a mão no peito de Thalles e impedindo ele de vir até mim. É a primeira vez, em muito tempo, que sua voz me faz estremecer por outros motivos que não sejam o fato dele balançar o meu coração, e meu pau também. Ele parece furioso, não entendo porque, mas sei que devo ser a causa já que seu olhar me fuzila.

— Maks... — Thalles ruge com raiva, mas depois de uma troca silenciosa de olhares ele sai, batendo o pé e resmungando.

Maks permanece ali, nos encarando. A tempestade em seus olhos faz com que minha garganta seque e borboletas voem por minha barriga. Não sei o que ele quer, nem tenho coragem de perguntar, apenas fico aqui o observando de volta, ou quase isso, pois só vejo do nariz para baixo, não vou olhar em seus olhos para acabar mortinho e fuzilado.

Segundos se passam nisso, sinto os braços de Renan escorregarem para fora do meu corpo e ele se afastar alguns passos. Volto o rosto para ele, já que isso é estranho, Renan é do tipo chiclete gruda e não larga mais, mas Renan não responde a minha pergunta silenciosa.

Olho para o Marcus que também está afastado alguns passos de mim, com o rosto esquisito, e faço a mesma pergunta silenciosa. Deu curto nessa mente pifada docês?

— Nada não, só senti que minha integridade física estaria mais bem resguardada aqui. —Marcus responde com um sorrisinho de canto.

— O quê?

— Nada, vamos para os vestiários?

Ele oferece já caminhando na direção de lá, volto o olhar para Maksin, já que eu deveria pelo menos falar alguma coisa, né? Só que ele não está mais ali, na verdade vejo apenas as costas dele enquanto ele se afasta e vai em direção aos cones que usamos no pré treino.

Eu poderia, poderia conversar com ele.

— Não, vou recolher as coisas e levar para o ginásio.

— Ok. — Ambos trocam olhares de cumplicidade irritante.

Às vezes parece que eles sabem de algo que eu não tenho ideia.

Eu fico andando de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro.... e não consigo parar" Sei que sei lá, devo chegar perto dele e falar alguma coisa, qualquer coisa, mas minhas pernas não querem.

Quer saber! Chega!

Eu vou lá, vou falar alguma coisa e... e... e... e... E o quê? O que acontece depois?

Não vai saber se não for lá.

Ok, ir lá, ir lá, ir lá, ir lá.

Sinto quando meu pé pisa em algo um pouco mais duro que a grama falsa da quadra, então abro os olhos e me deparo com minha chuteirinha bem em cima de uma mão branca, que seguindo por ela dá para ver braços fortes, a camisa do futebol, cabelos loiros claros e um olhar de: vou quer perder esse pé, moleque?

Meu corpo vai para trás, tropeço na pilha de pneus e caio no meio dos cones, para piorar em uma posição péssima para o meu pobre braço.

— Aí, aí, aí. — Reclamo dar dor e já me preparo para levantar porque uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa.

Mas o esforço nem é necessário, porque sinto um braço agarrar minha cintura e depois já estou de pé.

— Machucou?

— Machuquei?

Ele revira os olhos com irritação.

— Estava reclamando de dor Gonzales, machucou ou não machucou?

O braço eu não sei, mas ver você me chamando de Gonzales nesse tom sempre vai doer.

— E então? — ele pergunta depois que eu fico parado feito besta sem responder.

— Sim? Não? Não sei?

— Isso foi uma resposta?

— Sim? Quer dizer... não. Ou sim? — Porque eu tô me sentindo como um bandido sendo questionado pela polícia?

Maksin me encara com um olhar de enfado, depois pega meu braço e com suavidade o ergue e analisa. Aperta em alguma parte e pergunta se doí e quando eu digo que não ele solta sem mais.

Pega os pneus que eu tropecei, junta eles e leva para dentro do depósito. Quando volta e vê que ainda estou aqui, passa direto por mim e vai para os cones. Preciso falar com ele e consertar as coisas. Falar com ele e consertar as coisas. Falar com ele e consertar as coisas. Falar com ele e consertar as coisas.

— Oi.

Ele me olha por alguns segundos.

— Oi.

Dessa vez nem gira o rosto.

— Oi?

Ele solta um bufar. Ok, pelo menos escutando tá, então, porque não?

— Bom, oi. É que bem que queria falar com você porque bem... a gente é colega de quarto e eu queria saber se teria algum jeito da gente se tornar amigos e...

— O que você tem na cabeça, Gonzales? — ele solta a caixa onde estava colocando os cones e me encara.

— Que a gente podia tentar conversar? Sei que não nos conhecemos muito bem, mas o importante é tentar?

Ele da um tapa na própria testa e balança a cabeça de um lado para o outro como se não acreditasse no que está vendo.

— Nós já nos conhecemos, Gonzales.

— Não de verdade e meio que tipo, tu tá me tratando como um desconhecido.

— Talvez porque o que eu conheço de você não me agrade?

Bom. Porque não me soca da próxima vez? Doeria menos.

— Nós já fomos amigos...

— Antes de você quase fazer uma gestante perder o bebê.

— Ela não perdeu.

— Mas poderia!

— Mas não perdeu!

— Um delito pode se tornar menos grave, mas não deixa de ser um delito. E não deixou de ser uma possibilidade.

— Mas nada aconteceu, O que muda?

— Muda tudo! Muda que você é um covarde, muda que você não assume seus erros, muda que você continua o mesmo idiota que vai atrás dos amiguinhos e faz merda sem pensar nos outros. Sempre olhando para o próprio umbigo.

— Isso não é verdade!

— É o que eu vejo.

— Mas não é o que eu sou, você não me conhece, Petrov.

— Eu te conheço o suficiente.

— Mas não o bastante, eu quero que você me conheça e eu quero te conhecer também. — a última parte sai tão fina que duvido que ele tenha me escutado.

Ele balança a cabeça, lábios cerrados, olhar decidido.

— Não me interessa nem um pouco Gonzales.

— Você me beijou.

— Foi um erro.

— Não para mim.

— Eu não ligo!

— Eu gosto de você! — as palavras saem tão rápido que nem acredito que eu falei. — Eu gosto de você.

Maksin paralisa por alguns segundos, mas ergue a caixa lança todas as coisas restantes dentro dela e sai em direção ao deposito deixando uma única frase no ar:

— Não importa, porque eu não consigo gostar de alguém como você.

Sinto meu coração gelar, depois meu peito apertar.

Sinto como se tivesse sido quebrado no meio.

Me apaixonei por Maksin quando estávamos no primeiro ano, levo isso comigo a tanto tempo que se tornou tão natural quanto andar. Guardei profundo para mim porque sempre soube que nunca seria correspondido.

Sempre soube... mas isso não faz com que a dor diminua.

Não torna mais fácil saber que o beijo que recebi não passa de nada para ele. Não torna mais fácil coisa alguma.

Que eu nunca estaria a seus pés? Eu já sei, isso é meio óbvio. Mas sempre é difícil engolir outra prova de que eu não mereço amor. Que eu sou um erro, como diz meu pai. Que eu não sou digno de ser lembrado nem pela minha mãe. E que meu irmão me odeia mais do que tudo no mundo e saber que eu mereço cada parte desse ódio dele também não torna as coisas mais fáceis.

Só percebo que tava chorando quando as lágrimas molham meu pescoço. Ok, isso se tornou humilhante demais, até mesmo para mim. Pelo visto, Maks tinha terminado de levar as coisas para o ginásio não tinha nada mais ali. O que só aumenta minha vergonha, com certeza ele me viu chorar.

Quer saber? Já deu de pagar de vítima.

Saco meu celular do bolso, já escrevendo uma mensagem para os meninos.

"Esse jogo foi de descolar o rego da bunda, mesmo. Bora tomar uma?"

Segundos depois sou respondido por Lucas:

"Hoje é quinta, ficar de porre para amanhã, sim que será de descolar o rego da bunda."

"E quem disse que precisa ser um porre de cachaça? Posso falar com o Dom." Renan responde colocando aquele emoji de sorriso safado.

"Só esqueceu de que Allysson não é do tipo da marihuana.." Marcus fala.

"Sempre tem uma primeira vez para tudo."

Respondo, já adentrando no vestiário, sentindo no meu estômago que estava prestes a fazer a maior merda na minha vida.

Mas que se dane, todo mundo já fumou e quem não fumou um dia ainda irá fumar.

É isso que dizem não é?

Ou é sobre ser corno?

Que se dane, eu só preciso esquecer da merda que fiz hoje indo me confessar para Maksin.

Tiro a roupa sem problema nenhum, já tem algum tempo que aquele pervertido parou de encher o saco — graças a Petrov — e sigo para o chuveiro. Vestiário vazio, sem conversaiada, o puro silêncio.

De certa forma é o que eu preciso para relaxar. Ligo o chuveiro no quente, a água escorre por meu corpo e já me sinto melhor. Não sei quanto tempo eu fico no chuveiro, mas é o bastante para que o lugar fique enevoado.

— Você ama desperdiçar água não é? — aquela voz odiosa vem de traz de mim.

Desligo o chuveiro na hora e me viro em sua direção.

— O que você tá fazendo aqui idiota. — resmungo com toda a raiva que tenho por ele, pego a toalha e enrolo nos meus quadris, indo em direção ao meu armário.

Nem que a vaca tussa que eu fico mais tempo que o necessário perto deste maldito cabrón.

Mas não dou nem três passos direito quando sinto alguém chegar por minhas costas, sinto um braço se envolver forte por meu pescoço antes da minha visão escurecer.

A última coisa que vejo é o maldito sorriso que aparece em sua boca.





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