Capítulo 2 _ Allysson


Que merda, né? Que merda, né? Que merda, né?! Qual a porra do meu problema, tem algo mais idiota a se dizer do que isso? Minha vergonha é tanta que tenho vontade de correr e enterrar minha cabeça num buraco, tipo um avestruz. Percebo que ele ainda me encara, tenho certeza de que se seus olhos pudessem atirar eu já estaria mortinho e fuzilado agora.

— Qual foi cara, perdeu alguma coisa aqui? — minha voz soa grossa, como se eu quisesse desafiar ele. O que é uma droga. Porque eu não tô afim de desafiar ele! 

— Você bateu em Carlito? — sua voz fria leva agulhas de gelo por meu corpo.

Gelado, tão , tão gelado. Desvio o olhar tentando fazer com que a sensação passasse. Ela não passa! 

Canções felizes. Canções felizes. Ou seriam pensamentos? Mas cantar também... quem canta os males espanta...

Talvez cantar... Tento pensar em uma música, qualquer música, nada aparece na cachola que só fica cada vez mais e mais gelada.

— Você é um iceberg ou o quê? — resmungo injuriado, não é justo alguém ter esse tipo de olhar. Credo!

— Só responde a pergunta, Gonzales. — ele fala com os dentes apertados,  tenho certeza que uma veia chega a pulsar no seu pescoço.

— Responder o que, caramba? — Minha voz sai aguda, e tenho certeza de que ele vai achar que é debcohe, ou sei lá, quando eu só tô com medo de levar um soco por nada.

— O que você fez com Carlito!

— Mas quem caralhos é Carlito?

Minha pergunta é sincera, de verdade verdadeira, porque eu não tenho ideia de quem é Carlito. Porém, Maksin, deve achar que eu tô tirando uma com ele porque novamente uma veia pulsa e ele semi-cerra o olhar com raiva.

— Meu chofer. — praticamente bufa as palavras, depois aponta para porta. — Ele veio trazer as malas, saiu daqui apavorado e com as roupas todas amassadas.

Ah, sim, aquele cara.

— Não bati no seu chofer, vamos dizer que ele caiu e eu dei uma mãozinha. 

Sorrio so de lembrar a cara do sujeito de uniforme que só reconheci pelo rosto, tínhamos nos encontrado pelo Grindr dias antes, algo casual e sem importância. Uma foda rápida que terminou comigo acordando sozinho no hotel,  com a conta para pagar e o imbecil nem me fez gozar.

— Jura? — ele não pergunta com deboche, e sim como se realmente quisesse que eu jurasse.

— Juro. — respondo com um sorriso que só aumenta sua carranca.

— Espero que tenha sido só isso mesmo, não vou deixar você ficar intimidando as pessoas Gonzales. — ele fala como se eu fosse um cachorrinho para poder puxar minha coleira.

— Lá-lá-lá, como se você pudesse me controlar.

— Não se trata de controle, se trata de fatos e foi só um aviso.

— Nossa estou A-P-A-V-O-R-A-D-O, sério mesmo, morrendo de medo. Um aviso. Essa é uma grande inspiração... Já sei! Porque não vamos ali fora cuidar de todo este mundo sofredor.  

— Pode ser debochado o quanto quiser, mas estou falando sério Gonzales. — ele fala me encarando com dureza. — Se eu ver qualquer uma daquelas merdas do passado, como perseguir calouros,  bater nas pessoas  com aquela gangue ridícula, não vou deixar passar em branco. 

Sinto meu estômago afundar,  este é o momento exato para calar minha boca, o problema é que ela mesma não sabe disso.

—  Não vai deixar passar e branco e vai fazer o quê? Me bater? — falo com sarcarsmo, mas uma amargor fica em minha boca. Porque sim, Maks já me bateu, arrastou com minha cara na calçada. Foi uma surra arrasadora e não do tipo que eu gosto de tomar.

Seu olho treme naquele tique de quando ele tá ficando puto, pelo visto ele lembrava também e não se arrependia. Bom, eu me daria uma surra naquele dia. De todas as formas, a briga levou uma "mancha' a seu histórico perfeito, uma que ele custou a limpar. 

Quanto a mim, o que é uma gota de tinta amarela em meio a um papel arco íris? Não... espera, talvez se eu disse o que é uma gota de tinta vermelho escarlate se encaixaria melhor nessa..., nessa... jurava que tinha uma palavra para isso, aprendemos em português... é uma daquelas tais de figurinhas de línguas.

Quer saber? Melhor deixar para lá, não vou lembrar mesmo.

Só sei que é uma palavra com M, ou era com A?

Esquece, esquece... Foco Allysson.

— Vou falar com os professores, te dar advertências e se precisar vou fazer com que te expulsem.

Oi?

Minha mente demora um pouco para entender do que estamos falando, mas quando compreendo não posso deixar de admirar. Maks é sempre tão racional, queria ser mais assim. Porque não tentar? Seguro a resposta debochada que iria dar e tento pensar duas vezes antes de falar.  

— Não precisa me ameaçar, Petrov, eu não faço mais isso, sabe? Não sou essa pessoa horrível que você pensa que sou.

Ele ergue a sobrancelha num arco perfeito.

— Então ano passado, aquela briga que você começou no campo de futebol foi apenas uma coincidência?

— O cara estava provocando. — Rebato. 

— Você xingou a mãe dele de abre aspas, pinche fea perra cachonda, fecha aspas.

— Chamei? —  Não lembro de ter chamado a mãe dele de puta no cio feia do caralho, mas em minha defesa, a adrenalina e a irritação do campo fazem com que nossos nervos entrem em combustão. A física explica.

—  Bom, que seja, isso ainda seria no ano passado. — Justifico e dou palminhas a mim mesmo por ser tão esperto nessa questão.

—  No primeiro dia que chegou aqui, fez um trote com seus colegas nos calouros e boa parte deles saiu ferida. —  antes que eu possa rebater ele continua. —  E eu sei disso porque tenho redes sociais e seus amigos fizeram questão de postar.

— Bom, sobre isso...

—  E há poucos minutos atrás você espantou meu chofer. — Compreendo ele tá cismado que eu botei o chofer dele para correr. Como explicar de maneira clara e que o convença de que Charles, acho que esse é o nome, lançou as malas na cama vazia antes de sair correndo, tropeçar nos próprios pés e rolar escada abaixo?

Tudo isso por que não suportou me ver aqui, vestido em uniforme escolar, sabendo que se enroscou em lençóis com um menor de idade. Não que eu seja menor de idade, mas não é como se ele fosse adivinhar, afinal agora que me viu imaginou que como estou na escol...

Pera...

Ou talvez ele ficou com medo de eu pedir para ele um reembolso do motel?

Ou talvez... Foco Allysson!

—  Pergunte a ele, já falei que não foi nada, ele tropeçou e eu o ajudei. — Não processá-lo é uma forma de ajudar, não é?

Mas pelo que eu poderia processar ele?

Ele bufou com desprezo antes de assentir com a cabeça, seu olhar demonstrando não ter acreditado nem um pouco em mim. Ignoro isso e deito na minha gloriosa cama,  puxo meus fones de ouvido, ligo a televisão, conecto o bluetooth e coloco numa série qualquer que  não presto a devida atenção.

Mas não por minha culpa.

Não quando ele tá no quarto.

Meu foco acaba sendo ele. Maksin arruma suas coisas, de maneira extremamente cuidadosa,  no único armário de roupas disponível no quarto.  Por algum motivo sem sentindo, ele organiza as roupas por cores e tipos — Pra quê colocar regata com regata? Camisa com camisa? Perca de tempo. — e ainda isso parecendo entediante ao cubo,  não deixa de ser fodidamente sexy. 

Minha teoria é: ele tem um corpo bonito demais e um rosto perfeito demais para não ser. Além do mais, apesar da personalidade rude e séria, que lembra esses advogados aterradores, Maks se veste de forma mais causal — ou seria casual? —  uma calça preta simples e uma blusa branca solta de mangas que vão até os cotovelos que, para minha sorte, destacam seus músculos.

Maksin é tão bonito que chega a ser injusto! 

Além de ser mais alto que eu, o que é uma droga! Tem um corpo mais atlético e bem formado que o meu, outra droga, e olha que sou eu o que joga futebol! 

Mas diferente de Maksin, não se exercita todo o tempo. Meu cérebro sussurra e eu o mando calar a boca. Porque não se trata só do corpo. 

Olhos cinza ao mesmo tempo cristalinos e tempestuosos, cabelos loiro escuro e brilhantes. Rosto perfeito e, para completar, essa aura de anti-heroí que faz qualquer um  babar. 

Maksin é tão perfeito que doí.

— Vou te deixar a metade direita, pode ser? — em algum momento ele para e fala comigo. A voz mais fria do que o gelo.

—  Depois de guardar todas as suas roupas você pergunta?

—  Pensei que estava com dúvidas já que ainda não começou a guardar as suas.

—  Eu queria fazer isso mais tarde. — Respondo, ignorando como ele encara minhas malas abertas e bagunçadas ao lado de minha cama.

—  Está aqui há uma semana.  

—  Tá me seguindo pelas redes sociais mesmo. — debocho e ele apenas ergue as sobrancelhas, num frio desafio de: Repete isso de novo? 

—  Como eu disse, mais tarde. — falo indiferente, me jogando para trás com os olhos fechados.  Sinto que seu olhar ainda me fuzila, o que faz meu corpo estremecer. — Ou pode ser daqui a pouco, ou agora mesmo, quem se importa?

Levanto e, baixo a seu vigilante olhar,  arrumo minhas roupas desajeitadamente. No início até que faço questão de coloca-las no cabide, pelo menos com minhas peças favoritas, mas com o tempo fico entediado e simplesmente acabo ajeitando de qualquer maneira o restante. E por ajeitar quero dizer joga-las de qualquer jeito na gaveta do guarda roupa.

Ignoro o fato de que Maks provavelmente me julga com o olhar nesse instante, mas foda-se eu não lhe cumpriria todas as vontades.

—  Uh, a gente deveria ter algo tipo regras, né não? — ele parece surpreso quando termino de falar.

—  Regras? — ele repete a palavra como se desacreditasse que eu soubesse que ela existia.

—  Sim, Maks, regras. Fica mais fácil para dividir o quarto assim, acho.... — ele ainda me encara com descrença. — Não? Quer dizer... eu só queria, sei lá...

—  Você não é exatamente o tipo de pessoa que se fia a regras. 

—  Vamos viver um ano juntos e, bom... como dizer isso? —  dou uma pausa mais pelo gostinho do drama, já que ele tá pegando no meu pé vou retribuir, e sorrio de maneira meiga. —  Você me odeia, eu não gosto de você. Não vamos um com a cara do outro. Um já tentou espancar o outro e o outro acabou apanhando do um. Não temos nada em comum e... já disse que você me odeia? Ou que a gente se odeia?

Faço a maior quantidade de gestos e caras e bocas enquanto falo. Quero irritá-lo, o que consigo, pois sua cara fica ainda mais fechada. 

E eu que acreditava que isso seria impossível. Acho que Maksin deve ter níveis de cara de mau humor: cara azeda, cara amarga, cara de raiva, cara puro ódio e...

—  Acho que a primeira coisa que imporei será que pare de utilizar tanto deboche.

— E a primeira coisa que imporei seja que você não fale imporei, o que raios é imporei? 

— Você tem um celular, faça bom uso dele., ou vá na biblioteca e olhe em um dicionário. — ele fala grosso. Aí que ódio! Dá pra perceber como Maksin me odeia quando vê como ele se comporta com os outros, sempre educado e gentil, e comigo é assim!

—  Poderia parar de transparecer tanto o nojo que sente por mim? — falo amargo.

—  Eu não transpareço nada. 

—  Em cada gesto e palavras, meu caro Maks, em cada gesto e palavras. — O cinismo que uso é tanto que quase chega a ser sólido.

Ele odeia cinismo.

Bom, é o que ele diz. Mas não sei exatamente o que é cinismo... imagino que seja um tipo de sarcasmo ou de deboche, sei lá.

Talvez eu siga o que ele disse e procure na internet.

Não na frente dele, é claro.

Ele abre a boca, mas não retruca, ao invés disso, respira fundo três vezes. Depois aperta a ponte do nariz com tanta força que, quando solta, duas meias luas ficam marcadas ali.

— Vamos estabelecer regras. — Ele diz já pegando uma caneta e um caderno de sua mala. — Antes que eu acabe te matando.

—  Oh, querido, não tem ideia de como fica excitante ameaçando.

Ele me fulmina com o olhar.

Eu abro o sorriso mais delicado possível.

Isso o enfurece tanto que a caneta parte em sua mão, a tinta sujando o papel, ele e o chão.

Esse sim que será um ano interessante...

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