Capítulo 5
O trabalho
A sala de aula estava cheia e barulhenta; os alunos sentados já tinham aproximado suas carteiras das dos amigos e conversavam entre grupos de forma exageradamente alta. Nesse momento, o nosso professor de biologia, Sr. Max, entrou na sala, o que resultou em um som grutal de vários alunos arrastando as cadeiras para colocá-las no local certo. O professor colocou seus materiais sobre a mesa e fixou os olhos em mim por vários segundos. Com esse olhar, soube imediatamente que ele tinha aceitado minha proposta.
Depois de Felipe me deixar só no vestiário, após o treino do dia anterior, eu tinha planejado cada palavra do meu discurso. Quando finalmente fui falar com o professor de biologia, uma das poucas aulas que eu tinha com Felipe, a minha fala saiu tranquilamente. A verdade era: eu não conseguiria me aproximar do Garoto-Morcego sem ajuda externa, então a ideia de falar com um professor me pareceu mais do que correta.
- Bom dia, meus alunos. Perdoem-me pelo atraso. - O Sr. Max sorriu, tentando acalmar a turma, que ainda conversava, mesmo que fosse em um nível sonoro menor.
Eu também não conseguia ficar quieto naquela manhã. Meu pé batia incontrolavemente sob a mesa, tamanha a expectativa do que ele tinha a nos dizer, e, ainda mais, a ansiedade para o jogo que aconteceria de naquela noite me deixava ainda mais nervoso. Aquele jogo seria muito importante para avaliar as falhas de nosso time e, assim, poder consertá-las, mas eu sabia que não conseguiria me concentrar corretamente se meu plano não funcionasse.
Sr. Max finalmente conseguiu fazer todos ficarem em silêncio e então escreveu a data no quadro, esfregando as mãos antes de se voltar para nós de novo e começar a falar:
- Bem, como todos os anos, vocês terão que fazer um projeto que vai valer a nota do trimestre. Cada série fará de uma disciplina diferente e vocês, do segundo ano, ficaram com biologia e sociologia.
Algumas pessoas resmungaram, dizendo que eram as matérias mais complicadas para trabalhar em conjunto, o que não era uma mentira, afinal, era difícil encontrar um tema que se aprofundasse nas duas disciplinas. Se meu plano não estivesse em andamento, provavelmente eu estaria pensando a mesma coisa, mas eu sabia que conseguiria entender bem a matéria e faria o projeto tranquilamente se uma certa pessoa me ensinasse.
Aquele tinha sido um dos meus argumentos. O Garoto-Morcego tinha sempre notas fantásticas naquelas duas matérias, fato esse que o tornava perfeito como dupla para mim, um jogador do time de futebol que nunca conseguia notas realmente boas. Talvez, esse tenha sido o principal ponto para convencer nosso professor a permitir aquele trabalho em duplas e, ainda, demarcá-las por conta própria.
- Mas como trabalhar duas matérias tão distintas? - Max continuou, passando os seus pequenos olhos por toda a sala. - Pensando nisso, arrumei uma forma de ajudá-los esse ano: o projeto será em duplas e a pontuação será a mesma para os dois.
No mesmo segundo, a sala explodiu em conversas animadas, todos já definindo as duplas. Amigas gesticulavam impacientemente, perguntando umas às outras se o professor deixaria elas fazerem "dupla de três", meus colegas de time gritavam mais ao fundo da sala, chamando as garotas mais lindas para serem suas duplas. Eu, por outro lado, soltei um suspiro aliviado, afinal, meu plano corria perfeitamente, e acabei saltando de susto quando Scott bateu no meu ombro. Virei ligeiramente o rosto para vê-lo sentado atrás de mim.
- Eu e você, okay? - Falou.
Assenti. Meu melhor amigo sorriu agradecido - ainda que ruins, minhas notas eram melhores que as dele - e depois se reencostou na cadeira e piscou um dos olhos para Marie Elizabeth, que apenas revirou os olhos e virou o rosto, ignorando Scott. Ele mal sabia que a divisão das duplas não seria bem assim e que não deveria se sentir tão relaxado sobre isso.
O Sr. Max pediu silêncio diversas vezes e, por fim, acabou batendo o punho sobre mesa e produzindo um som alto e chamativo que calou a todos.
- É justamente esse tipo de coisa que fez os projetos passarem a serem individuais dois anos atrás. - Aquilo definitivamente chamou a atenção de todos, os quais trocaram olhares preocupados. - Retomando de onde fui cortado, os trabalhos serão em duplas sim, mas quem montou-as fui eu.
As vozes se ergueram novamente, indignadas com aquilo e, por alguns segundos, me senti culpado por dar a ideia de dissolver duplas formadas pela amizade. Em meio ao tulmuto, Marie Elizabeth se pôs de pé:
- Isso não é justo! Temos direito de escolher nossas duplas!
- Sente-se, Srta. Turner. Isso não tem nada de injusto e eu, como professor, tenho toda a liberdade para fazer isso. - Marie, de cara fechada, acabou sentando novamente e o Sr. Max continuou calmamente: - Bem, como podemos trabalhar a sociologia se não misturando as divisões? Essa sala é um exemplo claro das divisões em grupos distintos que não interagem entre si e isso vai mudar, nem que seja pela força de um trabalho tão importante. Agora, vou listar os nomes.
Tirou um papel amassado da bolsa e eu tive que segurar a respiração enquanto ele colocava os óculos para ler os nomes. Não sabia porque estava tão nervoso, afinal, a ideia tinha sido minha, mas pensar em fazer um trabalho tão longo com Felipe deixava meu corpo tenso. Eu finalmente teria uma chance real de ganhar aquela maldita aposta.
Foi nesse momento que, para o meu desespero, o Sr. Max começou a ler a lista de forma lenta e gradativa:
- Elize e Joe.
Nerd e jogador. Joe bateu o punho na mesa, frustado, enquanto a garota apenas se encolhia sobre si mesmo com as bochechas excessivamente vermelhas.
- Alex e Alex.
Uma das seguidoras de Marie e um emo calado que, paradoxicamente, fazia parte do grupo de teatro da escola.
- Marie Elizabeth e Scott.
Atrás de mim, meu melhor amigo respirou fundo e bateu no meu ombro, gargalhando enquanto falava:
- Você ouviu isso, cara? Desculpa, mas fazer esse trabalho com ela vai ser muito melhor. - Scott mal se aguentava de felicidade, apesar de Marie estar bufando do outro lado da sala e ignorando qualquer contanto visual que ele tentasse fazer.
Sorridente como estava - tinha até mesmo começado a batucar animadamente sobre a mesa - eu tinha certeza que o "fazer" o qual ele se referia não estava no sentido que o professor gostaria que estivesse. Ri e neguei com a cabeça.
E então, o nosso professor falou mais dois nomes:
- Felipe e Tody.
Finalmente pude relaxar na cadeira e soltar um profundo suspiro de alívio. Antes que eu me controlasse, olhei para o fundo da sala. Os olhos de Felipe estavam fixos em mim, o azul claríssimo lançando faíscas e as sobrancelhas franzidas, como se não acreditasse no que tinha ouvido. Lancei-lhe um sorriso sincero e ele tentou não responder, mas acabou abrindo um sorrizinho minúsculo também e virando o rosto logo depois, deixando o cabelo negro cobrir parte de sua expressão.
O resto do tempo de aula foi nebuloso para mim. Eu não prestei atenção em nenhum segundo, em nenhuma outra dupla, de tão perdido em pensamentos estava. Eu tinha que saber bem o que falar e sobre o que falar com o garoto. Precisava planejar tudo se quisesse chegar à algum lugar com aquela aposta.
Afinal, eu iria passar muito tempo com o Garoto-Morcego dali para frente.
••••
Quando o sinal tocou, saí da sala rapidamente e apoiei-me nos armários em frente à porta. Enquanto todos de dispersavam pelo corredor, cruzei os braços sobre o peito e observei cada aluno passar, esperando pela saída do Garoto-Morcego.
Como sempre, ele estava totalmente vestido de preto: usava um jeans rasgado nos joelhos, uma camisa de manga comprida parcialmente dobrada sobre os bíceps e coturnos desamarrados. A pele muito clara se tornava pálida em contraste com as roupas e o cabelo escuro.
Naqueles poucos segundos de distração do garoto, enquanto ele guardava um caderno na mochila que pendia na lateral de seu corpo, gravei estranhos pequenos detalhes sobre ele - como o fato de ele ter dedos longos e finos - e depois pisquei quando percebi que ele estava parado na minha frente. Suas sobrancelhas estavam franzidas e qualquer sinal de amistosidade tinha desaparecido de sua expressão.
- Fale a verdade. - Felipe disse, imitando-me ao cruzar os braços. - Você tem o dedo nessa história de duplas, não tem?
Dei de ombros, desviando os olhos dele para os meus sapatos para finalmente erguê-los novamente.
- Por que eu teria?
Ele revirou os olhos místicos para mim e então deu um passo para ir embora, sem nem mesmo guardar algo no armário, no qual eu ainda me encostava, ou tentar arrancar de mim qualquer outra informação. Em um impulso repentino, agarrei seu braço e o impedi de partir.
- Espera! - Falei. - Por que tenho a impressão que você tem medo de mim? Sempre está fugindo.
Felipe desceu um olhar ameaçador para a minha mão, que segurava seu braço, e eu o soltei lentamente. Quando se viu livre, disse:
- Não precisa se preocupar com nada, Tody Benson. Já tinha pensado em alguns detalhes para o projeto e consigo fazer tudo sozinho. Você só vai precisar falar uma coisa ou outra no dia da feira de ciências e terá sua nota.
Arregalei os olhos ao ouvir aquilo, afinal, ele não poderia estar realmente falando sério, não era? Ou poderia? Se estivesse, todo o meu plano iria por água abaixo naquele exato segundo e, ainda mais, Felipe teria uma péssima visão sobre mim. De repente, o que ele pensava passou a importar, fazendo meu estômago formigar em uma apreensão até então desconhecida.
- Eu n-não quero me aproveitar. - gaguejei involuntariamente. Não sabia mais o que falar, tudo parecia ter sumido. - Quero ajudar com o projeto.
Felipe riu falsamente, jogando a cabeça para trás, para logo parar e me olhar com uma expressão de repúdio.
- Okay, já chega! Qual é o truque dessa vez, ein? - A cada nova palavra, ele se inclinava um pouco mais sobre mim, os olhos azuis mais escuros e intensos. - Vocês sempre me exploram, de uma forma ou de outra, não vai ser diferente dessa vez.
Senti-me acuado, nervoso e com raiva. Antes que pudesse me arrepender, bati o punho fechado contra os armários, causando um barulho surdo que ecoou pelo corredor que, naquele momento, estava quase vazio. Eu estava começando a ficar irritado com o "nós" que os jogadores do time como um todo representavam.
- Quer parar de me comparar com todos eles? - Disse, forte demais. - Me dê uma chance de provar que eu não sou um tapado idiota como pensa que sou!
Isso o surpreendeu e a algumas pessoas que ainda transitavam pelo corredor, porém, o Garoto-Morcego apenas se assustou ligeiramente com o soco, mas soube esconder muito bem sob uma expressão impassível.
- Não tenho motivo algum para acreditar em você. - Ele respondeu. - Quem você está achando que é? Acha mesmo que virou meu herói só porque me ajudou quando um imbecil do seu time quebrou uma garrafa de cerveja em mim?
- Não estou tentando ser herói de ninguém! - Gritei e remexi as mãos no cabelo, na tentativa de me acalmar. - Só quero fazer um maldito trabalho, é demais?
Respirei fundo diversas vezes enquanto Felipe apenas me olhava, me analisava como se eu fosse um rato de laboratório. Em um flash de memória, lembrei da verdadeira razão daquele trabalho em dupla existir e da estúpida aposta que, naqueles últimos minutos, tinha sido esquecida. Mais calmo, falei quase em um sussurro:
- Temos mais ou menos um mês para escolher um experimento muito legal que possa chamar a atenção dos nossos professores. Não quero, não vou, ficar de braços cruzados, então, por favor, me diga quando você tem tempo para discutirmos sobre isso.
Soltei o ar. Fiquei surpreso em como aquelas palavras se tornaram verdadeiras logo depois que eu as pronunciei. De alguma forma, a resistência do Garoto-Morcego tinha me deixado curioso o suficiente para realmente querer fazer aquele trabalho com ele, provar para as pessoas que elas estavam erradas sobre as relações sociais. Será que ele era um cara legal por trás daquelas roupas pretas?
Felipe soltou o ar sonoramente, passando os dedos pela sobrancelha escura diversas vezes como se massageasse-as.
- Tudo bem, então. Talvez eu possa ir para a sua casa hoje ou amanhã e...
- Não pode ser na minha casa. - Interrompi antes que continuasse. Não queria que ele conhecesse meu pai, não tão cedo, pelo menos . - Por razões simples: não tem nada lá que possa servir para nós.
Ele pensou um pouco, mordendo o lábio inferior com certa força.
Suspirou novamente, mais baixinho dessa vez, e massageou novamente a área próxima aos olhos.
Desde quando eu reparava em tudo que ele fazia?
Fazendo um gesto de desdém com a mão, ele resmungou por fim:
- Sai da frente.
Dei um passo para o lado, deixando o caminho livre. Ele abriu o armário, arrancou uma folha de papel de um dos vários cadernos espalhados ali e, apoiando a folha no metal da porta, rabiscou alguma coisa. Quando terminou, estendeu o papel para mim.
- Meu endereço. Sei que tem jogo hoje a noite, mas, se quiser passar por lá de tarde, é só bater na porta. - Fechou o armário com um um barulho forte.
Assenti, sem saber exatamente o que responder. Felipe deu as costas para mim e partiu, sem se despedir - de novo, por sinal!
E, enquanto o garoto desaparecia no fim do corredor, olhei para a escrita desleixada que nem parecia pertencer a uma pessoa que fazia desenhos incríveis. Estranhamente, papel ligeiramente amassado me trouxe uma sensação boa.
Sem querer, sorri.
__________
Olá de novo!
Me perdoem por todo esse tempo sem atualizar. Estive tão sem tempo que nem ao menos consegui reler e reescrever esse capítulo - acreditem, é mais difícil reescrever do que escrever pela primeira vez.
Bem, espero que tenham gostado. Nessa nova versão, vocês vão perceber mais a mudança em Tody mais intensamente.
All the love
Kyv❤
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