Capítulo 16 _ Maksin
As coisas eram tão mais complicadas do que deveriam ser...
Na minha cabeça só se passava Allysson.
Allysson com sua pele brilhante, dourada e aparentemente sedosa, parecendo tão aveludada que as vezes eu me encontrava com os dedos coçando pelo mero desejo de tocá-la. Allysson e aquela maldita boca carnuda e vermelha que se abria somente para soltar asneiras ou palavras afiadas, e em ambos os casos parecia tão extremamente apetitosa, que a melhor forma para calá-la seria com um beijo. E seus cabelos... aqueles malditos cachos definidos que pareciam ser suaves ao toque, e eu queria simplesmente poder pegá-los, acaricia-los e... agarrara-los.
Na verdade, muitas partes de Allysson poderiam ser perfeitamente agarráveis.
Muitas, muitas partes.
Merda. É inevitável não admitir que sinto certa — muita — atração física por ele. Porra! A menos que um cara seja cem por cento hétero também sentiria. Ele é bonito e tem aquela aura sexy e fofa que faria qualquer um desejar toma-lo para si, e se afogar nele.
Meu corpo está cem por cento atraído por ele.
Já minha mente não perde sequer um detalhe de todas as merdas que ele fez, algumas cruéis outras sem graça, mas todas de forma errada. Apenas uma maneira de diversão podre para ele e seus amigos.
E então vem as lembranças, de todas as vezes que Allysson mostrou aquele outro lado, sensível, doce e triste. E outra parte de mim, uma que apenas começo a reconhecer, apenas queria ergue-lo e o proteger de qualquer um que o tentasse machucar.
Fôde-lo, amá-lo ou odiá-lo?
Que irônico se tornou o rumo da minha vida.
Um suspiro, deveras cansado e frustrado saí de mim, e não me importo em tentar contê-lo, minha cabeça já tão bagunçada que eu só quero que tudo se exploda... e toda vez que penso no furacão que estão minhas emoções, eu o percebo lá bem no meio de todo o caos, com um sorriso diabólico e uma covinha fofa, as sobrancelhas erguidas como quem diz: Ainda se atreve a me odiar?
Como odeio Gonzales e sua maneira de foder com minha vida.
E o pior de tudo, é que nem o faz de maneira consciente.
Ridículo.
Quando estou perto dele, tudo fica um emaranhado de sentimentos paradoxos e confusos e estou começando a crer que, além do final de semana, o melhor é ficar longe dele durante todos os outros dias também.
É isso.
Uma boa dose longe de Allysson Gonzales, para minha mente voltar a sanidade.
Talvez eu deveria voltar tarde ao dormitório, as vezes dormir com o Daniel, me inscrever em mais um clube. Faço uma anotação mental para passar pela secretaria e ver quais clubes poderiam se encaixar no meu horário, para que isso não se sobreponha de tal forma que seja demasiado cansativo e...
— Perdão! — escuto o grito um pouco antes de que eu seja derrubado no chão.
Consigo amenizar a queda, a minha e a do cara que caiu em cima de mim, absorvendo com meu corpo a maior parte do impacto, sem deixar que minha coluna ou pescoço fossem afetados no processo. Já o sujeito, passivo em todos os longos poucos segundos, acaba desnorteado e numa posição constrangedora ao ficar em cima de mim.
Merda"
A palavra rasga minha garganta sem que eu possa me conter, ao apenas sentir o maldito cheiro de chocolate com morangos, doce e azedo, e delicioso. Praguejo mais algumas maldições antes de abrir os olhos e me permitir encarar aquela nuvem de cachos escuros, com poucas luzes castanhas mel, já que recentemente ele iluminou o cabelo.
— Gonzales. — murmuro e ele levanta aqueles malditos olhos café para mim, o rosto levemente mais escurecido por estar corado. A vergonha o deixando quatro vezes mais atraente. — Levante.
Minha voz soa rouca demais, mais irritada que o normal, mas isso não o assusta. Ao contrário, ele permanece parado, seu olhar perdido, e com semblante confuso. Completamente disperso, absolutamente desnorteado, literalmente em outro mundo.
Mas fodida merda?! Ele tinha que viajar na puta maionese justo quando cai bem em cima de certas partes do meu corpo?
Não consegui perder nem um único detalhe, os shorts que ele usava — e digo shorts por ele ser um dos poucos alunos incapazes de seguir a regra de bermuda abaixo do joelho — levanta até a metade das coxas grossas, que ficam uma de cada lado dos meus quadris, sua bunda a poucos centímetros de se aproximar do lugar errado.
Um grunhido sobe por minha garganta apenas por imaginar a sensação que teria se isso acontecesse.
Nesse momento, seu olhar desfocado fixa em mim, e aos poucos ele parece se situar na realidade. Ele me observa de perto, sem vestígios de confusão no rosto, apenas choque. E como se de repente lhe batesse um tapa de realidade, ele arqueja surpreso e caí para trás, caí sentado. Sentado em mim.
Maldito, maldito Gonzales.
Ele não se levanta. Ainda em choque, os olhos girando na órbita de um lado a outro como se tentassem realmente compreender que era eu ali. Já estava prestes a xingá-lo com palavrões tão feios que nunca na minha vida havia considerado pronuncia-los. Quando ele levantou a mão hesitante e tocou meu rosto.
De maneira tão delicada...
Porra, ele está bêbado ou o quê?
Ele inclina para mais perto de mim, os olhos chocados e de novo confusos, a mão trilhando cada parte do meu rosto, a blusa de frio levemente levantada mostrando um pouco da barriga definida e ele de joelhos em cada lado das minhas pernas com a bunda encaixada onde não deveria estar.
Tudo tão perfeitamente encaixado onde não deveria.
Como não deveria.
E ele sendo tão, tão gostoso que... Em menos de um segundo está estrelado contra o chão, e eu de pé.
Escuto-o gemer de dor, e uma pontada de preocupação aloja em meu peito. Corro para ajuda-lo a se levantar, afinal foi minha culpa.
Não é difícil compreender, é uma questão biológica, meu corpo reagiu a Allysson, e em um reflexo minha mente agiu também, o chutando para longe antes de que ele sentisse que eu estava ficando animado demais por causa dele.
Por ele.
— Allysson, você tá bem? — Pergunto, já o levantando como se fosse um saco de batatas vazio. Verifico cada parte dele, para ter certeza de que não machucou nada.
— Cara. — ele ri, uma risada gostosa. — Eu tô bem.
— Foi mal. — murmuro. —Então, até já.
— Hei! Espera.
Mas não espero, minhas pernas são mais longas que aqueles toquinhos que ele tem. E apressado caminho em direção a minha próxima aula. Mesmo que química seja um passo para a depressão.
Ao mesmo tempo, forço meu cérebro a comandar minha própria meia ereção para que se abaixe. O que é meio difícil já que o cheiro de morangos e chocolate tão característico dele ainda está impregnado no meu nariz. Na minha roupa. Na minha mente. Em mim.
Pela primeira vez agradeço que a carteira que Dani ficava está vazia, ou ele teria notado meu estado caótico. Ele se mudou há algum tempo junto a outros de meus colegas que foram substituídos por pessoas desagradáveis que falam demais. Contudo, graças a uma inconsistência nas papeladas, professora auxiliar doente e alguns outros problemas, o cara que seria meu novo colega de laboratório não pode se mudar de imediato.
E assim tá há uma semana.
A professora entra na sala, com aquele sorriso malicioso que indica que ela tem alguma "surpresa" preparada. Escuto alguns colegas darem gemidos de desgosto ou murmurarem palavrões. Não reajo, ela sorri abertamente para mim e pisca, e eu devolvo um sorriso contido.
Acho que por ser um dos poucos alunos que não a odeiam completamente, a senhorita Penélope gosta de interagir comigo como se fossemos cumplices um do outro e não só professora e aluno e eu não perco energia para explica-la os n motivos para que assim não seja.
Começando pelo fato de eu odiar, com todas as minhas forças, a matéria dela.
— Basicamente o que terão que fazer é... — ela é interrompida quando batidas fortes ressoam na porta.
Franzindo as sobrancelhas ela abre a porta, e quando vê quem está do lado de fora, o vinco se torna mais profundo. Ela sai rapidamente da sala, e nada é escutado. Os alunos se inclinam nas carteiras como se assim fossem conseguir ouvir qualquer coisa, os rostos iluminados pela curiosidade. E algo dentro de mim apenas fica de mal humor, porque meu instinto me diz que eu não ia gostar nem um pouco de quem fosse entrar nessa sala.
Dois minutos depois a professora volta, e quem a segue não é nada mais, nada menos, que Renan Siqueira.
Nós dois trocamos olhares de raiva. Que são quebrados quando Allysson entra na sala.
— Esses serão seus novos colegas de turma, cuja apresentação é dispensável. — ela fala severa, antes de virar para encará-los. — Podem se sentar.
Apesar de que o tom rude faz que ambos contraiam o rosto com irritação, nenhum dos dois contradiz o que ela diz. Eles andam devagar até uma carteira no final da sala e se se sentam já tirando o material da aula.
Apenas quando tudo já está em cima da mesa, a senhorita Penélope de novo se faz ouvir.
— Absolutamente não. Realmente pensam que eu teria todo um trabalho para remanejá-los e turma para que permitisse que ambos se sentem juntos?
O rosto de Renan se fecha em pura raiva, como se ele tivesse considerando avançar na mulher baixinha e corpulenta ali mesmo. A professora ignora e continua.
— Renan, troque de lugar com Eduardo, e Allysson pode sentar com Maksin.
— Eu tenho mesmo que sentar com esse estúpido? — Renan vocifera, a cara fechada em desgosto. Não muito diferente da de Arthur, que vê com semblante fechado como Eduardo saí do lugar para dar caminho a Siqueira.
— Sugiro a você, senhor Siqueira, rever o significado de estúpido no dicionário, para perceber que ele se enquadra unicamente a você. — a professora diz, irritada.
Já Siqueira bufa com deboche.
— Pensei que os professores não pudessem ofender os alunos.
— E eu pensei que a função dos alunos seria estudar, mas vejamos, você não cumpre com sua obrigação então porque deveria cumprir com a minha? — ela fala com a mesma dose sarcástica que ele, e arranca a risada de alguns alunos.
A mão de Renan se cerra em punho, e ele parece mais feroz que nunca. Já me levantava para impedir qualquer coisa ao ver como o corpo dele ia para frente como se fosse atacar a professora, mas não foi preciso, a mão de Allysson se fechou ao redor do pulso dele em um toque suave, mas que o impediu de avançar na hora.
Minha garganta amarga, e apenas observo Allysson se inclinar, e face a face, sussurrar no ouvido de Renan de uma maneira tão íntima que não pude deixar de perguntar, eles são só amigos? Renan é sempre tão protetor com Allysson, e também tem ciúmes dele... Talvez, só talvez, haja algo a mais entre esses dois.
Esse pensamento não me incomoda nem um pouquinho.
Nem um pouquinho.
Sem deixar de acompanhar com o olhar a cena que os dois protagonizam, lanço a caneta que antes segurava no lixo, já que quebrada ao meio não me serviria, e limpo minha mão suja de tinta com as folhas do caderno. E logo as amasso e jogo fora também.
Bem a tempo de Allysson se sentar a meu lado, e Renan se lançar na carteira em comum com Arthur.
— Perfeito, Renan, quem sabe ao lado de alguém mais esforçado, você consiga deixar um pouco de lado essa sua... tenacidade.
Renan fica calado, em absoluto. Como se a ignorasse. Já eu, anoto mentalmente ter que fazer mais tarde um relato formal sobre professor desacatando o aluno, posso até gostar da senhorita Penélope, mas qual o problema do povo dessa escola que perde o senso do ridículo tão facilmente?
— Isso serve para você também, Allysson.
— A parte de extrair a inteligência, a parte da estupidez ou ambas?
A professora retrai um pouco. Parece pensar cuidadosamente no que dizer.
— Só estou falando que quem sabe ao ter como duplas colegas com mais qualificações, eles possam ajuda-los a melhorar.
— E eu só estou dizendo como é incrível sua capacidade de mudar as palavras de acordo com quem dirige.
Se diz com quem se dirige, Gonzales...
— Me tenha respeito, senhor Gonzales, ainda sou a professora.
— E por acaso disse que não é? Apenas falo para que se atreva a dizer o mesmo que falou com Renan a mim.
— São casos diferentes.
— Como assim diferente? — Ele ergue as sobrancelhas com indignação.
— Apenas diferentes, Gonzales.
— Isso sim que é ridículo, Renan sem estudar consegue tirar melhores notas que eu. — ele bufa desbocado — Se você o considera estúpido imagino o que pensa de mim, sou o quê? Um acetato?
— Acetato?
Exceto por Renan, que parece estar perdido na discussão. E Arthur, que no momento está perdido em sua própria mente, onde apenas posso supor que ele se imagina fazendo várias coisas com Renan, variando de sexo a assassinato. Todos, inclusive a professora, repetem a palavra sem entender.
— Acéfalo, Gonzales. Se diz, acéfalo. — murmuro baixo, vendo as bochechas deles corarem pela vergonha.
— A-acéfalo.
— Gonzales, como disse são casos diferentes, agora sente-se na cadeira antes de que te mande para ver o diretor.
— Ameaças prof ? Isso não é abuso de poder?
— Chame do que quiser, mas dentro de sala minha palavra é lei, e você está sendo petulante e desrespeitoso.
— E o que você fez com Renan também não foi desrespeitoso?
— Jura que quer comparar? Você e seu bando por onde passam levam discórdia, bagunça e caos, vocês estão cansado a todo mundo, por algum milagre de Deus seu coleguinha aí ainda não foi expulso do colégio, vocês estão numa linha fina, prestes a arrebentar, com todos os professores desse lugar. É divertido, senhor Gonzales, ser tão desagradável a ponto de professores chorarem só de pensar que a próxima turma incluirá alguém do seu grupinho? É divertido ser encrenqueiro, irritante e petulante? E ainda por cima vem falar sobre desrespeito? Desrespeito são o que você tem para qualquer um nesse lugar e me escute bem...
De cabeça erguida, e lábio contraído em uma linha fina, Gonzales escuta tudo calado, mas vejo como sua mão começa tremer sutilmente com toda a bronca. Contenho a vontade de segurá-la, ao invés disso troco um breve olhar com Arthur que entende na hora o que eu quero.
— Sério mesmo? — ele franze a testa, respondendo a meu pedido silencioso.
— Sim, vai fazer ou não?
— Porque você não faz?
— Porque estou pedindo para você fazer, oras.
E soltando um bufar silencioso, revirando os olhos até o talo, ele se ergue e pigarreia. Um sorriso condescendente surge em seu rosto, quando a professora detém a rispidez de sua repreensão, para com Allysson, e volta sua atenção para ele.
— Professora, sei que isso é necessário, mas já se passaram dez minutos de aula e eu não queria ficar atrasado nessa matéria, ele é interessante e complicada, cada segundo é valioso. — ele fala em tom neutro — Não que eu queira te dizer o que fazer, mas é que...
— Não se preocupe Arthur, é compreensível seu sentimento quanto a isso. — ele fala com a voz suave. — Senhor Gonzales, nossas pendencias terão que ser deixadas para outra hora, marque um horário na secretária, se não for te incomodar demais posso voltar a dar aulas a quem verdadeiramente veio aqui por isso?
Allysson vira a cara, se sentando a contra gosto. Sua mão para de tremer, e durante todo o tempo restante, ele batuca com o caneca ao invés de prestar atenção na aula. Não digo nada, pois minha mente também voa longe, apenas anoto o que a professora passa no quadro.
Não é uma matéria especialmente difícil, embora seja um porre, então mais tarde quando meus pensamentos não estiverem dominados pela testosterona e por toda essa maldita confusão vou revisá-la.
— O trabalho que vocês farão vai valer um terço da nota nessa bimestre. — Penélope fala fazendo nota no quadro. — Seus parceiros serão a dupla de vocês na mesa.
Apenas assimilei o que ela disse, enquanto anotava o que deveria ser feito. Das últimas coisas que eu gostaria esse ano é sair num trabalho com Gonzales, isso porque eu o odiava. Agora, bem, posso até não odiar muito, mas droga, odeio a mera possibilidade de voltar a ficar excitado por ele. E eu sei que vou voltar porque ele é o cara mais excitante que já conheci, e isso era algo que me doía admitir desde o dia em que o conheci.
Talvez por isso minha raiva para com ele fosse acima do nível normal com que trato todas as pessoas que praticam bullying. Odeio a ideia de ficar assim por alguém que se diverte às custas da humilhação dos outros.
Quando o sinal soa indicando o fim da aula Renan é o primeiro a sair, praticamente arrebentando a porta no processo. Allysson o segue prontamente, com a feição dominada pela preocupação.
Não tive pressa alguma para ir embora, quanto mais tempo longe desses dois, melhor.
Toda essa preocupação, definitivamente não são só amigos.
— Maksin, Arthur. — a professora chama com voz suave, e eu e ele estancamos no lugar, esperando que ela soltasse o que queria dizer. — Vou saber se fizerem os trabalhos sozinhos, não vou dizer que vou tirar pontos de vocês caso ocorra, porque seria injusto, não devem carregar com a obrigação de educar os colegas de vocês.
Ela deu o discurso em tom brando demais, o final da frase sugerindo que havia um "mas" no ar.
— Mas, pensem bem, isso pode ser de grande ajuda para eles. — ela falou sorrindo. — Solidariedade.
— Vou tentar meu melhor, professora. — Arthur disse com um brilhante sorriso, ao qual a professora retribui abertamente e alegremente.
Da inocência dela, ela acreditava que Arthur como bom aluno estava correspondendo seus desejos. Mas com a perspicácia de anos, era fácil notar o sutil brilho de frieza em seu olhar, a tensão no sorriso que ele dava, seus membros mais rígidos que o natural e sua mão esticada demais, com ele se contendo para não cerrá-la em punho.
Ele não estava nem um pouco contente com ela, nem com nada na verdade.
Poderia imaginar ele saindo dali, saltando as aulas posteriores, burlando a segurança e indo até seu apartamento isolado, talvez quebrar alguma coisa, talvez atirar em algo, ou em alguém.
— Está dispensado da reunião do grêmio hoje. — sussurro em seu ouvido, e ele assente agradecido antes de marchar a passos duros para fora da sala.
— E você Maksin? Vai ser solidário com sua dupla?
— Sabe que sim, senhorita .... — Apesar do tom amigável, lhe entrego um olhar sério. — Mas espero que não fique muito chateada caso chegue uma advertência em sua mesa.
Isso fez com ela fechasse um pouco mais a expressão.
— Renan é um aluno complicado.
— Mas isso não te dá o direito de humilhá-lo, professora. – Dou um suspiro cansado. Eu sou a porra do aluno que só tem 18 anos aqui! Então porque sou eu o que tem que lembrar os adultos profissionais de que devem ser... bem, profissionais?!
— O contexto é mais complicado do que o que você viu, Maksin.
— Pode até ser, mas vamos aos fatos, você utilizou de palavras depreciativas, desagradáveis de insultantes para descrever um aluno. Depois o comparou a outro discente, que se enquadra, em qualidade escolar, num nível ainda mais abaixo que o primeiro.
Dei uma breve pausa antes de continuar.
— Ainda assim não usou os mesmos adjetivos com esse segundo aluno, e levando em consideração que o primeiro é um bolsista e o outro um pagante, qualquer um poderia supor que houve trato diferente por conta das posições sociais.
Ela ficou calada, sem argumentos. Porque era um fato que nessa escola, até mesmo professores costumavam despreciar bolsistas.
— Ou seja, você degradou um aluno por seu intelecto, por sua falta de conduta, mas também por suas condições financeiras. Infringiu duas regras da escola, professora, uma coisa é penalizar um discente, outra bem diferente é no processo causar comoção de natureza vergonhosa ao mesmo.
— Tem razão, Maksin, é só que esses dois me deixam doida.
— Nem imagino o quão difícil deve ser lidar com alunos assim todos os dias, mas faz parte do grêmio receber e enviar arquivos que relatam abusos verbais dos funcionários para com os alunos. Então eu apenas cumprirei com minha função, principalmente quando presenciei os fatos.
— Ok. — ela fala conformada. — Mas vê se não esquece o trabalho, e estou falando sério Maksin, tenta dar uma mãozinha ao Allysson, desde que vocês mudaram juntos ele começou a se meter em menos encrencas.
Ergo as sobrancelhas surpreso.
— Não sabia disso.
— Bom, foi o planejado. — ela dá de ombros como se não tivesse dito nada demais.
— O planejado?
— Sim, ah, Maksin Petrov. — ela cruza os braços com o tom de voz divertido. — Não vá me dizer que não imaginou que tivéssemos preparado isso.
— O quê? Por quê?
— Você tem uma personalidade bem forte, e todos sabemos como é contra certas situações, e bom Allysson é Allysson, ele costuma se adaptar as companhias. Achamos que merecia uma outra influência, sabe aquele amigo em comum de vocês? O Daniel? Ele é um bom garoto, mas passava demais a mão na cabeça dele.
— Eles não são amigos. E isso não é um tabuleiro de xadrez para que vocês fiquem montando estratégias como se fossemos peças nele.
— Bom, mas funcionou, não foi? Sei que você não gosta muito do Gonzales, mas aprenderam a conviver. A vida é isso, nem tudo é flores.
Bufo irritado, porém é inegável a lógica da situação.
— Até outro dia professora.
— Não vai perguntar porque não te juntamos com Renan em vez de Allysson? — ela meio que grita já que já estou me afastando pelo corredor.
— Não preciso, já sei a resposta.
Nunca é bom juntar duas pessoas com fichas criminais e personalidades opostas, gritantes e explosivas.
E reforçando, eu e Renan não somos compatíveis, nem no mais mínimo possível. Temperamentos conflituosos demais, personalidades fortes demais, crenças fortes demais e tudo isso oposto ao mesmo tempo. Além do mais tem toda aquela questão de eu me segurar para não surrá-lo sempre que vejo como ele machucou a peste do Arthur.
Irmãos mais novos são uma coisa, não queremos viver com eles, e queremos matar quem machuca eles.
Ando devagar, afinal a reunião se dará a cabo daqui apenas a uma hora. Porém, e infelizmente, no final do corredor me encontro com aqueles dois, praticamente pregados um no outro e conversando aos sussurros. Talvez eu devesse ignorar e seguir o planejado, os convocando para uma reunião formal ou esperando uma queixa. Mas tendo em vista o orgulho das duas peças a minha frente, sei bem que nenhum dos dois se "rebaixaria" a pedir minha ajuda.
Então vou até eles. Renan é o primeiro a perceber minha presença, o semblante se fechando na hora, deixando bem claro que eu não era bem-vindo ali.
— O que você quer Petrov? – Ele questiona rude, em um tom petulante de alguém que quer crer que pode dominar alguma coisa.
— Caso ambos não saibam, o que ocorreu na sala de aula se enquadra em abuso verbal e vocês tem o direito de denunciar a professora, o que a fará levar uma advertência formal.
— É incrível como você não é capaz de levantar um dedo quando se trata de algum de nós sendo humilhado.
— Não sou policial, não é minha obrigação e não gosto de você. — Não hesito em dizer, pois é a verdade. — Mas não importa os motivos, o que a senhorita fez não foi nem um pouco profissional.
— E porque não me defendeu? Ah , já sei, porque concorda com ela, certo?
— Isso importa? Meu dever é unicamente registrar as queixas e enviar a diretoria, a menos que você queira falar presencialmente com ele, é claro, mas isso é mais complicado e demorado.
— Cale a boca, seu fodido certinho, quando se trata da gente fazendo algo errado é o fim do mundo, mas quando são outras pessoas você...
— Renan. — a voz de Allysson soou tão suave que me estremeceu. — Não compare as situações, normalmente brincamos com gente que não sabe se defender, é meio covarde admita e depois... bem, Maksin não gosta da gente e não damos motivos para que goste, ele não ignorou o que a professora fez com você o que prova que ele é boa pessoa. Mas defender as pessoas não é obrigação dele, é apenas sua natureza.
— Natureza seletiva. — Renan bufa irritado.
— Pare de reclamar, o que você mais detesta é que alguém te defenda. — Allysson sorriu mostrando aquelas preciosas covinhas. — Não é alguém que precise ser defendido.
— Pensei que seu complexo de herói o fizesse vestir a capa sempre que vê alguém sendo tratado mal. — Renan fala ignorando deliberadamente Allysson e olhando direto para mim.
— Não tenho complexo de herói, Siqueira, apenas não gosto de presenciar certas situações, isso não me torna o bom exemplo de ética, apenas o de bom senso comum. — falo tão suave e frio, que vejo quando ele arrepia. — Vou redigir uma carta de reclamação formal, basta que leia e assine, ok?
— Como se isso fosse adiantar alguma coisa. — ele fala incrédulo e teimoso.
— Não vai saber se não tentar, não é mesmo?
Ele apenas revira os olhos irritado, antes de chutar uma pedra e cair fora, andando a passos largos e estrondosos. Gonzales permanece no mesmo lugar, o olhar perdido onde o amigo esteve.
— Obrigado. — ele fala em um sussurrar.
— Pelo quê? — cruzo os braços e questiono, ele se encolhe no próprio lugar, mordendo de leve a parte interna da bochecha e... Deus, eu preciso de terapia.
Ele lambe os lábios secos antes de continuar.
Com urgência, terapia com urgência.
— Não sei exatamente, as vezes você é confuso demais, Maksin, não consigo te entender. — ele fala tão sério que uma parte de mim balança, o que só piora quando dá um de seus sorrisos marotos. — Mas não é como se eu conseguisse entender muita coisa.
E dá as costas para ir embora, mas de maneira tão automática que nem mesmo percebi o seguro pelo pulso, Tento não me concentrar em como sua pele é quente e aveludada sobre a minha, ou como a veia dali passa a pulsar mais forte, me forço a unicamente encarar o brilho marrom de seus olhos escuros. Vendo tristeza e ansiedade refletirem contra os meus. E digo antes mesmo de poder raciocinar direito:
— Não deveria se menosprezar tanto, Gonzales. — engulo toda e qualquer contrariedade que ainda sinto e complemento. — Você não deveria permitir que as opiniões que as pessoas têm sobre você moldem a sua própria, você é muito mais do que a professora, o diretor, eu ou a sua própria família diz. Você é você. Se orgulhe disso, pois pode ter seus defeitos, mas ainda assim é alguém incrível, eu tenho certeza. Então, apenas não permita que sua mente te rebaixe também. Você é incrível, Gonzales. Lembre-se disso.
São apenas palavras comuns, mas parecem surgir outro efeito nele, que arregala os olhos antes de abaixar o rosto, mas não em tempo o suficiente para que eu não enxergue o rubor que toma conta das bochechas.
Ele parece gaguejar para encontrar as palavras, mas eu já atingi minha cota de não normalidade por um dia.
— Até logo, Gonzales.
Falo, e me afasto rapidamente. Escuto ele murmurar meu nome, mas ainda assim sigo em frente.
E odeio não estar arrependido de consolá-lo.
Odeio ficar feliz quando o brilho de tristeza sumiu de seu olhar.
Odeio me balançar por ele.
E o odeio por, em menos de quarenta e oito horas, estragar minha concepção de que eu não o odeio tanto.
Afinal, apenas Gonzales seria tapado o suficiente para colocar uma bomba caseira no quarto da professora.
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