Capítulo 15 _ Maksin
Uma vez, em algum lugar, li que a amizade fraternal, a verdadeira, é como uma flor que nunca morre.
Alguns dizem que a amizade verdadeira vem apenas dos pais, eu acredito nisso, mas acredito também na do irmão. Aquela pessoa que você nunca escolheu que entrasse na sua vida, mas que permitiu adentrar seu coração, e que você protegeria de qualquer maneira.
Aquela pessoa que, se em um dia qualquer, onde ambos estão sem fazer nada, e ela pensasse: "Aí que preguiça" e te pedisse para pegar um copo de água, você refutaria sem pensar duas vezes. Contudo, porém e, todavia, se ela precisasse de um rim, você também doaria sem pensar duas vezes.
Uma pessoa que, de alguma maneira, vai sempre estar ali com você, que nos seus piores momentos vai te acolher, que mesmo você estando errado irá te defender. Que nunca admitirá alguém falar mal de você, mas que de longe não hesitará em te aconselhar.
É algo que vai além da amizade, mas nunca chegará a paixão, é um amor de fato. Um amor fraternal, sem desejo, sem vaidade. Apenas irritação, alegria e apoio.
Mesmo com a correlação sanguínea quase distante. Eu e Arthur sempre seremos algo assim, irmãos.
E na verdade, foi sempre assim que eu o vi. Como um irmãozinho menor e irritante que eu teria que aturar a vida toda. E mesmo sendo um porre eu seria incapaz de abandoná-lo.
Por isso, hoje dedico isso a meu irmão Arthur.
Por mais uma vez ter me erguido quando eu precisei de apoio.
Por mais uma vez ter estado ali.
E por mais que nunca vá conseguir entender de fato o que eu senti, ainda assim ter ficado do meu lado e não me deixado abater.
E depois ter me irritado até eu te expulsar de casa.
— Sabe Maks, eu só vejo você tentando ajudar os outros, e se preocupando com os traumas dos outros, mas nunca se volta para si mesmo, não é?
Eu nem mesmo precisaria me esforçar em distinguir a voz para saber o dono de tal comentário. Escorado na mureta, braços cruzados, um sorriso de lado e os óculos caindo para a ponta do nariz. Arthur me encarava, sem sair da posição, provavelmente por que creia que era algo "cool".
— Já superei meus traumas. — Me limito a falar, e tento ignorar o fato de ele ainda se manter na mesma pose.
— Eu não diria isso. — Ele ajeita os óculos e joga o cabelo para trás. Como se tentasse ser sexy? Bad boy?
— Você não tem que dizer nada, minha psicóloga sim.
Minha exasperação é palpável, a frustação subindo por minhas entranhas. Odeio que Arthur seja irritantemente intrometido, e odeio mais ainda ele me conhecer tão bem. Não gosto de deixar visível meus pensamentos, não gosto que as pessoas conheçam meus traumas e fraquezas, detesto ser apoiado quando eu posso caminhar sozinho, por mais difícil que o andar seja.
E Arthur é um pau no cu, por fazer tudo isso, por me conhecer, por me ler tão bem e por fazer o maior esforço possível para me ajudar, mesmo quando eu quero ficar isolado em minhas próprias turbulências.
— Porque será que eu acho que ela também não diria isso? — Ele fala com um tom genuinamente debochado.
Maldito cínico.
— Me deixa em paz, Arthur. — Falo baixo e firme.
Não quero papo, sem mais, mas Arthur não é necessariamente conhecido por respeitar a vontade dos demais, e principalmente a minha. Então é zero o choque, ele ignorar o que eu disse.
— Não. – Ele fala passando um braço ao redor dos meus ombros. — Sou o único aqui que te conhece de cabo a rabo, você precisa de alguém para te apoiar também.
— Gosto de lidar com meus próprios pesadelos sozinho. — Falo tirando o braço dele do meu ombro.
— E isso um dia acumula e você explode. — Ele volta a colocar o braço.
— Vai fazer o joguinho da culpa agora? Porque, se não se importa, eu já faço o trabalho muito bem sozinho.
E é verdade, as lembranças vividas e metricamente gravadas por minha mente, me tornam incapaz de esquecer um só detalhe da minha própria falta de cordura.
— Aquilo não foi sua culpa... — ele dá uma pausa curta. — Em teoria.
— Em teoria? — solto um grunhido amargo — Eu deveria saber como controlar meus próprios impulsos.
— Chama aquilo de impulsos? Aquilo foi uma bomba de estresse pós-traumático, junto a depressão, ansiedade e raiva acumulada. — Ele fala gesticulando irritado — Você era a porra de uma bomba relógio, Maksin!
Bom, isso é verdade, mas ainda assim não posso dar o braço a torcer. A culpa foi unicamente minha e ponto final, foram minhas ações e não adianta jogar a responsabilidade para o instável que estava o estado da minha mente na época. Além disso, não é como se eu não tivesse me deixado levar outras vezes.
— E ainda assim, eu já explodi outra vezes.
— Está falando da vez que socou a cara do Gonzales, depois dos amigos dele bateram naquele cara até ele cagar e Gonzales fez ele comer a própria merda? — Ele revira os olhos, e cruza os braços. — Que eu saiba você estava bem controlado lá, e só fez aquilo porque os caras deram o primeiro soco, e além disso o sem noção do Gonzales viu os amigos apanhando, mas mesmo assim continuou enfiando merda na boca daquele cara...
"Daquele cara", Arthur se recusa a falar o nome de Willian por ciúmes, já que ele diz que "o cara" tentou me roubar dele. E não, não em um sentido romântico, apesar de Arthur ser gay e eu ser ser bem... eu. Nunca, jamais, houve esse tipo de atração entre nós. Chega a ser nojento imaginar eu e Arthur juntos.
Como ele mesmo afirma, isso deve se originar do fato de que somos praticamente irmãos, e por irmãos quero dizer primos muito longínquos, mas a relação é de irmãos. Durante muito tempo essa peste indesejada viveu comigo na minha casa ou eu na dele, e basicamente crescemos juntos por um tempo. A relação se desenvolveu assim, e mesmo quando ficávamos meses sem nos ver, quando nos encontrávamos era a mesma coisa de sempre.
— Ainda assim, nem tudo deveria ser resolvido no soco, ou melhor, nada deveria ser resolvido no soco. — Respondo, após Arthur pigarrear impaciente com minha demora. — Violência gera violência.
— Nem mesmo você acredita no que você disse. — Ele murmura de forma quase inaudível.
— Arthur... — reviro os olhos, pronto para rebater, mas ele balança as mãos em forma de dispensar o assunto.
— Eu acabei de falar que eles fizeram o coleguinha, que era SEU amigo, na época comer merda? — Ele põe a mão no queixo em falsa pretensão de estar pensativo. — Ah, falei! Falei sim. Merda, Maksin, fizeram ele comer merda!
— Ok, esqueça isso.
Ele não vai esquecer isso.
— Porque te convém?
— Convenhamos, no que isso me conviria?
— Talvez você estar tentando procurar sua culpa na situação, e assim defender Allysson na sua cabeça? — Ele fala tão baixo e rápido que questiono se foi esse mesmo o absurdo que ouvi.
— O quê?
— Nada não.
— Não faça o sonso, Arthur!
— Não estou fazendo nada. — Ele põe os braços ao lado do corpo. — É só você admitir que nessa situação não estava errado, apenas defendendo um amigo e a si mesmo.
Ok, eu quero admitir. Mas existe uma coisa entre eu e Arthur e é: Nunca, jamais, admitimos que o outro está certo. Mesmo que ele esteja, sem uma discussão milimétrica antes.
— E depois, como eu disse era o seu amigo. — Ele fala com asco a última palavra, antes de apontar o dedo para si mesmo. — Se alguém me espancasse e depois me forçasse a comer minha própria merda, você não bateria nessa pessoa para me ajudar?
— Nesse momento. — Semicerro os olhos. — Estou tendencioso para o não.
Eu deveria ter seguido meu instinto e não ter dito tais palavras, a vantagem de ser bastante próximo a alguém é poder prever as ações dessa pessoa. E talvez eu deva ter cometido atrozes pecados no meu passado, só assim para ter como pessoa mais próxima a rainha do drama.
Arthur, bate a mão no peito, em reação ao "choque", a boca se abrindo em um "o" perfeito, o ultraje delineando cada linha do seu rosto.
— Que ultraje! Como você se atreve? Logo eu? Nós dois que já tomamos banho juntos na infância, aprontamos juntos, gostávamos das mesmas coisas, combinávamos coloridos na escolinha, compartilhamos lanchinhos, sempre escapamos juntos das coisas, encobrimos um ao outro sempre que fazemos merda...
— Ok, entendi! Entendi! Para com isso. — resmungo, mesmo sabendo que ele NÃO vai parar com isso.
— ... eu que sempre estive ao seu lado, nunca te julguei, sempre te apoiei...
— Arthur, basta!
— ... e você? Quanta falta de responsabilidade afetiva! Tu deves cuidar daquilo que cativas, você sempre esteve do meu lado, me ajudou a passar nos meus piores momentos, sempre me defendeu de todo mundo que me perseguia, me acolheu mesmo quando todos me excluíam porque falavam que eu falava demais...
— E agora entendo o porquê. — praticamente rosno as palavras.
— ... sempre esteve ali por mim, nos bons e nos maus momentos e agora que eu pergunto algo tão essencial você diz que...
— Chega! Chega! Chega! — Minha voz eleva a cada palavra. Sei que se não retratar o que disse antes ele não vai ficar feliz, então falo. — Você sabe muito bem que eu não deixaria que fizessem isso com você, feliz?!
Ele relaxa no próprio lugar, e balança a cabeça de um lado a outro como quem diz: "Não, meu pequeno gafanhoto".
— Poderia estar mais se você dissesse que teria uma vingança épica, como fazer eles também comerem a merda deles.
— Arthur! — Seu nome sai quase que em um rugido. Minha paciência já chegando no limite
Ele solta um longo suspiro falso.
— Ok, me contento com seu limitado amor.
— Vá a merda, Arthur.
— Vou entender isso como, eu te amo, sou seu melhor amigo, um brother, quase irmãos e nossa amizade é para sempre.
— Definitivamente não foi o que eu disse.
— Não se preocupe amigo, também te amo, e sei que você é péssimo verbalizando seus sentimentos.
— возьму это в середину твоей задницы!! — Praticamente rosno. — Foi verbal o suficiente pra você?
— Não sei, tá em russo.
— Vai tomar no cu, Arthur.
— Thank you, baby, mas prefiro meter.
A raiva é tanta, mas tanta, que eu começo a rir. Porque não é possível.
— Você é descaradamente irritante. — Passo as mãos no meu rosto, num movimento de puxar, tentando arrancar a irritação fora.
— Esse é meu nome do meio.
— Como ainda não matei você.
— Vindo de você isso é uma ameaça séria.
E isso quebra o clima leve que quase ficou entre a gente, as lembranças como um chicote farpado batendo com tudo na minha cabeça, e em trazendo um mil de amargura, raiva e tristeza.
— Uh, ainda não lida bem com piadas?
— Cale a boca. — Falo amargo.
— Bom, mas isso só prova meu anterior argumento, que...
Lanço meu melhor olhar mortal para ele, tentando transferir da maneira menos sutil que ele é a segunda criatura mais irritante e deplorável desse planeta.
— Cedo demais para argumentos?
— Já disse que estou bem. — E dessa vez espero que ele pegue a deixa e procure um rumo.
E quando ele cabisbaixo vira para trás, penso por um segundo que ele realmente o fará, mas ele volta de novo para mim, dessa vez com queixo empinado e com aquele ar que sempre tem quando pensa que uma discussão está ganha.
— Você não está bem, eu sei disso porque eu não tô bem, então tu também não pode tá bem.
Fico calado por alguns segundos, tentando absorver a lógica do meu amigo e chego à conclusão de que ele deve tomar rivotril com cerveja no café da manhã, por isso os miolos estão derretendo.
— É ilógico.
— Não é não, diga o que queira mas se tu pensar bem, minha vida é uma merda e se eu estou na merda imagina tu? Que está mais para baixo do poço que eu.
— Não exagera, Arthur.
— Não exagerar?! — Ele fala verdadeiramente indignado — Diga o que queira, todos nós temos nosso próprio fardo para carregar.
— Você sempre fala exatamente a antítese do que eu digo apenas para contradizer. — Dou um sorriso amargo. — A veracidade é que é sumariamente ridículo escutar algo desse grau vindo de dois caras que mal bateram na porta dos dezoito.
Isso o deixa verdadeiramente irritado. Sua expressão muda a uma obscura. Uma que poucos veem, a outra face de Arthur.
Uma extremamente ácida, com um humor tão negro que chega a ser tangente ao mórbido, e com um sarcarmo ríspido e amargurado. Uma que ele costuma esconder, na maior parte do tempo, por trás de sorrisos e piadas sem graça. Tipo um sociopata em desenvolvimento.
Ele lança a cabeça para trás, e quando volta, um sorriso áspero cobre seu rosto, ele ergue as sobrancelhas e sei que o deboche vem.
— Tem razão é ridículo, completamente, absolutamente. — De seus lábios escapam uma risada ácida, ele põe a mão no queixo fingindo estar pensativo. — Sabe o que é mais ridículo? Ver meu irmão torturando a porra do melhor amigo, é sempre extasiante ver como o olho de alguém é arrancado como uma pinça antes de dormir. Uma delícia.
— Arthur. — tento puxá-lo para a realidade, mas seu olhar desfocado já deixa indícios de que ele está perdido nos próprios pensamentos, em uma sobredose de raiva.
— Sabe o que mais é ridiculamente gostoso? Ver minha irmã lutando pela vida depois de alojarem nela fodidas catorze balas, mas sabe o que é mais ridículo? Que quem fez isso foi o e dela supostamente desaparecido, mas que na verdade estava encarcerado por ela no porão, depois dela não aceitar o termino.
— O irônico é que normalmente é ao revés.
— Vá se foder Maksin! — Ele aponta o dedo pro meu rosto em um gesto de pura fúria. – Ou melhor não vai, porque eu me fodi lembra? Quando eu fui sequestrado acabei no meio de um campo de vôlei, comigo como a bola!
— Merda, Arthur. — falo em alerta, mas ele ignora inspirando fundo antes de ampliar o sorriso.
— Sendo jogado de um lado para o outro sem saber quem era aliado da minha família e quem queria me matar, com tiros e facadas rolando soltos. — Ele cruza os braços. — Que sabor, cê não tem ideia. gostosura danada, melhor do que passar férias no Havaí.
A voz dele assume um estado quase maníaco, com o quê da raiva e da tristeza. Junto à contradição que sente entre os próprios valores e o amor pela própria família.
— Só que daquela vez o frio na barriga não foi por andar de tirolesa, mas por ter a porra de uma bala alojada no meu estômago.
— Já entendi Arthur. — falo em tom suave, tentando puxar ele dá própria mente recheada de angústia.
— Não, não acho que entendeu, porque... porra Maksin! — as palavras saem em um arquejo de trsiteza e ira. — Meu pai é o desgraçado de um corrupto e é envolvido na máfia, e essa merda caiu no meu colo do nada e até hoje eu não sei lidar bem com isso, então não venha me dizer nada sobre exageros.
— Eu entendo.
— Não, não entende! Porque você vive falando para as pessoas se ajudarem e fica tentando ajudar os outros, e tem toda essa merda de empatia, mas esquece que você já se fodeu mais do que muita gente aqui.
— Ok, você está certo, eu só não gosto de falar das minhas merdas na escola. — Sento no chão e aponto para que ele se sente junto comigo. — Agora porque você não desabafa.
— Não tenho nada para falar. — Ele diz, mas ainda assim se joga ao meu lado.
— Você não ter nada a falar? Isso sim que é um milagre.
— Talvez. — Ele fica em silêncio por exatos dez segundos. — Mas não deixo de me sentir uma merda, sabe?
Resolvo permanecer em silencio para ele discursar à vontade.
— Eu fico julgando eles pelo que fazem ser errado, mas sempre que preciso é a eles que recorro, como aquela vez com o Dani, ou com o Thales, e de novo com o Thales.
— Arthur... — não sei exatamente o que dizer, nem como o consolar, não quando eu mesmo me julgo pelos mesmos motivos.
— Eu sei até onde eles poderiam chegar com eles, e ainda assim eu pedi para que cuidassem dessas pessoas.
— Eles estão bem. — Bom, bem é relativo, mas eles poderiam estar pior... então.
— Na medida do possível, né? Porque poderiam muito bem estar mortos.
— Conhecendo seu irmão, as vezes é melhor morrer que ficar com ele.
— Nem me fale, aquele cara nojento que tentou estuprar Dani, era um ser asqueroso, e agora está ali...
— Não quero saber dele. — falo cortante.
— Como um cachorrinho, esperando para satisfazer os desejos pervertidos do meu irmão.
— Já disse que não quero saber.
— A última vez que fui naquele antro que André chama de casa, ele fez ele vir até nós e servir como mesa. — Ele continua perdido em pensamentos. — Ele estava apenas usando fios entrelaçados pelo corpo, e parecia feliz em servir meu irmão.
— Você nunca escuta o que as pessoas dizem né?
— Procurei na internet e isso é BDMS com o submisso sendo escravo, ele tinha até uma coleira! — Ele balança a cabeça desnorteado. — Não sei o que é pior, eu estar indiretamente envolvido com a máfia, ou meu irmão ser um pervertido nojento.
— O pior mesmo é te escutar.
E ele ignora minhas queixas redondamente.
— Será que sou uma pessoa ruim Maks? — Ele questiona olhando para o vazio. — Por mais que eu saiba qual o destino desse cara e da mãe do Thales eu não mudaria nada.
Isso também me leva a ficar pensativo. Porque, caralho, aquele cara indo para a polícia iria ser solto rapidinho e poderia voltar a tentar fazer o que fez a Dani com outra pessoa, e a mãe de Thales, Natália, bem ... ela vendeu o filho, e quando eu pedi que minha mãe salvasse ele, a mulher ficou furiosa e só Deus sabe o que ela seria capaz de fazer com Thales para novamente tentar ganhar dinheiro para recuperar a empresa. Com Thales a salvo, e para matar dois coelhos com uma cajadada só pedi que minha avó comprasse a empresa, o que ela fez, e que meu tio desse um jeito em Natália. Não queria que chegasse a esse nível, mas ela surtou, queria porque queria matar o filho.
Atualmente, a mulher se encontra em um hospício, não sei se de verdade enlouqueceu ou o pai de Arthur mexeu uns pauzinhos na justiça para mantê-la lá. E talvez eu nunca saiba.
E talvez, eu não me importe tanto.
Ou talvez sim.
A verdade é que houvesse uma maneira lá atrás, em que pudesse voltar e resolver a situação sem chegar a tais extremos eu o faria. Mas se a opção fosse entre esse passado e um em que eu não interpusesse em nada e meus amigos saíssem feridos, então não posso dizer que sinto muito ao afirmar que não voltaria atrás em nada.
— Talvez nós dois sejamos pessoas ruins, Arthur. — Falo em um sussurro.
— É tão ruim assim proteger a quem estimamos?
— Uma ação certa, movida pelos motivos errados é errada, uma ação errada movida por motivos certos, continua sendo errada. — meu tom de voz saí sombrio pela verdade.
— Isso não é muito justo né? – ele fala com a cabeça entre os braços cruzados em forma de borboleta. — Quer dizer, se tratava do bem estar de pessoas que foram vítimas.
— É verdade, mas em teoria ainda não é nada eticamente correto.
Isso pôs a nós dois a pensar, afinal o mundo é assim, a sociedade é assim. Dita por meios tortos e julga com sal grosso o que é certo e o que é errado, ao mesmo tempo em que ela mesma dribla, em sua própria hipocrisia, o que enche a boca para afirmar.
— Bom, diferentemente de você, brother, eu li Maquiavel. — Ele fala sério — Então o que importa para mim são as consequências, não os meios.
Não consigo evitar soltar uma risadinha. Mesmo que no fundo concorde com ele, em partes.
— Acabou de me perguntar se isso te torna uma pessoa ruim.
Ele inclina a cabeça levemente para o lado, um de seus sorrisos mais assustadores tomando conta do rosto, deixando-o com um semblante frio e pensativo.
— Sim, mas acabo de decidir que, na verdade, eu não me importo de ser uma pessoa ruim, conquanto quem eu amo esteja bem. — ele dá de ombro, como se não fosse nada.
— Algo me diz que você tinha decidido muito antes de me perguntar.
— Você me conhece tão bem.
— Porque você é um lobo em pele de cordeiro. — Que nem naquele meme, essa pessoa parece que não pode te matar, mas mataria.
— E você é um lobo em pele de lobo.
— Desde quando isso virou uma batalha de qual de nós é o pior?
— Nunca, porque de verdade ainda não somos os piores, mas seremos. — Ele deita com os braços cruzados atrás da cabeça, os olhos sonhadores para o futuro. — Você, o CEO implacável, e eu o mais latente advogado.
— Isso deveria soar como algo bom? — Por mais sonhadoras que tenham soado suas palavras, também soaram auspiciosas.
— Não, é apenas nosso destino. — ele fala resignado. — Como o de qualquer um dessa escola, nossos destinos já estão traçados.
— Não é como se não pudesse ser pior, lembra? Nosso sobrenome nossa sina.
— As vezes tudo é tão desalentador, não acha?
Ela fala com sembalnte abatido. Seu rosto de pronto parece ter envelhecido alguns anos, dá para ver no encurvado que seus ombros ficam, quando ele relaxa a pose de despreocupado... a carga que ele parece levar consigo mesmo.
Eu deveria dizer algo alentador, deveria, mas...
— Não, são só hormônios.
Ele revira tantos os olhos que fica mostrando só parte branca da órbita.
— As vezes você é insuportavelmente racional.
— E o sujo volta a falar do mal lavado.
— Sou hipócrita, dizer o quê?
E nisso recai o silêncio, ficamos bons cinco minutos assim, encarando o vazio e pensando num futuro que a cada dia se aproxima mais e mais. E talvez eu nunca tenha outra pessoa, além do Arthur para me entender.
Mas minha própria mente contradiz minhas palavras, simultaneamente as imagens de Dani e Allysson ocupam minha cabeça.
Meu coração erra uma batida, quando foi que Allysson ocupou tanto minha mente, quanto para que, mesmo em um vislumbre, apareça em minha cabeça?
Quando foi que tudo se tornou tão confuso?
— Está pensando nele, não está?
A voz de Arthur me pesca de meus pensamentos. O encaro e seus olhos tem uma seriedade que indica que seria perca de tempo tentar negar.
— O que você acha?
— Que ele não é exatamente uma pessoa boa. — Sinceramente...
— E eu jurando que tínhamos acabado de concordar que também não somos.
— Você não suporta bullying Maksin, não se envolva demais com esse tipo, se um dia ele fizer uma das merdas dele de novo e isso te der uma gatilho, ou pior, ele machucar alguém como fez com aquele idiota, e você ter que bater nele para defender um dos seus amigos, você não vai se perdoar.
— Pare de falar como se soubesse o que eu sinto.
— E não sei?
— Não, não sabe. Você acha que estou me apaixonando por ele, quando o que eu sinto não passa de empatia, intrigamento e talvez uma leve atração.
— Você se engana.
Talvez. Mas isso não admitirei jamais, além disso sei que joguinho esse pestinha está fazendo.
— Não, eu me conheço, mas talvez você esteja se enganando. — Falo no mesmo tom que ele, e dessa vez é ele quem arregala os olhos com surpresa e incômodo.
— Não se atreva.
— Allysson e eu, não somos a mesma coisa que você e Renan, Arthur.
— Cale a boca! Você não sabe do que está falando! — ele aponta o dedo direto para mim.
— Acha mesmo que não sei do que estou falando? — levanto também e o encaro, frente a frente. — Ou realmente crê que não sei o que aquele babaca faz com você.
Ele solta um arquejo de surpresa, seus olhos se arregalam.
— Acha mesmo que, se eu não soubesse que você gosta daquele maldito, eu já não teria dado um jeito nele por tudo que já fez a você?
— Agora a pouco você falava sobre violência, amigo. — ele solta debochado.
— Tem razão, e você também está certo. — as palvras saem de forma dura, mas é mais por admitir que Arthur está certo em alguma coisa. — Quando se trata da minha família, e de quem eu gosto, eu também posso ser bastante hipócrita.
— Não perseguir a inocentes, mas chutar o traseiro de quem ataca pessoas que a nós nos importa. Bem Petrov.
— Exatamente. — aperto seu ombro, forçando-o a olhar para mim — Por isso é melhor você dar um basta em Renan, dá próxima vez que eu te ver chegar todo roxo porque se recusa a se defender dos ataques dele, não posso prometer não ir lá dar uma surra no desgraçado, nem que seja uma de leve.
Minha fala arranca dele um leve bufar.
— Não se preocupe, dá última vez eu não estava em um bom dia, e basicamente perdi os estribos, desde então ele não me atormenta. — ele fala com um olhar perigoso, ao mesmo tempo com uma ponta de tristeza.
A verdade é que Arthur sabe se defender tanto quanto eu, ele não revida os ataques de Renan por medo de machucá-lo. Mas não só por isso, algo me diz que o bullying de Renan com ele é a única aproximação que ambos têm, por isso ele está chateado. Renan o temendo evitará se complicar com ele.
— Sua quedinha por ele me preocupa bastante. — não poderia não expressar esse fator. A obssessão dele pelo cara é estranha.
— Não sei nem como você descobriu isso... — ele fala pensativo.
— Já vi você quebrar o braço de um cara que era dois do seu tamanho, se defender de cinco dos homens de seu pai ao mesmo tempo, e caso não lembre no acampamento de verão o psicopata do seu pai teve a brilhante ideia de nos enviar para um guia de sobrevivência.
As lembranças daqueles trinta dias passam em um lapso que faz com que nós dois estremeçamos. Trinta dias, lançado em uma floresta sem quite de sobrevivência nenhum, nem as roupas do próprio corpo. E de vez em quando sendo caçados por alguns dos homens do pai dele, "apenas para dar uma esquentadinha". Arthur aprendeu a desarmar e esfaquear alguém no mesmo tempo em que uma onça pula na presa.
Mas sinceramente... prefiro apagar essa tortura da minha memória. E imagino que o pai de Arthur também, pois quando o meu descobriu que na verdade o acampamento de férias era uma espécie de largados e pelados 2.0. Digamos que não houve seguranças o bastante para protegê-lo quando meu pai virou uma fera.
Foi traumatizante para todo mundo ali.
— E lá estava você apanhando de um cara que nem boxear direito sabe. Pelo amor.
— Ok, ok. É inegável, dizer o quê? Eu o odeio, mas não posso evitar sentir atração por ele, ele é bem bonito, não acha?
— Nunca reparei.
— Claro, seus olhos só reparam no Dani e no Gonzales.
Apenas dou de ombros, com indiferença. A essa altura do campeonato, o que adianta negar? Sobre Daniel, de fato, eu gosto dele, gosto de ouvir o som da risada dele, e gosto de ver como ele fica irritado as vezes, e gosto do jeito dele. E Allysson, bem eu não tenho certeza.
Sei que o odeio por magoar a Dani, por me recordar as merdas que fiz no passado, por me recordar as merdas que fizeram a mim no passado. O odeio por ser tão babaca gratuitamente.
Mas também, odeio vê-lo chorando, odeio quando o vejo naquele estado frágil, odeio saber que ele se odeia quando se encontra daquele jeito, odeio ver como as pessoas o machucam propositalmente. Odeio ter sido parte dessas pessoas.
Odeio perceber a cada dia que ele não é um babaca valentão, apenas.
Odeio perceber que há alguém doce por trás de todos os ataques que ele usa como defesa.
Odeio como o sorriso dele o faz parecer tão inocente. E depois odeio constatar que hão partes de Gonzales que são, de fato, inocentes. Por fim, odeio saber que há pessoas que se aproveitam disso.
Odeio quem o deixou naquele estado de trauma, me odeio só de pensar na possibilidade de ter sido eu. E odeio mais ainda o pressentimento de que não fui eu.
Odeio o fato de que, em algum momento, comecei a odiar as pessoas que implicam com ele.
Odeio não saber direito o que sinto em relação a ele.
O odeio por aos poucos estar neutralizando minha capacidade de não gostar dele.
Gonzales se tornou meu maior enigma. E não sei se em algum momento poderei desvendá-lo.
Se eu realemente quero desejar desvendá-lo.
— Algo me diz que não é em Dani que você está pensando.
— Você ainda está aqui? — minha voz sai fria, assim como meu humor.
— Já considerou que você pode ter Bordeline?
— Já considerou que você é intrometido demais?
— Já peguei a minha deixa, cara pálida. — ele resmunga. — Mas falando sério, como um cara que te conhece... ele? Sério?
— Não seja hipócrita de falar do caráter dele de novo.
— Não vou, mas sei que tu tá começando a gostar dele Maks, não sei porque, mas tá... e bem, talvez não seja tão ruim.
Apenas o encaro com olhar inquisidor.
— Ele definitivamente não faz o seu tipo, é algo inovador. — ele fala pensativo. — Inesperado, não acha?
Ele vira o rosto para mim, sobrancelhas erguidas, esperando por uma afirmação que sabe que não virá.
— Acho que você acha que sabe demais.
— Mas eu sei... — ele abre a boca, e estou socialmente cansado demais para mais um de seus discursos.
— Renan hoje reservou a quadra para fazer treino extra, sozinho.
Isso parece deixá-lo abismado, ele "trava", abre e feha a boca rapidamente antes de soltar.
— Pensei que não achava boa ideia eu me envolver com ele.
— Pensei que seria mais fácil as estrelas caírem na Terra do que você me escutar.
— Está tentando se livrar de mim, me magoa.
— Nós dois sabemos que você tá doido para ir pra lá, então vai. — ele assente com acabea e vira as costas, mas eu o chamo com um assobio. — Não arranje confusão, Arthur.
Ele já está longe, mas creio ter escutado uma afirmação. Ou isso espero.
As palavras de Arthur rondam a minha mente, enquanto eu penso em meu colega de quarto Realmente não vejo o caminho a minha frente, então apenas sinto quando trombo com alguém. O cheiro de sândalo, biscoitos, morango e chocolate chega as minhas narinas antes mesmo de que eu possa focar minha visão.
— Gonzales.
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